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Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.45 no.2 São Paulo abr./jun. 2011
47º CONGRESSO DA IPA - MÉXICO PAINÉIS PRINCIPAIS
Björn SalomonssonI; Tradução de Tania Mara Zalcberg
IAnalista didata da Associação Psicanalítica Sueca
Quais são suas ideias implícitas ou explícitas sobre sexualidade e como essas ideias adentram a situação psicanalítica? Em outros termos, qual é a importância da sexualidade em suas ideias a respeito da situação clínica?
Para responder à pergunta, precisamos separar duas sexualidades: a adulta e a infantil. Essa divisão foi obrigatória para a teorização de Freud. Não penso que a sexualidade adulta seja primordial na situação analítica. Colocado de modo simples, não penso que meus pacientes estejam constantemente fantasiando a respeito de terem relações sexuais comigo. Esse tipo de equívoco pertence ao mundo dos desenhos animados e não ao da prática psicanalítica cotidiana.
Por outro lado, considero que a sexualidade infantil é uma tendência subterrânea em toda situação analítica. Ela alimenta constantemente o processo analítico, mas também o obstrui. Ajudar o paciente a encontrar meios de negociar sua sexualidade infantil dentro das restrições da realidade é um objetivo essencial da psicanálise. Três experiências importantes me levaram a reconhecer cada vez mais o impacto da sexualidade infantil em analisandos de qualquer idade: releituras de "Três ensaios sobre a sexualidade" (Freud, 1905/1996b) o trabalho com mães e bebês em tratamentos psicanalíticos e o estudo das teorias de Jean Laplanche.
Eu costumava me sentir confuso com a linguagem de difícil manejo dos "Três ensaios..." e com os esforços de Freud para ancorar a teoria das pulsões dentro de uma teoria pseudomédica. Atualmente, procuro ver através desses obstáculos para discernir a mensagem principal do livro. Já o bebê que chupa o dedo está em conflito. A sobrevivência da criança está inextricavelmente ligada à questão de ela vir a ser uma criatura sexual. Isso não seria problema, a não ser pelo fato de a mãe nutriz só poder satisfazer parcialmente as pulsões sexuais da criança. Assim, a sexualidade lança o bebê em conflitos consigo próprio e com a mãe. Freud descreve sobrevivência, prazer e conflito como os três vértices do triângulo da vida humana. Esse triângulo se personifica nos protagonistas do complexo de Édipo.
Freud apoiou sua concepção de sexualidade infantil no fenômeno trivial de chupar o dedo. Sua lógica foi simples: toda criança chupa seu dedo ou um substituto, ainda que não seja para obter comida. Então, por que ela o faz? A resposta de Freud foi: devido à sexualidade infantil. Ele relacionou sua trajetória do desenvolvimento e relações à psicopatologia posterior. Nesse ínterim, ele aguardava ansiosamente as confirmações dos analistas de crianças. Confirmações que obteve, de fato, do caso do pequeno Hans (Freud, 1909/1996a) em diante. Por extensão, hoje parece lógico observar a vida dos bebês para aprender mais a respeito da sexualidade infantil. Tenho trabalhado juntamente com minha prática psicanalítica, com mães e bebês em tratamentos psicanalíticos. Essas experiências constituem a segunda razão pela qual eu ressalto cada vez mais a sexualidade infantil em meu raciocínio clínico.
