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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  n.24 Canoas dez. 2006

 

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Estresse e resiliência em doença de Chagas

 

Stress and Resilience in Chagas" Disease

 

 

Daniela Cristina Grégio d"Arce Mota 1; Ana Maria T. Benevides-Pereira 2; Mônica Lúcia Gomes 3; Silvana Marques de Araújo 4

Universidade Estadual de Maringá-UEM

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Estudos indicam que o estresse altera o sistema imune e pode influir na etiologia, progressão e severidade de doenças. A resiliência pode ser definida como a capacidade que algumas pessoas desenvolvem e as ajudam a passar por situações adversas na vida, a superá-las, e ainda a saírem fortalecidas ou mesmo transformadas. Este estudo teve o intuito de verificar o nível de sintomatologia de estresse e aspectos relacionados à resiliência em portadores de doença de Chagas crônica (DC). Foram avaliadas cem pessoas infectadas, 50% apresentando sintomatologia da DC. Utilizou-se de entrevista sócio-demográfica, Inventário de Sintomas de Estresse (ISE) e Inventário de Resiliência (IR). Os que apresentavam sintomas da DC obtiveram níveis mais elevados de sintomas psicológicos e físicos de estresse e menores de resiliência, principalmente no que se refere aos fatores desesperança e dificuldades emocionais.

Palavras-chave: Doença de Chagas crônica, Estresse, Resiliência, Psicologia da saúde.


ABSTRACT

Several studies show that stress changes the immunity system and may affect the disease"s etiology, progression and severity. Resilience may be defined as the ability that some people have to overcome the dire straights of life and come out of the difficulties more fortified or even transformed. Current research verifies the symptomatology of stress and other aspects related to resilience in people suffering from chronic Chagas" Disease (CD). One hundred infected people were evaluated, of whom 50% were CD positive. Social and demographic interviews, Stress Symptoms Inventory (SSI) and Resilience Inventory (RI) were employed. CD positive people had higher levels of psychological and physical symptoms of stress and lower resilience ones, mainly with regard to factors involving hopelessness and emotional difficulties.

Keywords: Chronic Chagas" Disease, Stress, Resilience, Health psychology.


 

 

Introdução

A doença de Chagas (DC), causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi (T. cruzi) é uma doença crônica que até o momento não conta com tratamento etiológico completamente eficaz e sem efeitos colaterais. É considerada uma das enfermidades humanas mais relacionadas com o subdesenvolvimento e a pobreza, o que torna crítica a situação de milhões de pacientes chagásicos. Estima-se que aproximadamente 15 milhões de pessoas estejam infectadas na América Latina (WHO, 2002), 1,9 milhão delas no Brasil (OPS, 2004). Ou seja, apesar do controle da transmissão, existe ainda um contingente de pessoas infectadas, cientes ou não, que precisam de atendimento nos serviços de saúde (Araújo & colaboradores, 2000; Araújo & colaboradores, 2002).

Segundo Ribeiro e Rocha (1998), muita controvérsia existe sobre os fatores que poderiam influenciar o surgimento de sintomatologia na doença de Chagas, já que alguns pacientes evoluem para as formas clínicas mais graves, enquanto outros permanecem assintomáticos por toda vida.

Brener, Andrade e Barral-Netto (2000) relatam que a relação parasita-hospedeiro pode influenciar no surgimento dos sintomas em pessoas infectadas pelo T. cruzi. Hueb e Loureiro (2005) observam prejuízos cognitivos e psicossociais associados à DC, os quais chamam a atenção para o impacto da doença sobre o portador e as condições contextuais perpetuadoras de miséria e de vergonhas. Quanto ao comprometimento de aspectos psicossociais relacionados à enfermidade, Araújo e colaboradores (2000), apontam para a presença de indicadores de medo, de redução da auto-estima, de estigma frente à doença, além de prejuízos na qualidade de vida e na convivência com a família e o grupo social.

O desenvolvimento da sintomatologia para a DC pode, portanto, estar relacionado a processos psicológicos, como o estresse e a resiliência. De acordo com Borràs (1995), a exposição a acontecimentos ou circunstâncias vitais estressoras podem interferir no funcionamento do sistema imune, aumentando a vulnerabilidade do organismo à enfermidade, o que poderia explicar a relação entre a ocorrência de acontecimentos estressores psicossociais e o surgimento de sintomas em diversas doenças.

