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Nova Perspectiva Sistêmica

versão impressa ISSN 0104-7841versão On-line ISSN 2594-4363

Nova perspect. sist. vol.26 no.58 São Paulo ago. 2017

 

ARTIGOS

 

Fortalecendo a rede de apoio de mães no contexto da síndrome congênita do vírus Zika: relatos de uma intervenção psicossocial e sistêmica

 

Strengthening the support network of mothers in the context of congenital Zika Virus Syndrome: reports of a psychosocial and systemic intervention

 

 

Sibelle Maria Martins de BarrosI, Pedro Augusto Lima MonteiroII, Mariany Bezerra NevesIII, Glória Tamires De Sousa MacielIV 

I Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande/PB, Brasil.

II Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande/PB, Brasil.

III Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande/PB, Brasil.

IV Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande/PB, Brasil.

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo relatar uma experiência de intervenção grupal com mães de crianças acometidas pela Síndrome Congênita do Vírus Zika (SCVZ), a partir da perspectiva psicossocial e sistêmica novo-paradigmática. Tal proposta de trabalho, realizada no âmbito de um programa de extensão universitária, teve o intuito de contribuir para o fortalecimento da rede social pessoal das mães. Os encontros aconteciam semanalmente, com duração de uma hora e meia e com a participação de mães que moravam em Campina Grande e cidades circunvizinhas. Como recursos metodológicos, utilizamos a oficina de dinâmica de grupo e as perguntas conversacionais. Dentre os principais temas abordados, destacaram-se: casamento, família, serviços de saúde, apoio, amizade e deficiência. Constatamos que as mães lidam com diversos problemas relacionados ao seu contexto familiar e social como dificuldades de comunicação no relacionamento conjugal, preconceito por parte de familiares e outras pessoas, dificuldades de acesso a alguns serviços públicos e falta de acolhimento por parte de alguns profissionais de saúde. Entretanto, a intervenção grupal permitiu o fortalecimento de vínculos entre elas, processo esse ainda em construção, e a coconstrução de algumas alternativas para resolução de problemas por elas identificados, promovendo a autonomia do grupo.

Palavras-chave: rede de social pessoal, síndrome congênita do vírus Zika, intervenção psicossocial, atendimento sistêmico.


ABSTRACT

This article aims to give a description of an experience of group intervention with mothers of children affected by Congenital Zika Virus Syndrome (SCVZ) from a psychosocial and new paradigmatic systemic perspective. This work proposal, carried out as part of a university extension program, aimed to contribute to the strengthening of the mothers' personal social network. The meetings were held weekly, lasting one and a half hours, with the participation of mothers living in Campina Grande and surrounding towns. As methodological resources we used the group dynamics workshop and the conversational questions. Among the main topics addressed were: marriage, family, health services, support, friendship and disability. We found that mothers deal with several problems related to their family and social context such as communication difficulties in the marital relationship, prejudice by family members and others people, difficulties in accessing some public services and lack of reception by some health professionals. However, the group intervention allowed the strengthening of links between the mothers, a process still under construction, and the co-construction of some alternatives to solve problems identified by them, promoting group autonomy.

Key Words: personal social network, Congenital Zika virus syndrome, Psychosocial intervention, systemic attendance.


 

 

INTRODUÇÃO

Em 2015 nos deparamos, no Brasil, com um elevado número de crianças nascidas com microcefalia, configurando uma recente e inesperada demanda de saúde. A grande incidência de casos inquietou profissionais de saúde e cientistas que ainda não tinham respostas a respeito das possíveis causas para tal epidemia que se instalava. Logo, deu-se início a um período de intensas pesquisas em busca de maior compreensão sobre os fatores etiológicos da microcefalia que confirmaram a relação entre a infecção materna pelo vírus Zika, no período da gravidez, e esta malformação. Todavia, além da microcefalia, também foram observadas outras deformidades congênitas, como calcificações subcorticais, atrofia cerebral, ventriculomegalia, lisencefalia, hipoplasia de vernix cerebelar, malformações osteomusculares (Brito, 2015; Melo et al., 2016a; Melo et al., 2016b), caracterizando, portanto, uma síndrome congênita – a Síndrome Congênita do Vírus Zika (SCVZ).

A Região Nordeste apresentou o maior número de casos – 1.373 notificados e confirmados, sendo 136 deles na Paraíba (Ministério da Saúde, 2016). Diante desse quadro, e no que diz respeito às políticas públicas, novos serviços foram organizados e paulatinamente uma rede de cuidados tem sido construída para prestar assistência não apenas às crianças, como aos seus familiares, nos setores da saúde, educação e assistência social, principalmente. No intuito de contribuir para a construção de uma rede intersetorial de cuidado, algumas universidades públicas e privadas realizaram parcerias com a Secretaria Municipal de Saúde de Campina Grande. A contribuição das universidades diz respeito à participação no processo coletivo de criação de estratégias para atender a diferentes demandas e também ao oferecimento de diferentes serviços que contemplem as necessidades e direitos das famílias. Nesse âmbito, foi estruturado um Programa de Extensão na Universidade Estadual da Paraíba voltado aos cuidadores e às crianças diagnosticadas com a SCVZ, envolvendo profissionais e estudantes da área de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia e Psicologia. Nesse artigo, objetivamos relatar as primeiras intervenções em grupo realizadas com as mães e coordenadas pela equipe da Psicologia, a partir da Psicologia Social Comunitária e do Pensamento Sistêmico Novo-Paradigmático.

O NASCIMENTO E O CUIDADO DE UM FILHO COM MALFORMAÇÃO

Ao longo da gravidez, como discute Machado (2012), os pais elaboram expectativas em relação ao filho, as quais incluem a ideia de um bebê saudável. Entretanto, eventos inesperados, como o advento de uma doença congênita, frustram as expectativas construídas em relação à criança imaginada, exigindo da família uma reorganização psicológica para lidar com a inexorabilidade da condição clínica. A descoberta de uma deficiência de um filho requer que os pais realizem o luto da criança que foi idealizada na gestação para que possam aceitar a nova criança com suas reais potencialidades (Bazon, Campanelli & Blascovi-Assis, 2004).

De um modo geral, o recebimento do diagnóstico caracteriza-se como um momento difícil para toda a família, causando, geralmente, choque e negação, uma vez que concretiza o medo comum das gestantes em relação às malformações de seus fetos. A ansiedade, presente no período da gravidez, pode se intensificar após o diagnóstico (Machado, 2012). A forma como o casal irá reagir depende de vários fatores como dinâmica conjugal, apoio social e familiar, desejo pela gravidez, expectativas, gravidade do diagnóstico e prognóstico, crenças e fatores culturais (Antunes & Patrocínio, 2007).

Roecker et al. (2012) constataram que, mesmo após o diagnóstico que confirmava a malformação, algumas mães de recém-nascidos ainda tinham esperança de o filho nascer perfeito. Gomes e Piccinini (2007), por sua vez, em estudo realizado com gestantes cujos bebês tiveram diagnóstico de anormalidade fetal, argumentam que, apesar do choque que sentiram frente ao diagnóstico, as mães apresentaram uma visão positiva em relação aos seus bebês, como uma necessidade de assegurar o amor à criança, apesar da malformação. Ainda segundo esses autores, a dúvida em relação à sobrevivência e ao desenvolvimento do filho levou tais mães a vivenciar a maternidade o quanto podiam. Carvalho, Cardoso, Oliveira e Lúcio (2006), ao pesquisarem sete casais com recém-nascidos que apresentavam malformação e necessitavam de internação, constataram que, após a notícia do diagnóstico, os pais sentiram choque, medo da morte, frustração e insegurança quanto ao futuro. Entretanto, também foi possível, para alguns participantes da pesquisa, amadurecerem com a experiência. Bolla et al. (2013) verificaram que, ao longo do processo de adaptação à criança com anomalia congênita, os familiares vibravam frente aos sinais de melhoras da condição de saúde de seus filhos e acreditavam no progresso da criança, indicando possível aceitação dos seus bebês.

