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Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.49 no.1 São Paulo jan./mar. 2015
PONTO DE VISTA
Future man
El hombre del futuro
Rogério Cezar de Cerqueira Leite
Professor emérito da Unicamp, membro do conselho editorial da Folha de S. Paulo, membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia
RESUMO
Nesta breve análise são consideradas as transições que poderão afetar o homem do futuro. Mudanças climáticas, aumento da população, crescente dependência tecnológica, engenharia genética, evolução social são as ameaças aqui revistas. Concluímos esperançosamente que, embora com perdas e sofrimento, o homem, durante o corrente século, ao final suplantará esses obstáculos, alcançando um maior equilíbrio e autossuficiência.
Palavras-chave: futuro; evolução; catástrofes.
ABSTRACT
This brief essay takes into account transitions which may affect the future man. Climate changes, population growth, increasing dependence on technology, genetic engineering, social evolution are threats reviewed here. Despite losses and sufferings in this current century, we think, as a hopeful conclusion, men will overcome these obstacles, achieving more balance and self-sufficiency.
Keywords: future; evolution; catastrophes.
RESUMEN
En este breve análisis son consideradas las transiciones que podrán afectar al hombre del futuro. Cambios climáticos, aumento de la población, dependencia tecnológica creciente, ingeniería genética, evolución social son las amenazas aquí vistas. Concluimos, con esperanzas, que aunque con pérdidas y sufrimiento, el hombre durante el siglo actual finalmente suplantará esos obstáculos alcanzando un mayor equilibrio y autosuficiencia.
Palabras clave: futuro; evolución; catástrofes.
O que reserva o futuro para a humanidade? Como será o homem do futuro? Para simplificar, vamos dividir os pressupostos em três categorias: contingências impostas pela natureza; consequências devidas a mudanças tecnológicas; efeitos devidos a mudanças sociológicas.
Contingências impostas pela natureza
Muitos futurólogos ainda veem com inquietação a questão de disponibilidade de alimento, hoje agravada pela competição com biocombustíveis. De fato, isso já ocorre nos eua, onde cerca de 60% da safra de milho é destinada à substituição de combustíveis fósseis. Em certa medida, também na Europa essa concorrência já é significativa. Todavia, na América do Sul, principalmente no Brasil, e na África ainda há muito espaço para expansão agrícola. Além do mais, a adoção de novas tecnologias, inclusive a produção de segunda geração de etanol, poderá aliviar enormemente o conflito alimentos vs. biocombustíveis. Para além do século XXI, podemos esperar um aumento de eficiência em todas as formas de captura de energia solar: seja sobre a superfície da Terra, seja na estratosfera, seja por via fotovoltaica, seja por via fotossintética, como propõem alguns, essas formas serão equivalentes quanto a custos e suficientes para fornecimento de energia para os 10 bilhões de habitantes que atingiria a população da Terra na pior das hipóteses. As previsões pessimistas quase sempre ignoram o aumento de produtividade devido a novas tecnologias e de eficiência na utilização dos insumos. Concluímos, portanto, que disponibilidade de alimento e energia não contingenciará significativamente o homem do futuro, embora transitoriamente possa vir a fazê-lo.
O aquecimento global é inexorável. É uma resposta da natureza aos abusos do homem. Em 2050, o aumento da temperatura média da Terra será de pelo menos 2°C em relação ao número atual, mesmo que não haja aumento de emissão de gases de efeito estufa devido ao consumo de combustíveis fósseis na próxima década. As atuais legislações de limitação desse consumo não são senão tênues paliativos e o vício do petróleo é irremovível. Degelo da Antártida, Groenlândia, Alpes, Himalaias, Andes etc. causará aumento do nível do mar e exaustão de rios vitais para certas populações. Como consequência, grandes parcelas da população terão que ser deslocadas. A História mostra, todavia, que o homem sobrevive a essas mudanças, apesar das grandes perdas materiais e dos necessários ajustes de hábitos. Os problemas que deverá enfrentar a humanidade devido ao aquecimento global serão muitos e crescentemente prejudiciais, mas serão ultrapassados, senão pela inteligência humana, pelo menos quando os combustíveis fósseis se esgotarem, o que, na toada atual, ocorrerá antes do fim deste século, incluído o uso de todo o xisto betuminoso, do carvão, do petróleo e do gás natural do mundo. Ao homem do futuro não restarão alternativas senão aproveitar melhor a luz do sol e talvez novas formas de energia nuclear. Mas antes de tudo terá que aprender a economizar energia. Fantasias como grandes e numerosas espaçonaves são pouco realistas. Simplesmente não haverá disponibilidade de energia. Muito provavelmente o turismo do futuro se fará principalmente por bicicleta ou pela internet.
Consequências devidas a mudanças tecnológicas
O homem também será vítima de suas próprias invenções. Toda tecnologia é uma arma de dois gumes. A máquina não dominará o homem, como temem alguns futurólogos, mas terá uma influência crescente em seu modo de vida. As comunicações eletrônicas, os robôs vão tornar a vida do homem mais fácil e seu poder sobre a natureza maior a cada dia. Com isso se distanciaria o homem do futuro de suas raízes, de sua história e da própria natureza? A vida natural será aquilo que vê na televisão? A história será aquela dos filmes épicos? Suas diversões serão os jogos eletrônicos? Encontrará seus amigos nas raves ou nos facebooks? Será o homem do futuro capaz de revoltar-se contra a insidiosa sedução da tecnologia? Será capaz de perceber os perigos da crescente dependência quanto à máquina? A História mostra que o homem tem sido capaz de suplantar suas próprias fraquezas. O tempo dirá.
Até recentemente o cientista e o homem comum viam a genética como um aparato estático imutável da natureza, que comandava sua vida e a matéria viva. Era desagradável, mas aceitável. Hoje começamos a ver a genética como uma plataforma de mudança não apenas das coisas vivas mas também do próprio homem. O homem do futuro se sentirá, por esta via, como se fosse ele mesmo Deus. Pois é capaz de determinar a própria sorte. Hoje ainda há reações substanciais à engenharia genética e estas serão crescentes, tanto as de ordem religiosa como as decorrentes de precauções dos próprios cientistas. Mas no futuro, certamente, deverão sucumbir essas restrições devido ao aumento inexorável da racionalidade materialista.
Efeitos devidos a mudanças sociológicas
Talvez a mais importante mudança da humanidade que se avizinha seja de natureza sociológica. Embora até o momento diferenças de renda não venham sendo reduzidas na maioria das populações, diferenças de nível de educação e de cultura, entre os vários segmentos da sociedade, começam a diminuir. Isso cedo ou tarde acarretará um aumento da equidade social, enquanto o aumento da instrução redundará em uma redução significativa da importância de superstições e religiões no quotidiano do cidadão. O homem do futuro ainda precisará do mito, da fé, mas sua crença não poderá deixar de ser balizada pelo conhecimento de seu poder sobre a natureza, propiciado pela ciência e tecnologia, bem como pelo pleno acesso à informação. A percepção que terá sobre seu poder de alterar seu próprio destino pela manipulação genética e, simultaneamente, a consciência das limitações que as condições naturais lhe impõem farão do homem do futuro um cidadão mais responsável, mais tolerante. Essa é a esperança dos otimistas.
Correspondência:
Rogério Cezar de Cerqueira Leite
Av. Papa João Paulo I, 1.111
Condomínio Alto das Palmeiras
13101-506 Campinas, SP
cerqueiraleite@uol.com.br
Recebido em 12.02.2015
Aceito em 27.02.2015