Segundo Belloch, Sandín e Ramos (1995), a concepção teórica mais aceita pelos estudiosos é a que o estresse é visto como um processo interativo entre o indivíduo e a situação em que ele se encontra, envolvendo, portanto, as relações particulares que a pessoa estabelece na vida. Benevides-Pereira (2002), afirma que estresse e agente estressor são dois elementos distintos do processo de estresse, pois, enquanto o agente estressor pode ter um caráter físico, cognitivo ou emocional, que venha a interferir no equilíbrio homeostático do organismo, o estresse é a resposta a este estímulo e tem a função de ajustar a homeostase e de melhorar a capacidade do indivíduo, garantindo-lhe a sobrevivência ou a sobrevida. Ainda de acordo com esta autora, o agente estressor nem precisa estar presente para desencadear uma reação de estresse em seres humanos, visto que o simples fato da pessoa imaginar ou antecipar sua ocorrência, a leva a vivenciar ou sofrer antecipadamente, entrando em processo de estresse.

Pinheiro (2004) relata que pessoas com trajetórias semelhantes diferenciam-se pelo fato de algumas conseguirem superar as crises enquanto outras não conseguem. Grotberg (2005), afirma que pessoas resilientes são capazes de enfrentar adversidades e que a resiliência reduz a intensidade do estresse e de sinais emocionais negativos, como a ansiedade, depressão ou raiva, ao mesmo tempo em que aumenta a curiosidade e a saúde mental.

A resiliência pode ser definida como uma capacidade universal que possibilita a pessoa, grupo ou comunidade prevenir, minimizar ou superar os efeitos nocivos das adversidades, inclusive saindo dessas situações fortalecida ou até mesmo transformada, porém não ilesa (Grotberg, 1995). É caracterizada como um conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam ter uma vida saudável vivendo em um ambiente insano, se tratando então de um processo interativo entre o indivíduo e o meio em que este vive, integrando ingredientes psicológicos, sociais, emocionais, cognitivos, culturais, éticos, entre outros (Rutter, 1993).

A resiliência envolve fatores de risco e de proteção. Para Rutter (1985), os fatores de risco são os acontecimentos estressantes da vida, tais como a pobreza, as perdas afetivas, as enfermidades, o desemprego, as guerras, as calamidades, entre outros. Segundo o autor, os fatores de proteção são as influências que modificam, melhoram ou alteram a resposta de uma pessoa a algum perigo que predispõe a um resultado não adaptativo. Estes fatores referem-se a características que parecem mudar ou reverter circunstâncias potencialmente negativas. Entre os principais fatores de proteção estão: relações parentais satisfatórias, disponibilidade de fontes de apoio social, auto-imagem positiva, crença ou religião, favorecimento da comunicação e colaboração na resolução de problemas (Pinheiro, 2004).

Rutter (1987) acrescenta que os mesmos estressores podem ser experienciados de maneira diferentes por diferentes pessoas. Ou seja, fator de risco para alguns pode não ser para outros, assim como acontece com os fatores de proteção. Kotliarenco, Cáceres e Fontecilla (1997), observam que os fatores de proteção não são necessariamente experiências positivas ou benéficas, visto que em certas circunstâncias, os eventos potencialmente estressantes e perigosos podem fortalecer os indivíduos frente a situações similares.

Conforme afirma Stoudemire (2000), embora seja complexa a verificação de associações precisas, fatores psicológicos afetam o início, a evolução e o tratamento da maioria das condições médicas.

A DC, enfermidade crônica capaz de desenvolver diversas lesões graves em diferentes órgãos, com conseqüências importantes para a sobrevida de seus portadores, não dispõem de tratamento completamente eficaz e o controle de cura não está estabelecido (Brener & colaboradores, 2000). Além disto, de acordo com Hueb e Loureiro (2005), em quase três décadas apenas dez artigos relativos à associação da doença com o funcionamento psicossocial dos portadores foram identificados na literatura indexada, o que poderia estar refletindo, segundo os autores, o pouco interesse no estudo destes aspectos associados à DC.