As pesquisas acima citadas reconhecem que o recebimento do diagnóstico caracteriza-se como um momento difícil para os familiares, podendo causar sofrimento psicológico e ameaçar o vínculo entre mães/pais e seus bebês. Por outro lado, também apontam que é possível haver aceitação da criança e reestruturação das expectativas no exercício da parentalidade. Esse processo, todavia, é longo e necessita de suporte não apenas da família, como de amigos, profissionais de saúde ou outras pessoas significativas para o par parental. Nesse sentido, partindo dos pressupostos de que: 1. A capacidade das pessoas para superar uma experiência difícil é um processo que envolve aspectos pessoais, relacionais e sociais e que a criação de novos recursos, pessoais e coletivos pode surgir do sofrimento (Yunes & Juliano, 2015); e 2. A promoção da saúde implica considerar as condições sociais e produzir subjetividades mais ativas, críticas e solidárias (Ministério da Saúde, 2015).

Construímos uma proposta de trabalho grupal com as mães cujas crianças foram acometidas pela SCVZ, a partir de contribuições do campo da Psicologia Social Comunitária e do Pensamento Sistêmico Novo-Paradigmático, proposto por Esteves de Vasconcellos (2002). O objetivo principal da intervenção foi fortalecer a rede social pessoal das mães, por meio da construção de mais um sistema com vistas a potencializar recursos pessoais e coletivos, incentivar a coconstrução de soluções para problemas cotidianos e a construção de vínculos solidários. Utilizamos o conceito de rede social pessoal de Sluzki (1997) que se refere à soma das pessoas que o indivíduo percebe como significativas e às quais frequentemente recorre no cotidiano. A rede, de acordo com o autor, tem diferentes funções como: companhia social; apoio emocional; guia cognitivo; regulação social; ajuda material ou de serviços e acesso a novos contatos. As pessoas que compõem a rede social pessoal podem pertencer à família, ao trabalho, escola, ou, mesmo, a diferentes instituições como associação de bairro ou instituições vinculadas às políticas públicas. Diante disso, acreditamos que o desenvolvimento de um trabalho em grupo criaria um outro contexto de apoio na rede das mães, permitindo acolhimento, troca de experiências, reflexões e construção coletiva de alternativas para a solução de seus problemas.

TECENDO INTERFACES ENTRE A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA E O PENSAMENTO SISTÊMICO NOVO-PARADIGMÁTICO

A ideia de realizar um diálogo entre a Psicologia Social Comunitária e o Pensamento Sistêmico Novo Paradigmático foi norteada pelo objetivo da intervenção grupal e pelo público-alvo em questão. Para uma melhor compreensão das contribuições e articulações entre tais propostas, explanaremos algumas características básicas de cada uma delas.

A Psicologia Social Comunitária, na América Latina, surge em um contexto de repressão, violência e perdas de direitos sociais em decorrência de regimes ditatoriais que, por sua vez, impulsionaram a organização de movimentos sociais e questionamentos a respeito do compromisso social e político de vários profissionais, dentre eles, os psicólogos. Além disso, a insatisfação com os modelos teóricos clássicos da Psicologia Social, com foco cognitivista e experimental, que negligenciava aspectos históricos e contextuais, contribuiu para a construção de uma Psicologia mais relevante e condizente com a nossa realidade social. Diante disso, alguns psicólogos iniciaram o debate sobre as injustiças e condições indignas a que os brasileiros estavam submetidos e ressaltaram a necessidade de práticas que transformassem a realidade, a partir da reflexão e da promoção da autonomia das comunidades por meio da partilha de saberes (Cruz, Freitas & Amoretti, 2010; Gonçalves & Portugal, 2012).

Embora a prática da Psicologia Social Comunitária, comumente intitulada de Intervenção Psicossocial, tenha privilegiado as comunidades economicamente desfavorecidas, por serem as mais destituídas de seus direitos, atualmente se compreende que ela não se limita a tais grupos, uma vez que o sofrimento advindo de relações de opressão não ocorre apenas nos espaços mais pobres da nossa atual sociedade (Sarriera et al., 2010). Apesar da diversidade de contextos, a Intervenção Psicossocial tem como metas estimular a reflexão sobre a realidade na qual os sujeitos estão inseridos, desenvolver uma crítica a respeito dos valores, práticas e ideologias construídas socialmente, para que se possa fortalecer as potencialidades do grupo e construir novas estratégias e ações grupais, no intuito de obter melhores condições humanas e bem-estar social. Essa forma de intervenção implica, portanto, reduzir ou prevenir situações de vulnerabilidade decorrentes do contexto social no qual os sujeitos se inserem (Paiva & Yamamoto, 2010; Sarriera et al., 2004).

A intervenção psicossocial, embasada em uma perspectiva social crítica, considera os processos psicológicos diretamente ligados à realidade material e às formas de vida que os homens vão construindo ao longo da história (Bock, 2001). Pressupõe-se que o sofrimento e o bem-estar também derivam das condições e relações sociais, não sendo possível, para nós, psicólogos, nos limitarmos apenas ao plano abstrato do indivíduo (Martin-Baró, 1996). Nesse sentido, o psicólogo, a partir de uma relação horizontal que considera as visões de mundo dos atores envolvidos, tem como papel gerar a discussão sobre um saber crítico sobre si e sobre a realidade em que atua; se orienta a partir das necessidades apresentadas pelo grupo-alvo; promove a autonomia, contribuindo para que os sujeitos identifiquem quais os processos psicossociais que os oprimem e causam sofrimento aos mesmos (Freitas, 1998). Tem o papel de um dinamizador de esforços que visem ao desenvolvimento de projetos emancipatórios (Paiva & Yamamoto, 2008) porque acredita na capacidade de mudança no grupo. Como afirma Lane (2002), o psicólogo trabalha com a linguagem, com as relações grupais e com as emoções e afetos próprios da subjetividade e sua ação possui desdobramentos no nível da consciência, da atividade e da identidade dos sujeitos, para que um dia possam viver em verdadeira comunidade. A conscientização, cabe ressaltar, diz respeito à compreensão da realidade de uma forma mais ampla, que permite ao sujeito perceber sua gênese psicossocial, ou seja, permite compreender que ela é construída socialmente e que, portanto, é passível de mudança. É um processo que ocorre a partir das reflexões do grupo e não surge mediante instruções dos facilitadores.

Interessante destacar que, embora a intervenção psicossocial privilegie o trabalho com grupos (intervenção grupal), a dimensão individual também é condição para a mudança, pois se espera que os valores coletivos possam ser “interiorizados como projeto individual para se transformar em ação”, uma vez que o bem-estar coletivo e individual não é considerado dicotômico (Sawaia, 2002, p. 49). Além da intervenção grupal, outras técnicas também são utilizadas, como: intervenção e terapia familiar; técnicas de mediação; técnicas de avaliação e intervenção socioambiental e técnicas de investigação social, evidenciando a pluralidade de técnicas e procedimentos do psicólogo social comunitário (Paiva & Yamamoto, 2008).

