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Revista Brasileira de Psicodrama
versão On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.27 no.1 São Paulo jan./jun. 2019
https://doi.org/10.15329/0104-5393.20190011
DOI: 10.15329/2318-0498.20190011
Artigos Originais
Educação, mídia e internet: desafios e possibilidades a partir do conceito de letramento digital
Education, media and internet: challenges and possibilities based on the concept of digital literacy
Educación, medios de comunicación e internet: desafíos yposibilidades a partir del concepto de alfabetización digital
Ricardo Zagallo CamargoI*; Manolita Correia LimaII; Danilo Martins ToriniIII
IEscola Superior de Propaganda e Marketing, Programa de Mestrado Profissional em Comportamento do Consumidor – São Paulo/SP – Brasil ORCID: 0000-0003-2697-296X
IIEscola Superior de Propaganda e Marketing, Programa de Pós-Graduação em Administração Faculdade, Departamento – São Paulo/SP – Brasil ORCID: 0000-0001-6852-2997
IIIEscola Superior de Propaganda e Marketing, Núcleo de Inovação Pedagógica – São Paulo/SP – Brasil ORCID: 0000-0001-6163-3192
Resumo
A forte presença da comunicação digital no cotidiano das escolas demanda uma educação que ocupe o lugar de crítica e mediação diante dos discursos em circulação. Alinhados com essa percepção e embasados pela literatura e pelas pesquisas recentes, discutiremos o conceito de letramento digital (digital literacy), que envolve o desenvolvimento de competências para o uso crítico e informado dos meios digitais, em especial, no contexto das metodologias ativas de aprendizagem. As considerações finais apontam para os desafios encontrados com o objetivo de se estabelecer um diálogo virtuoso entre Educação e Comunicação e sugerem como possíveis caminhos o uso das TICs que enfatize seu caráter comunicacional, assim como o diálogo com os conceitos morenianos de espontaneidade e criatividade.
Palavras-chave: educação, letramento, metodologias ativas, mídia, internet
Abstract
The strong presence of digital communication in school’s routine demands an education that occupies the place of criticism and mediation before the speeches in use. Aligned with this perception and base on literature and recent studies, we will discuss the concept of digital literacy, which involves the development of skills for a critical and knowledgeable use of digital media, especially the context of learning active methods. The final considerations point out the challenges encountered to establish a virtuous dialogue between Education and Communication and suggest as possible ways the use of ICTs that emphasizes its communicational character, as well as the dialogue with the Morenian concepts of spontaneity and creativity
Keywords: education, literacy, active methods, media, internet
Resumen
La fuerte presencia de la comunicación digital en el cotidiano de las escuelas demanda una educación que ocupe el lugar de crítica y mediación ante los discursos en circulación. Ajustados a esa concepción y basados en la literatura y las investigaciones recientes, discutiremos el concepto de alfabetización digital (digital literacy), que implica el desarrollo de aptitudes para el empleo crítico y actualizado de los medios digitales, en particular, en el contexto de las metodologías activas de aprendizaje. Las consideraciones finales apuntan a los desafíos encontrados con el objetivo de establecer un diálogo virtuoso entre Educación y Comunicación y sugieren como posibles caminos el uso de las TICs que enfatiza su carácter comunicacional, así como el diálogo con los conceptos morenianos de espontaneidad y creatividad.
Palabras clave: educación, alfabetización digital, metodologías activas, medios de comunicación, internet
INTRODUÇÃO
A reflexão diante da amplificação, da diversificação e do aprofundamento da presença do aparato comunicacional digital no cotidiano e, em especial, no cotidiano das instituições de ensino e aprendizagem, demanda novos e contínuos esforços na prática educacional e tem ocorrido, como identifica Citelli (2014, pp. 70-71), por meio de pelo menos três grandes linhas de força. A primeira entende que a Educação funciona como defensora de valores, padrões e juízos para combater o consumismo, a erotização e outros apelos socialmente desagregadores. A segunda percebe a Educação como o lugar de um contradiscurso diante dos meios de comunicação que veiculam e legitimam os valores das classes dominantes. A terceira, constituída por aportes menos reativos, identifica no plano da cultura e das relações sóciohistóricas, que incluem a Escola, uma capacidade mediadora, capaz de retrabalhar os sentidos postos em circulação pelo discurso midiático.
