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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641Xversão On-line ISSN 2175-3601

Rev. bras. psicanál v.41 n.1 São Paulo mar. 2007

 

IPA BERLIN 2007

 

Recordação, trauma e memória coletiva: a luta pela recordação em psicanálise1

 

Recordación, trauma y memoria colectiva: la lucha por la recordación en psicoanálisis

 

Rememberance, trauma and collective memory: the struggle for rememberance in psychoanalysis

 

Werner Bohleber2

German Psychoanalytical Association (DPV)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com a importância crescente da análise do aqui-e-agora da relação terapêutica, a recordação e a reconstrução do passado perderam o lugar central que tinham para Freud. Experiências e recordações traumáticas fecham-se para esse desenvolvimento. A especificidade da dinâmica da recordação e a importância da reconstrução são mostradas não somente para o tratamento analítico mas também para a recordação coletiva do Holocausto e seus efeitos posteriores.

Palavras-chave: Trauma; Recordação; Reconstrução; Experiência emocional atual; Historização; Memória; Recordação coletiva e Holocausto.


RESUMEN

A través de la importancia creciente del análisis del aquí y ahora de la relación terapéutica, la recordación y la reconstrucción del pasado perdieron el lugar central, que tenían para Freud. Experiencias y recordaciones traumáticas se cierran para ese desenvolvimiento. La especifi cad de la dinámica de su recordación y la importancia de la reconstrucción son mostradas.

Palabras clave: Trauma; Recordacion; Reconstrución; Experiencia emocional actual; Historizacion; Memoria; recordacion colectiva y Holocausto.


ABSTRACT

Through the growing importance of analysising the therapeutic relationship’s “here and now”, rememberance and reconstruction of the past have lost their central place as they had for Freud. Traumatic experiences and memories are settled for this development. Th e specifi city of the dynamics of such rememberance and the importance of reconstruction are presented.

Keywords: Trauma; Rememberance; Reconstruction; Current emotional experience; Historicization; Memory; Collective rememberance and Holocausto.


 

 

1. Introdução

A psicanálise começou como uma teoria do trauma. Se as histéricas sofrem de reminiscências, logo é a recordação que contém uma qualidade patogênica, conforme o famoso dito de Freud. Em seguida, quando Freud desiste de procurar as cenas sexuais infantis traumatizantes e abandona a teoria da sedução, o campo da psicanálise ampliase no sentido da investigação da realidade psíquica. Com o conceito de transferência, Freud descobre uma nova dimensão da recordação, a saber, a sua repetição na ação. Até esse momento, o objetivo do tratamento havia sido, para ele, tornar conscientes as recordações recalcadas – agora o desenvolvimento da teoria do tratamento analítico toma outro rumo, pois o conceito de transferência mostrou ter uma dinâmica própria, inerente a ele. Gradativamente, toda a relação terapêutica foi sendo incorporada ao conceito de transferência, e com o reconhecimento da contratransferência houve uma nova mudança específica na teoria do tratamento analítico, desta vez no sentido do afastamento do passado e do direcionamento ao aqui-e-agora da relação analítica. Assim, ao longo desses desenvolvimentos, a recordação individual ligada à história de vida foi perdendo sua importância terapêutica central. Mas, restou um lugar onde essas recordações permaneceram como o problema com o qual é necessário lidar: a traumatização de pessoas. Freud voltou a se ocupar do tema do trauma muitas vezes, sendo levado a isso principalmente pela catástrofe da Primeira Guerra Mundial e pela barbárie do nacionalsocialismo que se anunciava, porém, nunca sistematizou uma teoria do trauma. Chegou a declarar, inclusive, que algumas questões específicas da psicanálise, como o sonho póstraumático e a neurose traumática, constituíam para ele uma área obscura, na qual não queria se aprofundar.

Desta maneira, a teoria do trauma foi por muito tempo apenas um desiderato da investigação analítica e o trabalho com a violência política e social e com seus efeitos, não alcançando o lugar de importância que lhe cabia dentro da psicanálise. Uma razão substancial para esse estado de coisas foi a primazia dada à realidade psíquica em relação à realidade externa. A maioria dos analistas voltava sua atenção agora, de forma mais ou menos exclusiva, para o mundo interno e para a questão do tipo de influência que as fantasias inconscientes exercem sobre a percepção e sobre a formação das relações objetais internas. Incluir aí a realidade exterior era entendido muitas vezes como um ataque à realidade psíquica e à importância do inconsciente. Tal postura manifestou-se de maneira bastante clara na compreensão do abuso sexual (Simon, 1992; Bohleber, 2000).

As catástrofes e as experiências extremas vividas e sofridas pelos homens durante o século XX fizeram do trauma a marca desse século. Não somente a psicanálise mas também outras ciências humanas viram-se diante da necessidade de recuperar o atraso na investigação e na compreensão ainda não realizadas a respeito desses acontecimentos. As duas últimas guerras mundiais levaram a uma série de conseqüências psíquicas que obrigaram os respectivos profissionais a se ocuparem terapêutica e teoricamente dessas traumatizações. No entanto, o interesse nessa questão logo se extinguiria. Somente após a guerra do Vietnã o diagnóstico de transtorno pós-traumático foi incluído na nomenclatura psiquiátrica, estimulando uma grande quantidade de pesquisas sobre essa síndrome. O que marca principalmente o século XX é o Holocausto, esse crime nacional-socialista contra a humanidade. O confinamento em campos de concentração e o massacre de milhões de judeus causaram estragos e sofrimentos inimagináveis para as vítimas. A ajuda terapêutica aos sobreviventes obrigou a um confronto com experiências extremas e suas conseqüências, até então ignoradas. O trauma e a sobrepujança de sua recordação não afetavam apenas as próprias vítimas sobreviventes mas tinham conseqüências específicas para seus filhos e netos. Ao mesmo tempo, os que pertenciam ao povo que cometeu os crimes eram confrontados com uma história criminosa sem precedentes, cujos efeitos se faziam notar nos fi lhos e netos da geração dos autores. Os crimes, a defesa diante da culpa e da responsabilidade bem como a negação e o esquecimento impregnaram a memória individual e familiar e também a memória coletiva da sociedade alemã do pós-guerra, que passou a desenvolver uma dinâmica peculiar nos decênios seguintes, diante da dolorosa e vergonhosa recordação da história criminosa pela qual teria de se responsabilizar. O Holocausto fez da recordação um mandamento moral especial. Com estes comentários iniciais, delimitei o campo de minhas refl exões, que tratam do conceito de recordação, de recordação e construção em psicanálise e de seu significado particular em traumatizações e no seu tratamento. Ao final, discutirei a dinâmica existente entre trauma e recordação para a memória coletiva.

 