No que concerne aos paradigmas que embasam a Psicologia Comunitária, Sarriera (2010) argumenta que, embora a Psicologia Social Comunitária e a Psicologia da Libertação tenham respaldado a prática nesse campo, uma vez que representavam melhor nossa realidade, os paradigmas denominados pós-modernos têm valorizado alguns aspectos (complexidade, desordem, significado, etc.) comumente deixados de lado pelo paradigma tradicional. Dessa forma, no intuito de abarcar uma visão mais holística da realidade e compreender melhor os problemas vivenciados pelas pessoas em seus cotidianos, tem-se buscado dialogar com perspectivas ecológicas e sistêmicas, como, por exemplo, o Modelo Bioecológico do Desenvolvimento de Bronfenbrenner, a proposta de Rede Social Pessoal de Carlos Sluzki e a Teoria Geral dos Sistemas proposta por Bertalanffy (Olaizola, 2004; Sarriera, 2010). Percebemos, portanto, que o diálogo entre a Psicologia Comunitária com outras disciplinas, como a Psicologia do Desenvolvimento e outros campos de saberes, como a Saúde Coletiva e a Terapia Familiar, tem crescido no Brasil (Costa, 2005; Fernandes, 2000; Ximenes et al., 2015; Yunes & Juliano, 2015). Entretanto, embora seja possível realizar interfaces, necessitamos ter a clareza de que o emprego de diferentes propostas teórico-metodológicas deve ter coerência com o foco da intervenção, e deve estar orientado pelos princípios, valores e demandas da comunidade e não empregado de forma irrefletida, desconsiderando as suas bases epistemológicas (Paiva & Yamamoto, 2010).

O Pensamento Sistêmico Novo-Paradigmático ou Ciência Novo-Paradigmática (Esteves Vasconcellos, 2002) é uma proposta decorrente de um processo de mudança paradigmática no campo da Terapia Familiar Sistêmica. Inicialmente, as teorias e práticas de terapia de família utilizavam metáforas provenientes da Cibernética, ciência que estuda os mecanismos de retroalimentação em sistemas que se autorregulam (Nichols & Schwartz, 2007). Deste modo, conceitos de feedback negativo e positivo foram utilizados para compreender processos de estabilidade e mudança na família, caracterizando a Cibernética de Primeira Ordem. Contudo, como discute Grandesso (2011), novos desenvolvimentos teóricos decorrentes de diversas disciplinas como a física quântica, a neurofisiologia, a neurobiologia, a antropologia, entre outras, sofreram mudanças substanciais. O pensamento cibernético foi estendido aos sistemas auto-organizadores, considerados sistemas autônomos, regidos por suas leis próprias. Adotou-se o conceito de autorreferência, que, ao pressupor que o observador, ao fazer suas observações, está incluindo a si mesmo, postula a impossibilidade de haver uma observação objetiva de uma realidade independente. O conceito de autopoiese também passa a ser utilizado e remete à ideia de “criar a si mesmo” destacando a ideia de que os sistemas vivos criam o que necessitam para manter a sua organização. Assim, uma vez sendo autônomos, admite-se que os sistemas humanos são capazes de produzir suas próprias mudanças e que a resposta de um sistema depende mais de sua organização do que de um fator externo. Consequentemente, a mudança do sistema a partir de conselhos e instruções passa a ser desvalorizada.

Os estudos nas diferentes áreas que contribuíram para uma nova configuração da Cibernética (Cibernética de Segunda Ordem) e da Terapia Familiar estavam embasados em dois referencias epistemológicos: o Construtivismo e o Construcionismo Social. O Construtivismo propiciou uma nova perspectiva em relação ao conhecimento ao demonstrar a impossibilidade de haver um conhecimento puro, uma realidade independente do observador, uma vez que o que percebemos é proveniente de nossa experiência subjetiva. O Construcionismo Social ressaltou a dimensão social do conhecimento ao compreendê-lo como produto das interações sociais. Diante disso, presume-se que as pessoas compreendem suas realidades a partir de significados construídos socialmente (Anderson & Goolishian, 1998).  Em decorrência da mudança paradigmática, instaura-se, no campo da Terapia Familiar, a perspectiva linguística que orienta, atualmente, as Terapias Pós-Modernas, enfatizando aspectos como narrativas, conversações, significados e coconstrução (Grandesso, 2009; Nichols & Schwartz, 2007). O interesse do terapeuta desloca-se das sequências de comportamentos para os processos de construção da realidade e para os significados gerados no sistema, que inclui ele próprio. O terapeuta é considerado parte do sistema e atua na coconstrução de significados e soluções, juntamente com outros participantes do sistema.

Esteves de Vasconcellos, ao realizar discussões em torno da epistemologia sistêmica, a partir de obras de autores como Edgar Morin, Fritjof Capra, Humberto Matura e Francisco Varela, propôs um novo paradigma denominado Pensamento Sistêmico, voltado às ciências de modelo geral (Costa, 2010). Tal paradigma estrutura-se em torno de três dimensões: complexidade, instabilidade e intersubjetividade. A complexidade diz respeito à existência de diferentes contextos e sistemas que se interrelacionam exigindo a contextualização dos fenômenos investigados e as respectivas interações recursivas. A instabilidade refere-se à desordem, à instabilidade, à imprevisibilidade e à auto-organização que evidencia a impossibilidade de controlarmos os processos do sistema, uma vez que ele está em constante processo de mudança e vinculado a outros sistemas. A intersubjetividade, por sua vez, ao pressupor que não existe um observador de fora do sistema, ressalta a construção intersubjetiva do conhecimento (Esteves Vasconcellos, 2002).

Esse novo referencial epistemológico contribuiu para o delineamento de algumas diretrizes voltadas à prática novo-paradigmática (Aun, Esteves Vasconcellos, & Coelho, 2010). Como explicita Esteves de Vasconcellos (2010a), o atendimento sistêmico vai se caracterizar como um trabalho desenvolvido em um sistema que surge a partir da definição da existência de um problema que emerge de um consenso das pessoas em conversação. Ainda de acordo com a autora, as conversações entre as pessoas retratam posições antagônicas sobre a situação- problema que impedem a participação colaborativa em busca de soluções práticas. Logo, o profissional sistêmico deve focalizar as relações entre as pessoas que possuem opiniões divergentes no sentido de promover consensos para a solução de problemas. Aun (2010a), por sua vez, recomenda que ele adote uma linguagem cooperativa, valide as ideias que existem no grupo, aprenda a se esforçar para adotar a linguagem dos integrantes do sistema e a dirigir a conversação de forma a promover o contato com os participantes, uma vez que, quando cada um ouve o outro ou dois outros, ele dialoga consigo. O profissional novo-paradigmático também acredita no poder dos vínculos afetivo-sociais de mobilizar as pessoas para conversações, dá voz a todos sem a preocupação de coletar informações para si, mas para estimular as conversações entre todos adota uma “posição de não-saber” (Anderson & Goolishian, 1998), ou seja, uma postura colaborativa embasada na crença de que o cliente/sistema é o especialista em seu problema e não o profissional. As perguntas permitem a expressão de todos e interpretações diferentes dos problemas ou temas abordados, desestabilizando narrativas dominantes (Esteves Vasconcellos, 2010b). As soluções para o problema emergem por meio da coconstrução de consensos sobre alternativas que considerem os diferentes pontos de vista, estimulando, assim, a autogestão e garantindo o contexto de autonomia e organização em rede (não hierárquica) do sistema (Aun, 2010b).