Neste artigo, propomos uma discussão alinhada com a segunda e a terceira vertente. Da segunda, reteremos a noção de que a mídia veicula de forma extremamente potente visões hegemônicas de mundo, diante das quais se espera que a Educação atue com o objetivo de colaborar para a emancipação dos indivíduos. Da terceira, nos apropriamos da ideia de mediação, proposta, entre outros, por Martín-Barbero (2015), que insere o papel da mídia em processos sociais e culturais mais amplos.
Para tratar dessa interface entre uma comunicação ubíqua e uma educação cada vez mais desafiada pelas transformações materializadas em inúmeros aparatos tecnológicos, destacaremos o conceito de literacy, aqui traduzido como letramento,1 em especial o letramento digital, que envolve competências para um uso crítico e informado dos meios digitais. Algo que ganha contornos mais complexos com a convergência de tecnologias, formatos e espaços; fusão de informação e entretenimento, trabalho e lazer; e diluição de divisões entre público e privado, nacional e global; e até mesmo entre infância, juventude e vida adulta (Livingstone, 2011, p. 22).
A partir de levantamento preliminar da literatura recente referente ao letramento digital,2 discutiremos a necessidade de ampliação de papéis e redefinição de propósitos da Educação (Citelli, 2014, p. 73), visando contribuir para a constituição de sujeitos sociais capazes de estabelecer diálogos críticos com as realidades comunicacionais e tecnológicas.
UM LETRAMENTO PARA A ERA DIGITAL
Raymond Williams (2007) situa o surgimento do termo “letramento” (literacy) em língua inglesa no final do século XIX, como derivado da palavra “literatura” e criado para expressar a “obtenção e posse de competências vistas como cada vez mais gerais e necessárias” (Williams, 2007, p. 259). Definição que, impactada pela revolução tecnológica, em especial a internet, passa a envolver o domínio de um novo alfabeto, sintaxe e gramática digitais para lidar com a informação na vida cotidiana.
Para dar conta desse novo tipo de letramento, Paul Gilster propôs o conceito de letramento digital (digital literacy), em livro de mesmo nome, lançado em 1997, para se referir não apenas à habilidade para lidar com fontes digitais, mas também a um tipo especial de mentalidade necessária para navegar nos fluxos informacionais contemporâneos (citado por Bawden, 2008, p. 18). Gilster propõe uma definição aberta sem listar competências específicas, e, apesar de certa inconsistência no uso do termo, diversos autores têm seguido essa visão, considerando letramento digital (LD) um conceito amplo e apropriado, que também inclui a desenvoltura no uso de fontes não digitais (citado por Bawden, 2008, p. 28)
Rosa & Dias (2012, p. 51) propõem a operacionalização do conceito por meio da conjunção de duas dimensões complementares de habilidades funcionais: a dimensão técnicooperacional em tecnologias da informação e comunicação (TIC), que envolve conhecimentos para manuseio das TICs para agir no ambiente digital; e a dimensão informacional em TICs, ligada à capacidade de manusear e integrar informações nos diferentes níveis e formatos do ambiente digital para que estas se transformem em conhecimentos úteis, aludindo também questões de validade e segurança, assim como a compreensão de padrões de funcionamento que permitam o desenvolvimento autônomo nesse ambiente.
Livingstone (2011), por sua vez, levando em conta as expectativas sociais, econômicas, culturais e políticas que a sociedade reserva para o desempenho da chamada “geração internet”, propõe um letramento para a internet (internet literacy), englobando três dimensões: letramento como forma de conhecimento desdobrada em diferentes fases, desde o acesso até competências mais complexas de interpretação e avaliação; letramento como forma de conhecimento que interliga a habilidade individual e as práticas sociais condicionadas pela situação sociocultural e econômica; e letramento como uma síntese de competências reguladas socialmente, englobando tanto a norma quanto a transgressão.
