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Acta Comportamentalia

versão impressa ISSN 0188-8145

Acta comport. vol.22 no.3 Guadalajara  2014

 

Artigo

 

Equivalência de estímulos: Efeitos de um jogo de tabuleiro sobre escolhas alimentares1

 

(Stimulus equivalence: Effects of a board game about food choices)

 

 

Mariana Gomide Panosso; Silvia Regina de Souza

Universidade Estadual de Londrina (Brasil)

 

 


RESUMO

Esta pesquisa investigou o efeito do uso de um jogo de tabuleiro na formação de classe de equivalência de estímulos e na avaliação e escolhas alimentares, realizadas por meio de figuras por crianças que fazem seleção restritiva alimentar. Participaram da pesquisa duas crianças com idades de sete e oito anos. A pesquisa teve seis etapas: investigação sobre os hábitos alimentares, pré-teste de avaliação e pré-teste das escolhas alimentares, intervenção/jogo, ensino do procedimento MTS, teste das propriedades emergentes e verificação/pós-teste. Inicialmente os participantes assinalaram em uma folha suas escolhas e preferências por alimentos (pré-teste). Na etapa de intervenção, foram conduzidas oito sessões com o jogo, o qual visou ensinar as relações AB e AC. Cada classe de estímulos era composta por três figuras: classe A - cestas de supermercado; B - grupos alimentares e a C - mãos indicando positivo. Posteriormente, testaram-se as relações AA, BB, CC, BA, CA, CB e BC, seguido pelo pós-teste. Houve formação de classes equivalentes. Para um dos participantes houve mudanças na avaliação e escolhas alimentares e, segundo os responsáveis, ambos os participantes consumiram alimentos que não consumiam antes da intervenção. Discutem-se as variáveis presentes no jogo que podem ter contribuído para que os participantes consumissem novos alimentos.

Palabras clave: jogo, equivalência de estímulos, preferências alimentares, escolhas alimentares, Matching to Sample


ABSTRACT

This research has investigated the effect of a board game use on the formation of equivalence classes of stimuli and food choices evaluation through pictures, by children under dietary restrictions. Two children aged seven and eight were the participants in this research. The protocol consisted of six phases: research on eating habits, assessment and food choices pre-tests, intervention / game, MTS learning, testing of the emergent properties / post-test. Initially, participants indicated on a sheet of paper choices and preferences for foods (pre-test). During intervention, eight game sessions were conducted, which aimed at teaching the relations AB and AC. Each class of stimuli consisted of three images: A-supermarket baskets, B - food groups and C - hands indicating positive. Subsequently, the relations AA, BB, CC, BA, CA, CB and BC (Test of emerging properties) were tested, followed by the post-test. There was formation of equivalence classes. For one of the participants, changes in food choice evaluation have been reported and, according to their legal guardians, both participants consumed food items they would not eat before the intervention. We discuss the variables presented in the game that may have contributed to participants' consumption of new food items.

Keywords: game, stimulus equivalence, food preferences, food choices, Matching to Sample


 

 

Os jogos têm sido empregados para o ensino de diferentes habilidades, como, por exemplo, para o ensino de biomas brasileiros (Canto & Zacarias, 2009), combate à dengue (Borloti, Valentim, Cunha, & Nunes, 2011), ensino de acentuação (Cezar, Morais, Calsa, & Romualdo, 2008), princípios e conceitos da Análise do Comportamento (Ferreira, Gris, Oliveira, Alves, Haydu, Costa, & Souza, 2013), habilidades de leitura e escrita (Siqueira, Barros, Marques, & Monteiro, 2011; Souza & Hübner, 2010) e habilidades monetárias (Xander, 2013). Isso tem ocorrido, porque os jogos fornecem oportunidades para modelar, diferenciar e refinar habilidades ensinando novos comportamentos. Além disso, consequências reforçadoras do jogo como ganhar, estar mais bem posicionado ou ter melhores escores em relação aos outros participantes, bem como aspectos da interação social (quando jogados em grupo) mantêm as crianças engajadas na atividade proposta por um período extenso de tempo (de Rose & Gil, 2003).

Embora o uso de jogos com função educativa, ou seja, aqueles que apoiam ou promovem os processos de aprendizagem (Dondi & Moretti, 2007), não seja recente (Kishimoto, 1999), em algumas áreas seu uso ainda é pouco explorado. Entre essas áreas cita-se a de equivalência de estímulos. De modo geral, investigações nessa área empregam o procedimento de escolha de acordo com o modelo (Matching to Sample-MTS) para o ensino de relações entre estímulos. Nesse procedimento, um estímulo-modelo (e.g., A1) é apresentado e, após uma resposta de observação, são apresentados no mínimo dois estímulos-comparação (e.g., B1 e B2). A escolha por um deles, por exemplo de B1, é seguida pela liberação de consequências (sons, fichas etc.) e a escolha de B2, não. Sidman e Tailby (1982) desenvolveram testes adicionais que avaliaram as propriedades matemáticas definidoras da equivalência: reflexividade, simetria e transitividade. A propriedade de reflexividade implica a relação de igualdade que os estímulos de uma classe têm entre si (e.g., A1A1, B1B1 e C1C1); a simetria refere-se à reversibilidade funcional da discriminação condicional, (i.e., se foi ensinado que "dado A1, escolher B1", então a relação "dado B1, escolher A1" deve emergir). Finalmente, na transitividade são necessários treinos anteriores: "dado A1, escolher B1" e "dado A1, escolher C1". Se o indivíduo, "dado B1, escolher C1" sem treino adicional, a propriedade de transitividade é demonstrada. De acordo com Sidman e Tailby (1982), resultados positivos nos testes dessas propriedades das relações emergentes indicam que os treinos conduzidos geraram classes de equivalência, ou seja, que os estímulos relacionados nos testes são substituíveis entre si. Uma das vantagens da utilização do modelo de equivalência de estímulos é que a formação de classes de estímulos equivalentes permite a eficiência e eficácia no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que o ensino de algumas relações pode produzir a emergência de outras que não foram diretamente ensinadas (Sidman, 1982, 1994). Os estudos conduzidos nessa área geralmente empregam softwares ou cartões como ferramenta para o ensino das relações.

Apesar das importantes contribuições trazidas pelos estudos na área de equivalência de estímulos que fizeram uso de softwares ou cartões para o ensino, o grande número de tentativas de uma mesma relação pode cansar os participantes e leva-los a desistir em participar do experimento (Souza & Hübner, 2010). Ressalta-se, ainda, que em muitos estudos participam crianças em idade pré-escolar ou muito jovens, o que justificaria a necessidade de investigar novas tecnologias para o ensino, sendo os jogos uma possibilidade interessante.