A Psicologia Social Comunitária e o Pensamento Sistêmico possuem alguns pontos em comum e também algumas especificidades que contribuíram para o trabalho junto às mães. Assim, escolhemos utilizar esses dois quadros referenciais primeiramente porque ambos surgiram de uma inquietação com paradigmas clássicos que reduziam a análise dos fenômenos estudados e desconsideram seus contextos. Ambos acreditam na capacidade dos grupos de se autogerirem e na importância de uma relação não hierárquica entre profissional e membros do grupo em que se trabalha. Além disso, buscam legitimar os saberes de cada integrante do grupo/sistema e partem de uma visão de homem construído socialmente. No que tange às especificidades, a Psicologia Social Comunitária permite a identificação e a compreensão de alguns problemas, posicionamentos e sofrimentos como decorrentes de processos psicossociais da nossa realidade brasileira, como o preconceito e a exclusão. Tanto os escritos teóricos como os de relato de experiência nos apontam caminhos interessantes para promover a mudança em realidades, especialmente as que vivem as minorias sociais. Por outro lado, mas não de maneira oposta, o pensamento sistêmico radicaliza a visão do grupo como autônomo, o papel do facilitador como coconstrutor e o papel da linguagem na constituição das realidades e das subjetividades. Seguindo essa lógica, uma vez os processos dialógicos sendo o foco, ressalta-se, em termos metodológicos, o uso de perguntas para a coconstrução de outras formas de compreender e atuar no mundo, importante ferramenta no trabalho com grupos. Por fim, destacamos que se a Psicologia Social Comunitária nos permite pensar em uma prática a partir do reconhecimento de que vários processos sociais, que ocorrem em diferentes contextos, aviltam direitos, causam sofrimento e dificultam a concretização da cidadania, o Pensamento Sistêmico também nos incita a compreender o grupo/sistema a partir de uma perspectiva mais ampla, considerando a articulação entre a complexidade, instabilidade e intersubjetividade. Além disso, a perspectiva sistêmica novo-paradigmática também traz contribuições teóricas relacionadas à família, importantes para o desenvolvimento do nosso trabalho.

ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS

A partir dos pressupostos de que as pessoas possuem competências e saberes para conjuntamente construírem alternativas para problemas cotidianos, em uma relação solidária e ética (Freitas, 2008), e de que a postura colaborativa do facilitador promove a autonomia do sistema, possibilitando a experiência de autoria de seus integrantes (Esteves Vasconcellos, 2010, rede social), buscamos, primeiramente, construir coletivamente uma proposta de intervenção a partir das necessidades identificadas pelo grupo. As mães sugeriram que realizássemos um trabalho em grupo pelo fato de se sentirem bem estando juntas. Diante de tal solicitação, acordamos que as intervenções aconteceriam em grupo, mas não se caracterizaria como uma terapia, e, sim, um espaço para refletirmos sobre temas que, para elas, eram importantes naquele momento e contexto e que facilitaria o enfrentamento da situação. Alguns temas foram definidos em um primeiro encontro, como: família, casamento, preconceito, sentimentos, serviços de saúde, dentre outros que foram surgindo posteriormente, ao longo das semanas.

Considerando o grupo em questão, nossa metodologia de trabalho não focalizou, a princípio, uma situação-problema específica, como propõe Esteves de Vasconcellos (2010). Entretanto, no processo de discussão sobre os temas específicos, surgiram algumas situações-problemas que foram discutidas com o objetivo de o grupo construir possíveis caminhos de mudança. Na medida em que as mães foram consensualmente definindo o que eram, para elas, “problemas”, exercitamos o pensamento novo paradigmático, que propõe a recusa à classificação, por parte dos pesquisadores, do que é problemático ou não, bem como à instrução, orientação do melhor caminho a seguir. Ainda sobre os temas trabalhados, vale salientar que, a partir do desenvolvimento das oficinas, em algumas intervenções, eles eram modificados, haja vista as contingências vivenciadas por essas mães no cotidiano com seus filhos.

Pudemos acordar algumas regras de funcionamento do grupo, como o respeito às opiniões alheias, o sigilo, tendo em vista que algumas questões pessoais seriam discutidas, a importância da participação de todas, no que diz respeito à construção de propostas, ao comparecimento e ao acolhimento de novas integrantes, já que o grupo se caracterizaria como um grupo aberto, conforme sugestão das participantes, ao considerarem a necessidade de acolhimento de novas famílias.

Como ferramenta de trabalho, optamos pela oficina em dinâmica de grupo (Afonso, 2015) e pelas perguntas conversacionais. A oficina em dinâmica de grupo propicia a reflexão, a expressão de diferentes pontos de vista, a construção de significados, bem como a mobilização do processo grupal a partir da demanda do grupo (Coelho, 2010). Ela pode ser considerada um recurso metodológico no escopo das metodologias participativas, quando é empregada no intuito de facilitar aos integrantes do grupo: “Vivenciar seus sentimentos, percepções sobre determinados fatos ou informações; refletir sobre eles; ressignificar seus conhecimentos e valores e perceber as possibilidades de mudanças” (Silva, 2002, p. 44). As perguntas conversacionais, por sua vez, buscam focalizar o que é importante para o cliente e o sentido do que se diz para a compreensão de sua história (Esteves Vasconcellos, 2010) em detrimento da transmissão de opiniões e expectativas pré-concebidas sobre o problema (Anderson & Goolishian, 1998). A utilização de tais ferramentas tem permitido a reflexão a partir das opiniões e relatos alheios, a construção de significados de forma coletiva (ou coconstrução) sobre temas ou fatos, o acolhimento às visões e vivências do outro e a construção de consensos coletivos para lidar com problemas cotidianos que as afligem.  

As oficinas foram realizadas semanalmente, na Clínica-Escola de Fisioterapia, concomitantemente ao atendimento das crianças no ambulatório de Fisioterapia Respiratória e Fisioterapia Motora. Enquanto as crianças iam sendo atendidas, as mães participavam da oficina. As oficinas tinham início às 14:30 e eram finalizadas em torno das 16:00. Desde novembro de 2016 até o momento de escrita do artigo, foram realizados 17 encontros. Cada oficina contou com a participação de, em média, cinco a 10 mães, provenientes de Campina Grande e cidades circunvizinhas. Todas as participantes recorriam também aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) e tinham baixa renda familiar, que variava entre um a dois salários mínimos.

A equipe foi composta pela professora de Psicologia, coordenadora do programa de extensão, dois alunos de graduação em Psicologia e um discente de mestrado. A professora coordenava o grupo com mais um aluno, enquanto outro observava e fazia anotações, sentando-se, afastado do grupo. Com o tempo, os integrantes da equipe foram trocando de papéis e os alunos, dessa forma, passaram a conduzir algumas oficinas. Após as intervenções grupais, trocávamos nossas impressões sobre a oficina e pensávamos sobre o planejamento do próximo encontro. Esse espaço destinado à equipe caracterizou-se como um espaço de reflexão e construção coletiva, também sendo privilegiada a postura colaborativa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Escolhemos discutir algumas oficinas com temas que, por serem frequentemente mencionados nas falas das mães, caracterizaram-se como relevantes para as mesmas. Desse modo, relataremos as oficinas dos seguintes temas: casamento, família, serviços de saúde, amizade, apoio grupal e deficiência. Embora tenhamos discutido um tema por encontro, alguns temas se intercruzavam a outros temas discutidos em outras oficinas ou geravam novos temas. Por questões éticas, optamos por apenas relatar os conteúdos trazidos pelas mães, garantindo o anonimato das mesmas.