2. A teoria freudiana da memória e a função terapêutica da recordação

Para Freud, o objetivo da cura analítica era tornar conscientes as recordações psíquicas precoces recalcadas. Uma razão para isso pode ser encontrada na sua teoria da memória. De acordo com Freud, as percepções depositam-se na memória como traços de memória. Apesar de esses traços de memória serem cópias da impressão original, eles não são armazenados como elementos isolados, em forma de uma teoria do “engrama”3 ingênua. Ao contrário, Freud supõe vários sistemas de memória ligados em série, que armazenam o mesmo traço de memória, de maneira duplicada, a partir de princípios diferentes. O primeiro sistema associa os elementos com base no princípio da simultaneidade, enquanto sistemas posteriores apresentam os elementos de outras formas, por exemplo, em sua relação de semelhança (1900a, p. 544) ou de contigüidade (1899a, p. 537). A princípio, seria possível acessar de maneira inalterada as recordações de impressões ou as vivências passadas. Mas não é o que ocorre normalmente, pois desejos inconscientes associam-se aos elementos da recordação levando ao seu deslocamento e recalque. Logo, o ressurgimento de recordações está relacionado ao destino dos desejos pulsionais. A autenticidade das cenas infantis bem como sua reconstrução são importantes para Freud, na medida em que somente a análise dos processos deformadores possibilitará o reconhecimento desses desejos inconscientes.4 Em “Recordar, repetir, elaborar” (1914g), ele entende como o objetivo do tratamento analítico “o preenchimento das lacunas existentes na recordação” por meio da superação das resistências que haviam levado ao recalque. O paciente deve recordar determinadas vivências e as moções emocionais correspondentes, pois somente assim se convencerá de que a realidade aparente nada mais é, na verdade, que “o reflexo de um passado esquecido” (1920, 16f). O que é recordado não são os acontecimentos ou fatos em si, e sim sua transformação e seu processamento psíquicos. Freud refere-se de forma bastante geral a “processos psíquicos” como, por exemplo, quando fala da birra em relação à autoridade dos pais, no caso de um de seus pacientes. É exatamente nesse ponto que reside para ele a verdade histórica de uma recordação, na recordação dos processos psíquicos e não somente em uma reprodução fiel da verdade dos fatos objetivos. Considera “uma vitória do tratamento, quando foi possível solucionar algo através de um trabalho de recordação, que o paciente queria remover pela ação.” (1914g, p. 133). Mas isso nem sempre acontece. Muitas vezes, aquilo que foi esquecido e recalcado, ao invés de ser reproduzido como recordação, é repetido como ação. A compulsão à repetição substitui o impulso para recordar, e a transferência é o lugar onde isso ocorre. A interpretação da transferência conduz ao “despertar das recordações, que surgirão sem maior esforço depois que as resistências tiverem sido superadas” (p. 135). Anos mais tarde, em “Construções em análise”, Freud tem uma atitude mais reservada com relação ao despertar de recordações. Malgrado ser “o desejo … obter um quadro confi ável e, em todos os aspectos importantes, completo dos anos esquecidos do paciente” (1937d, p. 44), em alguns casos será necessário contentar-se somente com as construções. Estas geram um “impulso do recalcado”, que “quer trazer traços de memória importantes para a consciência”, mas muitas vezes o processo estanca aí. Nesse caso, o processo de tornar-se consciente avança somente até o ponto em que “o paciente se veja convencido e seguro da veracidade da construção” (p. 53).

Como se pode constatar por esse resumo da teoria de memória de Freud, as recordações, para ele, são novos investimentos em traços de memória duradouros, compreendidos como cópias de processos psíquicos ocorridos no passado. Somente com a suspensão do recalque e um trabalho psíquico profundo dos conflitos é possível reproduzir o passado sem que seja necessária uma transcrição mediante um novo investimento no consciente (1920g, p. 24; 1923b, p. 247f). Freud nunca chegou a unificar sua teoria da memória. Ao lado dessas concepções dominantes, encontram-se idéias e esboços alternativos que levaram a desenvolvimentos posteriores:

1. Caso uma recordação seja reproduzida como repetição em forma de ação, ela se integra com sentido a outras ações atuais. Dessa forma, o presente não apenas tem a função de despertar a recordação e, com esta, o passado esquecido, mas também obriga o processo psíquico passado a integrar-se na estrutura atual de acontecimentos, formando-o e transformando- o também no seu sentido. A experiência passada é ajustada ativamente para o contexto das experiências de vida atuais. Essa é a razão pela qual Freud fala, em algumas passagens, de um processo que modifica as recordações. Nas cartas a Wilhelm Fliess, ele se refere ao fato de os traços de memória, de tempos em tempos, “sofrerem um rearranjo, formando novas relações, uma transcrição” (1985c, p. 217). Esta transcrição é o trabalho psíquico que foi feito ao longo de diferentes épocas da vida sobre as recordações. Assim, durante a puberdade, formam-se fantasias a respeito da infância, e então os traços de memória “sofrem um complicado processo, ao longo do qual são refeitos” (1909d, p. 427).5 Nestas idéias alternativas é esboçada uma compreensão moderna da memória como sendo uma construção modifi cada pelo presente.

2. Essa suposição de Freud, de uma transformação posterior que refaz as recordações, remete ao seu conceito de “a posteriori” [Nachträglichkeit]. Por meio de um acontecimento assustador ou perturbador que ocorre depois da maturação sexual, uma cena sexual infantil antiga, que originalmente não podia ser integrada com sentido a um contexto de relações, passa a ter um efeito traumático retroativo a posteriori. As impressões adquiridas em uma época pré-sexual são portadoras agora de uma “violência traumática enquanto recordação” (1895d, p. 194). Essa concepção do “a posteriori” foi ampliada, sobretudo, na psicanálise francesa, tornando-se uma teoria própria do après-coup e uma atribuição retroativa de um novo significado [ressignificação]. É bem verdade que o conceito de “a posteriori” foi ali amplamente descontextualizado de sua associação causal inicial com os dois tempos separados entre si das cenas da história de vida, estendendo essa seqüência temporal em dois tempos para uma “ligação em forma de rede” (Green, 2002, p. 36).

 

3. A “colonização do passado”6 pelo presente na teoria clínica atual da psicanálise

Neste capítulo, pretendo acompanhar o destino da concepção da recordação como fator curativo ao longo do desenvolvimento da teoria clínica. Para tanto, devo me restringir a algumas posições principais da corrente psicanalítica predominante, não me detendo em outros desenvolvimentos paralelos a esse. O ponto central do trabalho analítico na psicologia do ego, isto é, a recordação de acontecimentos históricos de vida, foi se deslocando gradativamente em direção a um interesse mais acentuado na reconstrução. De acordo com essa idéia, um acontecimento infantil significativo psiquicamente e ligado a uma fantasia inconsciente gera um padrão complexo e dinâmico que, ao longo do desenvolvimento, vai sendo readaptado e alterado psiquicamente. Partindo do material provindo da sessão analítica, a reconstrução procura apreender esse padrão bem como as sucessivas sobreposições que ele sofreu, para acompanhar o seu desenvolvimento retroativamente até alcançar o acontecimento original e a fantasia inconsciente ligada a ele. A história real dos efeitos produzidos por este complexo dinâmico é entendida aqui como uma história causal. Nesse sentido, a recordação e a reconstrução acabam adquirindo força comprobatória terapêutica, na medida em que são colocadas em uma relação causal com os efeitos psíquicos duradouros do acontecimento (Kris, 1956; Arlow, 1991; Blum, 1994).

Essa concepção do efeito terapêutico da recordação e da reconstrução será profundamente abalada com o surgimento das psicologias das relações objetais mais recentes e a mudança para uma abordagem narrativa e construtivista. De acordo com uma compreensão baseada na narrativa, nunca entramos em contato com as verdadeiras recordações, mas somente com uma descrição destas feita pelo paciente. Logo, a verdade não é algo oculto a que podemos ter um acesso imediato, mas está sempre enlaçada na narrativa. A narrativa, por sua vez, somente alcança valor de verdade quando adquire plausibilidade para o paciente e quando fragmentos de vida, até então não relacionados à narrativa, passam a ter um sentido coerente (Spence, 1982). Na relação transferencial, antigas formas de experiência são praticamente incorporadas a um contexto de narrativa. Não existe aqui a possibilidade de um esclarecimento histórico a partir de um desvelamento do passado, ao contrário, esse desvelamento é tomado com um valor igual a uma destruição do presente. Para Roy Schafer (1983), a transferência não é uma máquina do tempo para voltar ao passado (Freeman, 1984), mas o resultado de um movimento necessariamente circular. Presente e passado constroem-se mutuamente – tal qual em um círculo hermenêutico, vemos o passado sempre a partir de uma pré-concepção do presente que, por sua vez, é impregnado pelo passado. Nessa concepção de memória, perde-se de vista a possibilidade de descobrir7 os acontecimentos reais. A verdade histórica é substituída pela verdade narrativa. Os limites dados pela realidade narrativa não podem ser ultrapassados e a referência a um mundo real permanece muda. O problema básico dessas concepções, tanto da narrativa quanto da construtivista, consiste no fato de que a relação com a realidade que existe por trás da narrativa permanece excluída ou é obscurecida.