Elaborar novas tecnologias para o ensino de relações tem sido o foco de alguns estudos na área de equivalência de estímulos. Esses estudos têm empregado jogos para o ensino de habilidades envolvidas nos comportamentos de ler e escrever (Siqueira, Barros, Marques, & Monteiro, 2011; Souza & Hübner, 2010; Sudo, Soares, Souza, & Haydu, 2008) e ensino de habilidades monetárias (Sdoukos, Pellizzetti, Ruas, Xander, Souza, & Haydu, 2010; Xander, 2013), indicando a possibilidade do uso de jogos como ferramenta para o ensino em pesquisas dessa natureza.

O modelo de equivalência de estímulos tem sido empregado, ainda, em pesquisas interessadas em escolhas alimentares (Barnes-Holmes, Keane, Barnes, & Smeets, 2000; Cardoso, 2007; Smeets & Barnes -Holmes, 2003; Straatmann, 2008; Viana, 2006). Os resultados dessas pesquisas mostram que a maioria dos participantes formou classes de equivalência quando figuras de alimentos foram empregadas como estímulos, independente do IMC (índice de massa corpórea) dos participantes. Essas pesquisas têm sido conduzidas em razão de o comportamento alimentar ocupar um papel central na prevenção e no tratamento de doenças, já que o excesso ou a carência de determinados nutrientes pode gerar problemas de saúde. De acordo com a World Health Organization (WHO) (2012), uma dieta pouco saudável é um dos principais fatores de risco para uma série de doenças crônicas como as doenças cardiovasculares, o câncer, o diabetes, a obesidade etc. Recomendações específicas para uma dieta saudável são: comer mais frutas, legumes, leguminosas, nozes e grãos, reduzindo o sal, o açúcar e as gorduras. Pessoas que realizam escolhas variadas têm uma dieta de melhor qualidade (Nicklaus, 2009). Apesar das orientações específicas para compor uma dieta saudável, muitas das escolhas alimentares na infância convergem para alimentos com quantidades elevadas de carboidrato, açúcar, gordura e sal, e poucas escolhas recaem em alimentos saudáveis, como vegetais e frutas (Ramos & Stein, 2000). As escolhas alimentares da idade adulta estão relacionadas àquelas aprendidas na infância. Assim, é de fundamental importância o desenvolvimento de estratégias de intervenção que auxiliem a criança a desenvolver escolhas saudáveis e, consequentemente, comportamentos alimentares mais saudáveis. Essas intervenções devem incidir, com maior ênfase, nos primeiros anos de vida.

Em razão da importância de uma dieta variada, que inclua legumes, verduras e frutas, e da possibilidade do uso de jogos para o ensino de relações, esta pesquisa teve por objetivo investigar o efeito do uso de um jogo de tabuleiro – Cestinha Mágica (elaborado por Panosso & Souza, 2012) – na formação de classe de estímulos equivalentes e na avaliação e escolhas alimentares, realizadas por meio de figuras, por crianças que restringem o consumo de alimentos considerados saudáveis.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram desta pesquisa duas crianças, com idade de sete e oito anos, estudantes do terceiro ano do Ensino Fundamental de escolas privadas, ambos de nível sócio-econômico médio. Os participantes foram selecionados de acordo com os seguintes critérios: fazer restrições no consumo de alimentos considerados saudáveis (verduras, legumes, frutas e grãos), ter disponíveis esses alimentos em suas refeições e ingerir alimentos com pouca qualidade nutricional (denominados de calorias vazias, ou seja, alimentos que possuem gorduras, adição de açúcar e farinha refinada e fornecem muitas calorias, porém pouco ou nenhum nutriente essencial à saúde, como bolachas recheadas, chocolates, sorvete, pizza etc.). Os participantes não possuíam intolerância a qualquer tipo de alimento, eventos passados de situação aversiva a qualquer um, nem indícios de desenvolvimento precoce de comportamentos de anorexia e/ou bulimia ou sintomas de depressão infantil.

Local

A coleta de dados foi realizada na residência dos participantes, em uma sala isolada de barulho disponibilizada pelo responsável pelo participante. Nas salas havia cadeiras e uma mesa grande. As sessões ocorreram de duas a três vezes por semana, em dias e horários previamente combinados com o responsável e tiveram duração de uma hora, aproximadamente.

Materiais e Equipamentos

Foi utilizado um roteiro de entrevista com os responsáveis, folha de registro das refeições, folha para a avaliação dos alimentos, folha para as escolhas alimentares, jogo de tabuleiro "Cestinha Mágica" (elaborado por Panosso & Souza, 2012). Além disso, foram utilizados uma câmera filmadora digital e um netbook com o software Microsoft Office PowerPoint®.

Roteiro de entrevista com os responsáveis. A entrevista de verificação dos hábitos alimentares dos participantes (crianças), realizada com os responsáveis por eles, foi composta por 31 questões, sendo 13 questões fechadas e 18 abertas. Nessa entrevista, havia perguntas referentes aos dados de identificação do participante, composição familiar, dados sobre histórico de saúde física, dados sobre a sua rotina e consumo alimentares (horários e tipos de refeições), pessoas envolvidas nas situações de alimentação e consequências diante da recusa de consumo dos alimentos oferecidos.

Folha de registro das refeições. Após a entrevista, foi entregue aos responsáveis uma tabela na qual deveriam ser registradas, durante três dias, todas as refeições realizadas pelo participante especificando-se horário, alimentos disponíveis, alimentos consumidos, quantidade e pessoas que realizaram a refeição com o participante.

Folha para a avaliação dos alimentos. Esta folha continha 30 figuras de alimentos, sendo 10 referentes ao Grupo 1 composto por verduras/legumes e frutas, 10 do Grupo 2 – grãos e 10 do grupo das calorias vazias (Grupo 3). As figuras foram apresentadas no lado esquerdo da folha em disposição vertical. Ao lado de cada figura havia três parênteses e acima de cada um deles, uma figura esquemática (smile) de um rosto com a boca virada para cima (sorrindo), um rosto com expressão neutra e outro com a boca virada para baixo. Estas figuras esquemáticas indicavam: gostar daquele alimento, gostar parcialmente do alimento e não gostar, respectivamente.

Folha para as escolhas alimentares. Nesta folha, do lado esquerdo, foram apresentadas as figuras dos alimentos que seriam utilizados no jogo e do lado direito havia um espaço para que a criança pudesse marcar um X nos parênteses em frente aos alimentos que escolheria para consumir.