CASAMENTO

No encontro que discutiu sobre o casamento, primeiro tema escolhido pelas mães, contamos com a participação de sete participantes. Em um primeiro momento, buscando compreender melhor as demandas do grupo em relação ao assunto, questionamos as mães sobre os motivos que as levaram a querer discutir o tema casamento. Vários aspectos relacionados à relação conjugal foram citados, principalmente os que dizem respeito à divisão de papéis e dificuldades de comunicação. Assim, as diferentes formas de participação dos companheiros nos cuidados da criança foram ressaltadas, até mesmo o não reconhecimento da paternidade. Foi reconhecido que alguns pais exerciam apenas o provimento financeiro da casa, o que terminava por sobrecarregar as mulheres. Frente aos relatos em torno da paternidade, definida principalmente pelo provimento financeiro, realizamos perguntas que pudessem ampliar a conversação e resgatar diferentes narrativas que retratassem diferentes formas de ser pai. Diante disso, experiências diferentes sobre a participação paterna sugiram. Uma das participantes relatou que seu companheiro assumiu a paternidade da criança com a SCVZ, mesmo sem ser pai biológico. Outras comentaram sobre a tristeza que seus companheiros sentiram com o nascimento da criança com SCVZ e também sobre o suporte que eles proporcionaram a elas naquele momento difícil. Foi destacada por uma das participantes a importância de explicar ao pai, com sinceridade, aspectos do quadro clínico da criança. Se, em um primeiro momento, as falas se concentraram em torno da ideia de que os homens são mais “nervosos” e mais distantes afetivamente, os questionamentos possibilitaram o surgimento de discursos que enfatizavam a dimensão afetiva dos homens, contribuindo para relativização da ideia do pai e de homem como não acolhedores e despreocupados. Nessa dinâmica, também surgiu a ideia de que, às vezes, os pais se distanciam por acreditarem que seus bebês são frágeis e por se sentirem incapazes de cuidar dos mesmos. Em relação ao distanciamento de alguns pais, relatado no início da intervenção grupal, a equipe incentivou o grupo a pensar sobre possíveis soluções para tal situação, por meio do questionamento. As próprias mães sugeriram que elas mesmas ensinassem seus companheiros a cuidar do bebê e também os ajudassem a aceitar e lidar com as dificuldades dos filhos. Além disso, outra questão identificada como um problema no relacionamento conjugal dizia respeito à dificuldade de comunicação, interpretada por algumas participantes como falta de atenção do companheiro. A exaltação do homem nas discussões conjugais, pelo fato de não admitir que a “mulher fale mais alto”, a falta de contato visual e de diálogo, segundo as participantes, têm dificultado o relacionamento conjugal. Ao serem questionadas sobre como lidar com essas dificuldades, exemplos de estratégias como não agir impulsivamente, ter respeito e paciência, principalmente no momento do diálogo, foram sugeridas. O encontro foi encerrado com palavras que representassem o momento grupal vivenciado, sendo estas: paciência, amor, organização, coragem, felicidade e aprendizado.

Os conteúdos que emergiram dessa oficina expressam diferentes formas de relacionamento entre os pais e as crianças, bem como entre as participantes e seus companheiros. Embora os pais possam exercer a paternidade com maior envolvimento, as ações paternas relatadas por algumas mães parecem estar ancoradas na visão tradicional de paternidade, centrada no provimento financeiro e gerando dificuldades no casamento, na medida em que se atribui o cuidado infantil apenas às mulheres. Portanto, as dificuldades em certas relações conjugais parecem denunciar aspectos relacionados ao gênero, como a desigual divisão de papéis entre o casal, na recusa ao diálogo ou forma agressiva de falar. Em um momento que precisam de apoio e de reorganizar o cotidiano para poderem cumprir a agenda de tratamento de seus filhos, a ausência de diálogo ou discussões constantes contribui para configuração de um contexto não suportivo. Nesse sentido, como alerta Macedo (2009), é preciso haver consciência do desequilíbrio de papéis de gênero para que se possa realizar acordos e espontaneidade nos relacionamentos, de forma a minimizar ressentimentos, mágoas e também violência no âmbito familiar. O profissional, por sua vez, deve trabalhar visando à desconstrução de discursos totalizadores que engendram parâmetros e perspectivas que contribuem para a marginalização das pessoas (Grandesso, 2011).

Arriscando tecer algumas considerações sobre o processo grupal, de uma forma geral, percebemos que as diferentes opiniões e experiências das participantes promoveram a reflexão rumo à desnaturalização de ideias em torno da categoria gênero como, por exemplo, a premissa de que o homem é mais nervoso ou de que não se importa com os filhos. Por meio do conhecimento de experiências alheias, surgiu a noção de que atividades femininas e masculinas não são naturais e que, assim sendo, pode haver mudança nos relacionamentos e na distribuição de tarefas. Como decorrência da reflexão coletiva, elas puderam pensar em estratégias para aproximar o pai, como ensiná-lo a cuidar do bebê, criando possibilidades para maior envolvimento paterno e desconstrução da ideia socialmente arraigada de que o cuidado infantil é atribuição “natural” das mães.

FAMÍLIA

Contamos com a presença de oito mães nesta oficina. Com o objetivo de compartilharmos histórias de vida relacionadas ao tema família e fortalecermos nossos vínculos, entregamos a cada uma das participantes um papel com uma palavra (dor, perdão, amor, aprendizagem, apoio, alegria, mágoa e renascimento) e pedimos para recordarem algum fato vivenciado por elas, no contexto familiar, que lembrasse a palavra que receberam. A palavra dor foi representada em uma história de morte de um parente. A primeira história narrada por uma mãe impulsionou outras histórias de morte no contexto familiar. A palavra perdão foi exemplificada por meio de uma história de conflito familiar. A aprendizagem foi caracterizada como um processo de transformação pessoal iniciado a partir do nascimento da criança com SCVZ, trazendo ensinamentos sobre a valorização de pequenas coisas, como também maior responsabilidade no cuidado dos filhos. Nesse momento em que se relatava tal transformação, outras mães acrescentaram que o nascimento do filho com microcefalia havia mudado a forma de ser mãe, uma vez que implicava mais dedicação, empatia e sensibilidade. Em consonância com este momento, o sentimento amor foi destacado no contexto da relação com os filhos e a palavra apoio remeteu ao suporte familiar definido como fundamental no enfrentamento das dificuldades. A palavra alegria, por sua vez, remeteu ao episódio de alta hospitalar de um dos bebês e a não concretização de um prognóstico médico que previa apenas 72h de vida ao mesmo. Sobre a palavra mágoa, embora ela tenha sido significada como um sentimento que não deve ser nutrido por ninguém, uma das participantes expôs sua dificuldade em não ter mágoa quando alguém lhe machuca. Em resposta ao questionamento da equipe, realizada no sentido de ampliar o entendimento a respeito dessa colocação, a mãe nos relatou um desentendimento gerado pelo preconceito de uma amiga em relação à sua criança com SCVZ. Após esse relato, uma integrante comenta que, por ser brincalhona, às vezes ocorrem mal-entendidos. Esse relato contribui para a reflexão sobre as causas da mágoa, no sentido de incentivar uma reflexão e ponderação dos fatos que levam aos desentendimentos. Em relação à palavra renascimento, a chegada do filho foi destacada como transformadora, trazendo mudanças pessoais e familiares, uma vez que uniu o casal para lidar com a nova situação. Por fim, sobre o nascimento dos filhos, as mães relatam o incômodo e raiva que sentiam sobre a exacerbada curiosidade das pessoas em relação à aparência da criança. O encontro foi resumido por meio de palavras como: raiva, revolta, amor, perdão, cansaço e desabafo.