A investigação da interação entre transferência e contratransferência foi se tornando, pouco a pouco, o marco terapêutico central no desenvolvimento da técnica analítica. O material relativo à história de vida, que eventualmente surge na relação terapêutica, é incluído na percepção e formulação cada vez mais sutil dos microprocessos psíquicos, conforme estes se desenvolvem na dinâmica daquela relação. Já se sabia há muito tempo da necessidade de compreender as recordações dentro do contexto no qual elas surgem, mas agora se ressalta o fato de o aparecimento dessas recordações ser fortemente determinado pela dinâmica inconsciente em andamento na relação transferencial e contratransferencial. A análise de transtornos precoces já havia mostrado que um material autobiográfi co pode ser bastante distorcido e deformado por processos de cisão. No caso de uma falha na triangulação psíquica, geralmente falta também um espaço psíquico, condição necessária para uma fala interpretativa sobre recordações.

Foi na psicanálise britânica, especialmente dentro da escola kleiniana, que a ação terapêutica se transformou de maneira mais marcante em uma análise das relações objetais internas no aqui-e-agora da transferência-contratransferência. O paciente estabelece inconscientemente sua relação com o analista de forma a transferir seu mundo interno, como uma situação total, do passado ao presente. A formulação explícita é que o presente é uma função do passado, mas isto é entendido da seguinte maneira: o presente contém de forma mais ou menos completa o passado, que se atualiza no aqui-e-agora da relação analítica. Assim, do ponto de vista da técnica do tratamento, o passado perde todo sentido próprio ou individual. Com a interpretação do aqui-e-agora da situação analítica, o passado e o presente são interpretados simultaneamente e, de certa forma, se fundem. A volta ao passado histórico através de uma reconstrução passa a ser vista sob suspeita de um movimento defensivo. A utilidade de uma reconstrução limita-se, quando muito, a transmitir ao paciente um sentimento de continuidade própria e de individualidade (Joseph, 1985; Riesenberg Malcolm, 1988; Birksted-Breen, 2004).

Como resultado dessa rápida visão geral podemos reter o fato que, na maioria das concepções de tratamento atuais, as recordações relativas à história de vida e à reconstrução da história do paciente saíram do foco principal e sua importância terapêutica passou para o segundo plano. A mais recente pesquisa neurocientífi ca e cognitiva sobre a memória parece fornecer subsídios e hipóteses para este tipo de visão, o que é tomado nesse contexto como uma confirmação de idéias vindas de outra área.Por isso, modelos clínicos apoiados nessas idéias supõem que as relações objetais reais precoces se precipitam na memória não-declarativa implícita em forma de recordações “implícitas” ou “procedurais” (Sandler e Sandler, 1998) ou como “objetos de memória implícita” (Pugh, 2000). Essas relações objetais influenciam as vivências e o comportamento hoje, sem que representem o passado em forma de recordações passíveis de se tornarem conscientes. E aparecem também na transferência como esquemas de relação implícitos atuados (Stern e col., 1998). Já as recordações autobiográficas e episódicas são armazenadas na memória declarativa. Enquanto Freud partia de um sistema de memória unificado, atualmente, os padrões de relação objetal ou enactments na transferência, de um lado, e as recordações autobiográfi cas, de outro, são localizados em dois processos de memória fundamentalmente diferentes. A conexão entre a repetição no comportamento de antigos esquemas de relação no aqui-e-agora e a recordação da história de vida parece estar bastante esgarçada (Fonagy, 1999, 2003; Gabbard e Westen, 2003). Uma mudança psíquica, nessa visão, é o resultado da interpretação e da influência exercida sobre os modelos mentais das relações objetais, conforme elas estejam ancoradas na memória implícita. Uma recordação autobiográfica torna-se aqui um mero epifenômeno. A questão que se coloca diante destas novas concepções é se a criança não está sendo jogada fora com a água do banho, quando se declara que a recordação da história de vida e a possibilidade de reconstrução da realidade histórica, mesmo que aproximada, são insignificantes terapeuticamente. A psicanálise, que surgiu revelando recordações infantis recalcadas, corre o risco de se tornar uma técnica de tratamento que suprime a história individual.8

O ali-e-outrora não se resume nem ao aqui-e-agora nem às transformações da recordação através da dinâmica da situação atual. O passado continua tendo seu valor próprio e específico, apesar de todos os sentidos que lhe são atribuídos pelo presente. Ainda que a teoria de Freud a respeito dos traços de memória esteja obsoleta atualmente e que a comparação metafórica do trabalho do analista com o trabalho do arqueólogo seja rejeitada como inapropriada, a metáfora do traço apreende algo que provém de um conhecimento clínico. O “traço” dá àquilo que passou um momento de existência própria – algo que não foi mantido nas modernas teorias das transcrições e do construtivismo. De um lado, temos as promessas não realizadas de projetos de vida naufragados ou as mensagens duvidosas do outro (Laplanche, 1992) que dão valor hermenêutico ao passado, de outro lado, as recordações traumáticas podem exercer uma violência perturbadora e adentrar intrusivamente no contexto de vida atual, sem ter ligação com ele. O trauma é um factum brutum que, no momento da vivência, não consegue ser integrado em um contexto signifi cativo, pois a textura psíquica é rompida. Isto exige condições especiais para sua recordação e posterior integração na experiência de vida atual. Tratarei dessas questões a seguir, e gostaria de iniciar com alguns comentários sistemáticos sobre a compreensão moderna das recordações.

 

4. Recordações entre passado e presente. Resultados de pesquisas da ciência cognitiva

As descobertas feitas pelas neurociências e pelas ciências cognitivas nos últimos anos romperam os limites do conhecimento estabelecido até então sobre o modo de funcionar do nosso cérebro, ampliando enormemente esse conhecimento e revolucionando-o. Os modelos topológicos de armazenamento foram substituídos por uma concepção mais dinâmica e flexível sobre recordação e memória. Atualmente, já não partimos da idéia de que recordações são armazenadas na memória como impressão ou traços para serem despertadas depois através de sua ativação e assim voltarem à consciência. Na verdade, trata-se de uma interação bem mais complexa entre situações de vida atuais, aquilo que se espera recordar e aquilo que foi guardado do passado em um processo de recordação. O pesquisador cognitivo David Schacter escreve:

Nosso cérebro trabalha de maneira diferente. Filtramos elementos-chave de nossas vivências e somente estes serão armazenados. Em seguida, recriamos nossas experiências ou as reconstruímos, ao invés de simplesmente acessar suas cópias. Por vezes, agregam-se a esse processo de reconstrução sentimentos, convicções ou mesmo informações adquiridos em um momento posterior à vivência em si. Em outras palavras, distorcemos nossas recordações do passado na medida em que atribuímos a elas emoções e informações que obtivemos somente mais tarde (2001, 21).9

O fato de existir uma reconstrução da recordação, como mostraram as neurociências, levou algumas pessoas a concluir que a questão da verdade, no sentido de uma correspondência entre a recordação e o acontecimento passado, se tornou obsoleta. As recordações são entendidas assim como construções narrativas, cujas lacunas, produzidas por esquecimento, devem ser preenchidas pela narrativa e criar um sentido que corresponda à situação atual do eu.10 Nota-se também nessa concepção o risco de se nivelar quase completamente a diferença existente entre recordação e interpretação. Uma análise mais detalhada das pesquisas empíricas sobre a memória autobiográfi ca parece dar pouca sustentação a tal visão das coisas.11 Além disso, permanece a impressão de que não há aqui uma diferenciação clara entre gênese e validade. Ainda que o cérebro construa recordações, é necessário manter um processo de formação separado do seu resultado, no sentido de impedir uma conclusão genética falsa. Com base nas pesquisas empíricas, não há uma resposta única para a questão da exatidão e da autenticidade das recordações autobiográficas.