Deste modo, fica evidente a necessidade de estudos que avaliem os prejuízos psicossociais associados à DC assim como pensar outras alternativas de abordagem de pacientes acometidos pela infecção chagásica.

O objetivo deste estudo foi comparar o nível de sintomas físicos e psicológicos de estresse e de fatores relacionados a resiliência em portadores da doença de Chagas crônicos, sintomáticos e assintomáticos.

 

Método

Sujeitos

A amostra foi constituída por 100 pessoas portadoras da doença de Chagas crônica, cadastradas no Laboratório de Doença de Chagas da Universidade Estadual de Maringá (LDC/UEM) no período de 12/1997 a 09/2004. A população total de indivíduos cadastrados no LDC/UEM, da qual a mostra foi obtida, era de 373 portadores de DC crônica.

Instrumentos

Um Questionário Sócio-Demográfico elaborado pelas autoras para obtenção dos dados e questões pessoais (sexo, idade, relacionamento afetivo estável ou não, filhos), profissionais (categoria profissional, situação de trabalho) e referentes à doença de Chagas (reação ao saber do diagnóstico, se a doença interfere na vida cotidiana, sintomas sim ou não).

O Inventário de Sintomas de Estresse (ISE), de Benevides-Pereira e Moreno-Jiménez (2002), apresenta afirmações relativas aos sintomas referenciados na literatura como freqüentes ou característicos de estresse na vida diária. O instrumento compreende 27 itens, sendo 07 referentes ao Fator sintomas físicos de estresse (SF) e os demais ao Fator sintomas psicológicos de estresse (SP). Em uma amostra de 1114 pessoas, tendo 40,487% da variância acumulada explicada, sendo que os itens da escala de sintomas psicológicos apresentaram saturações entre 0,754 e 0,390 e a física de 0,725 a 0,330 com alfas de Cronbach de á/0,9236 e á/0,7697 respectivamente, revelando adequada consistência interna bem como validade de constructo. Os valores médios da padronização brasileira são estimadas entre: SF de 4 a 8 e SP de 16 a 27.

O Inventário de Resiliência (IR) segundo Benevides-Pereira5 , é composto por 25 afirmações divididas em cinco fatores: Fator 1 (F1), referente à desesperança e dificuldades emocionais; Fator 2 (F2): assertividade; Fator 3 (F3): tenacidade e inovação; Fator 4 (F4): empátia e Fator 5 (F5): sensibilidade emocional. Este instrumento apresentou 46,444% de variância acumulada explicada com saturações e alfas de Cronbach de: F1: -0,711 a -0,461, constando de 7 itens (á=0,7309); F2: 0,790 a 0,6297 constando de 4 itens (á=0,6946); F3: 0,664 a 0,330, constando de 9 itens (á=,7327); F4: 0,739 a 0,479, constando de 3 itens (á=,5939) e F5: -0,761 a -0,742, constando de 2 itens (á=0,6086), indicando satisfatória qualidade psicométrica. Na população brasileira os valores médios para cada fator foram estimados em: F1 de 13 a 18, F2 de 12 a 14, F3 de 33 a 37, F4 de 9 a 11 e F5 de 6 a 8,.

Procedimentos

Para a composição da amostra foi realizada busca ativa, no período de junho a setembro de 2004, por meio de cartas, telefonemas, visitas domiciliares e às Unidades Básicas de Saúde (UBS). Após os participantes serem esclarecidos a respeito dos objetivos da pesquisa, assinaram o termo de consentimento aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá. A presença de sintomatologia para DC foi averiguada pela consulta aos prontuários médicos dos portadores de DC participantes. Foram considerados assintomáticos ou na forma crônica indeterminada da doença de Chagas, de acordo com os critérios estabelecidos para a sua caracterização (Ribeiro & Rocha, 1998; Neves, 2000), os indivíduos infectados que apresentavam positividade sorológica e/ou parasitológica para doença de Chagas, ausência de sintomas e/ou sinais da moléstia, eletrocardiograma convencional normal e estudos radiológicos do coração, esôfago e cólon normais. Foram considerados na fase crônica sintomática da DC os entrevistados que apresentaram sintomatologia relacionadas com o sistema cardiovascular (forma cardíaca), digestivo (forma digestiva) ou ambos (forma cardiodigestiva ou mista), segundo os critérios estabelecidos e apresentados por Neves (2000) e Ribeiro e Rocha (1998). A recusa em participar do estudo foi o único critério de exclusão considerado. As entrevistas individuais foram agendadas previamente em dia e hora marcados em local combinado com o participante e tiveram duração média de vinte minutos. Todos os instrumentos foram aplicados somente por uma das autoras, o que garantiu a uniformidade no contato e na coleta de dados.

