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Revista de Psicología (Lima)
versão impressa ISSN 0254-9247
Rev. psicol. (Lima) vol.35 no.1 Lima jan./jun. 2017
https://doi.org/10.18800/psico.201701.003
ARTÍCULOS
Intervenção em grupo de apoio psicológico a trabalhadores vítimas de assédio moral
Intervención en un grupo de apoyo psicológico con trabajadores acosados moralmente
Intervention in a psychological support group with harassed workers
Patrícia Albanaes1, Katia Julia Roque Rodrigues2, Priscila Gasperin Pellegrini3, Suzana da Rosa Tolfo4
Universidade Federal de Santa Catarina - Brasil
1 Graduanda no curso de Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço postal: Campus Reitor João David Ferreira Lima, s/n - Trindade, Florianópolis - SC, 88040900. Contato: patricia.albanaes@gmail.com
2 Graduanda no curso de Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço postal: Campus Reitor João David Ferreira Lima, s/n - Trindade, Florianópolis - SC, 88040900. Contato: floripakatiarr@gmail.com
3 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina e especializanda em Terapia Relacional Sistêmica no Instituto Familiare. Endereço postal: Campus Reitor João David Ferreira Lima, s/n - Trindade, Florianópolis - SC, 88040900. Contato: prigasperin@gmail.com
4 Professora associada do Curso de Graduação em Psicologia e professora dos Programas de Pós-graduação em Psicologia e em Administração na Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço postal: Campus Reitor João David Ferreira Lima, s/n - Trindade, Florianópolis - SC, 88040-900. Contato: srtolfo14@gmail.com
RESUMO
O assédio moral no trabalho remete à exposição prolongada e repetitiva de trabalhadores a situações ofensivas, humilhantes e constrangedoras, que podem desencadear intenso sofrimento psicológico às vítimas. A literatura identifica os grupos de apoio aos sujeitos assediados moralmente como alternativas de intervenção emergentes e com resultados positivos aos participantes. Dados os casos identificados em uma universidade pública do sul do Brasil, foi realizado um grupo de apoio psicológico e o artigo descreve qualitativamente o desenvolvimento do mesmo. O grupo foi composto por 5 mulheres, que participaram de 8 encontros nos anos 2014 e 2015. Dentre os principais resultados dessa intervenção, destaca-se um maior esclarecimento sobre o assédio moral, elaboração de novas estratégias de enfrentamento e o desenvolvimento de um contexto de apoio mútuo entre as participantes.
Palavras-chave: assédio moral, trabalhadores, grupo de apoio, saúde do trabalhador.
RESUMEN
El acoso laboral se refiere a la exposición prolongada y repetida de los trabajadores a situaciones ofensivas, humillantes y vergonzosas, y puede desencadenar un intenso sufrimiento psicológico en las víctimas. La literatura identifica a los grupos de apoyo con trabajadores acosados moralmente como alternativas de intervención emergentes con resultados positivos para los participantes. Este trabajo tuvo como objetivo describir cualitativamente el desarrollo de un grupo de apoyo que ocurrió en una universidad pública en el sur de Brasil. El grupo estaba compuesto por 5 mujeres que participaron en 8 reuniones en los años 2014 y 2015. Los resultados de esta intervención brindan información sobre el acoso laboral, el desarrollo de nuevas estrategias de afrontamiento y el desarrollo de un contexto con apoyo mutuo entre los participantes.
Palabras clave: acoso laboral, trabajadores, grupo de apoyo, salud del trabajador.
ABSTRACT
Bullying at work is a form of violence which consists in prolonged and repeated exposure of workers to offensive and humiliating situations and may be a trigger of psychological distress in many individuals and groups. Literature in the field identifies support groups as an emergent treatment alternative with positive results. This study aimed to qualitatively describe the development of a support group for people who suffered bullying at work in a public university in the South of Brazil. The group was composed of 5 women who took part in 8 meetings during 2014 and 2015. The main results of this intervention provide information about bullying at work, developing new coping strategies and the development of a framework of mutual support among the participants.
Keywords: Bullying at work, workers, support group, worker’s health.
O atual contexto socioeconômico pode ser caracterizado por grandes mudanças decorrentes da intensa globalização e da aceleração proporcionada pelos avanços tecnológicos. Lehman (2010) denominou esse cenário como a Era de Kairós, a qual, na mitologia grega, é associada ao tempo descontínuo e imprevisível. Essa reconfiguração da sociedade apresenta consequências como a hipercompetitividade entre organizações, instabilidades no "comportamento" do mercado e inseguranças no trabalho e no emprego, que são propícios a adoção de procedimentos perversos por muitos dirigentes e trabalhadores (Hirigoyen, 2001), a fim de obterem melhores resultados de produtividade ou a interesses próprios. Esse cenário também propicia a insegurança generalizada, ao se considerar que a manutenção das organizações e dos empregos implica a necessidade de os trabalhadores serem competitivos, qualificados, flexíveis, criativos e polivalentes. Torna-se propícia, então, a ocorrência de práticas de violência no ambiente de trabalho e a própria naturalização desses comportamentos no sistema macroeconômico, bem como em nível meso e microorganizacional (Heloani, 2003).
O termo violência possui origem latina e refere-se ao constrangimento sobre uma pessoa com vistas a levá-la a realizar algo contrário à sua vontade (Tolfo, 2011). Caracterizado como fenômeno complexo e polissêmico, a violência pode incluir desde o uso da força e coação (seja verbal, física, política, econômica) até as situações de constrangimento físico ou moral (Gomes & Fonseca, 2005; Quintanilla & García, 2014; Saavedra, 2004). Nessa perspectiva, portanto, ultrapassa-se a ideia de violência físico-explícita, ao se problematizar também as formas menos explícitas (ou sutis), psicológicas e, não menos, perversas de violência, como é o caso do assédio moral no trabalho.
O assédio moral, enquanto uma das formas de violência de caráter predominantemente psicológico é tão antiga quanto o trabalho (Heloani, 2004), porém passou a ser considerado como temática imprescindível na discussão da interface entre saúde e trabalho muito recentemente a partir da década de 1980 (Soboll, 2008). Após anos de pesquisa em países diversos, Leymann (1996) trouxe a noção de mobbing ou psicoterror como fenômeno que pode ser conceituado como um conjunto de comportamentos hostis de um indivíduo ou grupo com vistas a excluir um de seus membros, e que tem como efeito a fragilização psicológica desse. O referido estudioso também propõe que o termo bullying seja voltado para grupos de crianças, sob a perspectiva do comportamento do agressor, enquanto o termo mobbing/psicoterror seria direcionado aos grupos de adultos, com foco na avaliação da vítima, como sinônimo de assédio moral (Leymann, 1996). Soboll (2008), porém, indica que alguns autores ainda utilizam os referidos termos como sinônimos, embora respeitem as conotações específicas de cada um deles.
Ainda no âmbito internacional, Hirigoyen (1998, 2001) popularizou a reflexão sobre esse sofrimento invisível e protagonizou a abertura de inúmeros debates sobre o tema na França. No Brasil, a sistematização acadêmica sobre essa violência ocorreu mais tardiamente, por meio de pesquisas realizadas por Barreto (2000, 2005) que estimularam a divulgação do tema e novas investigações a respeito dessa forma de violência. Para Barreto (2003), o assédio moral corresponde à exposição de trabalhadores a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante o exercício de sua função, de forma repetitiva e prolongada, caracterizando uma atitude desumana, violenta e antiética nas relações de trabalho. Na mesma direção, Heloani (2004) destaca a intencionalidade dos comportamentos, e defende que o mesmo consiste na constante e deliberada desqualificação da vítima, seguida de sua consequente fragilização, com o intuito de neutralizá-la em termos de poder. Em outras palavras, "trata-se de um processo disciplinador em que se procura anular a vontade daquele que, para o agressor, se apresenta como ameaça" (Heloani, 2004, p. 5). Tolfo (2011) acrescenta que as condutas abusivas referentes ao fenômeno podem incluir aspectos evidentes ou encobertos e sutis gestos, palavras, ações, atitudes e remetem contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa.
