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Acta Comportamentalia

versão impressa ISSN 0188-8145

Acta comport. vol.18 no.1 Guadalajara  2010

 

ARTÍCULOS

 

Ciúme: Uma interpretação analítico-comportamental1

 

Jealousy: Analytic behavioral interpretation

 

 

Nazaré Costa2; Romariz da Silva Barros3

Universidade Federal do Maranhão2, Brasil Universidade Federal do Pará, Brasil3

 

 


RESUMO

Análises e considerações sobre ciúme respaldadas na Análise do Comportamento já foram feitas por alguns autores, inclusive por Skinner. Entretanto, observa-se que a produção neste referencial teórico é escassa. Considerando que o ciúme permeia importantes questões ligadas à atividade do psicólogo e que ainda existem lacunas importantes na literatura, este artigo pretende apresentar uma possibilidade de interpretação do ciúme a partir do referencial analítico-comportamental. Esta interpretação foi elaborada tanto com base em análises feitas por autores que possuem referenciais diversos quanto considerando uma literatura específica de analistas do comportamento.

Palavras-chave: Ciúme, Análise do Comportamento, proposta de interpretação, competição, comportamento emocional.


ABSTRACT

Analysis and considerations on jealousy supported by Behavior Analysis have been made by some authors, including Skinner. However, it is noticed that the scientific production on this topic under the behavioranalytic framework is limited. Considering that jealousy permeates important issues related to activity of the psychologist and there are still important gaps in the literature, this article intends to present a possible interpretation of jealousy under a perspective of behavior analysis. This interpretation was based on analysis by authors who have diverse theoretical orientation as well as on specific behavior analytic literature. Jealousy is characterized as a complex set of interconnected behaviors, some of them elicited e other operant. Elicited and operant components, although inseparable, do not have causal relation to each other, but instead are both functional relations between environmental events and responses of the organism. It is also stated that the antecedent event implied in the jealous emotional behavior is the competition for reinforcers. The operant component of jealousy tends to be reinforced negatively by the removal of the rival or by the attenuation of the competition, although it also can be reinforced positively by social attention. Considering the complexity of the phenomenon, there is much to improve and question about any approach of Jealousy. Nevertheless, the present study contributes to the comprehension of the jealous emotional behavior, since it presents an interpretation of it based on a theoretical background that allows empirical tests of what is being proposed.

Key words: Jealousy, Behavior Analysis, interpretation proposal, competition, emotional behavior.


 

 

Análises e considerações sobre ciúme respaldadas na Análise do Comportamento já foram feitas por Banaco (2005), Bandeira (2005), Costa (2005), Menezes e Castro (2001) e pelo próprio Skinner (1948/1976; 1969/1984). Apesar de outros autores, com esta fundamentação, provavelmente já terem escrito sobre o fenômeno, pode-se dizer que a produção neste referencial teórico é escassa.

Considerando que o ciúme permeia importantes questões ligadas à atividade do psicólogo, especialmente na terapia individual e de casais, na terapia infantil, na compreensão e intervenção diante da violência doméstica e até na atuação nas organizações e que ainda existem lacunas importantes na literatura, este artigo pretende apresentar uma possibilidade de interpretação do ciúme a partir do referencial analítico-comportamental.

A interpretação foi elaborada não somente com uma literatura específica de analistas do comportamento. No campo da Psicologia, incluíram-se autores que possuíam referenciais diversos, dentre os quais: o evolucionista (por exemplo, Buss, Larsen, Westen, & Semmelroth, 1992; Buss, 2000/2000; Buss & Haselton, 2005; Schützwohl, 2008; Souza, Verderane, Taira, & Otta, 2006; Strout, Laird, Shafer & Thompson, 2005), o cognitivista (por exemplo, DeSteno & Salovey, 1996; DeSteno, Valdesolo, & Bartlett, 2006; Harris, 2003; 2005; Ramos, 1998) e o freudiano (por exemplo, Arreguy, 2001; Costa J., 1998; Freud, 1910/1986) e ainda autores de outras áreas como Antropologia (Mead, 1977/1998), Filosofia (Lafollete, 1995/1996), História (Stearns, 1989) e Sociologia (Clanton, 1977/1998)2.