Jogo de tabuleiro. Após organizar as cartas que compõem o jogo em três montes, o dado era lançado para determinar quem iniciaria a partida. De acordo com os números correspondentes no dado, o jogador deveria andar com o peão e cumprir o comando da casa na qual parasse. Ganhava o jogo aquele que tivesse o maior número de pontos ao final do mesmo, independente de quem tivesse chegado ao final primeiro. Para ganhar, ainda, o jogador deveria ter na folha matriz, pelo menos um alimento em cada cestinha. O jogo foi composto por um tabuleiro, 44 cartas, dois peões e um dado, 150 fichas em formato de estrela, duas folhasmatriz e tinha 52 casas, que eram intercaladas de maneira sucessiva e contínua, formando um caminho a ser percorrido. As casas foram distribuídas conforme descrito a seguir:

  1. Dezoito casas com uma figura de cesta de supermercado apresentavam-se divididas em seis casas de cor laranja, seis amarelas e seis azuis.
  2. Dezoito casas compostas por figuras de cestas de supermercado e figuras de mão(s) indicando gesto de positivo apresentavam-se divididas em: seis casas com a figura de uma cesta de cor laranja e, logo acima, três figuras de mãos com o dedo polegar apontando para cima (indicando gesto de positivo); seis casas com a figura de uma cesta de cor amarela e, logo acima, duas figuras de mãos com dedo polegar apontando para cima; e seis casas com a figura de uma cesta de cor azul e, logo acima, uma figura de uma mão com dedo polegar apontando para cima. Quanto mais mãos indicando positivo, maior era a atribuição positiva ao alimento relacionado à cor da cesta. O gesto positivo foi utilizado para os três grupos de cartas, visto que não seria ético atribuir algum sinal negativo ao grupo alimentar calorias vazias e determinar que esses alimentos nunca devam ser consumidos. No entanto, apenas um gesto de positivo foi atribuído à cesta referente a esse grupo alimentar.
  3. Havia ainda, 14 casas assim distribuídas: quatro casas do "bruxo"; três da "cesta vazia"; três do "lanche da escola"; três da "troca"; uma da "cesta mágica". Cada uma dessas casas possuía uma instrução diferente: casa do bruxo: "_sorteie uma carta do monte de cartas do bruxo"; casa da cesta vazia: "_sua cesta está vazia, vá até os montes de cartas e escolha um alimento de qualquer um deles para você experimentar e ganhe os pontos correspondentes", casa do lanche da escola: "_hoje é dia de levar lanche para a escola, vá até o monte de cartas e escolha de qualquer um deles, um item e ganhe os pontos correspondentes."; casa da troca: "_troque um alimento seu por qualquer alimento do outro jogador e ganhe os pontos correspondentes"; casa da cesta mágica: "_parabéns, você experimentou tudo o que foi servido na hora do almoço; avance uma casa e siga as instruções da casa em que você parar". A Figura 1 apresenta o jogo de tabuleiro empregado no estudo.

Cartas do jogo: Também fizeram parte do jogo 44 cartas, descritas a seguir:

  1. As 12 cartas referentes ao grupo dos alimentos saudáveis dividiam-se em 10 cartas que apresentavam figuras de alimentos dos grupos das verduras, legumes e frutas e duas com sentenças que descreviam comportamentos referentes às escolhas de alimentos deste grupo como se segue: "Que delícia!!! Você pediu para a mamãe fazer uma salada de frutas. Isso é muito saudável, pois tem muitas vitaminas e fibras. Ganhe 4 pontos." ou "Humm... sopa de legumes para um dia frio foi uma boa ideia. Isto é muito saudável pois tem muitas vitaminas e fibras. Ganhe 4 pontos."
  2. As 12 cartas referentes ao grupo dos alimentos dos grãos dividiam-se em, 10 cartas que apresentavam figuras de alimentos do grupo dos grãos e em duas cartas com sentenças que descreviam comportamentos referentes às escolhas de alimentos deste grupo como se segue: "Humm...você comeu o sanduíche que a mamãe fez para o lanche da escola! Ganhe 3 pontos."; ou "Humm... que delícia! Você comeu a sopa de macarrão que a mamãe fez para o jantar. Ganhe 3 pontos."
  3. As 12 cartas referentes ao grupo dos alimentos do grupo das calorias vazias (ou guloseimas) dividiam- se em, 10 cartas que apresentavam figuras de alimentos do grupo das calorias vazias como doces, refrigerantes, salgadinhos, bolacha recheada entre outros e duas cartas com sentenças que descreviam comportamento de consumir em excesso tais alimentos, como se segue: "Que pena !!! Você foi ao supermercado com a mamãe e só escolheu chocolate e refrigerante. Isso não é nada bom para sua saúde, pois tem muita gordura e açúcar. Fique uma rodada sem jogar!"; ou "O bolo que a mamãe fez estava uma delícia, mas você comeu demais. Isso não é nada bom para sua saúde, pois tem muita gordura e açúcar. Devolva 1 ficha para o jogo."
  4. As demais cartas do jogo apresentavam-se conforme descrito a seguir: oito duplas de cartas em uma face das quais (Face A) havia o desenho de um bruxo apontando para uma cesta e na face oposta (Face B) uma das seguintes frases: "Você comeu muito chocolate antes do almoço e ficou com dor de barriga. Fique uma rodada sem jogar."; "Que pena! Você só comeu bolacha recheada no lanche da escola. Espere a próxima rodada para ver se ganha pontos."; "Tomar muito refrigerante faz mal. Fique uma rodada sem jogar."; ou "No jantar havia alface, cenoura, arroz e batata frita e você não escolheu nem alface nem cenoura para comer. Perca 1 ponto."

 

 

Folha-matriz. As figuras das cestas laranja, amarelas e azuis foram apresentadas impressas no lado esquerdo de uma folha branca, dispostas verticalmente, e, em frente a essas figuras, em linha horizontal, havia um espaço em branco onde o participante, ao sortear uma carta de alimento, deveria colocar a carta ao lado da cesta correspondente.

O jogo foi composto, ainda, por dois peões, 150 fichas em forma de estrela com cores correspondentes às cores das cestas; cada ficha valia um ponto e um dado no qual havia duas faces com o número um, duas com o número dois e duas com o número três. O dado oferecia poucas opções de número para possibilitar ao participante parar em mais casas do jogo, e com isso treinar as relações propostas pelas casas.

Procedimento

Inicialmente, os responsáveis pelos participantes foram contatados por telefone e agendou-se um horário para expor o objetivo da pesquisa, assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),3 realizar a primeira entrevista e agendar os dias e horários para o início da intervenção. A pesquisa foi realizada em seis etapas – investigação sobre os hábitos alimentares, pré-teste de avaliação dos alimentos e pré-teste das escolhas alimentares, intervenção/jogo, pré-treino para ensino do procedimento MTS, teste das propriedades emergentes e verificação/pós-teste.

Etapa 1. Investigação sobre os hábitos alimentares

Nesta etapa realizou-se uma entrevista com os responsáveis, com o objetivo de identificar os hábitos alimentares dos participantes. Posteriormente, foi entregue uma folha para o registro das refeições, mediante a qual se pretendia detalhar mais pormenorizadamente as informações fornecidas na entrevista. Nessa tabela, os responsáveis deveriam registrar, durante três dias, as refeições realizadas pelo participante.

