SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número34O conceito de Esquema Conceptual Referencial Operativo - ECRO e o processo de ressocialização de apenados: um estudo etnográfico-hermenêuticoComo os professores percebem a violência intrafamiliar índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Barbaroi

versão impressa ISSN 0104-6578

Barbaroi  no.34 Santa Cruz do Sul jun. 2011

 

ARTIGOS

 

Associação entre o nível de resiliência e o estado clínico de pacientes renais crônicos em hemodiálise

 

Association between the level of resilience and clinical status of patients chronic kidney disease

 

 

Luciane Slomka

Pontifícia Universidade Católica - PUCRS - Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar a associação entre a resiliência e o estado clínico de pacientes renais crônicos em hemodiálise. Foi um estudo transversal, quantitativo, que analisou a distribuição dos níveis de resiliência e os relacionou com o estado clínico dos pacientes. Foram 60 pacientes de ambos os sexos, adultos, em hemodiálise há pelo menos três meses. O principal instrumento aplicado foi a escala de resiliência de Wagnild e Young(1993). O estado clínico foi mensurado através do Índice de Kt/V, taxa de hemoglobina e o indice de massa corporal. Percebeu-se uma leve tendência dos pacientes com escore de resiliência mais elevados a apresentarem índice de Kt/V mais próximo do ideal, indicando associação não significativa. O mesmo ocorreu em relação ao nível de resiliência e a taxa de hemoglobina. A associação entre a resiliência e o índice de massa corporal apresentou uma tendência maior em comparação às outras associações. Então, pacientes com o índice de massa corporal dentro do nível tomado como saudável apresentaram nível mais elevado de resiliência. Não houve associação significativa entre resiliência e o estado clínico dos pacientes avaliados, apesar dos resultados apontarem uma discreta tendência para isso.

Palavras-chave: Resiliência. Estado clínico. Pacientes renais crônicos. Hemodiálise.


ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate the association between resilience and clinical status of patients with chronic renal failure on hemodialysis. It was a cross-sectional study, quantitative, which analyzed the distribution of levels of resilience and related to the clinical status of patients. There were 60 patients of both sexes, adults on hemodialysis for at least three months. The main instrument used was the scale resilience Wagnild and Young (1993). The clinical status was measured by the index Kt / V, hemoglobin and body mass index. It was noticed a slight tendency of patients with scores higher resilience to submit index Kt / V closer to the ideal, indicating no significant association. The same occurred in relation to the level of resilience and hemoglobin. The association between resilience and body mass index showed a greater tendency compared to other associations. Thus, patients with body mass index within the level taken as healthy had higher level of resilience. There was no significant association between resilience and clinical status of patients, although results indicate a slight tendency for this.

Keywords: Resilience. Condition. Patients with chronic renal failure. Hemodialysis.


 

 

Introdução

O paciente renal crônico há muito tem suas fragilidades e limitações avaliadas e mensuradas, mas pouco ainda é dito e estudado sobre sua capacidade de enfrentamento dessa adversidade e que recursos lança mão diante de um tratamento tão limitante e agressivo quanto a hemodiálise. Nesse sentido, um estudo que pudesse levar em conta tais recursos emocionais e psicológicos positivos vinha se fazendo necessário.

De acordo com Thomas e Alchieri (2005), a hemodiálise, enquanto um procedimento de apoio à função renal, consiste na remoção de substâncias tóxicas e excesso de líquido por uma máquina de diálise, em um procedimento cuja duração leva entre duas e quatro horas, exigindo que o paciente se desloque para a unidade de tratamento numa frequência de duas a quatro vezes por semana. Os presentes autores ainda referem que a dificuldade de adaptação do paciente pode ser verificada logo no início do tratamento, pois já se trata de uma situação em que a ansiedade pode se fazer presente. Cabe apontar que, em um estudo realizado por Zimmermann, Poli de Figueiredo e Fonseca (2001a), concluiu-se que a qualidade de vida global de pacientes em hemodiálise é menor do que a de pacientes transplantados. Ou seja, apesar de a área de transplantes ser bastante abordada pela Psicologia e suas possíveis intervenções nesses casos, o paciente em hemodiálise necessita ainda maior cuidado no que se refere às suas necessidades emocionais, pela cronicidade e longa duração do tratamento proposto.