LETRAMENTO DIGITAL COMO QUESTÃO GLOBAL
O LD aparece entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável,3 definidos pela ONU em 2015, no objetivo 4 – Educação inclusiva, equitativa e de qualidade –, tópico 4.4, que foca habilidades para emprego, trabalho decente e empreendedorismo. Ainda no âmbito internacional, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura definiu LD como “habilidade de acessar, gerir, entender, integrar, comunicar, avaliar e criar informações de forma segura e apropriada por meio de equipamentos digitais” (UNESCO, 2018, p. 6), tendo em vista a participação na vida econômica e social e agrupando competências referentes ao letramento em TICs, computacional, informacional e midiático. A UNESCO elaborou também o European Commission’s Digital Competence Framework for Citizens (DigComp 2.1), cuja revisão incluiu países de baixo e médio nível de renda, assim como competências de LD utilizadas nos principais setores econômicos, como agricultura, energia, finanças e transportes, chegando a uma proposta de framework global:4
Outras iniciativas semelhantes – como a pesquisa Kids Online (2010-2018), atualmente na quarta edição, que inclui o Brasil, e a Rede de Investigação e Intervenção para a Literacia e a Inclusão Digital (ObLID) em Portugal,5 conduzidas por organismos nacionais e internacionais – buscam atuar política e socialmente, reconhecendo o LD como conjunto de competências para transitar com liberdade e segurança nos ambientes digitais.
NATIVOS E (I)LETRADOS DIGITAIS?
Livingstone (2011) problematiza o senso comum, que parte do pressuposto que uma criança é naturalmente habilidosa ao manejar telas de aparatos digitais, descrevendo o contato com três crianças participantes de um projeto de LD no Reino Unido e chama atenção para as dificuldades e as sutilezas do relacionamento delas com a internet.
A primeira é Megan, integrante de família com padrão médio-alto, visitada aos 8 e aos 12 anos, que, apesar de considerada pelos pais como “viciada em informação”, fazia o uso ineficiente de pouquíssimos sites e, embora tivesse um estilo on-line rápido e competente para chegar aonde queria, tinha uma perspectiva estreita, com pouco espaço para exploração. A segunda é Anisah, visitada aos 12 e 15 anos, originária de uma família de Gana e moradora de uma vizinhança problemática, que, apesar de vivaz e confiante no uso da internet para realizar pesquisas escolares, possuía habilidades deficitárias. O terceiro é Ted, visitado aos 14 e 18 anos, educado em casa, de uma família de classe média branca e que, embora tivesse mais recursos (financeiros, educacionais e parentais) disponíveis, fazia uso restrito da internet como meio de comunicação e de lazer (música), sem avançar nas competências ligadas à informação ou à educação.
Com base nesses três exemplos de jovens tão diferentes, por razões de gênero, classe, etnicidade e educação, mas igualmente desafiados a aplicar suas aptidões e seus recursos nos usos da internet, somos apresentados a um quadro de difícil equilíbrio entre liberdade, segurança e privacidade. Onde prevalecem letramentos parciais, com ênfase nos aspectos técnicos, com pouco espaço para práticas educacionalmente mais ambiciosas (Livingstone, 2011).
A seguir, nos propomos a ampliar o questionamento proposto pela autora. Buscando, com o relato das limitações, não apenas de professores, mas também dos jovens considerados “nativos digitais”, pensar como as práticas educacionais, em especial os métodos ativos de ensino e aprendizagem, podem contribuir para lidarmos com o complexo contexto digital.
LETRAMENTO DIGITAL E A EDUCAÇÃO FORMAL
Como destaca Citelli (2018), ao menos sob o ponto de vista legal, existe uma preocupação dos educadores para reconhecer o lugar das TICs na escola. A resolução nº 3 do Conselho de Educação Básica (CEB), de 26 de junho de 1998, já previa Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, considerando o impacto das TICs nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social. Cerca de 20 anos depois, a chamada reforma do Ensino Médio, sancionada em 16 de fevereiro de 2017, também contempla as novas tecnologias em sua estrutura curricular, permitindo verificar junções entre os enunciados da resolução do CEB e da reforma do Ensino Médio no que tange ao tema das TICs nos ambientes educacionais. O autor pondera, contudo, que entre a prescrição legal e o cotidiano dos ambientes de ensino e aprendizagem há distonias entre as práticas didático-pedagógicas e as demandas da cidadania tecnológica e comunicativa. Mas também há sintonias, como veremos nas reflexões de estudiosos(as) do campo educacional, que desvelam múltiplos desafios e potencialidades.