Cabe ressaltar que a maior parte da literatura atual sobre ciúme tem sido produzida por um grupo de pesquisadores de referencial evolucionista, ao lado de um grupo de pesquisadores de referencial cognitivista em torno da discussão da diferença de gênero. Entretanto, como abordar esse debate desviaria do objetivo proposto para esse artigo, recomenda- se a leitura das referências citadas no parágrafo anterior, assim como os artigos de Costa (2005) e de Costa e Barros (2008) que tratam especificamente desse debate.

A estrutura do artigo contemplará a apresentação das análises/considerações de ciúme feitas por analistas do comportamento, seguidas de comentários, para que posteriormente seja exposta a interpretação elaborada. Ao final, expõem-se ainda uma possibilidade de diferenciar ciúme de inveja e cuidados quanto à delimitação da caracterização que está sendo proposta.

 

ANÁLISES E CONSIDERAÇÕES ANTERIORES DE CIÚME

Em "Walden Two", Skinner (1948/1976) sugere que o ciúme pode ser entendido como uma forma secundária de raiva e que ele se faz necessário em sociedades competitivas. Contrariamente, em uma sociedade cooperativa o ciúme não existiria. Ao abordar o ciúme desta maneira, Skinner 1) parece concordar com a proposição segundo a qual existe um conjunto de emoções básicas ou primárias (Layng, 2006; Millenson, 1967/1975) e o ciúme seria uma emoção secundária; 2) aponta para a possibilidade de o ciúme ser compreendido como raiva; 3) ressalta o papel fundamental da configuração social para explicar a presença ou ausência do ciúme e 4) coloca a competição como um elemento chave à existência e compreensão do ciúme.

Classificar o ciúme apenas como uma emoção, como Skinner fez nesta obra, o coloca ao lado de todos os autores que possuem concepções internalistas/mentalistas acerca do fenômeno (por exemplo, Freud, 1910/1986; Ramos, 1998; Sharpsteen, 1991). A respeito de o ciúme poder ser considerado como raiva, esta também é uma interpretação que se mostra em acordo com interpretações de autores os quais não possuem recorte externalista como Gikovate (1998), Roth (n. d.) e Ramos (1998). Para Gikovate o ciúme pode ser "entendido como uma sensação de raiva daquele que quer se aproximar e se apropriar de atenções que achamos que nos pertencem" (p. 122); para Roth sem dicas contextuais claras, o ciúme tende a ser interpretado como raiva e, para Ramos, raiva fora de um contexto de ameaça para um rival é apenas raiva e não ciúme. Isto significa dizer que o ciúme poderia ser concebido como um rótulo, criado pela cultura, para se referir a uma ou mais emoções que ocorrem em um dado contexto (cf. Dittrich, 2008).

Na obra "Contingências de Reforço", Skinner (1969/1984) analisa o ciúme partindo do exemplo de Otelo, personagem de Shakespeare. Skinner afirma que o comportamento ciumento emitido por Otelo, de matar a esposa sufocada, é constituído tanto de respostas emocionais públicas quanto privadas ou encobertas, chamando atenção para o fato destas respostas (públicas e privadas) não possuírem relação de causalidade entre si.

Faz-se oportuno ressaltar que recentemente Tourinho (2009) se posicionou contrariamente à dicotomia público-privado afirmando não ser apropriada para referir-se tanto aos comportamentos quanto aos estímulos. No primeiro caso por se tratar de relações e no segundo por serem concebidos como "eventos que variam ao longo de um continuum de observabilidade" (p. 126).

Retomando, Skinner (1969/1984) sugere que a emissão de uma resposta emocional operante (sufocar) pode ocorrer conjuntamente a outras respostas emocionais (por exemplo, raiva da esposa "infiel"). Uma consequência provável da resposta de sufocar a esposa é que ela pode eliminar a própria fonte de reforçadores pela qual o indivíduo ciumento estava competindo.

Embora ao longo do capítulo Skinner (1969/1984) também use o termo sentimento para referir-se às emoções, identifica-se que ele as denomina especificamente de respostas. Em síntese, para Skinner, o ciúme é um comportamento composto de diferentes respostas emocionais. Tal compreensão pouco contribui para diferenciar o ciúme de outros fenômenos.

