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Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641Xversão On-line ISSN 2175-3601
Rev. bras. psicanál v.43 n.2 São Paulo jun. 2009
PRÊMIOS
O Pequeno Hans discutido e sentido entre o passado e presente1
Juanito discutido e sentido del pasado al presente
Little Hans: discussed and experienced between past and present
Celso Gutfreind2
Candidato da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre
RESUMO
Neste trabalho, o autor se propõe a revisar a discussão de Freud em seu clássico caso do Pequeno Hans. O objetivo é revisar as principais ideias de Freud, refletindo sobre o que conservam de atual no modelo psicanalítico de atendimento a crianças. Depois de um percurso reflexivo nesse sentido, a conclusão é de que Freud, com o Pequeno Hans, abriu espaço para a compreensão do mundo infantil e, descontadas algumas diferenças técnicas, muitas de suas ideias seguem atuais e consistentes.
Palavras-chave: Pequeno Hans; Psicanálise; Psicanálise infantil; História da psicanálise.
RESUMEN
En este trabajo, el autor se propone el examen de la discusión de Freud en su caso clásico de Juanito. La idea es examinar las principales ideas de Freud, reflexionar sobre qué mantener el actual modelo psicoanalítico de cuidado de niños. Después de un curso reflexivo en consecuencia, la conclusión es que Freud, con Juanito, abrió espacio para la comprensión del mundo de los niños, e mismo con algunas diferencias técnicas, muchas de sus ideas estan actuales y coherentes.
Palabras clave: Juanito; Psicanálise; Psicanálise de infancia; Historia de la psicanálise.
ABSTRACT
In this work, the author proposes to revise the discussion of Freud in his classic case of Little Hans. The idea is to review the main ideas of Freud, reflecting on what to retain in the current psychoanalytic model of care for children. After a reflective journey that sense, the conclusion is that Freud, with Little Hans, paved the way for understanding the children’s world and, discounted some technical differences, many of his ideas succeed current and consistent.
Keywords: Little Hans; Psychoanalysis; Infant psychoanalysis; Psychoanalysis history.
Introdução
Este tema livre apresenta uma breve discussão sobre a obra de Freud referente ao caso do Pequeno Hans (Freud, 1909/1996), salientando seus trechos ainda atuais e as portas que abriu com sensibilidade. Apontaremos também o que mudou e, a partir da fonte, espreita seus frutos ou discórdias (frutos também). A ideia é poder repensar o momento atual da psicanálise infantil a partir de sua origens. A empreitada pode parecer pretensiosa; tenta apenas ser ousada como as origens, corajosa como elas na liberdade de questionar o estabelecido. Portanto, mais que ousada, a viagem deseja ser livre como sempre pediu Freud; e brincalhona como ainda pede uma criança para se desenvolver.
Discussão entre o passado e o presente
A ideia agora é nos determos no primeiro tópico da última parte de seu livro, onde Freud propôs uma discussão do caso. Dividiu-a em três partes, e o seguimos à cata de novos significados. A bem da verdade, tratou de aprofundar suas ideias, às quais já vinha discutindo em cada entrelinha da apresentação. Mas ele não era homem para superfícies e, continuando, sedimentou vários aspectos e levantou novos. Apontou três objetivos para essa discussão: primeiro, rever as ideias expostas em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (Freud, 1905); segundo, contribuir para a compreensão da fobia e, finalmente, “projetar alguma luz” sobre a vida mental e/ou educacional das crianças. A nosso ver, cumpriu os três. Mas, para nós, cumprir é resgatar os ecos de Hans no que se pensou, depois dele, sobre a clínica da criança, nosso objetivo principal do tema livre.
Após reconhecer que o caso confirmava as hipóteses dos “Três ensaios...”, Freud defendeu-se de duas críticas que a obra poderia suscitar: a primeira se referia ao fato de Hans ser considerado uma criança anormal, e não um parâmetro. Freud considerava que isso poderia impor limites, sem anular os méritos. Nada mais disse a respeito, mas podemos dizer agora que o próprio tempo se encarregou de desfazer o limite tênue entre o normal e o patológico. Mesmo as classificações mais rigorosas, em psiquiatria, sugerem que a diferença se limita à intensidade e ao comprometimento social de um sintoma, que pode estar presente na saúde e na doença, no normal e no anormal (American Psychiatric Association, 1994). Em observações clínicas contemporâneas, o dito “anormal” pode até mesmo fazer parte da normalidade (Brazelton, 1990). Há medos considerados normais em crianças de cinco anos. Hans, hoje, talvez nem recebesse o diagnóstico de fóbico (Meltzer, 1989; Laplanche, 1998).