Etapa 2. Pré-teste de avaliação dos alimentos e escolhas alimentares

Ambos os testes tiveram por objetivo identificar os alimentos preferidos pelas crianças permitindo avaliar, posteriormente, alterações nas escolhas após a realização da intervenção. No teste de avaliação dos alimentos, a criança marcava, em uma lista de 30 alimentos, aqueles dos quais gostavam, aqueles dos quais não gostavam e os de que gostavam parcialmente de comer, de maneira que todos os alimentos contidos na lista foram avaliados por ela. O teste das escolhas alimentares teve por finalidade identificar, entre as 30 figuras de alimentos apresentadas, os seis alimentos preferidos pelas crianças restringindo suas escolhas.

Pré-teste de avaliação dos alimentos. Inicialmente, a folha de avaliação dos alimentos foi entregue ao participante sendo-lhe dada a seguinte instrução: "_Por favor, marque um X dentro do parêntese que corresponde a sua preferência pelo alimento indicado na figura. Se você gosta do alimento, marque um X no parêntese que tiver, acima dele, a figura de uma carinha que tem a boca virada para cima, expressando um sorriso. Se você gosta mais ou menos do alimento (come, mas não faz muita questão), marque um X na carinha que aparece com a boca reta, e, se você não gosta do alimento, marque um X no parêntese em cima do qual está a figura de uma carinha com a boca virada para baixo. Faça isso até o final. Pode começar."

Pré-teste de escolhas alimentares. Uma folha foi entregue ao participante e dada a seguinte instrução: "_Por favor, marque um X no parêntese em frente a seis alimentos que escolheria para comer." Esta etapa durou 10 minutos.

Etapa 3. Intervenção/jogo

Participavam da sessão do jogo apenas a pesquisadora e um participante. Na primeira sessão de intervenção, a pesquisadora apresentou o jogo ao participante, explicou as regras verbalmente e o convidou a jogar. As dúvidas foram esclarecidas no decorrer da primeira partida até que o participante tivesse domínio das regras. O jogo foi iniciado após cada jogador escolher a cor do peão. As cartas foram embaralhadas e distribuídas em quatro montes: cartas de cestas laranja, de cestas amarelas, de cestas azuis e cartas com a figura do bruxo. As cartas referentes aos alimentos ficavam com a face das figuras dos alimentos virada para baixo, e as que continham as figuras das cestas e do bruxo com a figura da cesta e do bruxo virada para cima. Em seguida, deu-se início ao jogo, com os participantes jogando o dado. De acordo com os números correspondentes no dado, o jogador deveria andar com o peão e cumprir o comando da casa na qual parasse. Se o peão parasse em uma das casas que apresentasse a figura de uma cesta, o jogador deveria pegar a primeira carta do monte de cartas referente à cesta daquela cor, laranja, amarela e azul, e ele ganharia três, duas ou uma estrela, respectivamente. Cada estrela representava um ponto. Se pegasse uma carta com a descrição de um comportamento (ex. Hummm...que delícia!! Você comeu a sopa de macarrão que a mamãe fez para o jantar. Ganhe 3 pontos!), o jogador deveria fazer a leitura da carta e seguir a instrução e ganharia 4 pontos para as cartas que se referissem às cestas laranja; três para as cestas amarelas e, ficava uma rodada sem jogar para as cestas azuis. Ao sortear uma carta com a figura de um alimento, o jogador deveria colocá-la sobre a folha-matriz, ao lado da figura da cesta cuja cor correspondesse à casa em que o peão houvesse parado. Os pontos foram administrados pela pesquisadora ou pelos participantes, conforme combinado previamente.

Se o peão parasse em uma das casas com figuras de cestas laranja, amarela e azul com mãos desenhadas, o jogador poderia pegar do adversário, três, dois ou um ponto, respectivamente. Nessas casas foram ensinadas as relações entre a cor das cestas e o número de mãos. Se o peão parasse na casa do bruxo, o jogador deveria sortear uma carta referente à figura que é apresentada nesta casa e seguir as instruções fornecidas pela carta. Se parasse na casa da cesta vazia, casa do lanche da escola, casa da troca ou casa da cesta mágica, o jogador deveria seguir as instruções fornecidas no início do jogo. Cada sessão de jogo teve duração média de 30 minutos. O participante vitorioso seria aquele que tivesse o maior número de estrelas independente de quem chegasse ao final do jogo primeiro. Ao se tratar de um jogo, observa-se que o treino das relações deu-se de forma aleatória, ou seja, o treino da relação dependia da casa em que o peão parasse e do posterior sorteio de uma das cartas relacionada aquela casa.

As casas e as cartas do jogo tinham por objetivo ensinar as relações entre três conjuntos de estímulos: cestas coloridas (conjunto A), alimentos (conjunto B), sinais de positivo (conjunto C). O primeiro conjunto tinha três elementos: a figura de cesta de cor laranja (A1), a cesta de cor amarela (A2) e a cesta de cor azul (A3). O segundo conjunto tinha três grupos alimentares: o grupo verduras/legumes/frutas (B1), o grupo dos grãos (B2) e o grupo das calorias vazias (B3). Cada grupo era composto por 10 elementos. Por fim, o conjunto C tinha três elementos: a figura de uma mão com um dedo polegar apontado para cima (C1), a figura de uma mão com dois dedos polegares apontado para cima (C2) e a figura de uma mão com três dedos polegares apontado para cima (C3). As relações AB e AC foram ensinadas por meio do jogo. A cada duas partidas do jogo foram realizados os testes das relações treinadas (AB/AC) e os testes das propriedades emergentes (AA/BB/CC/BA/CA/BC/CB). Como o treino das relações dependia da casa em que o peão parasse e do sorteio de uma carta, o número de vezes que cada relação foi estabelecida variou entre as relações e os participantes. A Figura 2 apresenta as relações ensinadas e testadas durante a pesquisa. As setas cheias representam as relações ensinadas e as pontilhadas, as relações testadas.

 

 

Etapa 4. Ensino do Procedimento de Matching to Sample Para o ensino do procedimento de Matching to Sample foi apresentado na tela de um computador, por meio do software Power Point, 10 slides que correspondiam a 10 tentativas: três com o cachorro como estímulomodelo, três com a casa e quatro com a bicicleta como modelo. Foi utilizado um Matching to Sample de identidade cujos estímulos comparação foram as mesmas figuras dos estímulos modelo. Para a realização da tarefa, deu-se a seguinte instrução oral: "Esta tela apresenta quatro figuras, uma na parte de cima e três logo abaixo desta. Olhe para a figura que está na parte de cima da tela e escolha uma das três que estão abaixo apontando com o dedo. Se você acertar, direi muito bem, você acertou, e se você errar, direi você errou, tente novamente." O computador foi manuseado pela pesquisadora. O tempo de permanência de cada slidena tela era de cinco segundos.