O debate em torno dessa questão tornou-se especialmente acalorado em função das discussões científicas e sociais sobre as recordações de experiências de abuso sexual. Loft us (1994) demonstrou, a partir dos seus trabalhos, que pode ocorrer uma influência duradoura nas recordações por meio da sugestão de informações falsas. Já outros estudos sobre a sugestionabilidade apresentaram resultados com fortes indicações de que recordações de acontecimentos reais distinguem-se de recordações sugestionadas pelas variadas e detalhadas imagens que se retêm no caso dos acontecimentos reais (Schacter, 2001). Shevrin (2001) ressalta que uma informação falsa pode de fato influenciar o relato de uma recordação, mas isso não altera necessariamente o traço de memória referente àquela recordação. Nesse sentido, os experimentos demonstram que recordações verdadeiras deixam uma “sensory signature”, uma marca sensorial, que está ausente no caso das chamadas falsas recordações.12 São de interesse especial para o nosso tema as investigações que demonstram que a exatidão de uma recordação muitas vezes está diretamente relacionada à excitação emocional provinda de um acontecimento. A intensidade emocional, a importância pessoal de um determinado evento bem como a surpresa e as conseqüências que ele envolve são determinantes nesse caso. As vivências que se caracterizam por essas condições podem ser recordadas com grande exatidão e de forma detalhada durante longos períodos,13 e a representação visual intensa tem um papel importante no caso. Todos esses fatores atuam de maneira ainda mais marcante no registro de vivências traumáticas, no qual as inter-relações entre evento e recordação são bem mais complexas do que em vivências emocionais que não tenham uma qualidade traumática. No entanto, sobre essa discussão não existe tampouco unanimidade.

Assim, uma outra linha argumentativa sustenta que não é possível, via de regra, lembrar coerentemente as recordações traumáticas. Nesse caso, o evento traumático teria um representante na memória implícita, mas as recordações explícitas estariam ausentes no momento, por exemplo, em uma amnésia psicogênica, que por si só já indica a existência de uma experiência traumática. Essas argumentações, no entanto, não são absolutamente confi rmadas pelos resultados de pesquisas empíricas.14 Ao contrário, estas últimas demonstram que as recordações de eventos muito estressantes e traumáticos são extremamente detalhadas, bastante constantes e, até onde se pode avaliar, muito autênticas. É bem verdade que essas recordações traumáticas estão sujeitas a enganos e a processos de esquecimento ao longo do tempo, como ocorre com qualquer outro tipo de recordação. No caso de acontecimentos com grande intensidade emocional, processa-se, do ponto de vista neurobiológico, uma avaliação emocional pré-atentiva subcortical dos estímulos aferentes. A ativação da amídala leva a uma melhora no trabalho de recordação. A forte e intensa excitação aumenta a capacidade da recordação de características centrais do evento (core features).15 Aspectos centrais do evento e da vivência são mais lembrados do que detalhes que não têm relação com o núcleo do evento. O fator decisivo neste caso é o eu, que deve ser capaz de manter atuante pelo menos sua função de observação durante o evento traumático. Laub e Auerhahn (1993) ordenam as recordações em um continuum, tendo como critério o distanciamento psicológico com relação ao trauma. No caso de traumatizações extremas, o eu observador também pode desmoronar, restando então apenas fragmentos de recordação muito distantes do Eu. Em decorrência de eventos traumáticos podem surgir igualmente amnésias psicogênicas, mas isso parece ser bem menos freqüente do que se supõe em muitas pesquisas. Existem ainda recordações recalcadas ou dissociadas que podem ressurgir e ser verifi cadas através de confi rmação externa. Mas o contrário também ocorre, isto é, recordações que aparecem e que não podem ser confi rmadas16. Crianças conseguem recordar-se muito bem de eventos traumáticos a partir do terceiro ano de vida, e suas apresentações do núcleo do evento, via de regra, são bastante autênticas. Não tenho como discutir aqui se, no caso de crianças, é preciso partir da idéia de que existe maior freqüência de amnésias após experiências extremamente estressantes.17

Com base nos resultados dessas pesquisas, podemos concluir o seguinte: recordações traumáticas compõem um grupo especial de experiências que são codificadas prioritariamente e que em geral são preservadas em detalhes, com extrema exatidão e por um longo período. Essas recordações, no entanto, não se diferenciam substancialmente de outros processos de recordação, por isso deve-se partir da idéia de que os mecanismos de memória formam um conjunto de processos neurocognitivos, nos quais os atos de codificar, consolidar e acessar compõem-se de maneira específica (Volbert, 2004, p. 138). Isso significa que a precipitação e o acesso a experiências traumáticas não estão submetidos a processos de transcrição e de transformação de recordações pelas respectivas situações atuais, que atuam de outra forma,. No caso de eventos traumáticos, o presente só pode exercer de maneira bastante limitada sua função de foco hermenêutico, a partir do qual o passado é percebido e estruturado.

 

5. Teorias psicanalíticas sobre recordações traumáticas

Os resultados apresentados pelas pesquisas cognitivas e neurobiológicas nos indicam que, a princípio, não devemos partir da idéia de que há, nas experiências traumáticas, um tipo de processamento diferente daquele que se observa nas experiências não-traumáticas, ainda que se deva contar com desvios no registro, com uma deficiência em relação ao andamento normal dos processos psíquicos. Quando eventos traumáticos permanecem na memória de uma maneira constante, detalhada e relativamente precisa, trata-se sobretudo de recordações de fatos, e não ainda da descrição da realidade psíquica de uma experiência traumática. Como então descrever psicanaliticamente o núcleo interno da vivência dessas experiências de horror, dor, perda, medo de morte, vivências que desmoronam o equilíbrio psíquico anteriormente atuante? Qual o papel das emoções, das operações defensivas e das fantasias inconscientes que atuam aqui? Antes de me ocupar mais detalhadamente dessas questões, apresentarei os dois principais modelos do trauma que encontramos na teoria psicanalítica e que fornecem uma base para as reflexões posteriores.

5.1. O modelo psicoeconômico de trauma de Sigmund Freud

Em 1895, Freud concebe a memória do trauma como um corpo estranho no tecido psíquico, que atua a partir dali produzindo efeitos, até que, por meio de um recordar emocional e da ab-reação do seu afeto represado, perde a estrutura de corpo estranho. Em “Além do princípio do prazer” (1920g), ele dá continuidade ao desenvolvimento desse modelo, agora do ponto de vista psicoeconômico. O conceito de corpo estranho aparece agora como uma quantidade de excitação sobrepujante no Eu, não atada psiquicamente e que rompe a barreira de proteção ao estímulo do Eu. A violência dessas grandes quantidades de energia é tanta que torna impossível lidar com ela e atá-la psiquicamente. No sentido de dominar a tarefa de atar psiquicamente essa energia, mesmo nessas circunstâncias, o aparelho psíquico regride para uma maneira de reagir mais primitiva. Freud introduz então o conceito de compulsão à repetição para descrever a especificidade desta vivência que se dá em um campo externo à dinâmica prazer-desprazer. Através da compulsão à repetição, a vivência traumática é atualizada, na esperança de assim atar psiquicamente a excitação e a colocar novamente em funcionamento o princípio do prazer bem como todas as formas de reação psíquicas ligadas a ele. O trauma não apenas perturba a economia libidinal como ameaça a integridade do sujeito de forma radical (Laplanche e Pontalis, 1973). Em “Inibição, sintoma e angústia”(1926d), Freud retoma o conceito de angústia automática da forma como o havia desenvolvido para as neuroses atuais. Em função de uma quantidade extremamente grande de excitação durante a situação traumática, surge uma intensa angústia. Ela transborda sobre o eu, que se vê desprotegido e à sua mercê, ficando absolutamente desamparado. A angústia automática tem como característica ser indefinida e anobjetal. Em uma primeira tentativa de lidar com essa angústia automática, o eu tenta transformá-la em angústia sinal, o que tem como conseqüência a possibilidade de passar de uma situação de desamparo absoluto para uma expectativa ansiosa. A atividade interna que se desenvolve no eu nesse momento repete “uma reprodução atenuada da situação traumática”, “na esperança de poder guiar o andamento da situação traumática, desta vez de uma maneira ativa” (1926d, p. 200). A situação de perigo externo é assim interiorizada e alcança um sentido para o eu.18 A angústia é simbolizada e deixa de ser inespecífica e anobjetal. Desta forma, o trauma adquire uma estrutura hermenêutica e assim é possível lidar com ele. Com muita pertinência, Baranger, Baranger e Mom (1988) ressaltam esse aspecto econômico da angústia automática como um ponto central na experiência traumática. Eles definem a situação de angústia com sua inespecificidade e sua anobjetalidade como o “trauma puro”. A pessoa traumatizada tenta domesticar e atenuar o trauma puro, dando-lhe um nome e inserindo-o em um sistema de ação causal e compreensível.