Passando para análises contemporâneas feitas por autores brasileiros, para Menezes e Castro (2001), o ciúme seria um sentimento que ocorre em uma situação que sinaliza possibilidade de perda de reforço "para outro indivíduo, podendo envolver a emissão de respostas coercitivas que visam evitar esta perda e a produção de consequências reforçadoras e/ou punitivas para o comportamento dos indivíduos envolvidos" (p. 20).

Na concepção das autoras, o ciúme seria um comportamento (privado), logo, como todo comportamento, explicado pelo modelo de seleção por consequências. No nível filogenético, ele pode ter sido selecionado em função de vantagens evolutivas para espécie humana e outras espécies, como de primatas e aves. No nível ontogenético, reforçamento positivo e negativo, generalização, imitação e punição de outros comportamentos seriam processos envolvidos na instalação e/ou manutenção do ciúme (Menezes & Castro, 2001).

Embora Menezes e Castro (2001) tenham definido o ciúme como um sentimento que tende a ocorrer diante da possibilidade de perda, destacaram que o controle do mesmo pode estar no contexto social que espera ciúme nas relações amorosas. Neste caso, ao emitir comportamentos ciumentos, o indivíduo se esquiva de possíveis punições do grupo social, incluindo punições do(a) próprio(a) parceiro(a).

No nível cultural, Menezes e Castro (2001) ressaltaram os valores vigentes em sociedades capitalistas, como exclusividade e competição, que contribuem para a ocorrência de comportamentos ciumentos. As autoras citam inclusive o Código Penal Brasileiro, Artigo 121, Parágrafo Primeiro, que legitima o ciúme como atenuante em situações de crime.

A análise das autoras mostra compatibilidade com a proposição de Skinner (1948/1976) a respeito de o funcionamento social constituir-se em elemento fundamental para a compreensão do ciúme e a competição consistir em um componente relevante em sociedades nas quais se observa o fenômeno.

A análise feita por Banaco (2005) parte dos significados de ciúme encontrados no Novo Aurélio. Neste, o ciúme é colocado como um fenômeno que se relaciona ou é sinônimo de amor, cuidado, posse, suspeita ou certeza da infidelidade, competição, rivalidade, inveja e medo da perda (Ferreira, 1999).

Na visão do autor, o ciúme parece envolver mais especificamente posse, infidelidade, competição e perda. Ao fazer referência à posse, Banaco (2005) destaca que no ciúme existe uma ameaça da posse de algo ou alguém que já se tem e que o risco de perda existe em função da falta de habilidade do indivíduo ciumento, da habilidade maior do concorrente (rival), da falta de controle sobre a posse nas afeições e/ou da infidelidade.

Em sua análise, Banaco (2005) sugere que o ciúme seria uma emoção social (provavelmente em contraposição às emoções básicas ligadas especificamente à filogênese) como o amor, por envolver contingências sociais.

De forma semelhante a Menezes e Castro (2001), Banaco (2005) desenvolve a análise do ciúme partindo do modelo de seleção por consequências. Para ele, a filogênese pode ter selecionado comportamentos ciumentos em função de estes terem sido úteis, na defesa de território, tanto para o próprio indivíduo quanto para sua prole. Aqui o autor também inclui a competição em sua análise, como fizeram Skinner (1948/1976) e Menezes e Castro (2001), porém ao tratarem da ontogênese e da cultura.

Sobre o controle ontogenético, Banaco (2005) afirma que indivíduos com histórias de "reforçamento mais intenso, frequente e bem sinalizado tenderão a ser menos prováveis de apresentarem tais sentimentos" (ciúme e inveja). Em relação ao controle social, destaca que em situações onde há evidências de infidelidade e/ou competição, o grupo social pressiona para que o indivíduo defenda o que lhe pertence. Novamente a competição aparece como um aspecto relevante.