Soboll (2008) indica quatro elementos essenciais na identificação do assédio moral interpessoal, são eles: 1) ataques psicológicos (humilhações e desqualificações que causam desconforto psicológico); 2) habitualidade (repetição e continuidade); 3) intencionalidade (intenção de prejudicar, anular ou excluir); 4) pessoalidade (o alvo das agressões é uma pessoa específica). Especialmente quanto ao segundo item mencionado, Hirigoyen (2002) já havia defendido que o assédio moral somente adquire significado pela insistência. Tolfo (2011) também destaca a frequência e a continuidade com que são manifestos os comportamentos do assediador como os principais critérios aceitos para configurar a ocorrência do fenômeno, ou seja, as situações de vexame, ofensas, ameaças que se tornam repetitivas longitudinalmente em torno de seis meses e uma vez por semana (Leymann, 1996).
Hirigoyen (2002) também identificou e agrupou quatro categorias de atitudes hostis que caracterizam o assédio moral no trabalho, descritas a seguir:
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Deterioração proposital das condições de trabalho do assediado retirar a autonomia; não transmitir informações úteis para a realização de tarefas; contestar sistematicamente as decisões da vítima; criticar o trabalho de forma injusta ou demasiada; privar o trabalhador de acessar seus instrumentos de trabalho; retirar o trabalho que normalmente lhe compete e dar permanentemente novas tarefas; atribuir proposital e sistematicamente tarefas inferiores ou superiores às suas competências; pressionar para não exigir seus direitos; agir de modo a impedir ou dificultar que obtenha promoção; causar danos em seu local de trabalho; desconsiderar recomendações médicas; induzir ao erro.
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Isolamento e recusa de comunicação interromper a vítima com frequência; não conversar com a vítima; comunicar-se unicamente por escrito; recusar contato; isolar do restante do grupo; ignorar a presença; proibir que colegas falem com a vítima e vice-versa; recusa da direção em falar sobre o que está ocorrendo.
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Atentado contra a dignidade utilizar insinuações desdenhosas; fazer gestos de desprezo para a vítima; desacreditar a vítima diante dos colegas, superiores ou subordinados; espalhar rumores a respeito da honra e boa fama; atribuir problemas de ordem psicológica; criticar ou brincar sobre deficiências físicas ou de seu aspecto físico; criticar acerca de sua vida particular; zombar de suas origens, nacionalidade, crenças religiosas ou convicções políticas; atribuir tarefas humilhantes.
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Violência verbal, física ou sexual ameaçar a vítima de violência física; agredir fisicamente; comunicar aos gritos; invadir sua intimidade; seguir e espionar a vítima; danificar o automóvel da vítima; assediar ou agredir sexualmente a vítima através de gestos ou propostas; desconsiderar os problemas de saúde da vítima.
É oportuno mencionar que o assédio moral se diferencia de uma situação de desqualificação isolada ou eventual, mesmo que essa venha a produzir dano moral severo ao indivíduo. Embora fatos isolados possam não parecer violências ao trabalhador ou ao assediador, o conjunto de práticas vexatórias, de pequenos traumas, é que gera a agressão (Hirigoyen, 2001). As atitudes e comportamentos de humilhação e desqualificação do outro normalmente começam de forma lenta e gradual, o que as tornam uma forma de violência invisível (Tolfo, 2011). É comum que o agressor utilize de procedimentos perversos, nos quais o conflito fique encoberto, e o próprio assediado se culpabilize pelas ocorrências. Além do mais, inicialmente o trabalhador assediado pode não identificar claramente o que está ocorrendo ou não quer se mostrar ofendido com as humilhações. Com a continuidade e o aumento da frequência e/ou da intensidade dessas situações, as pessoas sentem-se acuadas, postas em situações constrangedoras, e em alguns casos, podem ser submetidas a manobras hostis e degradantes durante um período maior (Tolfo, 2011).
Salienta-se que a classificação de atitudes hostis foi elaborada por meio de dados obtidos em pesquisas realizadas na França. De acordo com Smith (2007), o uso de uma teoria desenvolvida em outra cultura merece atenção, pois deve-se considerar as diferenças e valores locais. Em geral, os fenômenos são estudados em um contexto social e aplica-se a teoria para vários outros. Ao utilizar a classificação da autora francesa, cabe certa flexibilização, pois as práticas de assédio apresentam peculiaridades de acordo com a cultura do país e a própria cultura organizacional. Ressalta-se que os casos de assédio podem apresentar mais ou menos atitudes em uma categoria, considerando o contexto de trabalho daquele indivíduo.
Desencadeantes e características das práticas de assédio, assédio moral interpessoal e organizacional e suas consequências
De forma geral, o assédio moral é desencadeado por dois fatores principais: 1) recusa frente a diferenças (Tolfo, 2011), que pode ser relacionada ao sexo, cor, etnia, deficiências, orientação sexual, etc. ou características que destacam o assediado, referente às competências, comprometimento no trabalho e visão crítica sobre o mesmo; 2) abuso de poder (Heloani, 2004) nas relações de trabalho. Assim, embora o assédio ocorra predominantemente na direção vertical descendente (chefia-subordinado), em decorrência do uso de procedimentos não legítimos de poder, Tolfo (2011) ressalta que o mesmo pode ocorrer também na direção horizontal (mesmo nível hierárquico), vertical ascendente (subordinado-chefia), e misto (assédio de chefias e colegas ou subordinados). Assim, muitas vezes um profissional competente pode representar uma ameaça para o agressor e posteriormente tornar-se alvo de desqualificações. De forma semelhante, pessoas autênticas e questionadoras podem sofrer agressões por não se submeterem ao autoritarismo do assediador (Hirigoyen, 2001). Além dessas características, o objetivo do agressor é de atingir o outro, romper com a sua estabilidade emocional (Hirigoyen, 2001; 2002), pressionar o outro a pedir demissão ou remoção do local de trabalho, e neutralizar o poder da vítima, fazendo com que o mesmo se sujeite passivamente a determinadas condições de trabalho (Heloani, 2004; Tolfo, 2011).
Embora identificado nas relações entre assediado e assediador, faz-se importante distinguir duas categorias de assédio moral conforme o grau de abrangência: 1) interpessoal; 2) organizacional. Enquanto o primeiro tem como alvo específico atingir determinado(s) trabalhador(es), o segundo alcança grande parte dos profissionais da organização, como estratégia de gestão. Com base em Gosdal, Soboll, Schatzmam, e Eberle (2009) constata-se que o assédio moral organizacional é um conjunto sistemático de práticas reiteradas, inseridas nas estratégias e métodos de gestão, por meio de pressões, humilhações e constrangimentos, para que sejam alcançados determinados objetivos institucionais, relativos à: controle do trabalhador, custo do trabalho, aumento de produtividade e resultados, exclusão, prejuízo de indivíduos ou grupos com fundamentos discriminatórios, ou disciplinadores.