Martorelli e Mustaca (2004) referem que o estado psicológico do paciente é um fator que influência no controle da enfermidade e seguramente em sua qualidade de vida, e que, portanto, seria importante realizar avaliações iniciais das capacidades e déficits psicológicos dos pacientes para futuramente correlacioná-los com a progressão ou não da doença e poder realizar intervenções que fortaleçam capacidades psicológicas e comportamentais dos pacientes e de seus familiares. Dentre essas capacidades ou potencialidades, a resiliência é um conceito de grande importância; porém, ainda pouco abordado e estudado na literatura científica na área da Psicologia da Saúde e que, se bem compreendido e trabalhado, poderá ajudar a compreender melhor a forma pela qual o paciente enfrenta e responde a um tratamento invasivo como a hemodiálise.

 

Resiliência: conceitos e aplicabilidade

Pinheiro (2004) refere que a palavra resiliência, do latim resiliens, significa saltar para trás, voltar, ser impelido, recuar, encolher-se, romper. Pela origem inglesa, resilient remete à ideia de elasticidade e capacidade rápida de recuperação. Nos domínios das Ciências Humanas e da Saúde, o conceito de resiliência faz referência à capacidade do ser humano em responder de forma positiva às situações adversas que enfrenta, mesmo quando essas comportam risco potencial para sua saúde e/ou seu desenvolvimento. Essa capacidade é considerada por alguns autores como uma competência individual que se constrói a partir das interações entre o sujeito, a família e o ambiente e, para outros, como uma competência não apenas do sujeito, mas, também, de algumas famílias e de certas coletividades (SILVA; ELSEN; LACHARITÉ, 2003).

Manciaux, Vanistendael, Lecomte e Cyrulnik (2001) definem a resiliência como a capacidade de uma pessoa ou de um grupo para seguir projetando-se ao futuro apesar de acontecimentos desestabilizadores, de condições de vida difíceis e de traumas por vezes graves. Manciaux e Tomkiewicz (apud ZUKERFELD; ZUKERFELD, 2005, p.17) afirmam que ter resiliência é recuperar-se, seguir adiante frente a uma enfermidade, trauma ou estresse. É vencer provas e crises da vida; é resistir primeiro e superá-las depois, para seguir vivendo o melhor possível. É rescindir um contrato com a adversidade.

Para Castro e Moreno-Jiménez (2007), a resiliência é um conceito evolutivo e de saúde que caracteriza os processos dinâmicos que facilitam a organização e a integração da experiência em modos de funcionamento adaptativos. Os autores ainda referem que esse é um conceito que reafirma a capacidade do ser humano em superar situações potencialmente traumáticas, dando a possibilidade de um desenvolvimento adaptativo mesmo em cenários conflitivos. Então, como afirmam Pesce e Cols (2004), a resiliência não nasce com o sujeito, mas, sim, é adquirida ao longo de seu desenvolvimento.

Martorelli e Mustaca (2004), em seu artigo com pacientes renais crônicos, justificam que existem escassos trabalhos sobre resiliência e doentes renais, sugerindo que este seria um campo fértil para se desenvolver (p. 99). As mesmas autoras também explicitam que, em geral, a psicologia clínica na área da saúde tem subestimado a compreensão de padrões de personalidade, que contribuam para a satisfação dos indivíduos, aumentando sua fortaleza, virtudes e bem-estar geral.