Em conformidade com algumas definições e caracterizações feitas por autores que possuem recorte internalista (por exemplo, Ferreira-Santos, 2003; Freud, 1910/1986; Gikovate, 1998), Banaco (2005) considera a posse como um elemento importante em situações de ciúme. A restrição do ciúme a situações de posse talvez remeta à necessidade de existência de uma relação formal, o que se configura como uma limitação. Uma maneira de não restringi-lo às relações formalmente constituídas é considerar que, para haver ciúme, basta que um seja uma fonte de reforçadores significativos para o outro. Alguém que não "possua" uma relação formal com outra pessoa (ou com algo material, cargo etc.) pode legitimamente sentir ciúme em situações por competição por acesso a essa pessoa, objeto ou cargo, uma vez que todos podem constituir-se em fonte de reforçadores. Adicionalmente, ao relacionar o ciúme à infidelidade, Banaco (2005) parece limitar sua análise ao ciúme romântico.

Costa (2005) apresenta sua proposição inicial sobre o ciúme partindo da análise de Menezes e Castro (2001). Deste modo, a autora concorda com as seguintes argumentações: 1) o ciúme poderia ser compreendido como um sentimento (ou comportamento privado); 2) como um comportamento, deve-se recorrer ao modelo de seleção por consequências a fim de explicá-lo e 3) processos de reforçamento, generalização, imitação e punição podem explicar a instalação e/ou a manutenção de comportamentos ciumentos. Costa, no entanto, chama atenção para três aspectos: o ciúme seria produto de condicionamento respondente e operante; o ciúme (evento comportamental privado) pode controlar operantes públicos (interrogar, seguir a[o] parceira[o], ou comportamento agressivo, por exemplo) e o ciúme pode ser controlado por regras sociais.

A formulação de Costa (2005), apesar de explicitar pontos importantes para a compreensão do ciúme (especificamente os apontados anteriormente), também apresenta limitação. A análise da autora parece sugerir que o fenômeno ciúme envolve necessariamente o controle do sentimento (evento comportamental privado) sobre operantes públicos. Dito de outro modo, só é possível falar em ciúme quando um evento privado exerce controle sobre operantes públicos. Entretanto, mesmo que se possa inferir a ocorrência e o controle de um sentimento quando um indivíduo apresenta operantes públicos característicos de ciúme, também é possível argumentar que mesmo diante do sentimento, o indivíduo pode não apresentar qualquer operante público correlato de ciúme (cf. Darwin, 1872).

Além disso, existe uma terceira possibilidade:

... uma pessoa que se diz triste, alegre [com ciúme] ou irritada pode estar sob controle tão somente (ou predominantemente) da situação pela qual passa ou passou, sem que haja estados corporais especialmente conspícuos acompanhando a situação.... A pessoa que afirmar estar "se sentindo triste" pode estar "sentindo" apenas uma "situação triste" sem sentir o estado corporal de "tristeza" (Dittrich, 2008, p. 31).

Por último, Bandeira (2005) não oferece nenhuma contribuição teórica diferente das apresentadas por Costa (2005) e Menezes e Castro (2001). Por outro lado, seu trabalho trata-se do único estudo empírico fundamentado na Análise do Comportamento encontrado durante a elaboração desta interpretação. Deste modo, os dados obtidos pela autora dão algum suporte às proposições feitas pelos analistas do comportamento a respeito de o ciúme poder ser interpretado como um operante.

Do estudo de Bandeira (2005), participaram quatro mães, quatro professoras de creche e quatro crianças de dois a três anos de idade. Os objetivos do mesmo foram identificar respostas ciumentas, bem como os eventos antecedentes e consequentes a tais respostas. O procedimento envolveu entrevistas com as professoras e as mães responsáveis por crianças consideradas ciumentas, assim como sessões de observações dos comportamentos das crianças na própria creche. Os comportamentos foram observados durante três sessões de observação de 30 minutos, com cada criança separadamente.