A consequência foi fornecida somente nas cinco primeiras tentativas. As respostas foram registradas pela pesquisadora em uma tabela previamente elaborada. As tentativas foram apresentadas de forma randômica. O critério para determinar a ocorrência do aprendizado da tarefa e para passar à etapa seguinte foi de 100% de escolhas compatíveis com aquelas definidas pela pesquisadora nas tentativas sem consequência.

Etapa 5. Avaliação das relações ensinadas e Teste das relações emergentes De forma semelhante à Etapa 4, nesta etapa, ambos os testes foram realizados por meio de um computador, o qual foi manuseado pela pesquisadora. Os slides foram apresentados pelo software Power Point e o tempo de permanência de cada slide na tela era de cinco segundos. Os estímulos apresentados em ambos os testes eram iguais aos empregados no jogo.

Avaliação das relações ensinadas. Como as relações ensinadas por meio do jogo dependiam da casa em que o peão parasse e da carta sorteada pelo participante, realizou-se uma avaliação das relações ensinadas a fim de verificar se, por meio do jogo, as crianças haviam aprendido as relações AB e AC. A avaliação das relações ensinadas foi conduzida após duas e cinco sessões de jogo. Para isso foi apresentado na tela do computador, por meio do software Power Point, 39 slides que correspondiam a 39 tentativas divididas entre 30 tentativas da relação AB e nove da relação AC apresentadas de forma randômica, de forma que todos os estímulos dos conjuntos AB e AC fossem relacionados. A seguinte instrução foi dada no início da sessão: "Por favor, olhe para a figura que está na parte de cima da tela e escolha uma das três que estão abaixo e aponte com o dedo. Faça isso em todas as atividades, até o final. Agora não direi se você acertou ou errou. Pode começar". O critério para determinar se as relações treinadas foram estabelecidas era de 90% de escolhas compatíveis com aquelas definidas pela pesquisadora, caso contrário, o participante deveria retornar às sessões de intervenção (jogo). Nenhuma consequência foi fornecida. Os estímulos usados (figuras dos alimentos, cestas com e sem sinal de positivo) foram semelhantes aos usados no jogo/intervenção e no teste das relações emergentes. A partir da segunda sessão com os participantes, optou-se por realizar os testes a cada cinco sessões de jogo.

Teste das relações emergentes. O Teste das relações emergentes (AA/BB/CC/BA/CA/BC/CB) foi realizado após oito sessões com o jogo com o P1 e o P2. A instrução fornecida para a realização destes testes foi a mesma do teste das relações ensinadas.

O teste de reflexividade (AA/BB/CC) foi composto por 48 tentativas, nove tentativas das relações AA, 30 das relações BB e nove das relações CC. O teste de simetria (BA/CA) foi composto por 39 tentativas: 30 da relação BA (10 alimentos de cada grupo alimentar) e nove da relação CA. O teste de equivalência (BC/CB) foi composto por 60 tentativas: 30 da relação BC e 30 da relação CB. Todas as tentativas de teste foram apresentadas de forma randômica, de forma que todas as possibilidades de relações testadas fossem apresentadas. Nenhuma consequência foi fornecida. O critério para determinar a emergência das relações foi de 90% de escolhas compatíveis com aquelas definidas pela pesquisadora. Caso o participante não atingisse esse critério em um dos testes, não passava para o teste seguinte e voltava para a fase de intervenção. Todos os testes foram conduzidos usando-se para isso o computador e o por meio do software Power Point. Os estímulos usados (figuras dos alimentos, cestas com e sem sinal de positivo) foram semelhantes aos usados no jogo/intervenção.

Etapa 6. Verificação/ Pós-teste

Após a realização de duas partidas de jogo, realizou-se a verificação 1 das escolhas dos alimentos, após cinco partidas, a verificação 2 e, após oito partidas, o pós-teste, igual ao pré-teste da Etapa 2.

 

RESULTADOS

Identificação da rotina e hábitos alimentares dos participantes

As informações prestadas pelos responsáveis na entrevista mostraram que o P1 realizava quatro refeições ao dia e o P2, cinco. Os responsáveis relataram que os participantes sempre recusavam determinados alimentos em todas as refeições, em qualquer ambiente e na presença de qualquer pessoa. Alimentos como frutas, verduras e legumes sempre estiveram disponíveis em suas refeições. O P1 se recusava a consumir algumas verduras e legumes oferecidos nas refeições como folhas verdes, abobrinha, cenoura, beterraba, chuchu etc. Somente após muita insistência da mãe ele consumia esses alimentos, mas em pequena quantidade e não sem antes apresentar queixas. As frutas eram consumidas apenas quando eram servidas em forma de vitamina. No entanto, pera e maçã nunca foram consumidas. Os alimentos preferidos do P1 eram chocolate, leite achocolatado, bolachas, doce, sorvete, suco, arroz, feijão e massas. O pai também era seletivo em relação a determinadas verduras e legumes, muitos dos quais coincidiam com aqueles recusados por P1. Em relação às escolhas dos alimentos para o consumo, de acordo com o registro realizado pelos responsáveis, verifica- se que nos três dias de observação e registro, as crianças tiveram disponíveis alimentos dos três grupos alimentares. Analisando-se o número de alimentos de cada grupo oferecidos nos três dias e os consumidos, observa-se que dos 11 alimentos do grupo 1 oferecidos a P1, ele consumiu 11; dos quatro alimentos do grupo 2, ele consumiu três e dos três alimentos do grupo 3, ele consumiu dois deles. O P2 não tinha por hábito comer verduras e legumes, só as consumia quando estava na presença de outras crianças que as comiam. Ele não consumia folhas verdes, nem mandioca e nem batata. Esses alimentos eram oferecidos nas refeições, apesar de a mãe não consumir folhas verdes devido a problemas de saúde relacionados ao consumo desses alimentos. Os alimentos preferidos do P2 eram bala, palmito, bolo, macarrão, salsicha, carne, arroz, feijão, beterraba, cenoura, ervilha e ovo. O P2 tomava complexos vitamínicos, indicados por um médico, devido à deficiência de algumas vitaminas. Observa-se que dos cinco alimentos do grupo 1 oferecidos a P1, ele consumiu um; dos três alimentos do grupo 2, ele consumiu três e dos dois alimentos do grupo 3, ele não consumiu nenhum deles.

Em relação às escolhas dos alimentos para o consumo, de acordo com o registro dos responsáveis, o P2 consumiu com menos frequência alimentos do grupo das verduras/legumes/frutas (berinjela, cenoura, pepino, mamão), em relação ao número de vezes em que estes alimentos foram oferecidos e, consumiu com mais frequência alimentos do grupo dos grãos (pão, batata frita, arroz, macarrão).