Essa oficina ocorreu com poucas intervenções da equipe porque os próprios relatos geravam diálogos e recordavam experiências de outras mães. Deste modo, as perguntas visaram à ampliação da descrição e explicações de alguns fatos, se assemelhando às perguntas sobre descrições e perguntas de explicações utilizadas por Andersen (2002). Dois assuntos tangenciaram o tema família: a transformação pessoal após o nascimento da criança com a síndrome e a questão do preconceito. Os relatos sobre a transformação pessoal corroboram os resultados de Carvalho, Cardoso, Oliveira e Lúcio (2006) e Gomes e Piccinini (2007) que apontam para um processo de reorganização psicológica e transformação pessoal frente à malformação de seus filhos. Portanto, percebemos que, apesar do sofrimento gerado pela situação inesperada, elas puderam se transformar e construir vínculos afetivos com seus bebês, processos esses essenciais no enfrentamento das suas dificuldades relacionadas ao cuidado de suas crianças. Contudo, não podemos generalizar tal fato para todas as mães, tendo em vista que o processo de aceitação nem sempre ocorre e é diferente para cada uma. Os relatos também revelaram a possibilidade de membros familiares se unirem diante do acometimento de uma doença. Contudo, tendo em vista que sistemas humanos são organizações autopoéticas e que respondem a um determinismo estrutural (Grandesso, 2011), compreende-se que o caminho que o sistema percorrerá dependerá de sua estrutura e não de conselhos externos. Isto posto, podemos dizer que a forma como o casal enfrentará uma situação de doença dependerá das relações construídas entre eles. Ademais, as narrativas das mães indicam também a dificuldade em lidar com o preconceito, processo que emerge de uma sociedade intolerante à diferença Diante disso, acreditamos na necessidade de compreendermos melhor as repercussões psicológicas desses processos discriminatórios e cotidianos. Este fato nos reforça a ideia de que o sofrimento pode ser caracterizado como um sofrimento ético-político (Sawaia, 1999), uma vez que ele não deriva de aspectos intrapsíquicos, mas, sim, de relações injustas em nossa sociedade.

SERVIÇOS DE SAÚDE

Havíamos planejado, nesse encontro, dar continuidade ao tema família, conforme solicitação anterior do próprio grupo. No entanto, angústias emergentes relacionadas às condições clínicas de saúde das crianças e sentimentos de revolta pela dificuldade de acesso aos serviços de saúde direcionaram a discussão para o tema “serviços de saúde”. Nesse dia, cinco mães participaram da oficina. Elas estavam mobilizadas afetivamente pelo fato de o bebê de uma participante do grupo estar internado e por outra mãe estar enfrentando dificuldades pessoais. Após comentarem essa questão, um bebê, que estava no colo de sua mãe, apresentou leves crises convulsivas, gerando um movimento de apoio e discussão sobre recorrer ou não ao hospital. As discussões sobre algumas dificuldades relacionadas aos serviços de saúde, como o atendimento sem acolhimento e a falta de medicação, fizeram emergir sentimentos de raiva e também reclamações sobre os serviços de saúde. A qualidade dos remédios e exames oferecidos pelo Sistema Único de Saúde, a dificuldade de acesso a especialidades, como neurologia, foram questões levantadas. Mediante os problemas trazidos pelas participantes e objetivando promover a percepção de si como sujeitos agentes, perguntamos sobre o processo da estruturação da associação de pais de crianças com SCVZ, que envolve outros pais que, embora não participem do nosso projeto na universidade, recorrem, assim como elas, ao Centro de Referência Especializado (CER), principal serviço de atendimento municipal às crianças com deficiência. Embora tenham expressado atitude positiva em relação à associação de pais, as mães relataram que conflitos internos estavam desmotivando a participação coletiva. Questionamos o grupo no sentido de obtermos descrições mais detalhadas sobre os conflitos e assim compreendermos melhor tal problema. Após explicações, indagamos sobre o que acontece quando estamos em grupo, no intuito de refletimos sobre alguns processos grupais que envolvem a formação de um coletivo organizado e, assim, incentivar o grupo a pensar em possíveis resoluções para tais problemas. Também realizamos perguntas sobre as dificuldades apontadas no início da intervenção. Após discussão, elas apresentaram as seguintes possibilidades: propor a neurologista do ambulatório a criação de um grupo no WhatsApp, assim como realizar uma palestra com todas as mães, abordando o quadro neurológico mais frequente das crianças com SCVZ, seus sintomas, medicação administrada e seus efeitos colaterais. Em relação à associação, firmaram o acordo de serem mais unidas e tentarem persistir mesmo diante das divergências. Palavras como paz, fé, saúde, esperança, luta e fortalecimento foram mencionadas pelas mães no final da oficina.

Ao nosso olhar, a angústia das mães, proveniente de um problema de saúde em uma das crianças, permite-nos afirmar a existência de um forte vínculo entre elas e a evocação de lembranças sobre as experiências como acompanhantes de seus filhos em internações hospitalares, período sempre difícil para elas. Além disso, suscita o medo da morte, tendo em vista a insegurança diante da incerteza em relação ao prognóstico de seus filhos. A partir dessa compreensão, optamos por deixar o grupo dirigir o diálogo e fomos realizando perguntas a partir do que ia sendo relatado.

Novamente nos deparamos com o sofrimento gerado de questões cotidianas como dificuldades de acesso a uma rede pública de saúde, que retratam barreiras geográficas, organizacionais e de informação (Travassos & Castro, 2012), comuns a tantos brasileiros. Percebemos que as dificuldades cotidianas abordadas nesse encontro e a mobilização afetiva a partir da experiência do outro possibilitaram maior solidariedade e união do grupo em busca de minimizar suas dificuldades. Dessa forma, constatamos um processo de articulação entre a dimensão coletiva e individual rumo à ação transformadora (Sawaia, 2002), unindo, portanto, desejos individuais e coletivos. No que concerne ao nosso papel como facilitadores, e considerando esse espaço de intervenção como um espaço político, buscamos fomentar a construção da autonomia grupal e a percepção de si como sujeito de direitos, objetivos da intervenção psicossocial. Entretanto, percebemos a necessidade de continuar o trabalho em busca de subjetividades que se reconheçam enquanto agentes transformadores.