As análises foram realizadas de acordo com a padronização e validação de cada instrumento. Em relação aos fatores do ISE e do IR, foram considerados como de alta dimensão valores acima da média superior. Valores dentro do intervalo da média foram considerados de dimensão moderada e os valores abaixo da média inferior foram considerados de dimensão reduzida.

Para análise dos dados foram utilizados os testes t de Student para comparação de variáveis com dois grupos, ANOVA para comparação de variáveis que continham mais de dois grupos, regressão linear através de passos sucessivos para observar variáveis preditoras de sintomatologia de estresse ou resiliência e teste Qui-quadrado (Coeficiente de Pearson) para estudar a relação entre variáveis qualitativas. Foram destacadas preferencialmente as comparações entre portadores sintomáticos e assintomáticos, em nível de 5% de significância.

 

Resultados

Os resultados referentes às variáveis sócio-demográficas distribuídas em três categorias, “Pessoal”, “Profissional” e “Sobre a Doença de Chagas”, são apresentados a seguir. Quanto à categoria “Pessoal”, dos 100 participantes, 53 eram do sexo feminino (53%). A idade variou entre 20 e 86 anos, (x=55,19 anos). Dos entrevistados, 73% possuíam um relacionamento afetivo estável, 91% tinham filhos. Em relação ao nível educacional, 56% das pessoas não possuíam escolaridade e apenas 2% realizaram estudos universitários.

Considerando a categoria “Profissional”, quanto à situação de trabalho, 29% eram aposentados, 17% estavam na informalidade (artesãos, “do lar”, voluntários em igrejas e comunidades, trabalhadores do campo) e 25% eram contratados legalmente, sendo que, destes, 7% eram funcionários da construção civil e 8% empregados domésticos. Reclassificando o grupo quanto a escolaridade necessária para a execução da atividade laboral, foi observado que 61% dos entrevistados exerciam atividades que não exigiam muitos anos de estudo.

Na categoria “Sobre a Doença de Chagas”, a informação a respeito da reação ao saber do diagnóstico da DC mostrou que o choque e/ou medo de morrer foi a reação referida para 48% dos entrevistados. Responderam que a doença de Chagas interferia na vida atual 38% dos casos. Metade dos participantes (50%) apresentou sintomatologia relacionada à doença de Chagas.

Com relação aos instrumentos utilizados para a coleta de dados, as médias de pontos obtidas para o grupo em estudo foram: SP/ISE =25,31; SF/ISE =7,88; F1/IR =20,42; F2/IR =11,90; F3/IR =33,93; F4/IR =8,86; F5/IR =6,76.

Portadores de DC sintomáticos e assintomáticos não apresentaram diferenças significativas quanto aos valores médios para os fatores do ISE quando consideradas as variáveis sócio-demográficas das categorias “Pessoal” e “Profissional”. Para o IR não foram significativas as diferenças entre os grupos acima referidos para as variáveis sócio-demográficas: sexo, relacionamento afetivo e filhos.

A distribuição das dimensões para os fatores de estresse (ISE) e de resiliência (IR) podem ser observadas na Tabela 1. Notou-se que das pessoas entrevistadas, 44% apresentavam alta dimensão para sintomas psicológicos de estresse, 39% para os sintomas físicos de estresse e 69% apresentavam dimensão alta para F1, fator indicativo de sentimentos de desesperança e dificuldades emocionais.

 

 

A Tabela 2 mostra a distribuição e cruzamento entre as variáveis sócio-demográficas Doença interfere na vida atual ou Sintomas da DC e os fatores dos instrumentos ISE e IR considerando as dimensões destes, analisadas pelo teste do Qui-quadrado (Coeficiente de Pearson). Dos entrevistados, 60% (30) daqueles que apresentavam sintomas para DC, mostravam alta dimensão de sintomas psicológicos de estresse. Da mesma forma, 52% (26) dos sintomáticos para a DC apresentavam alta dimensão de sintomas físicos de estresse. Estas diferenças foram estatisticamente significativas entre os grupos de sintomáticos e assintomáticos para DC.