Durante as sessões de observação com as crianças, identificou-se que a criança 1 (C1) apresentou 12 respostas ciumentas (aproximar-se do objeto do ciúme e gritar, por exemplo), sendo que, na maioria das situações, o objeto do ciúme foi a professora e a consequência atenção foi produzida para quase todas as emissões da resposta ciumenta (10 vezes). A criança 2 (C2) apresentou um total de seis respostas ciumentas (exemplo, olhar em direção ao objeto do ciúme e ao rival), tendo sido direcionadas, em sua maioria, a uma amiga. Durante as observações não foi identificada nenhuma consequência reforçadora contingente a tais respostas. A criança 3 (C3) apresentou oito respostas ciumentas (puxar o objeto do ciúme foi um exemplo), todas voltadas a objetos (carro de brinquedo, sandálias), tendo cinco ocorrências sido seguidas de atenção. A criança 4 (C4) apresentou 10 respostas ciumentas (por exemplo, chamar o objeto do ciúme para próximo de si), em sua maioria, dirigidas à mãe, que era professora na creche, e sete destas foram seguidas de atenção. Embora outras consequências reforçadoras tenham sido observadas ao longo das sessões, a atenção foi a mais frequente. Para a criança que apresentou uma frequência menor de respostas ciumentas, C2, como não foi observada nenhuma consequência reforçadora fornecida por parte da pessoa com a qual a criança interagia, é possível que a resposta pudesse estar em processo de extinção (Bandeira, 2005).

Os dados sugerem, em síntese, que respostas ciumentas aumentam ou diminuem de frequência se a consequência é reforçadora ou não, respectivamente, como qualquer operante, corroborando a argumentação inicial de Menezes e Castro (2001) e Costa (2005) segundo a qual o ciúme é sensível as suas consequências. Essa suposição pode ser confirmada se estudos incluindo manipulações experimentais específicas nesse sentido forem conduzidos.

Um aspecto que é peculiar do trabalho de Bandeira (2005) refere-se ao fato de evidenciar que respostas ciumentas na infância são reforçadas pelos adultos, na medida em que estes tendem a iniciar uma interação com as crianças contingentemente a estas respostas. Cabe deixar claro que qualquer tipo de interação pode vir a fortalecer respostas como estas (o que inclui repreender a criança na situação, por exemplo). Isto leva à argumentação segundo a qual, entre adultos, respostas ciumentas também sejam reforçadas pelo próprio parceiro romântico e/ou por parte de outros quando passam a interagir com o sujeito que apresenta respostas ciumentas.

 

PROPOSTA DE APRIMORAMENTO DAS ANÁLISES DE CIÚME

A interpretação de ciúme proposta neste artigo parte da sugestão de que o que aprendemos a denominar como ciúme poderia ser chamado de comportamento emocional ciumento. Esta denominação está pautada nas proposições de Banaco (2005), Catania (1998/1999), Layng (2006), Millenson (1967/1975), Pierce e Epling (1999) e Skinner (1953/1965) quando utilizam a expressão "comportamento emocional".

Pode-se dizer que enquanto Banaco (2005), Catania (1998/1999) e Millenson (1967/1975) parecem usar a expressão comportamento emocional para se referirem a mudanças eliciadas e operantes, Layng (2006), Pierce e Epling (1999) e Skinner (1953/1965) sugerem que a expressão está ligada mais estritamente a mudanças operantes (por exemplo, bater e xingar, em uma situação que produziu raiva em um indivíduo).

Embora cada uma das proposições dos autores possua particularidades, acredita-se que seja possível articulá-las, propondo, então, a denominação comportamento emocional ciumento. Com esta denominação, pretende-se chamar atenção para o fato de que o fenômeno refere-se a um conjunto complexo de comportamentos interligados, alguns deles eliciados (entre eles públicos e/ou privados) e outros operantes (públicos e/ou privados). Esses componentes operantes e os componentes eliciados, embora indissociáveis (Catania, 1998/1999; Donahoe & Palmer, 1994), não mantêm entre si relações causais, mas sim são ambos, por definição, relações funcionais entre eventos ambientais e respostas do organismo.

Supõe-se ainda que o evento antecedente que compõe a interação caracterizada como comportamento emocional ciumento consiste na competição, com um rival, por reforçadores. O componente operante deste comportamento tende a ser reforçado negativamente com a remoção do rival ou atenuação da situação de competição, embora também possa ser reforçado positivamente com atenção social.

Sobre a atenção (no sentido de voltar-se para, ou interagir com, o sujeito que apresenta respostas ciumentas) consistir em uma consequência produzida pelo comportamento emocional ciumento, tanto os dados de Bandeira (2005), quanto os de Sheets, Fredendall e Claypool (1997) demonstram esta possibilidade. Em um estudo sobre indução de ciúme romântico, Sheets, Fredendall e Claypool encontraram que 73% dos participantes já haviam provocado ciúme e 87% relataram que o fizeram para aumentar a atenção dos parceiros.