O assédio moral, tanto em nível interpessoal quanto organizacional, traz consequências para o indivíduo, para a organização, e para a sociedade. No que se refere a sua vida pessoal, o trabalhador que é constantemente desqualificado pode abandonar ou passar por dificuldades nas relações familiares. Há casos em que eles sentem-se humilhados e perdem a disposição e a paixão pela vida (Martiningo Filho & Siqueira, 2008). A exposição a essas violências pode ter efeitos negativos na identidade, autoestima, além de ocasionar danos à saúde física e psíquica, expressas por meio de ansiedades, alterações de humor, estresse, depressão, burnout até o suicídio. Em outro nível, a organização também pode ter prejuízos no clima organizacional, na criatividade, na produtividade, na qualidade das tomadas de decisão, nos índices de absenteísmo, rotatividade e, afastamentos, etc. Por último, os danos à saúde do trabalhador refletem em custos sociais com tratamento médico e reabilitação, despesas com benefícios sociais, e custos com processos administrativos e judiciais.
Intervenção ao assédio moral no trabalho
Ainda que recentes, as intervenções organizacionais de prevenção e combate ao assédio moral no trabalho vem aumentando no decorrer do tempo (Jimenéz, Aguilar & Pita, 2011; Martiningo Filho & Siqueira, 2008; Teixeira, Reis & Santos, 2013). Porém, há casos nos quais as organizações não realizam ações efetivas para prevenir e combater esse fenômeno e os trabalhadores não tem um espaço de escuta ou de ação oferecido pela organização. No caso deste estudo, o foco da intervenção foi direcionado às repercussões na vida do trabalhador, na modalidade de trabalho em grupo.
Utilizadas com frequência na área da psicologia e serviços de saúde, as intervenções grupais são priorizadas pela sua potencialidade em promover o compartilhamento entre os membros sobre vivências relacionadas ao tema do grupo, o que colabora para a [des]individualização da dificuldade e do sofrimento. Em várias áreas, utiliza-se o trabalho em grupo, como, por exemplo: intervenção em grupos com mães e bebês (Oré, Díaz & Penny, 2011), com mulheres vítimas de violência doméstica (Matos, Machado, Santos & Machado, 2012), professores do ensino básico (Patias, Blanco & Abaid, 2009). No campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho, os grupos aparecem como possibilidade de intervenção em diversos contextos, sendo realizados no contexto organizacional ou fora dele.
Com relação às intervenções incluindo trabalhadores vítimas de assédio moral, foram encontradas poucas publicações em periódicos e livros. Nesse sentido, Tolfo (2013) listou possibilidades de intervenções organizacionais com base em menções na literatura. Glina e Soboll (2012) também realizaram revisão de literatura a partir da qual identificaram diversos métodos utilizados em intervenção tanto com as vítimas como com os assediadores. Segundo Cassito, Fattorini, Gilioli & Rengo (2003), uma possibilidade de intervenção são os grupos de apoio formados por pessoas que sofreram assédio moral no trabalho. Estes grupos permitem, em primeiro lugar, o compartilhamento das experiências, a conscientização de que o trabalhador não é o responsável pelo ocorrido, o reconhecimento da agressão e a modificação de comportamentos por parte das vítimas para lidar com a situação. É importante que o problema da pessoa seja reconhecido por outros, pois o reconhecimento tem papel significativo para diminuir a negação da vítima diante da agressão. Isso facilita que o sujeito tenha mais clareza sobre a situação vivenciada e possa refletir sobre diferentes formas de enfrentamento (Cassito et al., 2003).
Um trabalho pioneiro nesta direção consistiu em um projeto de extensão5, que as autoras Martins, Caldas, Cugnier, Goulart e Tolfo (2012) realizaram, na forma de um grupo de apoio com trabalhadores assediados, utilizando-se da abordagem Psicodramática e de técnicas de dinâmica de grupo para a condução das atividades. Foram realizados seis encontros, quinzenalmente, e o grupo foi formado por cinco participantes, mulheres, com nível superior completo. Martins et al. (2012) salientam que os conteúdos manifestos predominantes nos encontros foram os sentimentos de culpa e responsabilização pelas agressões. Para as participantes, o grupo foi percebido como uma possibilidade para amenizar as repercussões do assédio moral em outras esferas da vida. Entre os resultados dessa intervenção, pode-se destacar os esclarecimentos sobre o atual contexto do trabalho e relações com o assédio moral, a elaboração de estratégias de enfrentamento do sofrimento e o desenvolvimento de um contexto de apoio mútuo entre as participantes (Martins et al., 2012).
Além deste grupo, Silva, Cugnier, Pellegrini, Moura e Tolfo (2014) realizaram outro grupo de apoio com vitimas de assédio moral no trabalho. Nesta outra intervenção, as atividades estavam relacionadas à escuta, compartilhamento de experiências, esclarecimentos, desconstrução e reconstrução de estratégias de enfrentamento, visando desenvolver autonomia individual e coletiva para lidar com as situações de assédio. Segundo Silva et al. (2014), o grupo é um espaço onde encontram-se novos olhares sobre as vivências. Estas autoras salientam que o trabalho em grupo auxilia na identificação do assédio moral no trabalho não como merecimento individual, mas resultante do abuso de poder nas relações de trabalho e o compartilhamento das vivências permite ao assediado reconhecer que outras pessoas se deparam com situações similares.
Outra intervenção em grupo de apoio foi realizada por Schlindwein (2013) e os encontros foram fundamentados na proposta de Barros (1997), cujo objetivo é desenvolver grupos terapêuticos como dispositivo analítico. Participaram três trabalhadoras afastadas do trabalho devido a Lesões por Esforços Repetitivos e com diagnósticos de Transtornos Mentais relacionados ao assédio moral no trabalho. Foram realizados onze encontros, cujos temas foram: história de vida; organização do trabalho; condições do trabalho; riscos no trabalho; trabalho e adoecimento; repercussões individuais, sociais e familiares; enfrentamento da realidade; estratégias para lidar com o sofrimento e o processo institucional percorrido para o reconhecimento da doença.
Ao considerar a necessidade de atentar para os cuidados emocionais com os trabalhadores que sofrem assédio moral e a importância do compartilhamento em grupo, o objetivo deste estudo é descrever o desenvolvimento de um grupo de apoio considerando-se o planejamento e as principais temáticas emergentes pelas participantes nos oito encontros realizados.
Método
Os procedimentos adotados para realização da intervenção priorizam a abordagem qualitativa, de base interpretativista, e no artigo se buscou descrever o planejamento e o desenvolvimento de um grupo de apoio a trabalhadores que se percebiam como vítimas de assédio moral no trabalho. Inicialmente foi identificada a necessidade de realizar entrevistas individuais a partir das inscrições abertas à comunidade. A divulgação para a realização das mesmas foi realizada entre os meses de setembro e outubro do ano de 2014, por meio de e-mails, contato com sindicatos de trabalhadores, facebook, e site de uma universidade federal do sul do Brasil, local no qual o projeto foi desenvolvido.
Foram realizadas seis entrevistas individuais semiestruturadas com os interessados, nos meses de outubro e novembro de 2014, cujo objetivo foi identificar as vivências correspondentes ao assédio moral no trabalho pelos sujeitos e convidá-los a participar do grupo. As entrevistas buscavam, ainda, levantar as expectativas dos sujeitos que desejavam participar do grupo de apoio, esclarecer dúvidas e verificar se tinham condições de saúde para tanto dessa forma, era possível explicar e ajustar as expectativas individuais com a proposta do grupo. Dessas seis entrevistas individuais, cinco pessoas indicaram disponibilidade para participar da atividade de extensão.