 

 

Em relação aos fatores do IR, 76% (38) dos entrevistados sintomáticos para DC apresentavam dimensão elevada de F1 (p=0,210). Da mesma forma, 78,9% (30) dos que afirmavam que a doença interferia na vida atual apresentavam dimensão elevada de F1 (p=0,116), bem como médias mais elevadas em sintomas psicológicos de estresse (t=3,482, p=0,001). Dos entrevistados, 40% (20) revelavam sintomas da DC e F3 em dimensão reduzida (p=0,122) e 52,6% (20) dos que afirmavam que a doença interferia na vida atual denotavam também F3 em dimensão reduzida (p=0,001). Em todas estas comparações o grupo de portadores sintomáticos apresentava maior percentagem para F1 e menor para F3 que o grupo de assintomáticos. No entanto as diferenças não foram estatisticamente significativas, com exceção da última comparação.

Considerando o cruzamento entre as variáveis: doença interfere na vida atual e sintomas da DC, dos 38 portadores que afirmavam que a doença interferia na vida atual, 32 (84,2%) apresentavam sintomas da DC. Na Tabela 3 pode ser observado que dos 30 entrevistados sintomáticos que revelavam dimensão elevada de estresse psicológico, 20 (66,7%) asseveravam que a doença interferia na vida atual. Das 26 pessoas sintomáticas para DC que denotavam alta dimensão de sintomas físicos de estresse, 17 (65,4%) relatavam que a doença interferia em sua vida atual. A diferença entre grupo que apresentava sintomas da DC e o que não apresentava foi significativa em nível de 5%.

 

 

No Gráfico l, é apresentada a comparação de médias dos fatores do ISE e IR em portadores da doença de Chagas em relação à variável sócio-demográfica Sintomas da DC. Portadores sintomáticos da DC apresentavam médias (SP/ISE =31,04; ,t=3,769; p=0,000 e SF/ISE =9,38; t=2,742; p=0,007) significativamente mais elevadas de sintomas psicológicos e físicos de estresse que os assintomáticos (SP/ISE =19,58 e SF/ISE =6,38). Quanto à resiliência, os indivíduos com sintomas da DC apresentavam média mais elevada para o fator F1, referente à desesperança e dificuldades emocionais e média mais baixa para F3 que se refere à capacidade de tenacidade e inovação (F1/IR =21,50; t=2,806; p=0,006 e F3/IR =33,12; t=-2,041; p=0,044) em relação às médias dos assintomáticos (F1/IR =19,34 e F3/IR =34,74).

A análise de regressão linear, por meio de passos sucessivos, não detectou qualquer variável sócio-demográfica predisponente para estresse psicológico e físico quando consideradas as categorias “Pessoal” e “Profissional”. Com relação à categoria “Sobre a Doença de Chagas”, as variáveis sintomas da DC e a reação ao saber do diagnóstico foram predisponentes ao desenvolvimento de sintomas psicológicos de estresse (R2=0,114; ß=38,87; t=4,579; p=0,000 e R2=0,91; ß=42,04; t=7,978; p=0,000 respectivamente). O mesmo não ocorreu para os sintomas físicos de estresse.

 

 

Quanto aos fatores de resiliência, as variáveis sócio-demográficas nível educacional (R2=0,21; ß=23,13; t=-3,057; p=0,004), doença interfere na vida atual (R2=0,19; ß=31,07; t=-2,623; p=0,000) e situação de trabalho (R2=0,31; =26,37; t=-2,210; p=0,034) mostravam-se predisponentes ao desenvolvimento de sentimentos de desesperança e dificuldades emocionais (F1) em portadores de DC. A variável sócio-demográfica reação ao saber do diagnóstico (R2=0,16; ß=7,80; t=2,380; p=0,024) denotava ser predisponente para o desenvolvimento da capacidade de assertividade (F2). A variável sócio-demográfica situação de trabalho (R2=0,11; ß=32,27; t=2,162; p=0,038) era predisponente ao desenvolvimento da capacidade de tenacidade e inovação (F3).