A segunda objeção se refere à possibilidade de Hans ter sido sugestionado por seu pai que, por sua vez, teria sido sugestionado por Freud, o que retiraria a objetividade do trabalho. Nesse caso, a criança teria feito o que o adulto desejava, em troca de atenção.
Freud começou a se defender evocando velhos fantasmas, presentes desde que começou a publicar os primeiros trabalhos, ainda influenciado pelas ideias de Charcot sobre a hipnose e a sugestão; não evocou Charcot, mas o quanto enfrentou resistências por parte da comunidade científica e sua compreensão superficial da sugestão. O principal veio depois: Freud combateu a ideia em voga de que a palavra da criança era arbitrária e indigna de confiança. Para ele, não há arbitrário na vida mental, o que já era uma afirmação de peso. A leveza de Freud e o peso de sua obra conseguiram pensar livremente, apesar das ideias estabelecidas. Com essa liberdade, era capaz de confiar no discurso de uma criança como quem confia no de um adulto.
Permitindo-se levar a sério e compreender cada palavra, cada fantasia, cada mentira (verdade esquecida, para o poeta Mario Quintana), Freud estava dando um recado para o século: é necessário ouvir as crianças. Assim, abria um campo enorme que continua sendo aberto. Cem anos depois, começamos a ouvir melhor em algumas casas, escolas ou consultórios.
Para o psicanalista Sigmund Freud, não havia mentira no discurso do Pequeno Hans. Para o poeta Mario Quintana (1981), também não. Enquanto Hans esteve livre das zonas de conflito, conseguiu se expressar sem maiores contradições. Uma vez instalado o sofrimento, surgiram discrepâncias entre o que dizia e o que fazia, devido as dificuldades do conteúdo inconsciente e da relação com os pais. Freud acrescentou que ocorria o mesmo na análise do adulto. Ele estava compreendendo que há uma criança dentro de um adulto. Não confiar na expressão dos menores equivale, portanto, a não confiar nos maiores. A ser surdo para a vida e para todos os que estão nela. Freud ouvia muito bem.
Depois reconheceu que, durante a análise, Hans foi apresentado a novos pensamentos a partir do que era capaz de expressar. Também aqui equiparou o tratamento da criança ao do adulto. Assegurou que a psicanálise não é uma “investigação científica imparcial”; ela utiliza ideias para reconhecer e compreender o material inconsciente. Alguns pacientes precisam mais ou menos dessas ideias. Freud aprofundou o tema: é a entrada de outra pessoa no mundo interno da criança que pode fazer a neurose sair. Hoje, podemos dizer o mesmo de outra forma: o que cura é o encontro.
A ideia de Freud era contundente. Sublinhava o caráter subjetivo de uma análise, o que o tempo só aprofundou, reafirmando. A técnica mudou, mas a importância do encontro ainda é a mesma.
Assim, em nossa própria discussão, agora, é possível pensar que a maior mudança não foi nos conteúdos expostos por Freud, e sim na forma revista pelos psicanalistas que o sucederam, inspirados em suas ideias. É possível dizer que hoje se brinca mais do que se fala diretamente. E incluímos os pais, não apenas como porta-vozes do material de seus filhos, mas como protagonistas da cena analítica. Freud foi precursor nisso também, embora o tenha feito mais com o pai. Pode ter sido considerado mero supervisor do caso como para alguns de seus leitores (Borgogno, 2004). Mas à nossa leitura transcendeu esse papel, e o que nos guia são os efeitos clínicos. Freud alterou a forma como os pais de Hans o representavam; modificou o relacionamento pais e filho. Não há análise de criança que não o almeje ainda hoje, buscando o apoio da família.
Retomando o tema da sugestão, Freud considerou a espontaneidade de Hans, que se aproximou dos temas sexuais e do parto pelas vias excretórias. As fantasias do complexo de castração, como a do bombeiro no final do caso, também não estariam atreladas à sugestão.
A leitura e as releituras permitem pensar que Freud estava certo nesse ponto. De fato, o pai podia encharcar o filho com perguntas. Mas observamos que Freud não encharcava o pai com comentários. Eles são mais dirigidos ao leitor do que ao paciente. A relação entre o analista e o pai é marcada pela escuta. E há muito de atualidade em considerar a análise suficientemente boa como aquela que não é um exercício do saber, mas sim o acompanhamento e a acolhida do que é espontâneo, autêntico, (re)construindo uma capacidade de se relacionar. O mesmo princípio pode valer para a educação e a parentalidade. Freud tentou não interferir, não atrapalhar, na grande arte dos tratamentos contemporâneos. Somos discretos acolhedores de uma história, que é coconstruída ou tecida com o paciente durante o encontro terapêutico.