Medo, raiva e tristeza, considerados por parte significativa da literatura como componentes do ciúme (por exemplo, Parrot, 1991; Ramos, 1998; Sharpsteen, 1991), são tratados, nesta proposta de interpretação como possíveis subprodutos das contingências envolvidas em uma situação de ciúme, com efetividade ou não do componente operante.

Nesta perspectiva, os elementos presentes em uma situação que envolve ciúme seriam o sujeito (aquele que apresenta o comportamento emocional ciumento), o objeto (alvo do comportamento emocional ciumento) e o rival (aquele ou aquilo que se aproxima do objeto e passa a competir com o sujeito por reforçadores provindos da relação sujeito-objeto).

A interpretação aqui proposta se mostra parcialmente compatível com as análises de Skinner sobre emoção e de fenômenos emocionais elaboradas recentemente por Tourinho (2006) e Darwich (2007), como será demonstrado a seguir.

A análise sugerida neste artigo se aproxima da skinneriana, uma vez que Skinner (1953/1965; 1969/1984) trata a emoção como eventos comportamentais dos quais participam processos eliciados e operantes. Por outro, ela também se diferencia na medida em que Skinner, nestas mesmas obras, usa os termos emoção, comportamento emocional, resposta emocional, reação emocional e sentimento de forma intercambiável.

Na análise de Tourinho (2006) as emoções são concebidas como fenômenos dos quais participam aspectos filogenéticos, ontogenéticos e culturais. Logo, contingências respondentes e operantes são identificadas quando se trata de fenômenos emocionais, assim como propôs Skinner (1953/1965; 1969/1984).

Seguindo em sua análise, Tourinho (2006) conclui que um conceito emocional ou uma emoção refere-se a uma resposta verbal que ocorre diante de conjuntos de relações que variam em um continuum de complexidade.

Ao afirmar que fenômenos emocionais são respostas verbais destaca-se o papel da comunidade verbal no estabelecimento de discriminações e nomeação de determinados aspectos do ambiente. Isto significa que se deve ter clareza a respeito da participação de relações com operantes verbais nos processos de instalação e manutenção do repertório emocional (Skinner, 1945; 1953/1965). É a comunidade verbal que ensina o indivíduo a discriminar (e em algumas situações descrever) eventos emocionais, assim como faz com eventos públicos (Dittrich, 2008).

Mais recentemente, Tourinho (2009) inclusive foi além desta compreensão ao argumentar que o componente verbal pode, em algumas circunstâncias, fazer parte do próprio fenômeno emocional.

No modelo elaborado por Darwich (2007) pode-se identificar, dentre outros, que os fenômenos emocionais são tratados como: 1) comportamento ou relação comportamental; 2) fenômenos que envolvem inter-relações entre componentes respondentes e operantes; 3) fenômenos que abrangem eventos verbais e não verbais e 4) efeitos de contingências.

Os aspectos da proposta da autora que são coerentes com os deste artigo consistem nos três primeiros. Por outro lado, a concepção segundo a qual tais fenômenos são efeitos de contingências, da forma como Darwich (2007) organiza seu modelo, consiste em um aspecto distinto do que está sendo sugerido aqui.

Quando Darwich (2007) argumenta que os fenômenos emocionais consistem em efeito colateral das contingências, isto implica, resumidamente, conceber que o evento consequente a um operante pode funcionar como estímulo eliciador para uma resposta fisiológica e ainda que o estímulo que antecedeu ao operante pode vir adquirir função eliciadora condicionada para respostas fisiológicas similares. Logo, o modelo da autora é útil para entender o que, na literatura sobre comportamento emocional ciumento, vem sendo denominado de resposta antecipatória e responder a situações imaginadas. Por exemplo, na situação na qual o marido recebe uma ordem do chefe para fazer uma viagem de trabalho (Sd), ele viaja (R) e a esposa passa a se relacionar com um rival (C); enquanto de acordo com a proposta deste artigo, a análise do comportamento emocional ciumento seria iniciada pela situação de competição com o rival pela atenção da esposa (evento desencadeante do referido comportamento), a proposta de Darwich (2007) explicaria quando algum comportamento emocional ciumento ocorresse diante de novas ordens de viagem recebidas pelo marido.