A análise por meio da ANOVA não denotou diferença significativa para os fatores do ISE em relação as variáveis sócio-demográficas pesquisadas. Quanto aos fatores do IR, foi verificado que a variável sócio-demográfica nível educacional foi significativa para F1 (F=5,609; p=0,000), mostrando médias mais elevadas entre os sem escolaridade (=21,25) e entre os que cursaram o ensino fundamental (=20,87), diminuindo sensivelmente entre os que concluíram cursos universitários (=14,00).

 

Discussão

Este trabalho mediu, ao mesmo tempo, os sintomas psicológicos e físicos de estresse e fatores relativos a resiliência em portadores de DC divididos em dois grupos, sintomáticos (50%) e assintomáticos (50%) em relação a enfermidade, comparando-os entre si.

Em relação à amostra, das 373 pessoas portadoras de DC cadastradas no LDC/UEM, 100 (26,8%) foram entrevistadas, sendo que destas, 50 (50%) apresentaram sintomas para DC. Este percentual está de acordo com dados da literatura, visto que diversos autores (Brener & colaboradores, 2000; Gontijo, Rocha & Oliveira, 1996; Ribeiro & Rocha, 1998) citam que 50% a 69% dos indivíduos infectados pelo T. cruzi apresentam sintomas relacionados à doença, enquanto o restante permanece assintomático (forma indeterminada) indefinidamente.

A média de idade dos participantes observada neste estudo era de 55,19 anos. Esta média foi superior a 37,78 anos observada por Gontijo e colaboradores (1996), para chagásicos atendidos em ambulatório de referência para DC de Belo Horizonte/MG. Este fato pode ser explicado considerando os locais em que foi realizada a busca ativa para a composição da presente amostra. A DC nem sempre é a primeira causa de cadastramento nos serviços de saúde, pois nesta faixa etária as pessoas procuram estes serviços para prevenção ou tratamento de outras doenças (hipertensão, diabetes, doenças reumáticas) que podem surgir com o envelhecimento (Cianciarullo, Gualda, Cunha & Silva, 2002).

Com relação ao nível educacional, 56% dos entrevistados não possuíam escolaridade e apenas 2% cursaram a universidade. Este dado está de acordo com Gontijo e colaboradores (1996), que afirmam ser o chagásico indivíduo com baixo nível de escolaridade.

Quanto à situação de trabalho, 29% estavam aposentados e antes da aposentadoria desenvolviam atividades braçais ou que não necessitavam de alto nível de instrução formal. Este dado vem ao encontro dos estudos realizados por outros autores que descrevem esta doença como limitante e que, portanto, pode ser a causa de aposentadorias precoces de seus portadores sintomáticos (Araújo & colaboradores, 2000; Araújo & colaboradores, 2002; Neves, 2000). Além disso, 61% dos entrevistados desenvolviam trabalhos que não exigiam muitos anos de estudo. Este dado está relacionado ao fato da DC ser característica de populações de baixa renda e com baixo nível de escolaridade (Gontijo & colaboradores, 1996; Neves, 2000; Ribeiro & Rocha, 1998).

Foi observado que no total, 62% dos entrevistados afirmavam que o diagnóstico era motivo de preocupação sendo o choque e/ou medo de morrer referido para 47% dos entrevistados. Este dado está de acordo com outros autores (Araújo & colaboradores, 2000; Uchoa, Firmo, Dias, Pereira & Gontijo, 2002) que citam que de maneira geral a notícia da soro-positividade é recebida com surpresa, medo, apreensão ou desespero. A falta de informação sobre a DC e o estigma da doença colaboraram para a ocorrência desta resposta no presente estudo. Muitos participantes responderam que o choque e/ou o medo de morrer foram tão grandes no momento após o diagnóstico que até a data da entrevista os familiares não sabiam que o entrevistado era portador da DC.

Com relação aos instrumentos utilizados para a coleta de dados, ISE e IR, as médias de pontos obtidas para o grupo em estudo estão de acordo com as médias dos estudos brasileiros referidos.