Stork, citado por Silva et al. (2002), reflete sobre a questão da adesão do paciente renal crônico ao tratamento hemodialítico como sendo o resultado do difícil fato de assumir sua condição crônica, no sentido de aceitá-la como parte de si próprio. Os autores descrevem ainda que muitos pacientes aceitem sua condição de saúde, porém experimentam momentos difíceis, de grande rejeição, culpa e lutas. Tal aceitação evidencia-se pela incorporação da própria doença e do tratamento no seu cotidiano e na tentativa diária de conviver harmonicamente com sua condição de saúde. Altos índices de depressão em pacientes renais crônicos (ZIMMERMANN; CARVALHO; MARI, 2004b) também merecem atenção no que se refere à capacidade de resiliência desses pacientes.

Desse modo, a questão levantada, e que se espera confirmar neste estudo, é como se apresentam os níveis de resiliência na população estudada e a relação desses escores com a condição clínica apresentada diante do tratamento dialítico, avaliadas através dos seguintes parâmetros: média mensal em relação aos últimos três meses anteriores à aplicação do estudo, dos valores do Kt/V (clearance fracional de uréia), taxa de hemoglobina e o índice de massa corporal (IMC). Portanto, a averiguação da presença dessa capacidade emocional tão pouco estudada na área da saúde em pacientes renais crônicos e seu reflexo no desempenho clínico desses é o principal objetivo deste estudo.

 

Metodologia

Foi realizado um estudo transversal, de caráter quantitativo, a fim de mensurar e analisar a distribuição dos níveis de resiliência apresentados por pacientes em tratamento dialítico e relacioná-los com o estado clínico dos mesmos. Os parâmetros, utilizados para definir as condições do estado clínico de cada um dos pacientes, foram o índice de Kt/V (clearance fracional de ureia), a taxa de hemoglobina e o índice de massa corporal (IMC).

Os participantes do estudo foram pacientes renais crônicos de ambos os sexos, adultos (acima de 18 anos), alfabetizados até pelo menos o primeiro grau, sem déficit cognitivo importante (avaliado através do Miniexame do Estado Mental, 1999) independentemente da doença de base que tenha conduzido ao tratamento dialítico e que esse tivesse iniciado há pelo menos três meses. Além disso, era necessário que os pacientes concordassem em participar do estudo, através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Com o objetivo de testar o coeficiente de correlação de Pearson r > 0,45 entre o escore de resiliência e os diversos fatores considerados como desfecho, foi estimado que seria necessário um tamanho de amostra de 48 indivíduos para α = 0,05 e poder estatístico de 90% (β = 0,10). Entretanto, optou-se por uma amostra de 60 indivíduos para tentar garantir maior efetividade no cumprimento dos objetivos do estudo.

A coleta de dados foi realizada entre os meses de agosto e outubro de 2008 no Centro de Diálise do Hospital Moinhos de Vento. A própria pesquisadora foi responsável pela aplicação dos instrumentos.

Após o Termo de Consentimento ser assinado, foram aplicados os testes de Mini Mental, de Escala de Depressão de Beck e a Escala de Resiliência. Concomitante à aplicação, foram coletados, nos dados já rotineiramente avaliados e registrados em prontuário pela equipe assistencial do Centro de Diálise, os valores dos itens aqui tomados como parâmetros para definir o estado clínico dos participantes do estudo, que eram: Índice de Kt/V (clearance fracional de ureia), a taxa de hemoglobina e o Indice de Massa Corporal (IMC). O valor final aqui registrado para cada um desses parâmetros foi a média dos resultados dos últimos três meses anteriores à aplicação do estudo.

Cabe ressaltar que os resultados relativos às capacidades cognitivas, bem como sintomas depressivos dos pacientes, foram utilizados apenas inicialmente para descartar participantes que pudessem ter suas respostas afetadas por outros fatores alheios ao estudo. Assim, após essa verificação, os fatores levados em conta na análise estatística em relação à resiliência foram o índice de Kt/V, a taxa de hemoglobina e o Índice de massa corporal (IMC).