A relação entre sujeitos sociais e objetos tecnológicos é abordada por Silva (2011), que enfatiza o uso crítico das tecnologias associado a situações de aprendizagem que aprimorem as práticas de LD; e por Peixoto (2015), que propõe uma abordagem sociotécnica, marcada por uma racionalidade dinâmica, com reavaliação constante de “finalidades e meios, disposições e condições, expectativas e respostas” (p. 329).
Gutiérrez e Tyner (2012) apontam para desentendimentos na literatura internacional sobre conceitos ligados ao LD, alertando para os riscos de interpretações técnicas reducionistas e enfatizando a importância de abordagens críticas que incluam os usos sociais, as atitudes e os valores associados às novas mídias. Seguindo essa trilha, Vivanco (2015) observa como as TICs se convertem em um ecossistema comunicativo que favorece novas subjetividades e formas de estar no mundo, Area e Ribeiro (2012) consideram os novos letramentos como direitos individuais e condições necessárias ao desenvolvimento social e democrático e Gomes (2016) caracteriza o LD como uma demanda, sobretudo, social.
No âmbito da formação e prática docente, Abreu e Nicolai-da-Costa (2003) relatam tensão e ansiedade no uso educacional da internet, ainda associada a mudanças radicais, que colocariam em xeque o papel tradicional do(a) professor(a). Dilema que Freitas (2010) enfrenta com a proposta de um papel mediador, aberto e crítico diante da tecnologia.
Os desafios na formação de professores(as) são ilustrados por Echalar e Peixoto (2016), que ao investigar o “Programa Um Computador por Aluno”, promovido pelo estado de Goiás, encontraram um modelo formativo docente baseado numa racionalidade instrumental, tendo a fragmentação e a hierarquização com pressupostos. Já Lagarto e Lopes (2018) em uma investigação com docentes do Ensino Básico (do 5º ao 9º ano) do município de Viseu (Portugal) observam que, embora apresente melhoras, a formação em TIC ainda não consta, como regra geral, da capacitação inicial dos docentes e é frequentemente realizada com apoio de amigos e em centros especializados. Tentando oferecer ferramentas de apoio para estratégias mediadas por tecnologia, Beluce e Oliveira (2018), a partir de estudo com professores dos estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul, propõem uma Escala de Estratégias de Aprendizagem Utilizadas e Observadas pelos Professores (EAUOP) como instrumento psicométrico para contribuir com o ensino e a aprendizagem na sociedade digital.
Novas possibilidades também emergem das práticas educacionais. Buzato (2008) observa, a partir de estudo em telecentro na periferia da cidade de Guarulhos, que as diferentes formas de apropriação das TICs podem viabilizar experiências além da passividade ou da responsividade, problematizando as relações entre escola e telecentro como agentes de inclusão digital. Tuzel e Hobbs (2017) relatam a colaboração entre professores e estudantes dos Estados Unidos e da Turquia, que – ao compartilhar interesses sobre filmes, videogames e programas de televisão – perceberam que seus conhecimentos comuns estavam centrados na cultura estadunidense, reconhecendo as assimetrias de poder na cultura de massa global.
Apontando caminhos e lacunas, aparecem os trabalhos de Zuin e Zuin (2017), que utilizam o conceito de semiformação para propor a rememoração dos vínculos históricos das informações como base para o pensamento crítico; de Silva e Azevedo (2018), que apontam para a ausência das relações étnico-raciais em estudos de letramento; e de Coelho, Costa e Mattar (2018), que propõem uma escala entre os saberes de “nativos” e “imigrantes” digitais, para discutir as principais políticas educacionais brasileiras voltadas para o universo digital.
Para concluir esse breve levantamento da literatura, voltamos a Citelli (2018), que realizou uma pesquisa no nível básico de 32 escolas da cidade de São Paulo e municípios próximos. Os resultados revelam que 95% dos(as) professores(as) percebem complementaridade entre os discursos didático-pedagógicos e as linguagens não escolares veiculadas pelos meios de comunicação, em especial a internet. Por outro lado, 72,3% afirmam não possuir informação sobre programas oficiais de formação de professores para a área das TICs, sentindo-se inseguros(as) para incorporar o assunto nos projetos político-pedagógicos dos cursos. Um quadro que enseja o debate sobre a ressignificação da educação formal, desafiada por contexto em que os lugares sociais e os modos de ver e perceber o mundo são redefinidos de forma acelerada, com grande uso dos dispositivos da comunicação (Citelli, 2018).