A psicoterapia mãe-bebê foi iniciada há décadas. Porém, essas experiências clínicas não foram integradas com profundidade suficiente na teoria psicanalítica clássica. Uma razão é que a teoria do apego tem deposto a teoria psicanalítica como modelo explicativo nesses tratamentos. A segunda razão é nossa reverência e temor ao mundo infantil. Essa dificuldade contratransferencial nos faz observar mais a mãe do que seu bebê. Por isso, tendemos a considerar a sexualidade infantil como algo que só podemos conceituar retrospectivamente, a partir de pacientes adultos. Perdemos a oportunidade de observá-la em cada interação mãe-bebê, seja esta normal ou patológica. Para dar um exemplo:
Kevin, de quatro meses, é um menino sério que, no entanto, ocasionalmente olha nos olhos da sua mãe, Tracy. Nos momentos em que ele a olha rapidamente, Tracy não se apercebe e continua falando sobre suas ansiedades hipocondríacas. Ela acha que estou exagerando quando ressalto que ele está realmente buscando os olhos dela. Em contrapartida, ele olha atentamente para os meus olhos e até sorri ocasionalmente. O contraste me é doloroso de ver, e certamente para a mãe também.
Laura, uma mulher de quarenta anos, em análise, geralmente sente-se muito infeliz nas sessões de segunda-feira. Ela detesta quando faço a ligação da sua infelicidade com o seu sentimento de solidão do fim de semana. Ligo minhas interpretações com os seus sonhos a respeito de uma lua maravilhosa (segunda-feira em inglês é Monday/Moon-day "Dia da Lua") e de um bombeiro prometendo que vai apagar um fogo ameaçador etc. Essas interpretações visam, por assim dizer, olhar dentro dos seus olhos para dizer que estou presente e ciente do seu desejo. Mas mesmo assim é insultante demais para ela olhar de volta em meus olhos e aceitar que precisa de mim.
Do meu ponto de vista, Kevin e Laura lutam com questões similares: como reconhecer que eles querem ser aprovados, olhados, pegos no colo, acariciados, amados. Esses desejos são conflituosos. Laura luta contra a ofensa narcísica de precisar reconhecer que depende de mim. O pequeno Kevin tende a desviar o olhar quando sua mãe Tracy olha ocasionalmente para ele. É cedo demais para dizer se ele a evita por sentir-se envergonhado, por sentir a falta dela, estar zangado com ela ou se ela transformou-se em um objeto mau do qual ele tem medo. Seja qual for o caso, seu padrão de olhar e temperamento baixo-astral indicam que a sexualidade infantil foi arrastada para um conflito. Isso pode ser expresso como a experiência dele de "desejo o que eu não tenho e não o que tenho."
Porém, afirmar que a sexualidade infantil é clinicamente observável nos força a perguntar como foi engendrada na aurora da vida. A resposta de Freud foi o Anlehnung1. Por intermédio desse conceito ele explicou a maneira pela qual a pulsão sexual surge ligada ao instinto de sobrevivência. Porém, o que significa a pulsão ter como apoio um instinto? No caso, achei indispensável o ponto de vista de Jean Laplanche sobre a "situação antropológica fundamental". Ele nega que a sexualidade infantil seja inata. Ao contrário, ela é transferida ao bebê pela mãe via suas "mensagens enigmáticas." Essa comunicação inunda o bebê com impactos que ele não consegue apreender, exatamente devido à sua imaturidade sexual. Laplanche assim solda a teoria pulsional de Freud com uma teoria da interação que abre espaço para comprimentos de onda tanto inconscientes quanto observáveis. O amálgama resultante constitui a sexualidade infantil tal como eu a conceituo e observo clinicamente. Penso que ela está igualmente ativa no trabalho psicanalítico com bebês, crianças e adultos. Em todos os casos, ela alimenta a transferência: no bebê, em suas reações de tipo transferencial à mãe. Nas crianças e nos adultos, em sua transferência ao analista.
Referências
Freud, S. (1996a). O pequeno Hans. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 10). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1909) [ Links ]
Freud, S. (1996b). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 7). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1905) [ Links ]
Correspondência:
Björn Salomonsson
[Associação Psicanalítica Sueca]
Gaveliusgatan 11, 4 Tr
S-116 41 Estocolmo, Suécia
Tel: 46 8 21-8196
bjorn.salomonsson@comhem.se
1 Em alemão no original. Anáclise ou apoio. (N.T.)