Em relação aos aspectos éticos, cabe apontar que o estudo teve início somente após a avaliação e emissão do parecer consubstanciado de aprovação pelos comitês de ética da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e do Hospital Moinhos de Vento, local de aplicação da pesquisa. Foram participantes do estudo somente aqueles pacientes que concordaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP, Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996.

Os critérios utilizados para definir a inclusão dos participantes do estudo, foram:

• Estar em tratamento dialítico há pelo menos 3 meses;

• Ter idade mínima de 18 anos;

• Não apresentar prejuízo cognitivo importante, evidenciado pela aplicação do Mini Exame do Estado Mental;

• Não apresentar sintomas depressivos severos, evidenciados pela aplicação do Inventário de Depressão de Beck; e

• Concordar e Assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os dados contínuos foram descritos por média e desvio padrão. Para avaliar a relevância de dados potencialmente discrepantes foi utilizada sua descrição por percentis.

A associação entre os resultados obtidos na escala de resiliência e os parâmetros tomados como indicativos do estado clínico (Kt/V, hemoglobina e IMC) foi avaliada inicialmente pelo coeficiente de correlação de Pearson, com significância pelo Teste t de Student.

Para controlar o efeito de potenciais fatores confundidores sobre o Kt/V, foi utilizado um modelo de análise de covariância, incluindo a resilência (principal fator em estudo) e a idade, o nível sérico de hemoglobina, o Índice de Massa Corporal (IMC) e o tempo em hemodiálise. O nível de significância adotado foi de α = 0,05. Os dados foram analisados com o programa SPSS.

O objetivo deste estudo foi investigar a associação entre o nível de resiliência e o estado clínico de pacientes renais crônicos em hemodiálise. Visou-se assim identificar se sujeitos que apresentavam maiores níveis de resiliência teriam como consequência um melhor estado clínico frente a um tratamento dialítico. Foram avaliados, portanto, o nível de resiliência, através da Escala de Resiliência de Wagnild e Young (1993), bem como o estado clínico de pacientes em hemodiálise no Centro de Diálise do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Como parâmetros que definiram o estado clínico dos pacientes estudados, foram avaliados o índice de Kt/V (clearence fracional de ureia), a taxa de hemoglobina e o índice de massa corporal (IMC).

A partir da análise dos dados levantados, percebeu-se que a amostra não demonstrou resultados que confirmassem a principal hipótese do estudo, não sendo significativa, portanto, a associação entre o nível de resiliência e o estado clínico dos pacientes renais crônicos em hemodiálise analisados no presente estudo. Entretanto, pode-se perceber também uma discreta tendência para essa associação, que pode vir a ser aprofundada em estudos futuros.

Inicialmente, com o objetivo de descartar quadros de possíveis déficits cognitivos bem como sintomas depressivos importantes que pudessem interferir nos resultados dos escores de resiliência, foi aplicado o teste MiniMental, além da escala Beck de depressão. Dos 60 pacientes incluídos no estudo, nenhum deles apresentou um desses quadros presentes para ser descartados.

A Escala de Resiliência obteve escores variados, mas pelo fato de esse instrumento não apresentar um ponto de corte tais resultados foram avaliados exclusivamente em relação aos parâmetros tomados como referentes ao estado clínico dos pacientes.

Em relação aos parâmetros do estado clínico, percebeu-se que apenas 18,3% dos pacientes (11 no total de 60) apresentaram taxa de hemoglobina abaixo dos 11 g/dL, preconizado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia como sendo o valor ideal. Além disso, em relação ao Kt/V, 23,3% dos pacientes (14 no total de 60) apresentaram índice de Kt/V abaixo do preconizado como ideal para pacientes em hemodiálise 1,2 mg/dL. No que se refere ao Índice de Massa Corporal (IMC), 43% dos pacientes (26 no total de 60) apresentam índices adequados, estando o restante entre as faixas de pré-obesidade ou obesidade grau I. Ou seja, são pacientes, em sua grande maioria, bem dialisados e com boas condições clínicas.