LETRAMENTO DIGITAL E MÉTODOS ATIVOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM
Como já mencionado, as TICs interferem enormemente na forma como se vive e, particularmente, sobre como se aprende. Em que pese o tom apologético de algumas propostas, há certo consenso em considerar que indivíduos fluentes em TIC estão mais aptos a promover e se adaptar às mudanças nos ambientes acadêmico, profissional e na vida cotidiana (Rosa & Dias, 2012, p. 44). O LD, dessa forma, torna-se requisito fundamental para os chamados métodos ativos, cujo êxito depende do engajamento de estudantes reconhecidos como protagonistas do processo de aprendizagem.
No entanto, poucas instituições de educação superior (IES) conhecem o estágio de LD de seu corpo discente e docente, embora esse diagnóstico seja considerado importante para definir metas, ações e cronograma para contribuir com a fluência digital demandada pelas formas de aprendizagem contemporâneas. Para oferecer indícios sobre a situação, reunimos a seguir alguns resultados de estudo piloto realizado em uma IES com estudantes do curso de graduação em Administração em seus campi de São Paulo e Porto Alegre. Utilizando um questionário inspirado no International Computer and Information Literacy Study (ICILS), desenvolvido pela UNESCO (2018b), o estudo teve como premissas que os(as) estudantes participantes podem ser considerados “nativos digitais” e tanto estudantes quanto professores não enfrentam dificuldades relativas à inclusão digital (digital divide), mas podem apresentar expressivas variações na habilidade de utilização das TICs, particularmente quando aplicadas ao ambiente educacional (ensino e aprendizagem).
Os resultados principais indicaram que os(as) professores(as) se consideram posicionados(as) em níveis elevados de proficiência digital, embora o uso das TICs para fins pedagógicos seja modesto em alguns tipos de atividades. Além disso, a percepção do uso pedagógico das TICs entre os(as) professores(as) é ambígua, pois embora 88% considerem o uso prioritário, 40% discordam da afirmação de que as TICs favorecem a expressão escrita e 39% não acham que as TICs favorecem o exercício crítico e analítico entre os(as) estudantes.
Os(as) estudantes, por sua vez, são usuários(as) intensos(as) de mídias sociais e possuem níveis médios de proficiência nas demais TICs. Dentre eles(as), 82% afirmam saber selecionar informações confiáveis na internet e 80% declaram saber armazenar, editar e compartilhar arquivos na nuvem. Por outro lado, 20% afirmam não saber utilizar as TICs nas etapas de planejamento e/ou na resolução de problemas. Além disso, indagados(as) sobre o uso de planilhas eletrônicas (Excel), 68% se classificaram como conhecedores(as), mas 43% se sentem pouco ou nada capazes de responder às demandas de utilização dessas planilhas no ambiente de trabalho. Contudo, as expectativas quanto ao potencial das TICs continuam altas entre os(as) estudantes: 75% acreditam que aprender a utilizar aplicativos ajudará a realizar o trabalho que lhe desperta interesse; 75% gostariam de se aprofundar no estudo de temas relacionados às TICs; e 59% têm expectativas de trabalhar com TICs avançadas.
POSSÍVEIS CAMINHOS
As metodologias ativas não representam novidade, pois reflexões sobre a necessidade de se explorar novas formas de ensinar e aprender estão presentes nos escritos de Immanuel Kant (1724-1804) e Johann Gottlieb Fichte (1762-1814). Em data mais recente (1918), os estudantes universitários argentinos se posicionaram contra o que nomearam de anacronismo pedagógico da “classe magistral”, reivindicando uma “metodología activa” no Manifesto de Córdoba. Mas por que essa revolução nos ambientes educacionais ficou restrita a projetos alternativos? Com a Revolução Industrial, a universalização do acesso à educação formal ganhou urgência e se tornou direito, afinal expressivas modificações no trabalho exigiam habilidades até então desconhecidas, mas com chance de influir sobre a racionalização do trabalho orientada pela redução do tempo empregado e do custo de produção envolvido. Para atingir um número crescente de estudantes, com investimentos relativamente modestos, a educação foi fortemente padronizada e regulada, reproduzindo a cultura do trabalho fabril.