Intervenção/jogo

Relações treinadas. O P1 obteve três vitórias e o P2, sete. Durante as partidas, o dado foi lançado 47 vezes pelo P1 e pelo P2. A Tabela 1 apresenta as relações AB e AC estabelecidas durante o jogo em maior e menor frequência.

 

 

Observa-se que durante o jogo para o P1, houve um número maior de emparelhamentos entre a cesta laranja e os alimentos do grupo das verduras/legumes/frutas (relação A1B1) e entre a cesta amarela e alimentos do grupo dos grãos (relação A2B2). Em contrapartida, observa-se que não houve emparelhamento entre a cesta laranja e berinjela, entre a cesta amarela e a batata e o arroz e entre a cesta azul e a pizza e o cachorro quente (Tabela 1). Para o P2, também houve um número maior de emparelhamentos entre a cesta laranja e os alimentos do grupo das verduras/legumes/frutas (relação A1B1) e não houve emparelhamento entre a cesta azul e a figura da pizza e entre a cesta amarela e a figura da batata. Quanto à relação AC, verifica-se que houve o emparelhamento de todas as cestas com o gesto de positivo (ver Tabela 1).

Em relação às cartas que apresentavam instruções (como as cartas dos grupos alimentares e do bruxo), o P1 sorteou cinco vezes cartas do grupo de alimentos das verduras/legumes/frutas contendo sentenças que consequenciavam positivamente comportamentos referentes às escolhas de alimentos deste grupo, enquanto que o P2 sorteou as mesmas cartas apenas uma vez. As cartas do bruxo mau e do grupo calorias vazias foram sorteadas 21 vezes por P1 e 16 vezes por P2.

Testes das relações treinadas e pós-teste das relações emergentes.

Ensino do procedimento de MTS e teste das relações treinadas. Após duas sessões de jogo realizouse o ensino do procedimento MTS seguido pelo teste das relações ensinadas. Ambos os participantes aprenderam a tarefa de MTS com 100% de acerto em apenas uma sessão. Quanto ao teste das relações ensinadas, o P1 e o P2 não atingiram o critério de 90% de escolhas compatíveis com aquelas definidas pela pesquisadora. Sendo assim, os testes das propriedades das relações emergentes não foram realizados, e decidiu-se conduzir três novas partidas com o jogo com a finalidade de avaliar se um maior número de sessões de intervenção/ jogo alteraria o desempenho das crianças neste teste. Como não houve alteração no desempenho dos participantes após as três novas sessões de intervenção/jogo (48,7% de acerto por parte do P1 e 30,7% por parte do P2) decidiu-se realizar o teste das relações emergentes.

Teste das relações emergentes. Verifica-se que o P1 e o P2 obtiveram altas porcentagens de acerto (90% ou mais) para todas as relações testadas (AA, BB, CC, BA, CA, BC e CB), o que mostra que o jogo proporcionou a formação de classes de estímulos equivalentes para ambos os participantes. A Figura 3 apresenta a porcentagem de acerto para o P1 e o P2 nas relações testadas AA, BB, CC, BA, CA, BC e CB.

 

 

Teste de avaliação dos alimentos e teste das escolhas alimentares

Teste de avaliação dos alimentos: pré-teste, verificação 1, verificação 2 e pós-teste

No pré-teste, os resultados do teste de avaliação alimentar do P1 diferiram do relato dos seus responsáveis. Os únicos alimentos escolhidos por ele e que corresponderam ao que foi relatado pelos responsáveis foram arroz e macarrão. O número de alimentos do grupo das verduras/legumes/frutas avaliados como "gosto" no pré-teste foi o mesmo no pós-teste. A maioria dos alimentos do grupo dos grãos foi respondida como gosto desde o pré-teste até o pós-teste. Praticamente todos os alimentos do grupo de alimentos calorias vazias foram respondidos como gosto parcialmente no pré-teste, nas verificações e no pós-teste.

As respostas do P2 foram mais condizentes com as informações fornecidas por seu responsável no pós-teste. Houve uma pequena redução no número de alimentos do grupo das verduras/legumes/frutas e dos grãos respondidos como "gosto" e um aumento no número de alimentos do grupo das verduras/legumes/ frutas e grãos respondidos como "gosto parcialmente" quando se compara as respostas dadas no pré-teste com as do pós-teste. Ainda houve um aumento no número de alimentos calorias vazias respondidos como "gosto" quando se compara os dados do pré-teste com os do pós-teste. A Tabela 2 apresenta as respostas dos participantes no teste de avaliação dos alimentos relacionados a cada grupo alimentar no pré-teste, verificação 1, verificação 2 e no pós-teste.

 

 

Teste das escolhas alimentares: pré-teste, verificação 1, verificação 2 e pós-teste.

Embora no teste de avaliação dos alimentos o P1 tenha assinalado como "gosto parcialmente" em todos os alimentos do grupo calorias vazias, tanto no pré-teste quanto nas verificações e no pós-teste, quando se pediu a ele que escolhesse seis alimentos que escolheria para comer, no pré-teste, o P1 escolheu apenas um alimento do grupo das verduras/legumes e frutas, três alimentos do grupo dos grãos e dois alimentos do grupo das calorias vazias. Nas verificações 1 e 2 houve um aumento gradativo de escolhas por alimentos do grupo das verduras/legumes/frutas e do grupo das calorias vazias e uma redução de escolhas por alimentos do grupo dos grãos, quando comparados ao pré-teste. No pós-teste, suas escolhas compreenderam em quatro alimentos do grupo das verduras/legumes e frutas, um alimento do grupo dos grãos e um alimento do grupo das calorias vazias. Comparando-se as escolhas realizadas pelo P1 no pré-teste com as realizadas no pós-teste, observa-se que ele escolheu um maior número de alimentos do grupo das verduras/legumes/ frutas no pós-teste do que no pré-teste (de um para quatro) e houve uma redução no número de escolhas por alimentos do grupo dos grãos (de três para dois) e das calorias vazias (de três para um). O P2 escolheu, no pré-teste, três alimentos do grupo das verduras/legumes/frutas, um alimento do grupo dos grãos e dois do grupo das calorias vazias. Nas verificações 1 e 2 houve uma redução de escolhas por alimentos do grupo das verduras/legumes/frutas e grãos e uma aumento nas escolhas por alimentos do grupo das calorias vazias, quando comparados ao pré-teste. No pós-teste suas escolhas compreenderam em um alimento do grupo das verduras/legumes/frutas, um alimento do grupo dos grãos e quatro alimentos do grupo das calorias vazias. Comparando-se as escolhas realizadas pelo P2 no pré-teste com as realizadas no pós-teste, observa-se que houve uma redução no número de escolhas por alimentos do grupo das verduras/legumes/frutas (de três para um). As escolhas por alimentos do grupo dos grãos se manteve (um) e houve um aumento no número de escolhas por alimentos do grupo das calorias vazias (de dois para quatro). A Figura 4 apresenta os resultados do pré-teste, verificações 1 e 2 e pós-teste das escolhas alimentares. Após a realização de duas partidas de jogo, realizou-se a verificação 1 das escolhas dos alimentos, após cinco partidas, a verificação 2 e, após oito partidas, o pós-teste. Na parte superior da Figura 4 estão os resultados das escolhas dos alimentos realizadas pelo P1, e na parte inferior, os dados das escolhas realizadas pelo P2. A primeira coluna refere-se aos alimentos do grupo das verduras/legumes/frutas (grupo saudáveis), a segunda aos alimentos do grupo dos grãos (massas, arroz, milho, etc) e a terceira ao grupo das calorias vazias (sorvete, chocolate, refrigerante, balas, bolacha recheada, etc.).