A seguir, apresentam-se as associações realizadas entre a resiliência e os parâmetros tomados como base para definir o estado clínico dos pacientes estudados:

A partir da análise do gráfico acima, percebe-se uma leve tendência de os pacientes, com escores de resiliência mais elevados, apresentarem um índice de Kt/V mais próximo do considerado como ideal para uma boa dialisância (maior ou igual a 1,2 mg/dL). Ao analisarem-se os 60 sujeitos estudados, dois deles destacaram-se do restante em relação ao índice de Kt/V apresentado (muito mais elevado que o restante). Esses sujeitos foram analisados, então, mais detalhadamente a fim de justificar a razão de tal discrepância e quando analisados separadamente (aqui denominados sujeitos A e B) apresentaram os seguintes aspectos:

 

Tabela 1

 

Levando-se em conta os percentis de cada parâmetro analisado, pode-se concluir que esses dois pacientes considerados discrepantes em relação ao valor do Kt/V são, em relação aos demais, relativamente mais jovens, com bom índice de hemoglobina, magros e com pouco tempo de diálise. Isso possivelmente pode explicar a diferença marcante no índice de Kt/V desses dois pacientes.

Para analisar de outra forma a associação entre o escore de resiliência e o índice de Kt/V, enquanto principal fonte de obtenção da condição do estado clínico, realizou-se o gráfico de distribuição por quartis. A partir dessa distribuição, obteve-se quatro grupos distribuídos pelos escores de resiliência, dos mais baixos aos mais elevados. No primeiro quartil, dos menos resilientes, a média do índice de Kt/V foi de 1,26. O segundo quartil teve a média de 1,27; o terceiro, já com escores de resiliência mais elevados, obteve média de 1,31; e o quarto quartil, onde estariam os pacientes mais resilientes, teve como média de Kt/V 1,30. O Kt/V, quando comparado nos quatro quartis, tem P=0,0827 e, sendo ajustado, passa a P=0,417. Tais dados, assim como no Gráfico 1, não mostraram ser significativos para reforçar a associação da resiliência com o índice de Kt/V, representando o estado clínico dos pacientes avaliados neste estudo.

 

Gráfico 2

 

Portanto, os resultados obtidos demonstraram que não há como afirmar a existência de associação significativa entre o nível de resiliência de pacientes renais crônicos em hemodiálise e seu índice de Kt/V.

 

Gráfico 3

 

Quando analisada a relação entre o nível de resiliência e a média dos últimos três meses anteriores à aplicação do estudo da taxa de hemoglobina dos pacientes analisados, percebeu-se uma associação ainda mais discreta do que a comparação com o índice de Kt/V, com r= 0,04 3 P=0,76.

Isso indica que em mais esse aspecto referido como parte da forma de avaliar o estado clínico dos pacientes estudados, não há associação significativa. Como já foi explicitado anteriormente, os resultados referentes às taxas de hemoglobina, foram positivos para a grande maioria dos pacientes, estando a maioria com níveis adequados, provavelmente independente, portanto, do fato de esses pacientes serem mais ou menos resilientes.

 

Gráfico 4

 

Analisando a relação existente entre o nível de resiliência e o índice de massa corporal (IMC) dos pacientes avaliados, percebe-se uma tendência maior do que em comparação às associações feitas anteriormente, com r = 0,27 e P = 0,038. Isso significa que possivelmente pacientes que apresentaram o índice de massa corporal dentro do nível tomado como saudável também apresentaram nível mais elevado de resiliência. Ainda assim, essa não é uma associação estatisticamente significativa e não há como afirmar se seria o elevado nível de resiliência de um paciente em hemodiálise o responsável por um comportamento de maior autocuidado do paciente em relação a sua dieta e ingesta alimentar, consequentemente, influenciando positivamente em seu índice de massa corporal.