As intervenções de apoio foram coordenadas por duas graduandas e por uma pós-graduanda em Psicologia, com supervisões semanais com a Coordenadora do Projeto. Foram realizados cinco encontros ao longo de cinco semanas consecutivas no segundo semestre de 2014. Após o interesse relatado por duas participantes no que diz respeito ao aumento na quantidade de encontros, acrescentou-se mais três encontros no primeiro semestre de 2015, com duração de uma hora e meia semanal. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que garante o sigilo das informações e o anonimato dos participantes, bem como a autorização para uso de dados e posterior publicação acadêmica.
Os procedimentos adotados foram apresentados e analisados com ênfase nas atividades e nos principais conteúdos que emergiram nas atividades grupais, problematizados com base na literatura sobre assédio moral no trabalho revisada.
Apresentação das atividades
Em sequência são apresentados a caracterização das participantes, os procedimentos utilizados nas entrevistas e na realização das atividades.
a) Entrevistas individuais Caracterização das participantes
Conforme descrito no método, cinco sujeitos do sexo feminino tiveram disponibilidade para participar do grupo. Elas possuíam como escolaridade Ensino Superior completo, e atuavam profissionalmente nas áreas da Saúde (3), Educação (1) e Engenharia (1). Quatro participantes trabalhavam em organizações públicas. Uma delas trabalhava informalmente em organização particular. As participantes atuantes na área da saúde (duas enfermeiras e uma assistente social) trabalhavam no mesmo local. Neste estudo, a participante da área da saúde atuante em assistência social será denominada como P1, as enfermeiras como P2 e P3, a participante da área da educação pública como P4 e a engenheira como P5. As principais características em relação às situações de sofrimento no trabalho levantadas pelas cinco profissionais nas entrevistas serão abordadas a seguir.
P1 atuava há cerca de quatro meses na área da Saúde Pública quando ocorreu a entrevista inicial. A servidora pública relatou situações de desrespeito a alguns trabalhadores desde os momentos iniciais de sua socialização na organização. A partir do momento em que não concordou com algumas situações que, sob seu ponto de vista eram antiéticas, passou a ser expulsa de reuniões políticas, além de receber demandas excessivas de atividades de trabalho em horários nos quais havia as referidas reuniões. P1 também indicou uma cobrança excessiva por parte de seus coordenadores e alguns colegas de trabalho, como por exemplo, ser ofendida na frente dos colegas pela falta de um hífen em seu relatório de trabalho. Outras trabalhadoras do local (P2 e P3) também passavam por situações abusivas pelo motivo de discordarem de atitudes dos coordenadores e de alguns colegas. P1 relatou que não conseguia aceitar o fato de ser assediada, considerando que havia se dedicado para passar naquele concurso público. Também não aceitava sair da organização, pois acreditava que poderia passar uma imagem de incompetência aos demais profissionais do local. Estava gravando as ocorrências verbais, caso tal situação não fosse resolvida e decidisse denunciar o caso. A entrevistada também afirmou ter adoecido (ficou sem voz) naqueles meses, em decorrência do estresse no ambiente de trabalho.
P2 atuava em Saúde Pública há aproximadamente dois anos e meio quando foi entrevistada, e há cerca de um ano e meio estava passando por situações abusivas por parte de seus coordenadores e alguns colegas. Ela relatou que o início dos abusos ocorreu quando esses profissionais insinuaram que havia trabalhadores furtando materiais de trabalho. A partir disso, começou a perceber sua imagem sendo desqualificada, além de sofrer com calúnias e gritos por parte dos referidos trabalhadores. Relata também que não forneciam o material necessário para que ela executasse seu trabalho, como a coordenação de grupos, por exemplo. P2 sentia muitas dores de cabeça decorrentes do estresse no trabalho e tomava vários remédios (analgésicos) para suportar as situações abusivas. Já havia se afastado do trabalho uma vez por conta do adoecimento resultante do assédio. P2 afirmou que anotava e gravava todas as situações, além de conversar acerca das situações com P1 e P3 que trabalhavam no mesmo local e também sofriam assédio. A entrevistada relatou o seu objetivo inicial de denunciar as ocorrências.
P3 também atuante na área da Saúde Pública há aproximadamente três anos quando foi entrevistada e há cerca de dois anos passava por situações abusivas por parte de seus coordenadores e alguns colegas. A mesma explicou que havia recusado um cargo de coordenação, pois ela não teria a autonomia para realizar seu trabalho. Esclareceu que ela apenas poderia "assinar os papeis" enquanto outro profissional sem a titulação exerceria no cotidiano todas as funções da coordenação. A partir do momento em que P3 não compactuou com a situação, passou a ser perseguida pelo profissional que havia feito a referida proposta. Assim, os novos coordenadores e alguns colegas que compactuavam com as atitudes desses profissionais começaram a macular sua imagem, espalhando mentiras a seu respeito. Quando ficou grávida, as situações pioraram. Seus horários de ida ao banheiro começaram a ser controlados, foi agredida verbalmente algumas vezes e trabalhava em uma sala sem ventilação, fazendo com que a mesma fosse ao pronto-socorro duas vezes. Tais fatos trouxeram preocupação não apenas com sua saúde, mas também com a de seu filho. Relatou que no momento estava afastada em licença maternidade, tinha dificuldades para dormir e medo de retornar ao trabalho. O seu filho, ainda bebê, participou de alguns encontros com ela. P3 pensava na possibilidade de denunciar a situação.
P4, atuava como professora na área da Educação Infantil pública há cerca de um semestre, à época das entrevistas, relatou dificuldades nos relacionamentos com duas estagiárias da instituição que realizam seus trabalhos junto à turma de crianças coordenada pela mesma. A entrevistada relatou que várias vezes tentou dialogar com as mesmas, mas não obteve êxito, pois as estagiárias já atuavam há mais tempo naquela turma de crianças e não levavam em conta as colocações da professora. P4 verbalizou que já havia tido dificuldades nos relacionamentos em outros locais de trabalho, segundo ela por conta de seu temperamento forte e pelo fato de ser negra. Relatou que não tem dificuldades com chefias, mas sente-se desrespeitada por seus subordinados. Explicou que as estagiárias questionam suas capacidades pedagógicas e que desmerecem o seu trabalho, comparando-a com outra profissional da área. A profissional expressou sua angústia por não conseguir legitimar o seu papel como professora e que não sabia se as situações que vivenciava caracterizavam-se como assédio, embora tenha relatado sentir um grande sofrimento decorrente do que expôs.
P5, engenheira, não estava trabalhando formalmente na sua área de formação no momento da entrevista e dava aulas particulares de reforço para alunos de uma escola privada do Ensino Fundamental. A entrevistada relatou que em vários contextos da vida particular, acadêmica e profissional passou por situações de controle excessivo (especialmente dos pais), além de assédio moral no contexto do trabalho como Engenheira. De acordo com ela, em seu último emprego formal possuía opiniões divergentes de sua chefia e passou a ter dificuldades nos relacionamentos com a mesma. P5 tinha dificuldades em relatar as situações que vivenciou, mas salientou que se sentia diminuída: retiraram dela o trabalho que lhe competia normalmente e passou a exercer tarefas muito inferiores às suas competências foi contratada para o cargo de engenheira, mas atribuiram-lhe funções de secretária. Ela permaneceu somente quatro meses no local e em seguida solicitou desligamento da organização, mas a sua chefia não autorizou que ela cumprisse o aviso prévio de forma integral. Diante de tudo isso, P5 indicou que tinha muitas dificuldades e medo de se inserir novamente no mercado de trabalho.
b) Planejamento do grupo
As temáticas abordadas no grupo foram definidas de acordo com os conteúdos trazidos nas entrevistas e na observação das coordenadoras em relação às demandas de intervenção presentes em diferentes momentos do grupo. Após os encontros realizavam-se reuniões semanais para promover a reflexão sobre as temáticas emergentes no grupo, bem como para elaborar um plano de ação para os encontros seguintes. A tabela 1 representa uma síntese do planejamento dos oito encontros realizados.
c) Desenvolvimento do grupo
Buscou-se criar no grupo um ambiente de conversa, escuta e troca de experiências entre as participantes sobre suas situações de assédio moral, para propiciar melhor entendimento acerca do assunto e construir juntas estratégias de enfrentamento às dificuldades encontradas pelas trabalhadoras, sendo que algumas já haviam, inclusive, relatado ter a sua saúde afetada devido ao assédio moral ocorrido no trabalho.