AMIZADE

Nesse dia, com a presença de seis mães, discutimos o tema amizade. De acordo com a maioria das participantes, houve perda do antigo círculo de amizades, após o nascimento da criança com SCVZ. Os motivos do afastamento são desconhecidos para a maioria das mães e, portanto, levaram ao questionamento da qualidade da relação de amizade que tinham com essas pessoas. A mudança de rotina também foi citada como um dos fatores de afastamento dos antigos amigos. Contudo, as antigas amizades foram substituídas pelas amizades com outras mães que também tinham crianças nessa condição clínica de saúde, fato constatado no mapeamento de rede realizado com algumas delas. A amizade foi significada como compartilhamento de momentos, confiança, presença nas horas difíceis, algo para além de estar junto o tempo todo. Houve relatos sobre a dificuldade que alguns pais e mães têm em assumirem suas crianças com a SCVZ. Argumentos religiosos como Deus permitiram que as crianças nascessem dessa forma eram empregados para justificar a necessidade de aceitação e acolhimento de seus filhos. A rejeição por parte de membros da família também foi mencionada como algo que causa medo a todas as pessoas que têm “filho especial”. Escutamos novamente relatos sobre discriminação no contexto familiar que levou à adoção do afastamento como estratégia por parte da mãe. Ao incentivarmos reflexões em torno de formas de lidar com essas situações que envolvem preconceito, o distanciamento e a necessidade de ignorar algumas coisas foram as opções consideradas mais viáveis. Palavras como: “amei”, “bom demais”, “gostei”, saúde, gratidão e menos preconceito e mais amor, finalizaram o encontro desse dia.

Assim como aconteceu na oficina de família, a discussão sobre o tema principal levou à discussão das dificuldades que elas enfrentam, as quais geralmente incluem questões relacionadas ao preconceito com a criança com a SCVZ. O distanciamento de antigos amigos após o nascimento é um dado importante que pode revelar um possível período de maior vulnerabilidade da mãe. Sendo assim, acreditamos ser relevante a investigação de tal afastamento, no sentido de compreender seus motivos e desdobramentos na vida das mães. O mapeamento da rede pessoal social de apoio (Sluzki, 1997) pode contribuir nesse processo de investigação de apoio disponível, uma vez que indica a efetividade ou não de suporte social nesse período de transição, fornecendo indícios para futuras intervenções. Além da amizade, a questão da necessidade de aceitação dos filhos por parte dos pais nos trouxe alguns dados interessantes. A maternidade, experiência geralmente difícil para elas, foi significada como missão divina, desvelando o papel da religiosidade na experiência de cuidar de um filho com malformações congênitas. Evidenciamos, portanto, um processo de ressignificação da experiência da maternidade por meio da recorrência ao “divino” (Silva, 2012). A religiosidade como instrumento de superação em momentos difíceis foi constatada por Véras, Vieira e Morais (2010) em estudo com mães de bebês prematuros e Machado (2012), em seu estudo sobre enfrentamento da malformação. Como argumenta Walsh (2016), o sistema de crenças familiares, como as crenças religiosas, contribui para que os membros encontrem significado nas situações adversas e facilitam uma perspectiva positiva de esperança.

O fato de não compreenderem as dificuldades de aceitação de um filho com malformação, por parte de alguns pais e mães, parece fazer parte de um processo de reafirmação dos sentimentos positivos em relação aos filhos e negação de possíveis sentimentos socialmente considerados como negativos. Esse processo merece atenção, uma vez que pode contribuir para o sentimento de culpa nos momentos difíceis do exercício da maternidade, momentos em que os sentimentos ambivalentes podem predominar.

APOIO GRUPAL

Nessa oficina, contamos com a presença de cinco mães e duas crianças. Uma nova informação, a verbalização de um prognóstico negativo para duas crianças, mobilizou afetivamente o grupo, fazendo emergir inicialmente discursos que retratavam o medo de uma piora na condição clínica de seus filhos. Por outro lado, tendo como base suas experiências, algumas mães apontaram as contradições entre o prognóstico médico e o gradual desenvolvimento das crianças, o que gerou um sentimento de esperança. Como havia novas participantes, utilizamos uma técnica de dinâmica de grupo adaptada da técnica intitulada “O que você parece para mim” (Criartes, 2017), com o objetivo de propiciar maior integração grupal. A ideia era que cada mãe pudesse atribuir características que percebiam em relação às demais, propiciando, assim, o exercício da autopercepção das participantes, a partir do olhar do outro. A técnica foi bem recebida pelas mães, que ressaltaram a importância da descontração, entrosamento e do vínculo forte entre elas. Contudo, alguns episódios, como momentos de aflição frente às convulsões infantis, assim como os medos e angústias referentes ao quadro clínico das crianças, foram revelados. Como uma das mães optou por observar o grupo, pelo fato de se sentir triste com o prognóstico de sua criança, as demais ressaltaram suas características (guerreira, forte, dedicada, amigona, mãezona), emocionando todo o grupo. Tal solidariedade grupal também foi observada quando buscaram mais uma vez acolher esta participante por meio de relatos de superação no cotidiano de cuidados das crianças.

O quadro clínico das crianças é, sem dúvida, um tema constante nos diálogos entre as mães, até porque algumas crianças são internadas frequentemente em hospitais, tendo em vista a necessidade de cuidados mais especializados. Os processos interativos ocorridos nesse encontro permitiram o questionamento do saber médico, no sentido de romper com um discurso negativo e determinante. As histórias das mães sobre experiências positivas e significativas em relação aos diagnósticos médicos contribuíram, portanto, para contrapor histórias que remetem à perda e desesperança, intituladas por White (2012) como histórias dominantes.  Nessa dinâmica, dois tipos de processos ocorreram: um processo externo contínuo de trocas e também um processo interno em que cada sujeito dialogou consigo mesmo a partir do processo externo do grupo. O processo interno, embora busque preservar a integridade da pessoa, também pode servir como base para a expansão dos atos de sentir, conhecer e agir (Andersen, 2002). Nesse sentido, a partir desses dois processos, percebemos que as participantes se colocaram no lugar das duas mães que estavam tristes e também compartilharam a dor sentida por elas, tendo em vista as experiências dolorosas e parecidas que também vivenciaram. Contudo, também puderam coconstruir outras formas de se pensar sobre o desenvolvimento futuro das crianças, direcionado à dinâmica grupal para o acolhimento e enfrentamento de um momento de dor que tem ressonância em todo o grupo. Acreditamos, assim, que a rede construída entre elas caracteriza-se realmente como um dispositivo fundamental com a função de disponibilizar apoio emocional e construir outras visões sobre os fatos.

DEFICIÊNCIA

Com a participação de nove mães e considerando o conteúdo temático anterior, especificamente os sentimentos decorrentes em torno do prognóstico negativo, achamos importante compreendermos melhor como essas mães significavam a deficiência e malformação. Dessa forma, no intuito de fazermos uma “tempestade de ideias” (Silva, 2002) e incentivarmos posterior discussão, perguntamos o que vinha à mente quando escutavam a palavra deficiência. Nesse momento, apenas uma mãe se pronunciou, dizendo “cuidado”. Quando questionadas sobre o que seria uma deficiência, palavras como “déficit” e “falta” foram ditas. Em seguida, ao continuarmos realizando perguntas de esclarecimento, a partir de tais palavras, uma das mães relatou achar a palavra deficiência muito forte. Outra, endossando o posicionamento da participante anterior, alegou não gostar da palavra por ser “pesada” e disse que sua filha não é deficiente e, sim, especial. A deficiência foi retratada por outra mãe como falta de um membro físico e também não acredita que as crianças com a SCVZ sejam deficientes. Quando questionamos como preferiam chamar seus filhos, todas disseram que preferiam dizer que são “especiais”. As mães também alegaram que as pessoas não devem utilizar palavras como “bichinho” e “doente” para se referirem a seus filhos. Ao serem indagadas sobre a diferença entre pessoa com deficiência e pessoa especial, não souberam responder à questão.

