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Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.54 no.4 São Paulo out./dez. 2020

 

RESENHAS

 

Dicionário amoroso da psicanálise

 

 

Cintia Buschinelli

Membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)

Correspondência

 

 

 

Autora: Elisabeth Roudinesco
Tradutor: André Telles
Editora: Zahar, 2019, 354 p.
Resenhado por: Cintia Buschinelli

 

Do amor pelas palavras à angústia quando elas faltam

Tudo bem que um dicionário se inicie com a primeira letra de um alfabeto. Não poderíamos esperar nada diferente da confirmação de que muitas normas que nos guiam são organizadoras e produtivas.

A ordenação do alfabeto, tão conhecida por tantos de nós desde muito cedo, oferece uma espécie de passaporte para o mundo linguístico.

Sentimos a todo momento como é útil o universo organizado das letras e o quanto sua estrutura é necessária para conter a vida, muitas vezes caótica e sem controle, das palavras.

Então, não podemos deixar de reconhecer que o dicionário de Roudinesco se apresenta, na escolha e na ordenação dos verbetes, comme il faut. Como diz o título, trata-se de um dicionário.

Mas também não podemos deixar de reconhecer que, apesar de seguir rigorosamente uma ordem externa, apesar desse "andar na linha" - movimento certamente bem-vindo para tal finalidade -, essa "compilação das unidades léxicas" se afasta do lugar-comum dos dicionários que costumamos consultar.

Este, ao qual me refiro nesta resenha, foi construído a partir das associações livres da autora e de seu interesse particular e afetivo pelo mundo da psicanálise.

Começando pelo título, não passa despercebido o adjetivo tão significativo que acompanha a palavra dicionário. O dicionário que ela se propõe a construir é amoroso.

O título, portanto, não traz mistérios, e diz, sem titubear, a que veio. Trata-se de um dicionário construído pelo amor à psicanalise.

E assim, nós, leitores que também partilhamos desse amor, nos sentimos em casa antes mesmo de abrir a primeira das 354 páginas que compõem esta publicação.

Mas não custa alertar o leitor desta resenha: caso necessite de um dicionário (ou definição de palavras) elencado com extrema objetividade, aconselho a não recorrer a este livro. Se deseja, porém, conhecer algumas palavras e conceitos psicanalíticos intimamente ligados ao autor que se dedicou a fazê-lo, ou seja, se tem interesse em palavras e conceitos psicanalíticos carregados da subjetividade da autora que construiu esse dicionário, recomendo fortemente que tome nas mãos este livro.

Sabemos que Roudinesco, além de psicanalista, é historiadora. Essa dupla e intrincada formação é sentida a cada verbete apresentado, oferecendo ao leitor um prazer na descoberta de tantos outros lugares, pessoas e circunstâncias nas quais a psicanálise esteve inserida.

Para não subtrair a curiosidade dos leitores desta resenha, tomarei apenas os dois primeiros verbetes como exemplo para apresentar do que trata este livro tão singular.

O primeiro verbete é amor.

Vejamos um dos pensamentos da autora que unem amor a psicanálise: "Nascida no âmago de uma sociedade assombrada pelos tormentos da alma e do corpo, a psicanálise atribuiu-se como tarefa desvendar os segredos do amor que subsistiam soterrados nos jardins dos sonhos" (p. 13).

Veja, caro leitor, que essa frase expressiva e poética toca a todos nós, psicanalistas, que estamos cotidianamente às voltas com os segredos do amor, regados pelos sonhos de nossos pacientes.

Já o segundo verbete, que não por acaso se apresenta na sequência das definições de amor, é angústia, esse sentimento para o qual as palavras faltam ao se desejar explicitá-lo, a experiência existencial que todos nós, sem exceção, conhecemos.

Angústia é uma vertigem do possível, nos diz sabiamente Kierkegaard, uma experiência não só universal, mas também ontológica, nos esclarece Roudinesco.

Não vou me deter em cada detalhe deste livro tão bem-vindo entre nós, psicanalistas. Deixarei ao leitor as descobertas incríveis nesse passeio pelas associações livres de Elisabeth Roudinesco.

Mas posso asseverar àqueles que leem esta resenha que este livro tem uma leveza e um sabor originais, o que de certa forma contradiz parte do título a ele dedicado.

Dicionário amoroso da psicanálise não é um dicionário; é uma aventura do imaginário de uma psicanalista.

 

 

Correspondência:
Cintia Buschinelli
Rua Alcides Pertiga, 82
05413-000 São Paulo, SP
Tel.: 11 3064-4545
cintiab@uol.com.br

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