Esse primeiro encontro tinha como objetivo principal promover uma integração inicial entre as cinco trabalhadoras, explicar os objetivos do grupo de apoio, bem como firmar o contrato psicológico em relação a esse. Para isso foi realizada uma atividade com a técnica do novelo de lã/barbante para a apresentação das participantes solicitando que indicassem os seus nomes, profissões, setor no qual atuavam, motivos pelos quais buscaram o grupo considerando o contexto de seus trabalhos e expectativas quanto ao desenvolvimento das atividades. Como expectativas as participantes indicaram principalmente 1) encontrar maneiras de superar as dificuldades decorrentes dos problemas nos relacionamentos em ambiente de trabalho, ou para voltar ao trabalho; 2) compartilhamento de experiências; 3) autoconhecimento. Ao final da atividade fez-se uma analogia entre o novelo de lã e uma teia que representava conexões, ligações e rede de apoio. Também foram levantados questionamentos sobre a definição de assédio moral e as participantes buscaram distinguir situações de conflito e de assédio, quando foi explicado que este segundo diverge do primeiro pelo motivo de estar ausente uma relação de respeito para com o outro, a explicitação da divergência e a possibilidade mais efetiva de resolução. Foram entregues cartilhas informativas elaboradas em 2013 no projeto de extensão do mesmo grupo para leitura posterior e indicou-se que no segundo encontro seriam debatidos em maior profundidade os conteúdos das mesmas. Afirmou-se a importância do contrato psicológico de sigilo nas identidades e conteúdos abordados nos encontros, bem como o princípio de ajuda mútua entre as participantes.
O segundo encontro iniciou com P5 utilizando o momento do acolhimento para explicar que na semana anterior havia ficado angustiada porque foram privilegiadas as exposições das emoções das participantes no momento de compartilhamento de suas experiências, e as atividades realizadas foram "pouco objetivas". Entretanto, ao longo da semana havia refletido sobre a necessidade de perceber suas emoções e também tratar os seus alunos adolescentes de forma mais tolerante e atenciosa. Além desse primeiro momento de acolhimento das participantes, este segundo encontro tinha como objetivo principal propiciar um maior esclarecimento acerca da temática assédio moral e para tanto, utilizou-se as cartilhas elaboradas pelo projeto de extensão no ano de 2013. Após os esclarecimentos sobre a temática, solicitou-se que elas escrevessem em um papel os pontos positivos e os pontos negativos que identificavam em seus locais de trabalho. P2 e P3 não conseguiram identificar pontos positivos e P1 e P5 indicaram várias expectativas em relação ao trabalho: "cooperação", "sensação de produzir algo positivo para a sociedade", "auxiliar os usuários do serviço", etc., e não o que realmente vivenciavam no cotidiano profissional. Assim, P1 foi a única que conseguiu identificar naquele momento o "relacionamento e a cooperação entre alguns colegas" como algo positivo e P4 não compareceu. Mesmo assim, questionou-se sobre quais as suas motivações em permanecer em um local de trabalho no qual praticamente não conseguiam perceber aspectos positivos. As participantes P1, P2 e P3 indicaram, principalmente, o fato de "terem estudado muito para conseguirem passar em um concurso público". Como fechamento foi proposto que indicassem quais palavras deixariam para o grupo: "justiça, mas não a qualquer custo" (P1); "resistência e justiça" (P2); "uma maneira de lidar com a situação e não adoecer" (P3); "buscar outras saídas" (P5).
No terceiro encontro objetivou-se refletir sobre os medos de cada participante em relação à permanência ou retorno ao ambiente de trabalho e compareceram as cinco trabalhadoras. P1 indicou novamente que estudou muito para passar naquele concurso público, e que tinha medo de arranhar a sua imagem profissional devido às calúnias que os assediadores disseminavam sobre ela e seu trabalho. Além disso, relatou ter medo de não conseguir realizar um trabalho útil para a sociedade, pois devido ao assédio moral que estava sofrendo, não conseguia explorar toda a sua criatividade e competência. P2 tinha medo da "imposição" e da "pressão", pois quando era "chamada para a sala do terror" (essa era a sala na qual a participante referia ter que ir quando sua superior queria criticar, e/ou desqualificar o seu trabalho, além de amedrontá-la) geralmente eram impostas pelos coordenadores atitudes ou atividades com as quais não concordava. P3 tinha medo de voltar "explosiva" ao trabalho, ou que os assediadores a impedissem de retornar ao local. Relatou, inclusive, que havia sonhado com um abismo, no qual eles queriam empurrá-la, mas havia outras pessoas dispostas a ajudá-la. P4 tinha medo de ser caluniada e rejeitada. Explicou que tinha dúvidas sobre se impor ou agir apenas para agradar os outros. P5 tinha medo de trabalhar em um local em que "não admire as pessoas" e de "não ser estável no mercado de trabalho". Todas demonstraram reações de raiva em relação aos assediadores e solicitou-se então como tarefa para fazer em casa e trazer no grupo que escrevessem uma carta simbólica ao(s) assediador(es), com tudo o que gostariam de dizer para os mesmos.
No quarto encontro, o objetivo era compartilhar e refletir sobre a carta simbólica direcionada aos agressores no trabalho, e posteriormente realizar uma inversão de papeis. P1 não conseguiu organizar a carta, mas anotou algumas frases que gostaria de dizer aos assediadores, como o fato de a "chefia não ser qualificada", "cuide da sua vida", e "desce do muro" para um trabalhador que queria agradar a todos. P3 demonstrou várias reações de raiva ao escrever que gostaria de "agredir" "esfregar a cara dela no asfalto" e que não conseguiria "perdoar a chefia por tudo o que já fez". P3 também afirmou que sentiu uma "sensação de alívio" ao escrever a carta, pois conseguiu colocar no papel o que não teria coragem de falar pessoalmente. P4 não fez a carta, mas relatou que vivia a contradição de querer sair do trabalho, ao mesmo tempo em que gostaria que as estagiárias fossem embora. No campo ideal esperava que tudo poderia ser resolvido e disse que tinha dificuldades para escrever porque se sentia acuada e não conseguia se impor. P5, por sua vez, relatou que tentou por vários dias concluir a carta, mas acabou fazendo vários esboços. É com a tentativa de escrita da carta que P5 conseguiu falar de forma mais clara sobre sua chefia e os atos negativos contra ela: "me tratava mal e era extremamente grosseiro", explicando que tinham desentendimentos constantes, pois seu superior não queria ser questionado. Tinha raiva e sentia-se desrespeitada pelo mesmo. P5 explicou que a atividade de produção da carta possibilitou que ela percebesse melhor as situações, para procurar uma solução e ver a questão do assédio de forma mais analítica. Neste encontro, P2 não compareceu. Ao ser pro-posta a atividade de inversão de papeis (solicitou-se que as participantes se colocassem no lugar dos assediadores ao receberem as cartas), as participantes se recusaram, afirmando que: "não consigo me imaginar no lugar dele porque é um monstro" (P3); não mudaria em nada para ele (P5); receberiam de forma muito negativa (P1).