Ao final do experimento, a pesquisadora entrevistou as mães e lhes fez a seguinte pergunta: "Após o início da intervenção, você observou alguma mudança nas escolhas alimentares do seu filho (a)?" De acordo com o relato das mães, as crianças aceitaram com mais facilidade experimentar os alimentos que antes não eram consumidos. O P1, ao realizar uma refeição em restaurante onde é de praxe haver grande variedade de alimentos disponível, escolheu folhas verdes sem intervenção dos pais.

 

DISCUSSÃO

Os resultados apontam que os participantes formaram classes de estímulos equivalentes. O desempenho dos participantes nos testes das relações emergentes corrobora os resultados de pesquisas que utilizaram figuras de alimentos, palavras indicativas de palatabilidade e figuras abstratas como estímulos experimentais (Cardoso, 2007; Viana, 2006) embora o desempenho dos participantes no teste das relações ensinadas tenha se apresentado abaixo dos critérios estabelecidos pela pesquisadora.

Destaca-se que esse teste foi conduzido utilizando-se um instrumento diferente do jogo, um computador. Ou seja, os participantes foram ensinados a emitir respostas em um contexto (jogo) e esperou-se que estas mesmas respostas fossem emitidas em um contexto diferente (computador). Além disso, antes do teste, conduziu-se uma sessão cuja finalidade era o ensino da tarefa (MTS) e, para isso, empregou-se um procedimento de MTS de identidade. Contudo, no teste das relações treinadas, exigiu-se que os participantes estabelecessem relações arbitrárias entre os estímulos (MTS arbitrário). Os diferentes procedimentos empregados na sessão de ensino de MTS e na sessão de teste das relações ensinadas podem, também, explicar a dificuldade dos participantes neste teste. Segundo Sidman e Tailby (1982), discriminações condicionais bem estabelecidas demonstram além de relações condicionais, relações de equivalência. Sendo assim, o fato de ambos os participantes terem formado classes de estímulos equivalentes fortalece a hipótese de que a forma como os testes foram apresentados e a história experimental interferiram com suas respostas no teste das relações ensinadas.

O desempenho dos participantes nos testes das relações emergentes indica a necessidade de uma análise mais cuidadosa das características do jogo que podem ter contribuído para isso. Entre os aspectos do jogo que merecem destaque cita-se o uso de reforçadores específicos. Os reforçadores específicos foram usados durante o jogo de maneira que os alimentos indicados para o consumo em maior quantidade4 , em relação a outros, recebiam um maior número de pontos (estrelas coloridas) como consequência. Para cada relação condicional ensinada entre os elementos do conjunto A, B e C, utilizaram-se como estímulos reforçadores três, dois ou um ponto (estrelas).

Sidman (1994, 2000) sugeriu que as relações de equivalência podem incluir os pares ordenados de todos os elementos positivos que constituem a unidade de análise, incluindo a consequência reforçadora. Em se tratando de reforçadores específicos, ele assinala que as classes de equivalência podem ser formadas mais facilmente quando os estímulos reforçadores são específicos para a contingência. Embora nos testes de simetria e equivalência, os estímulos reforçadores não tenham sido apresentados como estímulo-modelo ou comparação a fim de se evidenciar a formação de três classes de estímulos com a participação do estímulo reforçador (e.g. A1 B1 C1 R1; A2 B2 C2 R2, A3 B3 C3 R3), pesquisas mostram que o uso de reforços específicos em treinos de discriminação simples ou condicionais pode facilitar a formação de classes de equivalência (Dube & McIlvane, 1995; Dube, McIlvane, Mackay, & Stoddard, 1987; Dube, McIlvane, Mackay, & Stoddard, 1989; Schenk, 1994; Serna, Dube, & McIlvane, 1997; Zaine, 2011). Portanto, o uso de reforços específicos no jogo pode ter favorecido os resultados positivos em relação à formação de classe de equivalência.

A análise dos erros cometidos pelo P1 e pelo P2 no teste das relações emergentes mostra, ainda, que não parece haver relação entre o número de vezes que as relações entre cestas e alimentos foram treinadas e as relações estabelecidas incorretamente por eles. Entre as relações que não estavam em conformidade com as estabelecidas pela pesquisadora estavam aquelas que foram mais frequentemente emparelhadas pelas crianças durante as sessões de jogo/intervenção. O alto número de tentativas de teste (172 tentativas) e o cansaço devido à duração da sessão parecem ter contribuído também para os erros cometidos pelas crianças na sessão de teste das relações emergentes. Esta inferência é feita, uma vez que observações não sistemáticas mostraram que tanto o P1 quanto o P2 relatavam a falha cometida em uma dada relação quando um mesmo estímulo era apresentado, em outra tentativa. Cansaço pela repetição da tarefa, em razão do alto número de tentativas, também foi observado nos participantes da pesquisa conduzida por Straatmam (2008).

Nos Testes de avaliação dos alimentos, o P1 não apresentou mudanças expressivas do pré-teste para o pós-teste e para o P2 houve uma redução no número de alimentos do grupo das verduras/legumes/frutas e dos grãos avaliados como "gosto" e um aumento no número de alimentos do grupo das calorias vazias avaliados como "gosto". No Teste de escolhas alimentares, o P1 aumentou o número de escolhas por alimentos saudáveis no pós-teste e diminuiu as escolhas por alimentos do grupo calorias vazias. O P2 diminuiu as escolhas por alimentos do grupo das verduras/legumes/frutas e dos grãos e aumentou o número de escolhas por alimentos do grupo calorias vazias. Observa-se que embora as preferências alimentares de P1 tenham se mantido, suas escolhas por alimentos saudáveis aumentaram, ou seja, a não modificação nas preferências não implicaram em não modificação nas escolhas. Para P2, ao longo dos testes houve um aumento tanto nas preferências quanto nas escolhas por alimentos do grupo das calorias vazias, isto é, a variação nas preferências implicou variação nas escolhas.