Embora o modelo de Darwich (2007) seja relevante no contexto do presente artigo por se tratar de uma contribuição para o estudo de fenômenos emocionais na Análise do Comportamento e por buscar organizar o que Skinner produziu sobre emoção, mostrando coerência com as formulações do autor, ele é mais amplo, por se propor à análise de qualquer evento emocional, do que o modelo aqui sugerido o qual consiste em um modelo elaborado especificamente para lidar com o comportamento emocional ciumento.

Em síntese, na proposta de interpretação aqui apresentada os componentes eliciados do comportamento emocional ciumento não seriam eliciados por uma consequência produzida por um operante, mas sim pelo mesmo evento antecedente que também controlou o componente operante. Neste caso, o elo inicial consiste na ocorrência da competição – elemento mencionado por analistas do comportamento (Banaco, 2005; Menezes & Castro, 2001; Skinner, 1948/1976) em análises/considerações sobre ciúme, porém não explicitado como evento eliciador e/ou controlador do comportamento emocional ciumento.

 

DIFERENCIANDO CIÚME E INVEJA

Inicialmente cabe esclarecer que, neste item, embora as argumentações se fundamentem na Análise do Comportamento, os autores que fazem essa discussão não são analistas do comportamento

A inveja tem sido tratada, ora como equivalente ao comportamento emocional ciumento (Hyun-Jeong & Hupka, 2002; Salovey & Rodin, 1984; 1986), ora como ora como parte dele (Parrot, 1991; Vecchio, 2000).

Tanto em contextos nos quais ocorre comportamento emocional ciumento quanto em situações de inveja, pressupõem-se dois elementos fundamentais: a presença de um rival e a competição – embora não haja consenso a respeito da competição estar presente nem no que se refere ao comportamento emocional ciumento (Britto, 2002; Mathes, 1991), nem em relação à inveja (Vecchio, 2000).

Embora tanto no caso do comportamento emocional ciumento quanto da inveja exista uma relação entre um sujeito e um objeto o qual é uma fonte de reforçadores para o sujeito e um rival que se aproxima do objeto, acredita-se que a distinção entre ambos possa estar focada em dois pontos principais. Enquanto na inveja a relação é diádica – sujeito e rival (Lafollete, 1995/1996; Vecchio, 2000) e o indivíduo que a apresenta está fora da relação (cf. Hansen, 1991), no comportamento emocional ciumento a relação é sempre triádica – sujeito, objeto do comportamento emocional ciumento e rival (Guerrero, Spitzberg, & Yoshimura, 2004; Mathes, 1991; Vecchio, 2000) e o indivíduo que o apresenta está dentro da relação (cf. Hansen, 1991).

Assim, considerando a existência de uma relação sujeito-objeto, no caso do comportamento emocional ciumento, trata-se de uma análise dos comportamentos do sujeito em relação ao rival. No caso da inveja, trata-se de uma análise dos comportamentos do rival em relação ao sujeito. Ou de outro modo, na análise do comportamento emocional ciumento o foco é o sujeito enquanto que o da inveja é o rival.

Em síntese, para uma distinção entre comportamento emocional ciumento e inveja há necessidade de definir o foco de análise (sujeito ou rival).

 

OBSEVAÇÔES FINAIS

Com base na interpretação de comportamento emocional ciumento elaborada, cabe ainda esclarecer algumas questões que podem produzir dúvidas no que se refere à delimitação do que está sendo considerado como comportamento emocional ciumento.

Uma questão que necessita atenção neste modelo consiste em considerar a ocorrência de comportamento emocional ciumento apenas e somente quando os dois elementos propostos aqui estiverem presentes – competição por reforçadores (Sd) e afastamento do rival, atenuação da situação de competição e/ou obtenção de atenção (Sr).

Nos exemplos a seguir, se pode identificar que a topografia e a função do comportamento descrito são semelhantes às do componente operante do comportamento emocional ciumento como interpretado aqui. Entretanto, não constituem exemplos do mesmo.

