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Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.54 no.4 São Paulo out./dez. 2020
CARTA-CONVITE
Carta-convite1
Eduardo Zaidan; Marina Massi; Equipe editorial
Ideais
Em um famoso parágrafo de "Introdução ao narcisismo" (1914/2010), Freud contrapôs o Idealich - eu ideal, instância que corresponde à perfeição narcísica, ao His Majesty the Baby - à instância que busca readquirir o narcisismo perdido da infância, o Ichideal, ideal do eu.
Apesar de uma oposição conceitual entre eu ideal e ideal do eu ser questionável em uma análise meticulosa do texto freudiano, sua tematização se tornou muito frutífera entre os pós-freudianos.
Enquanto o eu ideal se localiza no plano do imaginário, como um eu idealizado e onipotente, o ideal do eu se localiza no plano do simbólico, se apresentando diante do eu como seu ideal. Logo, seria uma instância menos ilusória que o eu ideal, mais ligada aos problemas da lei e da ética (Lacan, 2009; Laplanche, 1980/1987).
Se o ideal do eu comanda a relação simbólica, representando ideias morais e culturais do indivíduo, isso não significa que o eu ideal seja superado. Há uma tensão na obra freudiana entre as instâncias, de maneira que a relação simbólica dependerá da estruturação, mais ou menos satisfatória, do imaginário.
Esse eu ideal, onipotente, por sua vez, aparentemente se choca com a noção freudiana de desamparo, com a ideia de que o ser humano nasce impotente e dependente de um outro para sua sobrevivência. Ora, a questão fundamental colocada em "Introdução ao narcisismo" é que o narcisismo da criança é herdeiro do narcisismo dos pais. O ideal narcísico da criança nada mais é que uma projeção ou reflexo do narcisismo dos pais. Ou seja, são os pais, na verdade, que são onipotentes. A megalomania da criança não é o ponto de partida do desenvolvimento, mas é defensiva, como já dizia Melanie Klein (Laplanche, 1970/1985). O narcisismo primário, portanto, em vez de ser considerado um estado monádico anobjetal, é fundado em uma relação intersubjetiva - é a revivescência do narcisismo perdido dos pais.
A constituição do ideal do eu, a primeira e mais significativa identificação do indivíduo (Freud, 1923/2011a), permite a regulagem das relações humanas intermediadas pela lei. O ideal abrigaria os valores culturais, sendo condição do recalque, e a renúncia da onipotência narcísica seria promovida pelo amor, transformando-se em fator de cultura.
Não obstante, é também o ideal do eu que está por trás dos fenômenos de massa e do hipnotismo. O pai primevo, diz Freud, é o ideal da massa. Tanto na formação da massa como no hipnotismo, o objeto é colocado no lugar do ideal do eu (Freud, 1921/2011b). Diante do líder, a prova de realidade é como que narcotizada. A massa tem um caráter unheimlich, inquietante, porque nela se observa uma regressão à submissão masoquista ao pai primevo.
Como conciliar que os ideais, fatores de cultura, possam, ao mesmo tempo, se extraviar, sendo responsáveis pelos dois grandes regimes totalitários do século XX?
Os trabalhos deverão ser encaminhados para o email da revista, rbp@rbp.org.br, até a data-limite de 20/12/2020. As orientações para a submissão de artigos e a descrição do processo seletivo encontram-se em nossa página eletrônica: http://rbp.org.br/normas-de-publicacao/.
Contamos com a colaboração de todos e esperamos receber muitos e bons artigos.
Atenciosamente,
Referências
Freud, S. (2010). Introdução ao narcisismo. In S. Freud, Obras completas (P. C. Souza, Trad., Vol. 12, pp. 13-50). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1914) [ Links ]
Freud, S. (2011a). O eu e o id. In S. Freud, Obras completas (P. C. Souza, Trad., Vol. 16, pp. 13-74). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1923) [ Links ]
Freud, S. (2011b). Psicologia das massas e análise do eu. In S. Freud, Obras completas (P. C. Souza, Trad., Vol. 15, pp. 13-113). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1921) [ Links ]
Lacan, J. (2009). O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud (B. Milan, Trad.). Zahar. [ Links ]
Laplanche, J. (1985). Vida e morte em psicanálise (C. P. B. Mourão & C. F. Santiago, Trads.). Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1970) [ Links ]
Laplanche, J. (1987). Problemáticas 1: a angústia (A. Cabral, Trad.). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1980) [ Links ]
1 Agradecemos à colaboração do colega Eduardo Zaidan, membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) e mestre em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), na elaboração desta carta-convite.