Os autores falam de um paradoxo aqui: o trauma é, em si, intrusivo e estranho, mas enquanto permanece estranho é sempre reavivado e irrompe em forma de repetição, sem que se possa compreendê-lo. Na medida em que o homem não consegue viver prescindindo de explicações, procura atribuir ao trauma um sentido individual e tenta historiálo. Em geral, estas histórias criadas posteriormente são lembranças encobridoras. É tarefa do processo analítico reconhecer essas lembranças encobridoras como tais e reconstruir a história autêntica, deixando-a inconclusa e em aberto para o futuro. Em “Inibição, sintoma e angústia”, Freud descreveu em vários momentos o desamparo experimentado pelo eu como conseqüência da perda do objeto. Se o eu infantil sente a falta da mãe, ele já não está totalmente desamparado, pois, neste caso, pode investir a imagem da mãe. Na situação traumática propriamente dita, não há objeto disponível, cuja falta possa ser sentida. A angústia permanece sendo a única reação (1926d, p 203). Este tipo de perda total de objetos internos protetores está no centro do segundo modelo de trauma.

5.2. O modelo de trauma da teoria de relações objetais

Com o desenvolvimento das teorias de relações objetais, as reflexões a respeito de quantidades e de uma quantia insuportável de excitação que transborda no eu foram rejeitadas. O paradigma para o modelo não é mais uma única vivência chocante como, por exemplo, um acidente, mas sim as relações objetais. Ferenczi antecipou-se a muitas percepções que se produziriam na pesquisa do trauma. Balint (1969) foi o primeiro a segui-lo. Ele ressalta que a qualidade traumatogênica de uma situação depende de ter existido entre o bebê e o objeto uma relação intensa. A própria relação objetal passa a ter, a partir daí, uma característica traumática. Como confi rmaram pesquisas feitas posteriormente (Steele, 1994), não são os ferimentos provocados na criança pela violência corporal a primeira causa das perturbações traumáticas, mas, ao contrário, o elemento mais fortemente patogênico são o abuso e os maus-tratos contra criança praticados pela pessoa que deveria protegê-la e cuidar dela. Essa visão amplia a compreensão do papel da realidade psíquica em uma situação traumática. Quanto mais intenso o trauma, maior será o estrago na relação objetal interna e a ruptura da comunicação interna entre o representante do self e o do objeto, comunicação propiciadora de segurança. Formam-se assim ilhas de experiência traumática que se mantêm encapsuladas e impedidas de comunicação interna. A contribuição da teoria das relações objetais à teoria do trauma possibilitou o desenvolvimento de pesquisas com traumatizações extremas, como aquelas sofridas durante o Holocausto. Uma conseqüência psíquica importante desse tipo de experiência é o desmoronamento do processo empático. A díade comunicativa entre o self e seus objetos internos bons se rompe, levando a um estado de absoluta solidão interna que traz consigo um estado de desconsolo externo. O objeto interno bom, mediador empático entre o self e o meio ambiente, emudece, e a confi ança na presença permanente de bons objetos, que cria a expectativa de empatia com o semelhante, é destruída19. Essa conceituação nos ajuda a apreender melhor o núcleo da experiência em traumatizações extremas, que consiste em uma área de experiências praticamente incomunicáveis: uma solidão catastrófica, um desistir interno, levando o self e suas possibilidades de ação à paralisação e mesmo à aniquilação, junto com medo de morte, ódio, vergonha e desespero. Ou ainda, como formulou Sue Grand (2000), constitui uma zona morta, quase autista, de um não-self, sem a presença de outro com capacidade empática.

As concepções oriundas da teoria das relações objetais representam um grande progresso na compreensão do trauma. Ainda assim, necessitamos de ambos os modelos, um originário da teoria das relações objetais e outro psicoeconômico, para conceituar essa experiência traumática intensa que leva ao rompimento da base de tudo aquilo que se espera quando se destrói a confiança no mundo simbólico comum que nos foi transmitido e que nos une pré-conscientemente. O trauma representa assim uma crux para todas as teorias hermenêutico-narrativas e construtivistas, na medida em que essas concepções já não conseguem abarcar a implosão do próprio processo de construção, através do qual os sentidos são gerados.20 O elemento destrutivo, a violência traumatizante imediata, continua sendo um “demais”, um intenso excesso, que quebra a estrutura psíquica e que não pode mais ser atado através de uma atribuição de sentidos.

 

6. O abarrotamento causado pelas recordações traumáticas: o problema de reconstrução, narração e integração psíquica

As pesquisas cognitivo-psicológicas levaram-me a concluir que, em comparação com o material não-traumático, o material traumático é alterado, mas não chega a ser codificado nem acessado de forma totalmente diferente do que acontece com o primeiro. Antes de examinar essa questão de forma mais detalhada, do ponto de vista psicanalítico, gostaria de apresentar uma concepção de trauma que supõe, com base em um “demais” de excitação excessiva, um tipo diferente de precipitação de experiências traumáticas. A partir de suas pesquisas, Van der Kolk e col. (1996) chegaram à hipótese de que existe uma memória específica para o trauma na qual as recordações traumáticas são armazenadas de maneira diferente do armazenamento que ocorre na memória explícita autobiográfica. A excitação extrema cinde a recordação em diferentes elementos somato-sensórios isolados, em imagens, estados afetivos, sensações somáticas, bem como em odores e ruídos. Van der Kolk supõe que essas recordações implícitas coincidam com as experiências reais, porém, nessa forma atual, elas ainda não podem ser integradas em uma recordação narrativa. O resultado disso é um conteúdo não-simbólico, inflexível e imutável de recordações traumáticas, na medida em que o self, enquanto autor da experiência, permaneceu desligado no momento do acontecimento traumático. A essência desta concepção reside no fato de que o trauma é gravado na memória de maneira quase atemporal e, ao mesmo tempo, com uma exatidão literal. A exatidão imutável da recordação parece testemunhar em favor da existência de uma verdade histórica que não foi alterada nem sobreposta por significações subjetivas, por algum esquema cognitivo ou por expectativas ou fantasias inconscientes. O sentido autobiográfico simbólico é eliminado aqui, e é neste ponto que surge o embasamento mecânico-causal de muitas teorias atuais sobre o trauma, conforme observou Ruth Leys (2000, p. 7). Uma crítica a ser feita a esse modelo de memória do trauma é o fato que, em geral, acontecimentos estressantes e emocionalmente significativos permanecem na memória por muito tempo e são lembrados forma explícita, ainda que não se possa ignorar a ocorrência de amnésias psicogênicas21. Apesar de ter sido aceita até mesmo por analistas22, a tese de uma memória especial para o trauma conduz a uma série de suposições quase insustentáveis do ponto de vista psicanalítico. Sem dúvida, podemos partir da idéia de que uma excitação excessiva na situação traumática desliga as funções integrativas da memória, formando-se um estado dissociado do self al lado de estados de despersonalização e desrealização. É comum também que surjam em seguida estados alterados de consciência, ou ainda recordações traumáticas que invadem repentinamente a consciência quando esse estado de self encapsulado é ativado. Estas intrusões, porém, não são meras repetições, na medida em que podem ocorrer flashbacks alterados por influências sociais ou externas. Lansky (1995) comprovou que pesadelos crônicos pós-traumáticos não são somente reproduções de recordações carregadas de afetos, nem meras repetições visuais de cenas traumáticas, mas, ao contrário, esses sonhos são igualmente produto de um trabalho onírico.