A primeira situação fictícia inclui um casal de namorados (Alexandre e Gabriela) que se encontra em uma boate, acompanhado de alguns amigos. Como Alexandre está cansado, Paulo, um amigo do casal, convida Gabriela para dançar. Eles dançam cerca de três músicas e então os amigos verbalizam frases como "E aí cara?" "Vais permitir que a tua namorada dance a noite toda com outro? Eu já teria ido lá há muito tempo!". Alexandre inicialmente diz que está tudo bem, que não estão fazendo nada de errado, mas com a insistência do grupo, levanta-se e pede para que Gabriela o acompanhe e ela o faz interrompendo a dança com Paulo. É necessário esclarecer que Alexandre poderia estar apresentado algum tipo de alteração, como, por exemplo, raiva da insistência dos amigos – não discriminada e/ou nomeada por ele como comportamento emocional ciumento.

O segundo exemplo envolve dois irmãos que costumam sair juntos à noite. Renato frequentemente apresenta comportamento emocional ciumento quando sua irmã Flávia encontra amigos do sexo masculino. Se isso ocorre, ele a leva para casa imediatamente, ou ele a ameaça de não emprestar o carro. O comportamento de Renato pode ser legitimamente ciumento e o afastamento entre Flávia e seus amigos mantém o comportamento de Renato. Flávia, por outro lado, argumentando igualdade de direitos passa a "implicar" quando o irmão encontra amigas, embora não apresente alterações eliciadas as quais descreveria como comportamento emocional ciumento, diferentemente de Renato. No caso de Flávia, pode-se supor que os operantes emitidos ocorreram sob controle de auto-regras como "Se não posso sair com meus amigos, então ele também não pode sair com as amigas dele", "Se ele pode atrapalhar programas com meus amigos, então também posso e devo atrapalhar programas com as amigas dele". Os comportamentos de Flávia nesse caso teriam como objetivo punir os comportamentos ciumentos de Renato e seriam mantidos caso mostrassem algum efeito sobre Renato no sentido de irritá-lo, aborrecê-lo.

Em ambos os exemplos, o controle antecedente é completamente diferente. Nas duas situações identificam-se a presença de regras e/ou auto-regras e no segundo acrescenta- se ainda a possibilidade do comportamento ter passado a ocorrer através de modelação. No caso do casal de namorados Alexandre e Gabriela, Alexandre interrompeu a dança de Paulo com Gabriela após a insistência do grupo de amigos e no exemplo dos irmãos Flávia e Renato, Flávia passou a apresentar operantes semelhantes ao do comportamento emocional ciumento após o irmão apresentar este tipo de comportamento. Especialmente na situação de Alexandre e Gabriela, o problema pode ser mais complexo, uma vez que embora Paulo não se constituísse em um rival para Alexandre, ele estava partilhando de reforçadores providos por Gabriela (contato, dança, conversa).

Contudo, mesmo que a topografia e a função dos comportamentos se assemelhem às do comportamento emocional ciumento, tais comportamentos não devem ser tratados como tal, uma vez que não satisfazem ambos os critérios: 1) presença de competição como situação antecedente (estar sob controle do rival) e 2) afastamento do rival, atenuação da situação de competição e/ou atenção como evento(s) consequente(s) mantenedor(es).

Deste modo, a interpretação de comportamento emocional ciumento apresentada neste artigo não pretende se distanciar de uma visão analítico-comportamental por focalizar o antecedente, mas sim conceber os eventos antecedente e consequente como necessários para identificar a presença do comportamento emocional ciumento em uma dada situação.

Sabe-se que em função da complexidade do fenômeno aqui interpretado, muito ainda se pode questionar e aprimorar. Contudo, acredita-se que este estudo já consiste em um avanço na compreensão do comportamento emocional ciumento, na medida em que desenvolve uma interpretação fundamentada em um referencial teórico que possibilita trabalhar com componentes passíveis de testes empíricos conforme mostram os estudos realizados por Costa (2009).

 

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Received: September 29, 2009
Accepted: December 02, 2009

 

 

1 Este artigo constitui uma versão da tese de doutorado da primeira autora, sob orientação do segundo, defendida em junho de 2009. Correspondência para: Nazaré Costa - naza.pc@gmail.com
2 Ao leitor interessado em conhecer toda a literatura trabalhada, assim como a análise realizada, sugere-se a leitura da tese da primeira autora, disponível em http://www.ufpa.br/ppgtpc

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