As variáreis sócio-demográficas das categorias “pessoal” e “profissional” não apresentavam diferenças significativas entre os portadores sintomáticos e assintomáticos em relação ao estresse. Para as pessoas que denotavam sintomatologia da DC foi observado que estas refletiam índices mais elevados de sintomas psicológicos de estresse, maior inclusive do que a presença de sintomas físicos, revelando a importância deste fator para o agravamento do quadro existente. Rutter (1985) aponta que estressores adicionais aumentam o impacto de outros estressores presentes.

Este resultado vem confirmar o que foi descrito em outros trabalhos sobre a relação entre desenvolvimento de sintomas de estresse e agravamento de enfermidades crônicas (Belloch & colaboradores, 1995; Borràs, 1995; Cantero & Brisach, 1998). Foi ainda observado que portadores sintomáticos para DC, além de apresentarem alta dimensão de SP e SF, asseveravam com maior freqüência que a DC interferia na vida atual. Este resultado concorda com os achados de Uchôa e colaboradores (2002) que afirmam que o conhecimento do diagnóstico desencadeia muita apreensão em função de uma concepção de doença associada a limitações progressivas, à inexistência de tratamento eficaz e a idéia de que a morte pode ocorrer a qualquer momento. Além disto, segundo estes autores, o fato da DC comprometer órgãos como coração e de repercutir negativamente sobre a vida profissional dos indivíduos infectados é considerado como o principal agravante da DC.

Em relação à resiliência, é importante salientar que não houve nenhum caso na amostra que apresentasse o fator F1 em dimensão reduzida. Este resultado sugere que o fato de ser portador da DC, independente de apresentar ou não sintomas da infecção no momento, fez com que todos os entrevistados manifestassem sentimentos de desesperança e dificuldades emocionais em dimensão alta ou moderada. Deve ser ainda destacado que os portadores sintomáticos da DC apresentavam mais constantemente dimensão elevada de F1 e reduzida de F3 alegando com maior freqüência que a doença interferia na vida atual. Embora a diferença não tenha sido significativa, estes achados são importantes uma vez que portadores sintomáticos para DC apresentavam médias mais elevadas que os assintomáticos para F1 e mais baixas para F3. Estes resultados estão em concordância com Uchôa e colaboradores (2002) que afirmam que a insegurança e a depressão surgem em conseqüência do que é vivido como imutável.

Vários autores (Araújo & colaboradores, 2000; Araújo & colaboradores, 2002; Uchôa & colaboradores, 2002) relatam que ser chagásico implica em conviver com uma doença crônica que traz consigo o medo da morte, inclusive a morte súbita, além do sofrimento antecipado em relação ao surgimento de sintomas. Este fato pode levar a mudanças no cotidiano e no estilo de vida de seus portadores.

A presença de sintomas da DC foi fator de risco para o desenvolvimento de sentimentos de desesperança e dificuldades emocionais, diminuição da capacidade de tenacidade e inovação. Os indivíduos infectados pelo T. cruzi estão expostos a uma situação de risco, já que a doença de Chagas é relacionada à pobreza e estigmatizada socialmente. Segundo Kotliarenco e colaboradores (1997), a pobreza e/ou o fato de pertencer a grupos minoritários significa estar exposto a situações de risco que, dependendo dos fatores de proteção disponíveis e dos recursos de enfrentamento, podem contribuir para a baixa capacidade de resiliência.

A reação ao saber do diagnóstico para DC e a presença de sintomas da DC mostraram ser variáveis sócio-demográficas predisponentes para o aparecimento dos sintomas psicológicos de estresse e/ou da capacidade de assertividade. Este dado vem confirmar que em seres humanos o agente estressor não precisa estar presente para que o estresse se desenvolva (Belloch & colaboradores, 1995; Benevides-Pereira, 2002; Uchôa & colaboradores, 2002). O sofrimento antecipatório apresenta-se como um componente importante, podendo desencadear o processo de estresse, com pensamentos negativos sobre a própria vida e conseqüentemente agravar o quadro existente.

As variáveis nível educacional, situação de trabalho e doença interfere na vida atual foram predisponentes ao desenvolvimento de sentimentos de desesperanças e dificuldades emocionais bem como diminuição da capacidade de tenacidade e inovação. Como o nível educacional elevado é considerado fator de proteção envolvido no processo de resiliência (Kotliarenco & colaboradores, 1997; Melillo & Ojeda, 2005; Pinheiro, 2004), a baixa escolaridade observada no grupo estudado contribuiu para que os chagásicos sintomáticos apresentassem esses sentimentos e dificuldades. Nos indivíduos com melhor escolaridade este fator estava diminuído.