No final desse trecho, houve uma passagem peculiar. Freud afirmou que poderia aprofundar a tese de que não houve sugestão e que Hans pôde ser espontâneo. Aí disse que não o faria, ciente de que só poderia convencer aqueles que já estão convencidos da “realidade objetiva do material patogênico inconsciente” (obra citada, p. 98). Entramos nessa. Também não queremos convencer ninguém. Já antes da discussão, guardamos a liberdade de pensar sobre a análise. Não há outra forma sugeriu Freud de valorizar um encontro. Também pensamos que não fomos feitos para a imposição de opiniões, convencimentos. O crescimento ou o efeito terapêutico parecem vir de outras fontes como a sintonia, a empatia, a compreensão, a abertura de espaços narrativos. Do afeto.
Em seguida, Freud voltou a historiar o ocorrido. Retomou o começo, marcado pelo interesse de Hans por “pipis”. Era o que lhe permitia pensar a diferença entre os seres animados e os inanimados (Freud, 1909/1996; 1923/1996). Hans havia negado a diferença na irmã. Para Freud, foi como negar a possibilidade de ter o próprio pipi arrancado. O imbróglio aumentou com as ameaças da mãe em cortar seu pênis, que ele agora gostava de manipular. Freud evocou Adler na associação entre o prazer da descoberta do próprio órgão sexual e o desejo de olhar o dos outros (escopofilia). Isso valia para Hans e vale para as outras crianças, basta olhar como gostam de olhar. Hans desejava olhar e ser olhado, e os sonhos o confirmavam. Hans realizava-se livremente. Seu único pesar era não ter podido comparar o seu pipi com o de seus pais, a quem desejava ver nus. Hoje isso é mais permitido, mas o resultado não é melhor. Para Freud, o ego é o padrão com que medimos o mundo externo. O método que utilizamos é a comparação. Não vendo o pipi de sua mãe, imaginava- o grande como o de um cavalo; e se tranquilizava com a ideia de que o seu cresceria, concentrando em seus genitais o desejo (da criança) de crescer. Psicanalistas posteriores a Freud retomaram esse tema fundamental da infância, compreendido já a partir de Hans: não é fácil se sentir menor, dependente, vulnerável. Os contos tradicionais e suas tramas de finais felizes fornecem grande esperança aos pequenos; afinal, transmitem a ideia de que se o Pequeno Polegar ou os Três Porquinhos puderam se sair bem, a criança também poderá (Bettelheim, 1976).
Freud centrou a discussão em suas próprias teorias. Focado nelas, sublinhou as passagens em que Hans sentia prazer nas zonas genitais e excretórias. Observou a retomada do tema, na fantasia final, em torno do prazer que o menino experimentava ao se imaginar limpando seus filhos; e fez aqui uma suposição importante e atual: presumiu que Hans deve ter experimentado bastante prazer ao ser cuidado pela mãe, quando bebê. A ressalva nos parece essencial para reafirmar a noção de sexualidade para Freud, que é ampla e inclui as mais remotas atividades humanas como ser limpo, ser cuidado, ser amamentado. Trata-se da sustentação ou o holding de Winnicott (1965/1993). Há prazer nas interações e, já na contemporaneidade, esse prazer às vezes ainda é negado.
Outro ponto importante refere-se à valorização dos primeiros cuidados e a ideia, já implícita em Freud, de que um bebê não existe sozinho. Ele sustentava que Hans evoluiu para a capacidade de amar o outro (amor objetal) porque foi um bebê bem cuidado.
Freud também associou o prazer inicial ao momento em que Hans se tornou constipado para obter mais prazer, retendo as fezes. Aqui, discordamos, sem temer a coexistência de possibilidades. Aliás, o próprio Freud (1905/1996) afirmou: “… não é necessário que os diversos significados de um sintoma sejam compatíveis entre si…” (p. 58). Mas, à luz de um século de pesquisas, é possível compreender a constipação como um sintoma decorrente de uma interação marcada por certa rigidez na educação esfincteriana ou dificuldades nas relações interpessoais. Aberastury (1989) também aludiu a isso.