Esta circunstância fundamenta a tese psicanalítica de que experiências e recordações traumáticas estão submetidas a certas restrições e processamentos psicodinâmicos específicos, mas nem por isso são totalmente excluídas da corrente restante da dinâmica psíquica ou de uma sobreposição por fantasias conscientes e inconscientes.23 Freud tampouco definia o trauma psíquico como uma vivência diferente através de características psíquicas gerais, conforme já mencionado, mas, ao contrário, referia-se a uma espécie de “externointerno”, que se formou como “uma dor pungente” [“Pfahl im Fleisch”] (Laplanche, 1970). Ele qualifica o material traumático como um corpo estranho no tecido psíquico, mas logo volta a limitar sua metáfora: “a organização patológica na verdade não se comporta como um corpo estranho, mas antes como uma infiltração […] a terapia também não consiste em extirpar algo – uma psicoterapia não é capaz disso atualmente – mas, sim, em dissolver a resistência e desta forma abrir caminho para a circulação em uma área anteriormente impedida” (1895d, p. 295).Recordações traumáticas desenvolvem uma dinâmica própria. Na medida em que constituem um “interno” isolado e encapsulado, não são passíveis de uma adaptação através de ligações associativas com base em novas experiências ou por meio de recalque. Tais transformações ocorrem aqui de forma muito limitada, ou nem mesmo ocorrem, pois essas áreas encapsuladas e similares a um corpo estranho possuem algumas características especiais. Gostaria de destacar três dessas características, mas ressalvo desde já que não posso oferecer uma descrição ampla da fenomenologia ou da sintomatologia desses estados traumáticos. No momento, estou interessado apenas em algumas operações psíquicas específicas.É comum encontrarmos uma regressão a um pensamento onipotente como defesa diante de um desamparo insuportável. Na medida em que uma pessoa traumatizada se culpa pelo trauma que aconteceu e que viveu, transforma seu sentimento de ter sido submetida passivamente a um evento traumático em uma ação na qual foi ativa, e por essa razão deve ser culpabilizada por ela.24 Mais ainda, no momento do acontecimento traumático uma fantasia existente há muito tempo, recalcada e ameaçadora, uma concepção interna ou uma representação de medo, pode surgir e amalgamar-se com o material traumático em formação. A partir daí, formam-se convicções cindidas ou lembranças encobridoras.

A atividade psíquica paralisada do self traumatizado leva ao congelamento do senso psíquico de temporalidade e provoca uma parada interna no tempo. Isso é descrito freqüentemente como a sensação de que uma parte do self não entra na correnteza da vida, permanecendo sempre mais ou menos igual, por não poder mais expor-se à vida. É referido também como um “estar colocado de lado” ou viver uma “existência que não é plena”. Langer fala de um estado de perseveração em um enclausuramento em si mesmo, que é incapaz de “escapar à câmara vedada de seu (próprio) momento” (1995, p. 66f). Outros dizem simplesmente que o relógio de sua vida parou no momento exato da traumatização.

Nas situações traumáticas é comum que a vítima não consiga mais manter os limites entre si e o outro. Excitação sobrepujante e angústia extrema levam ao desmoronamento da própria dignidade e a uma fusão self-objeto como núcleo da experiência traumática, experiência difícil de ser desfeita e que perturba o sentimento de identidade por muito tempo.

Não posso descrever mais detalhadamente as operações psíquicas que se processam nessas áreas que foram induzidas a se cindir por uma traumatização. Utilizou-as aqui para mostrar de forma concreta o que quero dizer com uma transformação das recordações traumáticas. Assumo, desta forma, uma posição intermediária entre as visões polarizadas dos pesquisadores empíricos do trauma, que supõem a existência de uma réplica exata do trauma na memória, e das concepções que querem compreender o trauma unicamente dentro dos limites do funcionamento normal geral da realidade psíquica. Nenhuma dessas duas posições me parece sustentável na sua exclusividade.

Se partimos da idéia de uma transformação específica nas recordações traumáticas, deparamo-nos com a seguinte questão: será possível e necessária a reconstrução de eventos traumáticos? Recordações traumáticas são ativadas com freqüência através de enactments na relação transferencial durante um tratamento analítico. Revelar a realidade do trauma e dos seus afetos correspondentes, ou seja, fazer a sua história, por mais fragmentário e aproximado que isso possa ser, é uma condição para esclarecer e compreender a elaboração secundária do trauma e a sua sobreposição por fantasias inconscientes e sentidos que contêm igualmente sentimentos de culpa e tendências à punição. Desta maneira, a fantasia e a realidade traumática são diferenciadas entre si, e o eu adquire um campo que lhe possibilita compreensão e alívio. Historiar signifi ca também reconhecer o fato traumático, compreender a vivência individual e suas conseqüências duradouras. Caso uma interpretação reconstrutiva desse tipo seja bem-sucedida, o paciente costuma apresentar uma melhora substancial, e passa então a falar de uma sensação de integração psíquica, o que é um sinal de que a organização do seu self se reestruturou. Na medida em que a parte encapsulada do self volta a ser mais permeável, ela pode se integrar melhor à rede associativa. Além disso, uma reconstrução não pertinente, por mais coerente que possa parecer, não tem nenhum efeito no paciente. Em que se fundamenta esse fato? Uma reconstrução precisa estar em concordância com a realidade do trauma dentro do paciente, e precisa apreender a realidade que originou a traumatização. É necessário reconhecer aquilo que foi sofrido, verbalizar lembranças encobridoras e convicções cindidas, compreendê- las e interpretá-las no contexto do acontecimento traumático. A interpretação deve entender os elementos que já estavam incluídos na experiência traumática ou que lhe eram inerentes, juntamente com o sentido que lhe foi atribuído secundariamente. Porém, se, em uma terapia, transferência e contratransferência forem analisadas somente no aqui-e-agora da situação analítica, conduzindo assim a uma narrativa com sentido, mas não à reconstrução da realidade que deu origem ao trauma, então essa narrativa corre o risco de não discriminar entre fantasia e realidade e, no pior dos casos, de retraumatizar o paciente.

 

7. Representação de recordações traumáticas: memória geracional e coletiva

Os chamados “man made disasters” [desastres produzidos pelo homem], como o Holocausto, a guerra e as perseguições políticas e étnicas, objetivam a aniquilação da existência histórica e social do homem através de diferentes maneiras de desumanização e destruição da sua personalidade. Pode não ser possível para um indivíduo isolado inserir esse tipo de experiência traumática em um contexto narrativo por meio de um ato idiossincrático, pois, para isso, é preciso também uma discussão social sobre a verdade histórica do acontecimento traumático e sobre a negação e a defesa em face dele. Somente o esclarecimento científico do outrora acontecido e o reconhecimento social de sua origem e culpa irão restituir um campo interpessoal que possibilite trazer à luz, sem censuras, as experiências ocorridas. Essa é a única maneira de regenerar a autocompreensão abalada e a compreensão do mundo. Enquanto existirem tendências defensivas sociais ou obrigatoriedade de guardar silêncio, os sobreviventes do trauma permanecerão a sós com suas experiências. Ao invés de receberem o apoio advindo da compreensão do outro, esses sobreviventes se vêem dominados muitas vezes por sentimentos de culpa que exercem uma função explicativa do ocorrido. Um exemplo atual disso é a sociedade russa, na qual inexiste uma discussão pública sobre o terror stalinista (Merridale, 2001; Solojed, 2006). A falta de um espaço coletivo com estruturas ou pontos de referência que garantam segurança para essas discussões faz com que muitas vítimas continuem acreditando na própria culpa e não compreendam, por exemplo, o sentido de algo como uma “política de expurgo”.

As pessoas traumatizadas não são apenas vítimas de uma realidade política destrutiva, mas também suas testemunhas. Freqüentemente, vêem-se em uma situação em que ninguém quer ouvir seu testemunho, pois os ouvintes não estão dispostos a se sobrecarregar de sentimentos de medo ou dor, raiva ou vergonha, ou, ainda, medo de acusações de culpa.