Com o declínio das profissões e a valorização do conceito de ocupação, a redução do emprego apesar do aumento do multiemprego, o fortalecimento da economia do compartilhamento, da precarização do trabalho e da deterioração do salário, as competências requeridas dos jovens sofrem expressiva alteração. Numa sociedade de empreendedores, a regra de ouro é aprender cada vez mais cedo, o tempo todo e em qualquer lugar. Nesse contexto, em tese, a aproximação das TICs com as metodologias ativas de ensino e aprendizagem pode colaborar para equilibrar o número crescente de estudantes e individualização do processo de ensino e aprendizagem.
Trata-se, contudo, de um grande desafio para os protagonistas do campo educacional. Como pudemos observar pelo levantamento da literatura, há um descompasso entre o reconhecimento da influência da mídia e da internet na vida e na formação dos estudantes, associado a uma grande expectativa em torno do potencial da tecnologia; e a presença de letramentos parciais, marcados pela ênfase nos aspectos técnicos e com pouca consistência nos usos avançados das tecnologias, tanto por parte dos docentes quanto dos estudantes.
Diante desse quadro, nos alinhamos aos(às) autores(as) que apostam na formação crítica, atenta aos papéis sociais das novas tecnologias, como único caminho para avançar no sentido de um diálogo virtuoso entre Educação, Comunicação, mídia e internet.
Diálogo cuja efetivação pode ocorrer por meio de alguns caminhos aqui elencados, como a realização de pesquisas diagnósticas sobre o letramento digital nos ambientes escolares, o investimento no letramento digital de docentes e o uso de metodologias ativas como forma de articular saberes complementares de estudantes e docentes. No sentido de uma Educação como espaço dialógico, acentuando o “C” das TICs, como ferramentas para comunicação, em contraponto à ênfase dada ao “I” de informação (Kaplún, 2011).
Para futuras reflexões, sugerimos ainda uma possível aproximação com os conceitos morenianos de espontaneidade e criatividade. Para Moreno (citado por Gonçalves, 1988, p. 47), “ser espontâneo significa estar presente às situações, configuradas pelas reações afetivas e sociais, procurando transformar seus aspectos insatisfatórios”, sendo a criatividade indissociável da espontaneidade, por esta ser o fator que permite a manifestação e a atualização do potencial criativo. Consideramos que a potência desses conceitos, com o objetivo de gerar respostas renovadoras ou transformadoras, certamente pode inspirar novas reflexões e ações no âmbito dos letramentos e das metodologias ativas de ensino e aprendizagem.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 25/4/2019
Aceito: 16/5/2019
*Autor correspondente: ricardo.camargo@espm.br
Ricardo Zagallo Camargo. Professor do Mestrado Profissional em Comportamento do Consumidor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Manolita Correia Lima. Professora do Programa de Pós-Graduação em Administração da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Coordenadora do Núcleo de Inovação Pedagógica da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Danilo Martins Torini. Coordenador de Pesquisa Pedagógica do Núcleo de Inovação Pedagógica da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
1 Termo de difícil tradução, referido como letramento, alfabetização ou ainda literacia e literacidade. Neste texto, seguindo a escolha que prevalece na literatura científica consultada, utilizaremos o termo “letramento”.
2 Foram consultados autores renomados da comunicação e da educação, como Citelli, Kaplún, Livingstone e Hobbs, citados no texto. O levantamento foi realizado entre periódicos A1 do Qualis CAPES na área da educação, com as palavras-chave “letramento” e “digital” (juntas e separadas). A busca incluiu 15 periódicos e localizou 66 textos, dos quais, tendo como critério a aderência temática, foram selecionados 18 para leitura e fichamento.
3A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável que compreende os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pode ser consultada no site <http://www.agenda2030.org.br/>.
4 O detalhamento das competências por área está disponível em <http://uis.unesco.org/en/blog/global-frameworkmeasure-digital-literacy>.
5 Informações sobre os projetos disponíveis em: <http://www.lse.ac.uk/media-andcommunications/research/research-projects/eu-kids-online/about> (Kids Online); <https://cetic.br/pesquisa/kidsonline/> (Kids Online Brasil); e <http://contemcom.org/> (ObLID).