 Após esse momento, trouxemos um pouco sobre o contexto histórico da criação do termo “pessoa com deficiência”, explorando outros termos que foram usados (portador de deficiência, especial) no sentido de o grupo conhecer o motivo pelo qual os profissionais, principalmente os que trabalham no campo das políticas públicas (e que lidam com elas diariamente), utilizam esse termo. Em seguida, indagamos sobre a confirmação e aceitação do diagnóstico de seus filhos e sobre a vivência de cuidadora. De acordo com algumas mães, o que mais causava preocupação após tomarem conhecimento do diagnóstico era a possibilidade de morte de seus filhos, até porque os médicos pareciam não dar muita esperança em relação à sobrevivência dos mesmos. Ademais, no que diz respeito à relação profissional-usuário de saúde, as mães afirmaram que muitas vezes não havia acolhimento. Outras experiências foram narradas e retratavam: o choque frente à descoberta da microcefalia ainda na gestação; a negação do diagnóstico de microcefalia; o medo de não saber cuidar; os desafios cotidianos, como as viagens para tratamento dos filhos, o cansaço e a dificuldade de lidar com as dores dos filhos. Por outro lado, também foi ressaltada a aprendizagem adquirida com o tempo e o apoio da família e amigos. Ao incentivarmos a reflexão sobre caminhos para o enfrentamento das situações difíceis, o compartilhamento de experiências e o apoio emocional entre elas foram ressaltados como importantes. Uma delas, inclusive, narrou um momento de apoio oferecido por outra mãe. Ao final da intervenção, realizamos a escolha de novos temas para oficinas futuras, que ficaram assim definidos: sexo, saúde da mulher e dia das mães.

A recusa em perceber seus filhos como pessoas com deficiência pode representar uma tentativa de positivar a imagem de seus filhos para si, uma vez que a palavra deficiência carrega um sentido pejorativo para elas. Não podemos afirmar que há uma dualidade entre negação da deficiência e confrontação da realidade, gerando uma falsa aceitação (Moraes, 2011), ou se há um processo de ressignificação da imagem de seus filhos, embora tendamos a concordar com essa última possibilidade. Importante esclarecer que determinados profissionais de saúde e várias pessoas com as quais essas mães lidam diariamente enfatizam as limitações de seus filhos ou perguntam sobre elas, gerando incômodo, afastamento, mas também reforço das características de seus filhos e estreitamento de vínculos. Identificamos, a partir de então, a necessidade urgente de um debate a partir das seguintes questões: Como trabalhar com as mães, no contexto das políticas públicas, utilizando um termo que elas próprias rejeitam (pessoas com deficiência)? Que desdobramentos teriam uma atuação em que profissionais e usuários das políticas públicas possuem visões diferentes a respeito da criança acometida pela SCVZ?

 Precisamos prestar atenção aos sentidos atribuídos à deficiência e compreender que eles são construídos e ressignificados a partir das experiências. Compreensível, portanto, que a recusa da palavra deficiência, por parte das mães, decorra de experiências dolorosas vivenciadas pelas mesmas e não de um processo intrapsíquico de negação. Para compreendermos melhor o preconceito que as mães vivenciam e também refletirmos sobre o futuro, é preciso admitir que as diferenças se tornaram fontes e justificativas para desigualdades sociais que, por sua vez, geram oportunidades diferentes de acesso ao que foi conquistado pela humanidade (Bock, 2001). Reforçamos, portanto, a importância de tentarmos analisar a experiência subjetiva a partir da realidade concreta das pessoas, reconhecendo suas limitações e possibilidades de transformação, e criarmos novos espaços de conversação com diferentes atores sociais pertencentes à rede intersetorial de serviços públicos voltada às mães.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Realizar intervenções com as mães de crianças acometidas pela SCVZ tem sido uma experiência desafiadora e enriquecedora para nossa equipe, que muito se depara com o sofrimento materno originado de aspectos sociais como baixa renda, baixa escolaridade, desemprego, moradia inadequada, difícil acesso e processos psicossociais como a exclusão e o preconceito por parte de amigos, familiares e, até mesmo, profissionais de saúde. Diante de um futuro imprevisível e de um presente em que dificuldades de diversas ordens se concretizam, a busca pela religiosidade, o apoio familiar e a amizade com outras mães que têm crianças como a SCVZ destacam-se como uma das principais estratégias de enfrentamento das mães, que, juntas, tentam lidar com o cotidiano de cuidado de seus filhos. Entretanto, é preciso compreender que alguns familiares nem sempre fornecem apoio e que, mesmo havendo suporte por parte de algumas pessoas, a rede pessoal social das mães pode não ser suficiente, tendo em vista as diversas necessidades das famílias. O que nos faz reconhecer a limitação do nosso trabalho e a necessidade de atuarmos no sentido de construir uma rede mais ampla, que envolva outros atores sociais. Contudo, a partir das vivências e trocas que ocorreram no grupo, percebemos que a intervenção grupal fortaleceu os vínculos entre as mães e possibilitou a construção de novas amizades. Dessa forma, podemos dizer que o grupo ou o novo sistema construído na rede pessoal social das mães possibilitou o apoio emocional e a criação de algumas saídas para determinados problemas cotidianos. Pressupomos que algumas dificuldades poderiam ser resolvidas, caso as mães tivessem um maior engajamento coletivo, politicamente falando. Entretanto, respeitamos o processo do grupo e sabemos que assumir outra postura e sair de papéis cristalizados e sócio-historicamente definidos é algo que não ocorre rapidamente.

De um modo geral, percebemos que, além do processo de reorganização psicológica frente à SCVZ, os serviços oferecidos pelas políticas públicas, principalmente na área da saúde, denunciam ainda as limitações da rede para atender às demandas específicas dessas famílias e a falta de acolhimento por parte de alguns profissionais, o que contribui para o aumento da ansiedade e medo da piora no quadro clínico de seus filhos. Somam-se a esse contexto dificuldades devido à falta de recursos financeiros, o preconceito de várias pessoas e alguns problemas familiares. Por outro lado, a convivência com as mães nos permitiu entrar em contato também com o amor delas pelos seus filhos, com a comemoração de pequenas conquistas desses, com o carinho que foi sendo construído entre elas e também delas para com as crianças de outras mães. A interação grupal permitiu o acolhimento do choro, da dor, da raiva, da ansiedade e da tristeza, mas também propiciou momentos de alegria, de descontração, de esperança, de carinho e de mobilização para a busca do novo.

Por fim, esperamos que as diversas ações intersetoriais possam minimizar os obstáculos e a sobrecarga das mães e demais cuidadores, a partir de ações embasadas nas experiências, saberes e necessidade dessas pessoas. Isto posto, acredito que este manuscrito pode contribuir para subsidiar a construção de novas ações e perspectivas voltadas às famílias que envolvam, de fato, uma relação dialógica, que requer escuta, respeito, troca e análises dos processos subjetivos a partir de contextos sociais específicos.


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Recebido em: 22/05/2017
Aprovado em: 05/07/2017
 

I Sibelle Maria Martins de Barros,, Professora Doutora da Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: sibellebarros@yahoo.com.br

II Pedro Augusto Lima Monteiro, Graduando e bolsista do Programa de Extensão da Universidade Estadual da Paraíba.

III Mariany Bezerra Neves, Graduanda em Psicologia e voluntária no Programa de Extensão da Universidade Estadual da Paraíba.

IV Glória Tamires De Sousa Maciel, Psicóloga, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde e voluntária no Programa de Extensão da Universidade Estadual da Paraíba.

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