Mas é interessante observar, com Freud, que houve a repressão desses componentes durante a fobia. Hans passou a ter vergonha de urinar na frente dos outros; esforçava-se para parar de se masturbar e mostrava nojo diante das fezes. Freud observou, com argúcia, que Hans se desfez da repressão na fantasia de cuidar dos filhos. Era o final do caso e do sintoma. Estar em paz com seu desejo, ser acolhido pelo outro, encontrar uma forma de representar essa vontade num jogo, num desenho ou numa história, é o que hoje se conhece de mais eficaz em termos de saúde mental na infância.
Mas antes houve algo que Freud reviu: há distorção e substituição para que a consciência possa tomar conta da ansiedade e conhecer seus fundamentos. Não é fácil darse conta de que o prazer da masturbação não é bem-vindo pela cultura. Não é fácil dar-se conta de que queremos matar o pai. Não é fácil dar-se conta de que esse desejo provém de outro, que é se sentir atraído pela mãe, o que também não é fácil. Pode-se discutir o conteúdo, mas não o fato de que o aparelho mental é frágil, e não é fácil dar-se conta de nada. Freud, Hans e seu pai deram-se conta disso tudo. Freud e Breuer já haviam se dado conta ao expressarem o conceito de “representação incompatível” ou “intolerável”.(Freud e Breuer, 1893/1996; Freud, 1894/1996; 1896/1996). Diante de tanta dificuldade, o humor pode ser eficaz (Freud, 1927/1985). Hans e Freud, afinal, eram bem-humorados.
A sério, Freud também dissertou sobre a homossexualidade, masculina, a partir de seus “Três ensaios...”, colocando-a como uma fixação de prazer no próprio pênis. Há aqui reflexões polêmicas, discutíveis ou até mesmo datadas. Mas parece-nos fundamental a lucidez de compreender que uma criança é homossexual por estar informada tão somente de um órgão genital, que é o seu. Além dos valores de uma época, eis um passo importante para compreender o mundo interno infantil, pleno de sexualidade.
A seguir, Freud releu o conflito edipiano de Hans, que desejava se livrar do pai a fim de dormir com a linda mãe. O complexo se fixara, nas férias de verão, com as sucessivas idas e vindas de seu pai. Mais tarde, morando em Viena, o desejo voltou para querer esse pai longe ou, pior (melhor) ainda, morto. O medo originava-se do desejo parricida e fora desfeito, segundo Freud, durante a conversa em seu consultório. Fora desfeito quando nomeado. Podemos hoje discutir a técnica. Mas que um nome bem sentido e bem dado desfaz um medo ou um sintoma, isso não se discute e é atual. Basta olhar o dia a dia dos consultórios, casas e escolas, onde falar é melhorar, e o isolamento oprime, paralisa. A psicanálise talvez seja um dos mais preciosos guardiões desse espaço.
Falando em nomes, Freud nomeou alguns aspectos ausentes na descrição do caso. Um dos que consideramos importantes é a impressão sobre o caráter da criança. Ele considerava Hans um bom caráter. O pai o descreveu como preocupado com os outros, sensível à tristeza alheia. Hans é descrito como uma criança capaz de ter empatia, porque a recebeu. E, assim, tornou-se provido de intersubjetividade e, portanto, rico em saúde mental (Fonagy, 2001/2004). Tornou-se, enfim, menos vazio e mais capaz de regular os seus afetos. Hoje se busca isso desesperadamente, e aqui somos nós que estamos nomeando a partir de Freud. Para o psicanalista Albert Ciccone (2007), por exemplo, implicar-se com o outro é mais terapêutico do que explicar seja o que for. No caso de Hans, a implicação de pai e analista pode ter superado as interpretações ou explicações. Franco Borgogno (2004), em artigo específico sobre Hans, exalta as “qualidades afetivas da interpretação” e o quanto a “busca do encontro” superou as teorias subjacentes a esse caso. Nos casos posteriores, também. O mesmo autor sustenta a hipótese de que Freud aprendera com um fracasso anterior, no atendimento à jovem adolescente Dora, que abandonou a análise quatro meses depois. De fato, Freud mostrara-se bem mais intrusivo em suas interpretações a Dora, sem o cuidado de dar tempo à paciente, como pediu ao pai de Hans (Freud, 1905/1996; Schoenewolf, 1997/1996). Vivendo, encontrando e aprendendo, Freud já era um gato escaldado capaz de olhar os próprios medos e aprender com eles.