O historiador Friedhelm Boll (2003), baseado em entrevistas com sobreviventes do Holocausto e com vítimas da política nacional-socialista e stalinista, mostrou que, no caso de pessoas traumatizadas, chegava-se muito rapidamente, durante essas entrevistas, a uma situação que tinha a qualidade de algo incomunicável. Para ele, tal fato representaria apenas uma justificativa racionalizada para uma situação em que o não-querer-ouvir do meio justifi ca o não-querer-falar dos perseguidos. Logo, os limites do que é passível de ser dito ou colocado em palavras está sempre relacionado a restrições sociais, distorções e tabus. Existe também o indizível, o insuportável e o sofrimento avassalador em sua falta de sentido, situações com as quais a pessoa traumatizada não quer se sobrecarregar novamente ao falar a respeito. É possível também que “ser indizível” signifique que essas vivências traumáticas e suas recordações não devam enquadradas à força em uma estrutura narrativa que pudesse falsear seu núcleo e sua verdade. Para finalizar, gostaria de refletir sobre a complexa trama de relações formada pelas recordações individuais e coletivas dos acontecimentos traumáticos, tomando como base o exemplo do Holocausto e da Segunda Guerra Mundial.

Até os dias atuais, o Holocausto permanece no centro da lembrança cultural de várias sociedades. Os modelos habituais de compreensão e interpretação da recordação, da memória e do conhecimento histórico foram rompidos pelas dimensões desse assassinato em massa do povo judeu. A recordação repetidamente avassaladora dos crimes monstruosos, do sofrimento incomensurável, do terror inominável e de um aparato industrial a serviço da extinção é até hoje um desafio para a memória cultural. Ainda estamos tentando explicar o nacional-socialismo e sua destrutividade radical para apreender com exatidão seu núcleo criminoso e as dimensões do massacre perpetrado contra um povo. Saul Frieländer (1997) e outros apontaram o seguinte paradoxo: a posição central de Auschwitz está muito mais presente na consciência histórica atualmente do que esteve nos decênios passados. O historiador Nicolas Berg (2003) refere-se ao fato de que os efeitos advindos da supremacia desse acontecimento real “acabaram se tornando…”, ao longo dos decênios seguintes, “…o verdadeiro mestre, que veio esclarecer, devagar e retrospectivamente, o próprio evento” (2003, p. 10). Uma visão desse tipo sobre a história de efeitos é bastante familiar à compreensão psicanalítica do trauma, principalmente no que se refere a atribuir sentidos e a historiar algo a posteriori. Assim, vários historiadores mostraram-se interessados em incluir o conceito de trauma em sua teoria da história. É bem verdade que, nesse caso, deve se colocar a seguinte questão: qual a forma apropriada de descrever a experiência coletiva e autêntica de um trauma, sem que o horror dessa experiência e o seu fator chocante, brutal e sem sentido sejam submetidos a categorias históricas atribuidoras de sentido, nas quais a característica traumática do evento viesse a desaparecer? Jörn Rüsen diz que o Holocausto

rompe com os conceitos de interpretação e atribuição de sentidos, que se referem existencialmente a camadas profundas da subjetividade humana, onde a identidade se encontra enraizada […] Essa perturbação é difícil de ser tolerada. Ainda assim, ela deve fazer parte da cultura da história para que esta não se fixe abaixo do limiar de experiência, que o Holocausto apresenta objetivamente, quando é retomado a partir das recordações da experiência no passado (2001, p. 214).

O autor sublinha aqui a necessidade de se retornar à recordação individual das testemunhas para que a qualidade catastrófi ca e traumática da experiência não seja perdida em uma descrição e em um ordenamento históricos. Após a morte daqueles que testemunharam este tempo, restará apenas a presentifi cação de suas histórias de perseguição e de sofrimento através de suas recordações, ainda que a experiência traumática primária dos sobreviventes na sua qualidade de insuportabilidade não possa ser transferida por uma recordação para uma pessoa que não foi atingida pelo acontecimento. Na Alemanha, não pudemos nos restringir a manter vivas somente as recordações das vítimas e dos crimes sofridos por elas, mas foi necessário também incluir nas recordações os crimes cometidos, a responsabilidade em relação a eles e os criminosos.

Os historiadores referem-se a uma “recordação negativa” (Knigge e Frey, 2002). Recordação e defesa diante dela bem como questões ligadas a culpa e responsabilidade e à sua negação desencadearam uma dinâmica transgeracional bastante específica na sociedade alemã, que deu ao conceito de geração um sentido específico na categoria de memória (Jureit e Wildt, 2005). A geração daqueles que estiveram envolvidos com o nacional-socialismo, seja como criminosos ativos, seja como pessoas que acompanhavam a corrente geral ou que estavam fascinadas pelo nacional-socialismo, apresentou como estratégia dominante em relação às recordações a negação da própria participação. Essas pessoas se apresentavam como vítimas de Hitler e de seu pequeno grupo de adeptos e criminosos fanáticos.

O sofrimento das vítimas propriamente ditas, às vezes sequer percebido, era compensado pelo sofrimento dos próprios grupos vitimados, os prisioneiros de guerra, os feridos de guerra e os extraditados. Alexander e Margarete Mitscherlich, em sua famosa investigação “A incapacidade para o luto” (1967), descreveram as patologias da recordação da sociedade alemã do pós-guerra. A defesa em face da recordação do acontecimento criminoso e de horror é entendida por eles como uma autoproteção, que servia para se defender de uma melancolia que teria se instalado obrigatoriamente, caso os alemães tivessem enfrentado sua ligação com Hitler e o peso de sua culpa. O narcisismo onipotente e os ideais nacionalsocialistas excluíram do self e destruíram no self a possibilidade de empatia e compaixão pelas vítimas. Para eles, a terapia desta patologia residia no trabalho do luto, entendido aqui, com Freud, como um trabalho de recordação, colocado a serviço da elaboração da culpa. O ponto central da análise dos Mitscherlichs localizava-se assim em uma patologia do ego-ideal e do superego. Nas suas vinhetas clínicas, no entanto, já podemos reconhecer um subtexto subjacente que revela ainda outras condições desta patologia coletiva. Algumas sintomatologias dos pacientes de Mitscherlich são hoje designadas de transtorno pós-traumático. Subjacente à reconstrução rápida e bem-sucedida da sociedade alemã nos anos 50 e 60, não existia somente uma culpa recalcada, mas também uma corrente básica formada a partir das experiências passadas de exercício de violência extrema e de experiências violentas traumatizantes, dos efeitos da guerra, ataques de bombas, fuga. Confrontamo-nos aqui com uma conexão complexa de elementos como crimes, guerra, criminosos, trauma e recordação. Sabemos hoje que são conseqüências imediatas de uma traumatização o bloqueio afetivo, a desrealização do passado e o recalque das próprias ações, o que compromete a capacidade de confrontar o passado. O problema moral da defesa diante da culpa está ligado a uma patologia da recordação de origem traumática. A consciência apologética de vítima, que os pertencentes à geração de criminosos providenciaram para si, nutriu-se de ambas as fontes: da defesa diante da culpa e dos acontecimentos traumáticos.