Considerando os resultados, os sintomáticos para a DC relatavam ser a situação de trabalho muito difícil, visto que além de exercerem atividades que proporcionam baixa remuneração, muitos ainda tinham que se deparar com aposentadoria precoce por invalidez (Araújo & colaboradores, 2000; Araújo & colaboradores, 2002; Ribeiro & Rocha, 1998; Uchôa & colaboradores, 2002). A situação de trabalho, junto com a baixa escolaridade, neste caso, deve ser considerada como um fator de risco ao desenvolvimento de sintomas de estresse e da baixa capacidade de resiliência, dado este também relatado por Yunes (2003) e Pinheiro (2004).

A variável doença interfere na vida atual foi predisponente à baixa capacidade de resiliência. Este resultado confirma o que relatam Uchôa e colaboradores (2002). Estes autores afirmam que o conhecimento do diagnóstico positivo para doença de Chagas acaba transformando toda a vida do indivíduo, pois leva à mudança negativa de atitude frente à vida. Estes autores acrescentam que a consciência da vulnerabilidade imposta pela DC transforma a relação do indivíduo com sua própria vida e abala a percepção que ele tem de si mesmo, de seus recursos e de suas capacidades.

 

Conclusão

Os portadores sintomáticos para a doença de Chagas crônica apresentam mais sintomas psicológicos e físicos de estresse e menor capacidade de resiliência que os indivíduos assintomáticos infectados pelo T. cruzi. A baixa resiliência foi expressa por sentimentos de desesperança e dificuldades emocionais e menor capacidade de tenacidade e inovação.

Este estudo aponta para o fato de que a baixa resiliência predispõe conseqüentemente à ocorrência do desenvolvimento dos sintomas de estresse, principalmente os de cunho psicológico, levando, portanto, à predisposição do surgimento de sintomas de DC, os quais estão diretamente relacionados a uma maior morbidade.

As intervenções preventivas, psicológicas ou psicossociais, que se ocupem da detecção precoce e oportuna de sintomas emocionais bem como de recuperação psicológica de doenças físicas, podem vir a ser importantes fontes de ajuda, na medida em que podem fornecer estratégias de enfrentamento diante do processo da doença, assim como ao estresse associado a esta.

A compreensão do paciente chagásico com relação à própria doença deve ser vista dentro de uma realidade que vai além da compreensão do fisiológico. As questões de cuidados preventivos que poderiam retardar, amenizar ou mesmo evitar o surgimento dos sintomas em DC, provavelmente demandam conhecimentos e atitudes que extrapolam os recursos e oportunidades que caracterizam a vida de seus portadores, já que é considerada uma enfermidade associada à pobreza e ao subdesenvolvimento.

Fazem-se necessárias medidas que instrumentem as práticas educativas de saúde, assim como os serviços e os profissionais da área, visando maior acesso as informações e ao tratamento da DC, propiciando a diminuição do estigma da doença e do estresse associado a ela.

De outra parte, é preciso repensar as políticas públicas, visando proporcionar sentimento de esperança de um futuro melhor, com melhoria na qualidade de vida e trabalho para os brasileiros de todas as raças e classes.

 

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Endereço para correspondência
E-mail:dcgdmota@uem.br

Recebido em março de 2006
Aceito em agosto de 2006

 

 

Autores
1 Daniela Cristina Grégio d"Arce Mota – Psicóloga, Mestre em Ciências da Saúde. Professora Departamento de Psicologia – UEM
2 Ana Maria T. Benevides-Pereira: Doutora em Psicologia. Professora – Universidade Estadual de Maringá-UEM
3 Mônica Lúcia Gomes: Doutora em Parasitologia. Professora do Departamento de Análises Clínicas – UEM
4 Silvana Marques de Araújo: Doutora em Parasitologia. Professora do Departamento de Análises Clínicas – UEM
5 Benevides-Pereira AMT, Inventário de Resiliência. Maringá, 2004. Dados inéditos não publicados

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