A forma de apresentação do Teste de escolhas alimentares (marcar um X em um dos alimentos) e a quantidade de alimentos apresentados em uma mesma folha pode ter interferido nos resultados dos participantes nesses testes. Neste teste, os participantes não precisavam consumir os alimentos, o que os deixava mais livres para fazerem suas escolhas e, inclusive, assinalar alimentos que talvez não consumissem, se isso fosse exigido. Além disso, muitos estímulos apresentados em uma mesma folha podem ter fornecido aos participantes muitas opções simultâneas e os ter confundido. As formas empregadas para a avaliação das preferências e escolhas alimentares parecem ter sido inadequadas, o que dificulta a avaliação quanto ao efeito do jogo sobre as preferências e escolhas alimentares. Apesar dos resultados nos Testes de avaliação e escolhas alimentares e das questões de procedimentos, ambas as mães relataram que seus filhos experimentaram alimentos que nunca haviam comido antes da intervenção e o fizeram sem que elas o exigissem. Embora este dado tenha de ser considerado de maneira cuidadosa, já que foi obtido por meio de relato verbal das mães e não houve observação do consumo de alimentos das crianças, ele aponta a possibilidade do jogo produzir mudanças nas escolhas alimentares das crianças e a necessidade de novas pesquisas que investiguem melhor esta questão.

Mas se o jogo produziu mudanças nas escolhas dos alimentos para consumo, como explicá-las a partir das características do jogo?

O jogo empregou consequências reforçadoras específicas (diferentes quantidades de pontos para a seleção de alimentos de diferentes grupos alimentares). Os alimentos saudáveis, no jogo, valiam mais pontos que os alimentos do grupo dos grãos e os alimentos deste grupo valiam mais pontos que os do grupo calorias vazias. Portanto, o jogo ensinava aos participantes a relação "mais que".

De acordo com a Teoria dos Quadros Relacionais de Hayes (2001), os estímulos podem relacionar-se por meio de um quadro relacional de comparação que envolve o responder a eventos em termos quantitativo ou qualitativo ao longo de uma dimensão específica (Igvarsson & Morris, 2004). Como o jogo apresentou consequências reforçadoras específicas relacionadas à quantidade de pontos, apesar de não ter sido testado o conhecimento dos participantes no que diz respeito ao conceito "maior que" em relação aos números de pontos (três, dois e um), é possível que, em razão de uma história pré-experimental, os participantes tenham estabelecido esta relação de comparação. Esta hipótese é fortalecida a partir da identificação dos participantes de que determinado alimento "valia mais pontos" do que outro. Portanto, o jogo pode ter promovido a emergência de outras relações derivadas, além das relações de equivalência, como a relação de comparação (Galizio, 2003; Steele, & Hayes, 1991).

No contexto do jogo, "três pontos" é um reforçador de maior magnitude quando comparado a dois pontos e esse é maior que um ponto. Como os alimentos estavam em uma relação de equivalência com determinadas quantidades de pontos, eles podem ter adquirido a mesma função reforçadora dos pontos. Ainda, de maneira similar à formação do quadro relacional de comparação estabelecido entre os pontos, é possível que os alimentos também tenham estabelecido esta relação entre si, e, consequentemente, os alimentos do grupo das verduras/legumes/frutas podem ter adquirido uma função reforçadora de maior magnitude quando comparados com os alimentos do grupo dos grãos e estes maior que os alimentos do grupo das calorias vazias. Assim, os pontos podem ter transformado a função dos alimentos.

Outro aspecto que deve ser considerado no jogo é o uso de instruções com operantes verbais autoclíticos. Todas as cartas com instruções impressas continham operantes verbais autoclíticos. O autoclítico é um comportamento verbal que comenta ou qualifica outras partes deste comportamento, ao descrever sua força, ao apontar as circunstâncias que o controlam, e ao negar informações que vem em seguida (Skinner, 1957/1978). Outro elemento que pode exercer a função de autoclítico são os pontos de exclamação, que têm a função de ampliar, esclarecer e modificar o efeito sobre o leitor, ao corresponderem aos padrões temporais e de entonação do comportamento verbal vocal. No entanto, os elementos das sentenças só podem exercer a função autoclítica se influenciarem o comportamento do ouvinte em uma direção específica, modificando a intensidade ou a direção de seu comportamento (Skinner, 1957/1978). A pesquisa conduzida por Baptistussi (2010) mostrou que instruções com autoclítico produziram mudança na escolha de alimentos por diferentes grupos alimentares.

As cartas do jogo continham expressões e termos do tipo "Que delícia!" "Huum", "Que pena!" "Isso é muito saudável" etc. Os autoclíticos presentes nas cartas podem ter alterado a função reforçadora dos alimentos descritos pelas cartas e contribuído para que ambos os participantes selecionassem alimentos do grupo saudável para comer, após a condução do estudo, conforme o relato das mães. Embora não se possa afirmar que os autoclíticos tenham influenciado as respostas de escolhas dos participantes deste estudo, pois muitas variáveis foram manipuladas ao mesmo tempo, Faleiros e Hübner (2007) indicaram que o autoclítico pode contribuir para tornar a descrição da contingência mais "atraente" ou "motivadora" e, assim, controlar a emissão da resposta. Finalmente, a observação dos comportamentos dos participantes durante o jogo, como pedidos para jogar novamente, comemorações ao ganharem pontos do jogo sugere que o jogo é motivador. Aspectos como a possibilidade de ganhar pontos, ter mais pontos que o adversário, a incontrolabilidade do número a ser sorteado pelo dado, a interação social e a tentativa de esquivar-se de casas com eventos punitivos, podem ter contribuído para tornar o jogo motivador.

Embora os dados obtidos com o jogo apontem a possibilidade do seu uso como ferramenta para mudanças nas escolhas alimentares, sugere-se que pesquisas futuras investiguem o consumo alimentar em ambiente natural com um número maior de participantes. Além disso, sugere-se um estudo comparativo com o uso dos operantes verbais autoclíticos presentes nas cartas do jogo e sem o uso desses operantes verbais.

 

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(Received: December, 5, 2013; Accepted: March, 28, 2014)

 

1 Endereço para contato: E-mail: mariana_panosso@hotmail.com . Rua Piauí, 797, apto. 701, centro. Fone: (043) 3324 7426. CEP: 86.020-390. Londrina-PR-Brasil
2 As autoras agradecem a Ana Arantes pela revisão preliminar do manuscrito.
3 Trabalho aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina, parecer número 109/2012.
4 De acordo com informações e recomendações sobre práticas alimentares saudáveis para a promoção e manutenção da saúde contidas nos guias alimentares fornecidos pelo Mistério da Saúde do Governo Brasileiro (www.saude.gov.br) e pelo Departamento de Agricultura e Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. (http://www.usda.gov/wps/portal/usda/usdahome), Dietary Guidelines e o My Plate, uma pessoa deve ingerir metade de um prato de refeição em alimentos dos grupos verduras/legumes e frutas, mais de um quarto de grãos, menos de um quarto de proteínas.

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