Todas compareceram ao quinto encontro e P4 informou que havia conseguido organizar a carta, e pediu para lê-la. Ela relatou o conflito entre sair da organização para evitar maior estresse e solicitar que as estagiárias sejam desligadas da mesma. Ao mesmo tempo, refletiu sobre as consequências negativas das atitudes de ela mesma sair ou encerrar o vínculo com as estagiárias. As coordenadoras do grupo indicaram que parece saudável que P4 consiga refletir sobre as possíveis consequências para si própria. O último encontro de 2014 teve como objetivo refletir sobre a trajetória das participantes no grupo. Para isso, solicitou-se que elas desenhassem em um cartaz como percebiam a sua evolução no grupo. P5, em seu desenho e posterior apresentação explicou que, anteriormente ao grupo, "tudo era um turbilhão", que "apenas vivia os problemas", e que "tudo estava misturado", "não conseguia organizar as coisas, o que a levava a várias explosões". O grupo surgiu como uma "janela", ou seja, uma das possibilidades de ajuda externa, e afirmou que naquele momento percebia ser possível resolver os seus problemas: "organizando-os, dividindo-os em pequenas partes". P1 indicou o quão importante foi o movimento de "solicitar ajuda". P2 apontou o grupo como "caminho para a esperança", P3 indicou que passou a sentir-se melhor com a procura do grupo, e P4 indicou o grupo como ferramenta de suporte, como espaço para descarregar emoções, como apoio e afirmação.
Quando questionadas sobre as formas de enfrentamento, P5 indicou a possibilidade de desenhar e escrever para posteriormente analisar as dificuldades de forma mais organizada: "ao diminuir o caos em pequenas partes fica mais fácil resolvê-los" (P5). P1 e P3 indicaram que seria impossível acabar com as situações de assédio, mas que deveriam administrar a situação evitando "bater de frente" e tentar uma "troca de turnos". P4 indicou a necessidade de estabelecer parcerias no trabalho para enfrentar a situação. Deixaram como palavras ao grupo "apoio" (P1, P3, P5), "afirmação" (P4), e "justiça" (P2).
P1, P2, P3 e P4 indicaram, ao final deste último encontro de 2014, o interesse em realizar mais alguns encontros em 2015. Assim, em abril de 2015 realizaram-se mais três encontros, nos quais apenas P1 e P2 compareceram. No sexto encontro compareceu apenas P1. Objetivou-se, assim, avaliar as mudanças obtidas no período de pausa do grupo. P1 relatou que não tinha mais tanto interesse em denunciar as situações de abuso, pois acreditava que não haveria justiça referente às ocorrências. Relatou também que, apesar de as situações de assédio persistirem, estava conseguindo realizar novas atividades em seu trabalho, de modo a trazer benefícios aos usuários do serviço. Sua estratégia de enfrentamento para a situação era recuar cada vez mais ("não bater de frente", "ignorar quando eles gritam" - fuga). Além disso, indicou a necessidade de buscar atendimento psicológico individual para lidar com outras situações e "fortalecimento na religião".
No sétimo encontro compareceram P1 e P2. Solicitou-se que confeccionassem um "jornal" sobre os principais acontecimentos no período de pausa no grupo. Como resultado da atividade P2 indicou que a) não pretendia mais denunciar a questão por acreditar que não haveria justiça diante das ocorrências; b) sentia-se como um soldado tentando fugir de uma guerra, pois era literalmente isso que fazia em seu trabalho; c) estava pensando mais em si mesma e em seu bem-estar; d) sentia-se agindo de forma mais racional; e) estava com uma visão futurista e com foco em uma nova direção em sua vida profissional. P1 compartilhou com as coordenadoras do grupo e com P2 os mesmos aspectos que já havia indicado na semana anterior em encontro individual.
O oitavo encontro (encerramento do grupo) teve dois objetivos principais: avaliar os prós e contras das estratégias de enfrentamento que as trabalhadoras estavam utilizando, e identificar como elas se imaginavam depois de seis meses. Quanto à primeira atividade, P2 indicou que, se por um lado sua maneira de lidar com a situação estava diminuindo o seu nível de estresse no trabalho, por outro lado estava tornando-o mais desestimulante. Entretanto, reiterou que logo estaria investindo em uma carreira acadêmica (seleção de mestrado) e que não dependeria do atual emprego. P1 indicou que sua maneira de lidar com a situação não seria sinônimo de passividade, pois continuava com seus princípios, mas que estava buscando encarar a situação com certo "bom humor" e apoiada no relacionamento agradável de suporte social com alguns colegas para desenvolver um bom trabalho. Quanto à segunda atividade, P2 indicou que em seis meses pretendia estar com novos projetos de trabalho em um novo setor de atuação. P1, por sua vez, indicou que pretendia continuar trabalhando no mesmo local, caso os assediadores não estivessem mais no local, ou transferir-se para novo setor ou prestar novo concurso público.
Resultados e Discussão
Esse artigo teve como objetivo descrever o desenvolvimento de um grupo de apoio a trabalhadores assediados moralmente, realizado entre novembro de 2014 e abril de 2015, considerando-se o planejamento e as principais temáticas emergentes pelas cinco participantes nos oito encontros realizados.
A intervenção em grupo possibilitou a identificação do assédio moral no trabalho não como merecimento individual, mas como resultante do abuso de poder nas relações de trabalho (Silva et al., 2014), isto é, o compartilhamento das vivências permitiu que as participantes reconhecessem que outras pessoas também passavam por situações similares. As intervenções iniciais no grupo alvo do presente estudo também cumpriram a função de auxiliar na identificação e caracterização das situações de dificuldades pelas quais as integrantes haviam sido expostas, por meio da categorização proposta por Hirigoyen (2002): 1) deteriorização proposital das condições de trabalho; 2) isolamento e recusa de comunicação; 3) atentado contra a dignidade; 4) violência verbal, física ou sexual. Nesse espaço de escuta, abriu-se a possibilidade para que as trabalhadoras trouxessem exemplos de suas vivências no âmbito laboral, com base nas quatro formas de comportamentos negativos, por meio de atitudes, gestos, e palavras que caracterizam o assédio moral. A Tabela 2 ilustra situações vivenciadas pelas trabalhadoras com base nessas referidas categorias.
A partir daquilo que as participantes compartilharam com o grupo, buscou-se conscientizá-las também de que o agressor(es) utiliza(m)-se de procedimentos perversos, elaborados com muito cuidado e sofisticação (Soboll, 2008), e que essa violência pode ocorrer de forma lenta e gradual, de modo pouco específico (Tolfo, 2011), o que justifica a percepção de estarem confusas e questionarem suas próprias competências. A maior parte dos abusos relatada pelas participantes, por exemplo, estava incluída na categoria degradação proposital das condições de trabalho (Hirigoyen, 2002), enquanto uma forma menos visível e mais naturalizada dessa violência, que permite ao assediador permanecer pouco exposto em seus atos. Apenas P1, P2 e P3 relataram de forma aberta que passaram por muitas situações de atentado contra a dignidade, situações de violência verbal e ameaças de violência física (Hirigoyen, 2002), sendo essas duas categorias as manifestações mais explícitas do assédio, quando o assediador não consegue alcançar o seu intento e aumenta o grau de violência.