A geração subseqüente cresceu à sombra desta mentira vital de seus pais, que se autodefiniram como vítimas. O silêncio a respeito da própria participação e as lacunas nas biografias familiares gerou nos filhos um sentimento de realidade nebuloso e parcialmente distorcido. A defesa diante de uma auto-reflexão por parte dos pais impedia também muitas vezes a discussão dos ideais nacional-socialistas e dos valores aos quais eles haviam aderido. Muitos reafirmavam a validade desses valores através de um funcionamento narcísico com relação aos filhos, no qual qualquer atitude diferente era combatida agressivamente. O confronto dessa segunda geração com seus pais indicou então um padrão específico de uma “recordação cindida” (Domansky, 1993), importante para a compreensão que segue. Os filhos começaram a suspeitar, com maior ou menor intensidade, que os pais fossem criminosos. Em oposição aos pais e em uma contra-identificação, os filhos se voltaram às vítimas dessa geração dos pais e criminosos. Muitos se engajaram em projetos políticos e científicos que tinham como tarefa pesquisar e reconstruir a história e o papel das vítimas. Mas, quase sempre, a discussão pública com a geração de pais terminava na porta de casa. É verdade que o silêncio e a negação haviam sido rompidos no nível da sociedade, mas ainda se mantinham no nível individual. Parecia ser muito doloroso e angustiante ousar ir em frente. Conforme mostrou o tratamento psicanalítico de pessoas pertencentes a essa geração, na maioria dos casos a ligação emocional inconsciente com o representante dos pais de sua infância precoce manteve-se ao longo de todas as discussões a respeito do comprometimento dos pais com o nacional-socialismo. Em geral, esse representante estava cindido entre uma imagem idealizada de pai da época infantil precoce e uma imagem de um pai comprometido, que participou ou até se envolve em crimes. Apesar de essas pessoas estarem bem distantes do mundo dos seus pais com relação à identificação do eu e a atitudes conscientes, não conseguiam superar essa cisão na imagem paterna. A ligação positiva ficava no inconsciente e, a partir dali, gerava um conflito de fidelidade que impedia o questionamento daquilo que era tabu para os pais e que precisava ser respeitado como tal. Desta forma, processos de defesa imiscuíam-se freqüentemente no esforço em direção à verdade e à revelação de uma história silenciada e negada. O eu corria sempre o risco de se tornar inconscientemente cúmplice dos pais e de suas concepções.

O reconhecimento dessa constelação psíquica, seu exame aprofundado e sua superação através de um trabalho psíquico foram um processo extremamente doloroso para as pessoas daquela geração. Esse mesmo processo, porém, em muitos casos, possibilitou que se libertassem das amarras emocionais que os prendiam aos seus pais, criando um distanciamento a partir de uma visão mais independente. Esse desprendimento foi simultaneamente possibilitado e facilitado pelo descobrimento e a elaboração de tabus, lendas e estórias sobre os crimes e seus criminosos, que aconteceu em toda sociedade. Como em uma espiral ascendente, era necessária uma ajuda contínua para que a realidade e a sua presentificação através de recordações pudessem aparecer. Na medida em que esse processo ocorria, os limites entre a recordação pública e a familiar foram se tornando mais porosos. Questionamentos feitos às pessoas ainda vivas, pertencentes à geração dos pais, e pesquisas sobre comprometimentos culposos, trouxeram à tona muitos documentos relativos a essas recordações e, a partir dos anos 1990, levaram a uma assimilação dessas histórias familiares pela literatura. No entanto, em muitos casos, só foi possível uma reconstrução e um descobrimento de forma muito fragmentária, seja porque não se conseguiu romper o silêncio dos pais, seja porque os filhos iniciaram esse esclarecimento tarde demais, quando os pais já haviam falecido. Os segredos familiares nesses casos já não podiam ser esclarecidos. Nicolas Abraham (1978) refere-se a um fantasma que se aninha nas lacunas remanescentes nessas recordações familiares, e que atua inconscientemente a partir dali. Ainda que essa circunstância tenha conseqüências menos patológicas, muitas pessoas pertencentes à segunda geração são obrigadas a conviver com uma ambivalência insuperável – como e quanto seus pais estiveram envolvidos com o nacional-socialismo e suas atrocidades? A terceira geração ainda está se defi nindo nesse processo. Ela tem um olhar mais independente para o acontecido e para o comprometimento familiar. Mesmo assim, encontramos nela os mesmos conflitos de lealdade, ainda que de forma mais atenuada.

 

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Endereço para coorespondência
Werner Bohleber
Kettenhofweg 62
D-60325 – Frankfurt – Germany
E-mail: wbohleber@gmx.de

 

 

1 Título original: Erinnerung, Trauma und kollektives Gedächtnis: Der Kampf um die Erinnerung in der Psychoanalyse. Trabalho a ser apresentado no 45o. Congresso da Associação Internacional de Psicanálise, em Berlim, de 25 a 28 de julho: IPA 2007 – Remembering, Repeating & Working Th rough in Psychoanalysis & Culture Today. Tradução de Edith Vera Laura Kunze; revisão de Elsa Vera Kunze Post Susemihl (candidata da SBPSP).
2 Membro da German Psychoanalytical Association (DPV).
3 “Engrama” é uma denominação genérica para um traço fi siológico, resultado da atuação de um estímulo e que tem como efeito uma alteração estrutural duradoura no cérebro. [N. T.]
4 Freud descreveu isso de maneira paradigmática em “Sobre lembranças encobridoras” (1899a). Sobre este tema, ver também Hock (2003).
5 Quindeau (2004) apóia sua concepção sobre recordação nessas passagens de Freud, que podem ser interpretadas de maneira construtivista.
6 A expressão é de Friedrich Nietzsche. Devo essa informação a um trabalho de Aleida Assmann (1998).
7 Nessa e em outras passagens similares, o sentido é de descobrir como “des-cobrir”, desvendar, desvelar, descortinar, revelar. [N. T.]
8 Ver também Kennedy (2002).
9 Para a teoria da “Embodied Memory”, as recordações são um processo construtivo e adaptativo, em que todo o organismo interage com o meio e em que as experiências do passado são relacionadas com novas situações análogas através de uma constante recategorização feita por uma coordenação sensório-motora (Leuzinger-Bohleber e Pfeifer, 2002).
10 Ver Welzer (2002).
11 Ver apresentações em Granzow (1994) e Schacter (1996).
12 No estudo desse debate e das pesquisas empíricas decorrentes, o leitor se vê freqüentemente tomado pela impressão de que se tiram conclusões apressadas no sentido da pouca autenticidade da memória. Estou de acordo com Shevrin, que diz: “precisamos de uma teoria sobre a memória na qual fatores motivacionais e cognitivos possam ser avaliados de forma independente para assim investigar suas interações. De que forma percepções reais de outros signifi cativos são distorcidas sob a infl uência de desejos e vontades que não podem ser expressados? É a partir deste ponto de vista que existe evidência de que, apesar de sugestão e informação falsa, a percepção original não precisa ser apagada; ela se torna acessível tão logo a informação enganosa e a distorção sejam identifi cadas, por exemplo, na transferência.” (2001, p. 138).
13 Com relação a esses pontos, as pesquisas empíricas com as chamadas “flashbulb memories”, apresentadas em Granzow (1994) e Schacter (1996), são muito importantes.
14 Apóio-me a seguir em Kihlstrom (2006), McNally (2003; 2005), Schacter (1996; 2001) e sobretudo em Volbert (2004), a cujos resumos me refi ro aqui em partes.
15 A suposição contrária, de que os hormônios de estresse produzidos maciçamente em função do evento traumático levam a uma desativação do hipocampo, de tal modo que as recordações traumáticas não chegam a ser codifi cadas, mas apenas armazenadas por meio de outros sistemas de memória emocional, ainda não obteve nenhum tipo de comprovação empírica.
16 Não posso me colocar de acordo com Brenneis (1999), que entende o ressurgimento de recordações traumáticas depois de uma reconstrução como um artefato decorrente da dinâmica terapêutica muito carregadaemocionalmente do presente, mas que não é assim interpretada, mas sim é deslocada para o passado através da sugestão. É verdade que ele volta a restringir a área de validade desta sua argumentação radical, mas de forma geral concordo com a crítica de Kluft (1999) aos argumentos de Brenneis.
17 Ver Gaensbauer (1995) para a representação interna do trauma no período de desenvolvimento pré-verbal.
18 “Por outro lado, o perigo exterior (real) também deve ter-se internalizado, caso deva se tornar signifi cativo para o eu; ele precisa ser reconhecido a partir de uma relação sua com uma situação vivida de desamparo” (1926d, p. 201).
19 Ver Cohen (1985); Kirschner (1993); Laub e Podell (1995).
20 Moore (1999) oferece uma possibilidade interessante de resolver esse problema dentro das próprias teorias construtivistas.
21 Não é possível detalhar aqui uma crítica a esse modelo de memória do trauma. Remeto o leitor interessado a Leys (2000), McNally (2003) e Volbert (2004).
22 Por exemplo, em Person e Klar, 1994.
23 O que é ressaltado principalmente por Oliner (1996).
24 Idem Oliner (1996).

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