A partir da análise dos dados levantados, percebeu-se que existe associação positiva, porém de fraca intensidade, entre o nível de resiliência e o estado clínico de pacientes renais crônicos em hemodiálise. Como principais parâmetros indicadores do estado clínico dos pacientes foram avaliados o Kt/V, a taxa de hemoglobina e o índice de massa corporal (IMC).

Os resultados demonstraram uma fraca associação entre os fatores estudados, que não confirmam a hipótese da pesquisa. No entanto, pela detecção de uma tendência a essa possibilidade, surge a demanda por estudos subsequentes que aprofundem mais tal relação e que explorem outros instrumentos de pesquisa para tal.

Um dos principais desafios foi o de aprofundar a compreensão sobre a resiliência e tentar comprovar cientificamente sua possibilidade de mensuração. O fato de ser um conceito relativamente novo e que ainda busca consolidação e uniformidade, em termos de definições teóricas e técnicas, também pode ter influenciado nos resultados obtidos, bem como em sua fidedignidade.

O nível de resiliência dos pacientes apresentou uma associação muito fraca com o índice de Kt/V avaliado. Provavelmente isso pode estar relacionado com o fato de apenas 10 dos 60 pacientes avaliados (16,67%) terem apresentado a média de índice de Kt/V dos últimos 3 meses inferior ao nível considerado indicativo de boa dialisância (1,2 mg/dL). Isso implica dizer que a grande maioria dos pacientes avaliados pode ter apresentado um bom índice de Kt/V não por serem mais ou menos resilientes, ou seja, essa associação não pode ser afirmada. Caberia colocar aqui que possivelmente a população escolhida para a realização do estudo, de um hospital privado, com melhores condições socioeconômicas, é mais bem dialisada, independente de seus níveis de resiliência. Outro fator que reforça essa ideia de que a população escolhida é mais bem dialisada é que as taxas de hemoglobina mensuradas apresentaram uma tendência de se manterem mais altas.

Assim, pesquisas como essas trazem como objetivo indireto também apresentar à comunidade científica que a resiliência é um constructo a ser estudado e desenvolvido. Precisa-se, cada vez mais, descobrir de quais recursos psíquicos saudáveis os pacientes lançam mão e como as equipes de saúde podem, então, aproveitá-los para que colaborem com a melhor adesão ao tratamento.

 

Conclusões

A resiliência no campo das Ciências da Saúde é um conceito que ainda requer aprofundamento teórico e científico.

A frustração pela não-corroboração da hipótese inicial deste estudo pode trazer alguns questionamentos referentes à sua validade. Porém, a função de uma pesquisa é efetivamente a de avaliar uma hipótese, e o fato de não corroborá-la pode apenas sugerir que reside aí uma oportunidade de aprofundamento nos conhecimentos relativos a essa área de conhecimento. No caso da resiliência, foi evidenciado, nas diferentes produções científicas aqui apresentadas, que esse é um conceito novo e que pode auxiliar na compreensão dos recursos que um paciente em tratamento dialítico lança mão para o enfrentamento adequado desse tratamento. A partir do conhecimento de quais recursos são efetivos ou não, esses podem ser futuramente mensurados, trabalhados e até reforçados em outros pacientes na mesma condição.

Como já mencionado anteriormente, os resultados apontam para uma tendência à associação do estado clínico dos pacientes em tratamento dialítico com sua capacidade de resiliência, o que significa dizer que há uma leve probabilidade de que pacientes mais resilientes enfrentem melhor o tratamento e, portanto, apresentem como consequência um melhor estado clínico. Essa é apenas uma hipótese, mas que requer aprofundamentos para fins de dar sequência aos estudos na área.