A auto-responsabilização e o sentimento de culpa também foi uma questão marcante nas verbalizações iniciais das participantes. Conforme Hirigoyen (2001), a desculpabilização constitui parte importante do processo de cura porque possibilita a reapropriação do próprio sofrimento pelo indivíduo. Nesse sentido, uma das formas de lidar com esse aspecto nos encontros do grupo foi a reflexão sobre o contexto em que o assédio moral ocorre e as questões sociais que propiciaram essa forma de violência, além de informações concretas sobre o assédio através de cartilha informativa. Os encontros acabaram sendo um espaço de confiança e confidencialidade entre as pessoas que participam deste. Portanto, com o auxílio do próprio grupo e mediadoras, elas conseguiram compreender que o movimento de se culpabilizar pelas situações vivenciadas era algo comum a elas, e com isso foi possível refletir e entender que a cultura e subculturas das organizações podem favorecer alguns tipos de relações adoecedoras para os trabalhadores, e que cada trabalhador atua com suas possibilidades frente às relações de poder.
Nesse sentido, torna-se importante que a vítima reconheça que passou ou passa por situações de violência e se manifeste por meios possíveis para enfrentar as agressões e recuperar a confiança, o autoconceito e a autoestima. Conforme Hirigoyen (2001, p. 204) "expressar a manipulação perversa não leva a pessoa a ficar remoendo coisas, ao contrário, permite-lhe sair da negação e da culpa".
A partir dos dados obtidos no decorrer dos encontros, especifica-mente no que se refere às vivências de P1, P2 e P3, todas atuantes no mesmo local da rede pública de saúde, pode-se sugerir a caracterização de assédio moral organizacional à medida em que parece haver práticas reiteradas, inseridas nas estratégias de gestão, por meio de pressões e humilhações, para que sejam alcançados objetivos institucionais e ou de grupos políticos, com vistas à exclusão ou prejuízo de indivíduos com princípios profissionais divergentes dos professados pelos assediadores (Gosdal, Soboll, Schatzmam & Eberle, 2009). Pode-se perceber a existência de assédio organizacional no discurso das participantes:
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"Outros trabalhadores do local também estão passando por isso" P1
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"A partir do momento em que não concordei com algumas situações que me pareciam antiéticas, fui expulsa de reuniões" P1
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"Quando não compactuei com aquela situação, ela começou a me perseguir e me colocar contra outros profissionais" P3.
Nessa direção, a ocorrência de assédio moral no setor público evidencia que esta prática não está ligada somente a critérios econômicos, rentabilidade ou concorrência do mercado, mas a uma vontade de exercer o poder (Hirigoyen, 2002) de forma abusiva.
Os relatos das cinco participantes demonstram, ainda, o fato de estar presente nas situações de assédio recusa às diferenças e abuso de poder por parte dos agressores (Heloani, 2004; Tolfo, 2011) Ou seja, sujeitos com características ameaçadoras ao poder do(s) colega(s) de trabalho ou coordenador, podem ser alvo de situações abusivas por ser, por exemplo, um profissional comprometido, competente, autêntico e questionador. Além disso, P4 indicou o fato de ser negra como um facilitador no que tange às dificuldades nos relacionamentos com as estagiárias. Segundo a participante, questionavam suas competências de professora, mas não duvidariam de seu trabalho caso trabalhasse no setor de serviços gerais:
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"Deveria estar limpando o chão porque dessa forma não geraria conflitos" P4.
Hirigoyen (2002) argumenta que "todo assédio é discriminatório, pois ele vem ratificar a recusa de uma diferença ou uma particularidade da pessoa." (p. 103). No entanto, sem dúvidas, há os casos nos quais o sujeito assediado já é vítima de outras formas de preconceito e/ou discriminação por se incluir em grupos minoritários ou entrar em um grupo que não suporta diferenças (Tolfo, 2011). No caso da participante P4, por exemplo, pode-se pensar em uma dupla discriminação: gênero e racial. Invitti e Tolfo (2008) verificaram, por exemplo, em pesquisa documental da Superintendência Regional do Trabalho e do Emprego/MTE, em uma cidade do sul do Brasil, que havia predominância de casos de assédio relacionada a questões raciais, religiosas, em função de deficiência física ou doença, e em função da orientação sexual. Tais resultados reforçam a noção de que muitos indivíduos assediados pertencem a grupos historicamente alvos de exclusão social.
Além da questão racial citada pela participante P4, pode-se também fazer uma reflexão acerca da interface entre assédio moral e gênero, já que nesse grupo de intervenção, participaram apenas mulheres. Autores como Expósito, Moya e Glick (1998) e Zubieta, Beramendi, Sosa e Torres (2011) afirmam ser pouco comum encontrar atualmente sujeitos que defendam abertamente a superioridade dos homens sobre as mulheres, embora ainda haja uma alta gama de comportamentos que refletem, de forma direta ou indireta, atos de discriminação. Sem dúvidas, desde que a mulher ingressou no mercado de trabalho, pode-se notar que vários aspectos das diferenças de gênero têm se manifestado (Nery, 2005). Nesse sentido, estudos latinos sobre gênero (Bonder & Rosenfeld, 2004; Nery, 2005; Zubieta, Beramendi, Sosa & Torres, 2011) têm enfatizado que as mulheres geralmente recebem salários menores do que colegas homens são submetidas a tarefas mais precárias, monótonas, repetitivas, têm menores oportunidades de conseguir empregos, são as primeiras a entrar nas listas de demissão quando há cortes nas empresas, além de levarem um tempo médio maior para serem admitidas em um novo trabalho. Especialmente Nery (2005), ressalta que os sujeitos em sua pesquisa associam o assédio moral às relações de gênero. Os resultados de sua pesquisa levaram a crer que as relações de gênero são grandes reguladores das relações de trabalho. A natureza das atitudes de assédio moral no trabalho pode muitas vezes ter uma conotação sexual, sendo que as mulheres sofrem mais assédio moral do que os homens ou denunciam mais. Hirigoyen (2002) também entende que as mulheres são mais frequentemente assediadas, bem como são assediadas de forma diferente dos homens, devido às características machistas e sexistas marcantes na nossa sociedade. Apesar desses dados, também há indícios culturais que podem explicar a prevalência feminina de casos conhecidos de assédio moral, como indicado por Heloani (2005), explicando que geralmente as mulheres tendem a procurar mais ajuda do que os homens e a se expor mais ao falar sobre as situações de assédio.
Dentre as atividades realizadas nos encontros, foi desenvolvida uma reflexão sobre os principais medos de cada participante em relação à violência no trabalho. Como resultado dessa reflexão elas identificaram repercussões das atitudes hostis por parte do(s) agressor(es), tanto em nível organizacional quanto em nível pessoal. Como principais consequências destacam-se: problemas familiares, prejuízos na saúde física, irritabilidade, estresse, redução na produtividade, clima desfavorável para o trabalho, dificuldades referentes à criatividade, entre outros. Todas identificaram o nexo causal entre violência no trabalho e prejuízos em relação à saúde global, vida profissional, social e familiar. Tal resultado reitera a noção de que a vida profissional e outras áreas vitais estão inter-relacionadas, de modo que a qualidade das relações estabelecidas no ambiente laboral pode também influenciar o modo como a pessoa se sente em outras esferas da vida (Léon & García, 2014). Salienta-se ainda que o assédio moral traz custos para a organização, com os afastamentos (P2 já havia se afastado), demissões (P5, por exemplo), e diminuição da qualidade do desempenho laboral (todas relataram dificuldades em exercer seus trabalhos de forma efetiva diante das situações abusivas). Esses resultados são congruentes com a literatura organizacional, que tem verificado a forte correlação entre as variáveis bem-estar psicológico no trabalho e produtividade (Léon & García, 2014).
Percebeu-se que a elaboração de uma carta simbólica para o(s) agressor(es) representou, para a maioria das participantes, a constatação de muita dificuldade para expressar seus sentimentos, conforme relataram P1, P2 e P4. Para outras duas delas, entretanto, foi uma forma de expor as emoções:
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"Me senti aliviada depois que escrevi a carta, pois escrevi tudo o que não teria coragem de falar para minha chefia" P3.
Com essa atividade, P5 conseguiu, finalmente, organizar e compartilhar de forma mais clara as situações pelas quais havia passado no trabalho. A participante também explicou que a partir da escrita de forma analítica é possível que consiga visualizar melhor seus problemas para posteriormente enfrentá-los.
Ao propor a inversão de papeis para que as participantes se colocassem no lugar dos assediadores, todas se recusaram a realizar a atividade, indicando que aquele momento não era condizente com o nível de elaboração das participantes sobre a situação. Os discursos envolveram falas como: "Eu não consigo nem me imaginar agindo daquele jeito, é impossível" (P1). Isso salientou, para as coordenadoras, a necessidade de constante adaptação das atividades na coordenação de grupos. Diante disso, solicitou-se que elas refletissem sobre o porquê de não conseguirem inverter os papeis.
Acrescenta-se, ainda, a existência de uma dificuldade de forma geral das pessoas que sofreram assédio moral no ambiente de trabalho em falar e escrever sobre o que aconteceu, pois de acordo com muitas das participantes do grupo, entrar em contato com essas situações, mesmo através da fala e da escrita, fazia com que as emoções oriundas de tais vivências fossem retomadas (angústia, choro, medo, sentimento de humilhação, etc). Esta dificuldade das participantes ficou evidente na atividade de elaboração de uma carta simbólica para seus agressores, como já descrito anteriormente, que decorreu na recusa e impossibilidade da maioria delas em estruturar a carta de forma clara e objetiva.
A técnica de mapeamento dos pontos positivos e negativos no ambiente de trabalho, bem como a atividade de reconhecimento das diferentes maneiras para lidar com as frustrações no trabalho, auxiliou na identificação da rede de colegas de trabalho, amigos, e familiares que podem fornecer ajuda mútua ou suporte no enfrentamento de tais dificuldades. O próprio grupo de intervenção propiciou o desenvolvimento de um contexto de apoio mútuo entre as participantes, conforme também observado por Martins et al. (2012).
As estratégias de enfrentamento frente às dificuldades no contexto do trabalho também foram revistas pelas participantes. P1, P2 e P3, por exemplo, inicialmente pensavam unicamente em solução jurídica de denunciar a ocorrência como maneira de enfrentar as situações. Nos últimos encontros relataram não objetivarem efetuar denúncia, pois provavelmente os assediadores não seriam punidos. Por outro lado, identificaram estratégias como a fuga a situações constrangedoras e a manutenção de bons relacionamentos com alguns profissionais do local de trabalho (suporte social):
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"Evitar bater de frente" (P1, P2 e P3).
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"Tentar uma troca de turno" (P1 e P3).
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"Investir em um novo setor de atuação" (P2).
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"Prestar concurso público em outros locais caso o assédio persista" (P1).
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"Fazer parcerias com colegas para evitar conflitos" (P4).
Ainda quanto às estratégias de enfrentamento baseadas no suporte social como fator de extrema relevância, especialmente nesse contexto. Algumas das participantes relatavam ser muito difícil falar sobre o que havia acontecido, pois entrar em contato com essas situações, através da fala ou da escrita, fazia com que as emoções oriundas daquelas vivências fossem retomadas (angústia, choro, medo, sentimento de humilhação, etc.). Notou-se uma dificuldade de forma geral das participantes de compartilharem essa informação com familiares e amigos. P1 tinha uma união estável, mas tinha dificuldade de conversar isso com seu namorado, pois de acordo com ela, seu companheiro não aceitava essas atitudes dos agressores em relação a ela e constantemente a aconselhava para sair daquele ambiente de trabalho. Porém, ela trazia para os encontros:
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"Me esforcei para passar no concurso e gosto do meu trabalho, não é justo que eu saia dele por causa de outras pessoas" (P1).
Já a participante P2 referiu que sua mãe, tia, avó e algumas colegas do trabalho sabiam sobre as situações que sofria, mas em relação a sua família preferia não descrever detalhes para não preocupá-las. P5 denominou-se uma pessoa solitária, com diversos conflitos familiares e afastamento dos pais, sem fonte de apoio emocional a quem pudesse recorrer caso necessitasse.
Por último, P5 que havia questionado a efetividade do grupo de apoio quando achou o primeiro encontro "pouco objetivo" e muito "emotivo" com a apresentação das participantes, conseguiu, com o auxílio do grupo, identificar mais claramente as emoções que sentia e as situações pelas quais passou. Ela conseguiu, também, elaborar as suas dificuldades no ambiente de trabalho organizando-as e dividindo-as em pequenas partes, de modo a "diminuir o caos". Além disso, P5 afirmou que continuaria lecionando aulas particulares para adolescentes, mas que também elaboraria novo currículo para voltar ao mercado de trabalho formal.
Considerações finais
Ao se considerar a centralidade que assume o trabalho na vida dos sujeitos, a gravidade do assédio, e suas consequências para todos os envolvidos, percebe-se a importânica de intervenções com trabalhadores que sofreram assédio moral. A partir deste estudo, avaliou-se que o grupo foi de extrema importância para todas participantes, especialmente por ser um espaço de trocas de experiências, onde ocorriam compreensões e elaborações sobre o assédio, bem como identificações com a história do outro com a finalidade de entender melhor o que acontecia em suas próprias histórias.
Verificou-se, assim, que o atendimento na modalidade grupo permitiu o melhor entendimento acerca do assunto assédio moral, bem como o compartilhamento de experiências referentes às situações de sofrimento, de modo a propiciar a identificação e empatia entre as participantes, a partir da exposição a situações semelhantes de frustração na esfera profissional, bem como a partir de diferentes possibilidades de enfrentamento das situações. Essa identificação, aliada a abertura para comunicação e para a exposição de emoções e medos, e a existência de objetivos comuns, auxiliou na dedicação das participantes e no desenvolvimento positivo do grupo. Apesar do sofrimento expresso nas presentes em todos os encontros, o grupo auxiliou as participantes na reflexão sobre diferentes maneiras de enfrentar essas frustrações, e a vislumbrar projetos futuros, fossem na fuga ao estresse ou no suporte social. Considera-se que os encontros do grupo tenham sido fonte de apoio social necessário para a vida das participantes como recurso de enfrentamento naquele momento. Finalizando, considera-se que o propósito de proporcionar escuta e cuidados emocionais, visando propiciar sentimentos de aceitação, respeito e compreensão, tranquilização e apoio; encorajar a exposição dos sentimentos; fornecer orientação e garantir um seguimento do conjunto da vida de forma mais saudável foi alcançado por meio da intervenção do psicólogo, atuando em relação a fenômenos organizacionais e do trabalho.
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5 O projeto de extensão "Combate e prevenção ao assédio moral no trabalho para promoção da saúde do trabalhador", do qual o presente estudo também faz parte, foi sistematizado no ano de 2011 e contém três pilares principais: pesquisa sobre a temática, compartilhamento de informações (através de cartilhas, palestras, seminários e congressos), além da realização de um grupo de apoio psicológico a pessoas que sofrem ou já sofreram assédio moral em seu ambiente de trabalho.
Recibido: 17 de noviembre, 2015
Revisado: 11 de mayo, 2016
Aceptado: 16 de junio, 2016