Nada disso avançava Freud impediu que o sadismo de Hans se expressasse no desejo de bater em cavalos ou mesmo em seu pai, a quem queria beijar logo em seguida. Haja ambivalência em ser humano! Freud o compreendeu como manifestações do conflito edípico, ou a dificuldade de amar e odiar a mesma pessoa. São certeiras as palavras sobre a ambiguidade que compete a nós humanos. Somos feitos de pares contrários, observava Freud. Se assim não fosse complementou não haveria espaço para o par formado pela repressão e a neurose.
Ora, aqui pensamos nos contos infantis, metáforas competentes do funcionamento psíquico e da psicanálise. E dos quais Freud reconheceu o valor em suas obras. Incluindo essa (Freud, 1913a/1984 e 1913b/1985). Os contos representam a ambiguidade nos pares contrários de nossas vidas como o bem e o mal, a agressividade e a ternura, o amor e o ódio, a vida e a morte. Talvez por isso sejam instrumentos tão benéficos para o desenvolvimento emocional das crianças. Os contos, contraditórios, nos representam, e representar é preciso (Propp, 1928/1970).
Freud também valorizou novamente o nascimento de Hanna, quando Hans tinha três anos e meio. Acreditou que observar um bebê sendo cuidado reavivara a sensação de prazer e a curiosidade sexual do menino. Daí a influência em seu desenvolvimento psicossexual, base da teoria de Freud.
Porém, ele não esqueceu o ambiente nem os demais afetos. Pode não ter sido explícito como alguns de seus sucessores, mas reconheceu que o nascimento de um irmão significa um evento estressante para a criança. No caso de Hans, sentiu-se privado e separado de sua mãe, impelido a ter de dividir o amor por ela. Reconheceu ali outra fonte de repressão, que era a hostilidade pela irmã, sentida como uma “representação incompatível” (Freud e Breuer, 1893/1996; Freud, 1894/1996; 1896/1996). Traduzindo, a escolha da neurose vinha pelo fato de preferir experimentar um sintoma a reconhecer o desejo de que Hanna caísse no banho e morresse. Era muito ódio para uma só criança: ódio do pai e da irmã, os dois rivais no amor pela mãe.
Freud entendeu a fantasia final como a soma triunfante desses dois desejos. Afinal, Hans agora estava casado com a mãe e fez com ela muitos bebezinhos como Hanna.
Gostaríamos de destacar, cem anos depois, que Hans se tornara capaz de tecer um discurso ou construir uma (outra) história dos seus desejos malogrados. Dessa forma, já não havia malogro. Cantava e espantava seus males como canta a sabedoria popular, valorizada por Freud e por nós, cem anos depois.
Conclusões
Freud também foi um pioneiro no atendimento psicanalítico a crianças. Por mais que a abordagem tenha sido indireta, ou através do pai de Hans, ali foram lançadas as bases do que hoje se oferece a uma criança. Freud seguiu recebendo duras críticas também sobre esse caso (Borgogno, 2004), com a ideia de que foi incapaz de observar o conflito parental e de que Hans, adulto, não teria sido um modelo de saúde mental.
De fato, a evolução da psicanálise infantil permite-nos não replicar o tratamento oferecido a Hans. Desde Anna Freud e Melanie e Klein, os atendimentos são diretos. Desde Winnicott, são lúdicos. Mas se Freud era capaz de rever suas próprias teorias, por que não o seríamos passado um século?
Além disso, Herbert Graf ou o Pequeno Hans tornou-se um produtor de ópera, criativo, sonoro, musical (Major e Talagrand, 2007). E nossa hipótese, neste breve tema livre, é a de que Freud pode ter utilizado uma técnica hoje defasada. Afinal, não deixaríamos de ver a criança, tampouco a encharcaríamos com teorias sexuais ou não sexuais. No entanto, passagens aqui apontadas e tantas outras descritas nesse longo caso, permitem-nos pensar que Freud aproximou o pai do filho (sendo um terceiro), abriu espaço para a intersubjetividade, para a construção de uma história, de um discurso, uma métafora. E lançou sementes do que ainda hoje cresce como novas dimensões possíveis a uma psicanálise que, assim como o seu objeto de estudo, não cessa de se renovar.
Referências
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Endereço para correspondência
Celso Gutfreind
Rua Sinimbum 320 ap. 201
90470-470 Porto Alegre RS
Recebido em: 4.5.2009
Aceito em: 11.5.2009
1 Artigo “Tema Livre” do XXII Congresso Brasileiro de Psicanálise, Rio de Janeiro, 2009. Prêmio João Bosco Calábria Oliveira para candidatos.
2 Candidato da SBPdePA.