No ramo da Psicologia, o presente estudo evidencia uma tendência de passar a também avaliar e estudar não apenas as patologias ou déficits psicológicos, psíquicos ou emocionais presentes em diversas doenças orgânicas, mas também poder desvendar, cada vez mais, os recursos positivos e saudáveis que certas pessoas apresentam frente a dificuldades ao longo da vida. Poder reforçar essa tendência, aliado ao fato de estar inserido em um programa de mestrado da área da Medicina, já dá ao presente trabalho um grau de relevância dentro da comunidade científica.

Cabe apontar também que novos instrumentos para a mensuração da capacidade de resiliência fazem-se necessários, já que o instrumento utilizado no presente estudo foi, ao longo do mesmo, mostrando-se insuficiente para contemplar um potencial que é tão abrangente, subjetivo e individual. Sugere-se que em próximos estudos, aliado ao instrumento quantitativo, no formato de escala, sejam também aplicados questionários semiestruturados, a fim de conhecer outras nuanças dos recursos internos de cada paciente.

Concluindo, pode-se dizer que a realização deste estudo foi bastante gratificante, ao descobrir que a resiliência é um conceito muito mais amplo do que se imagina e que os profissionais de todas as áreas da saúde devem engajar-se no aprofundamento desse conceito, a fim de auxiliar que, cada vez mais, os pacientes em tratamento dialítico possam buscar conviver com essa realidade da melhor maneira possível, com dignidade e qualidade de vida.

 

Referências

CASTRO, E.K; Moreno-Jiménez, B. Resiliencia em niños enfermos crônicos: aspectos teóricos. Psicologia em Estudo, Maringá, v.12, p.81-86, jan./abr. 2007.         [ Links ]

CUNHA JA. Inventário Beck de Depressão Escala Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.         [ Links ]

MARTORELLI, A., MUSTACA, A. Psicologia positiva, salud y enfermos renales crónicos. Rev. Nefrol. Dial. Y Transpl. v.24, n.3, p.99-104, 2004.         [ Links ]

PESCE, R. et al. Adaptação transcultural, confiabilidade e validade da escala de resiliência. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.21, n.2, p.436-448, mar./abr., 2005.         [ Links ]

PINHEIRO, Débora P. N. A resiliência em discussão. Rev. Psicologia em estudo, Maringá, v.9, n.1, p.67-75, 2004.         [ Links ]

SILVA, D.M.G.V. et. al. Qualidade de vida de pessoas com insuficiência renal crônica em tratamento hemodialítico. Rev. Bras. Enf., v.55, n.5, p.562-567, 2002.         [ Links ]

SILVA, M.R.; ELSEN I.; LACHARITÉ, C. Resiliência: concepções, fatores associados e problemas relativos à construção de conhecimento na área. Porto Alegre: Ed. da Universidade Federal de Rio Grande, 2003.         [ Links ]

THOMAS, C.V.; ALCHIERI, J.C. Qualidade de vida, depressão e características de personalidade em pacientes submetidos à hemodiálise. Avaliação Psicológica, v.4, n.1, p.57-64, 2005.         [ Links ]

ZIMMERMANN, PR; CARVALHO, J.O.; MARI, J.J. Impacto da depressão e outros fatores psicossociais no prognóstico de pacientes renais crônicos. Revista de Psiquiatria do RS, v.26, n.3, p.312-318, set./dez., 2004.         [ Links ]

ZIMMERMANN, P.R.; POLI DE FIGUEIREDO, C.E.; FONSECA, N.A. Depression, anxiety and adjustment in renal replacement therapy: a quality of life assessment. Clin Nephrol., v.56, n.5, p.387-90, nov., 2001.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 02/04/2010
Aceito em: 19/07/2011

 

 

Sobre o Autor:

Luciane Slomka é Psicóloga, especialista em Psico-Oncologia/PUCRS, mestre em Medicina e Ciências da Saúde/PUCRS, Psicóloga do Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre. E-mail: lucianeslomka@gmail.com

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons