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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  n.26 Canoas dez. 2007

 

EDITORIAL

 

A complexidade que se revela na atualidade nos convoca a pensar sobre o papel da ciência na vida cotidiana. Possivelmente, a complexidade que vivemos seja uma nova maneira de compreender o mundo que se inventa e reinventa de acordo com a cor da lente com a qual o vemos. A lente da complexidade, da busca pela compreensão dos fenômenos que vivemos, possivelmente, é uma lente que nós, pesquisadores, produtores de conhecimento científico, utilizamos.

Não é a mesma das vivências cotidianas, em que o mundo se torna mais real a partir de uma série de regularidades, percebidas pelas pessoas como realidade. No campo da vida cotidiana, importa o preço do pão, a duração do período de chuvas, o atraso do ônibus, a falta de professores na escola e profissionais no posto de saúde, etc.

O cotidiano, portanto, com sua irrefutável realidade, propõe aos pesquisadores um grande desafio. O desafio de fazer de nossa lente algo que contribua efetivamente para a vida cotidiana.

Os artigos presentes nesta edição da revista Aletheia formam um mosaico de formas de pensar, de compreender e avaliar distintos fenômenos da realidade. É o caso das reflexões sobre a identidade, como nos artigos Estados de identidade: uma análise da nomenclatura, de Maria Aznar-Farias e Teresa Helena Schoen-Ferreira e A identidade como grupo, o grupo como identidade, de Claudio Capitão e Roberto Heloani. Ambos abordam a construção de um “si mesmo” no grupo e no mundo em que vivemos.

Nesse mundo de identidades provisórias, os artigos Experiência migratória: encontro consigo mesmo? Percepções de brasileiros sobre sua cultura e mudanças pessoais, de Roberta de Alencar-Rodrigues, Marlene Neves Strey e Janice Pereira, e Armadilhas do multiculturalismo: análise psicossocial da integração à francesa dos estrangeiros, de Toshiaki Kozakai e Rafael Pecly Wolter, abordam as dificuldades reais experimentadas por aqueles que, em um mundo globalizado, enfrentam em terra estrangeira o confronto de identidades.

O artigo Psicologia social da saúde: tornamo-nos eternamente responsáveis por aqueles que cativamos, de Adriane Roso, chama-nos ao compromisso social como profissionais da saúde e seres políticos. Isso se reflete também no artigo Avaliação psicológica, neuropsicológica e recursos em neuroimagem: novas perspectivas em saúde mental, de Carolina Vieira, Eliane da Silva Moreira Fay e Lucas Neiva-Silva, que abordam as possibilidades tecnológicas atuais como um recurso real e possível no campo da saúde mental.

Nesse mesmo sentido, o artigo A utilização do TCLE em psicoterapia: o que pensam psicoterapeutas psicanalíticos, de Rita Petrarca Teixeira e Maria Lucia Tiellet Nunes, reflete sobre a prática do psicólogo clínico e os procedimentos éticos.

A preocupação pela infância também se manifesta como um compromisso da Psicologia, revelando uma série de abordagens direcionadas à qualidade de vida nesse período crucial do desenvolvimento humano: Teoria do Apego: elementos para uma concepção sistêmica da vinculação humana, de Fernando Augusto Ramos Pontes, Simone Souza da Costa Silva, Marilice Garotti e Celina Maria Colino Magalhães; Perspectivas no estudo do brincar: um levantamento bibliográfico, de Scheila Tatiana Duarte Cordazzo, Gabriela Dal Forno Martins, Samira Mafioletti Macarini e Mauro Luis Vieir; Famílias com casais de dupla carreira e filhos em idade escolar: estudo de casos, de Nadir Helena Sanchotene de Souza, Adriana Wagner, Bianca de Moraes Branco e Claudete Bonatto Reichert, e Vínculo parental e rede de apoio e social: relação com a sintomatologia depressiva na adolescência, de Ana Cláudia Nuhlmann Schneider e Vera Regina Röhnelt Ramires.

O campo do desenvolvimento humano é também o foco dos artigos Aprendizagem na ação revisitada e seu papel no desenvolvimento de competências, de Claudia Simone Antonello, e Avaliação de desempenho como um instrumento de poder na gestão de pessoas, de Patrícia Bento Gonçalves Philadelpho e Kátia Barbosa Macedo.

O artigo Emergência e conexionismo como hipóteses suplementares ao Entwurf einer Psychologie de Freud, de André Sathler Guimarães, traz novos elementos para a compreensão das mudanças no pensamento freudiano em termos de um Projeto de Psicologia.

Por fim, o relato de experiência O trabalho do psicólogo na mediação de conflitos familiares: reflexões com base na experiência do serviço de mediação familiar em Santa Catarina, de Fernanda Graudenz Müller, Adriano Beiras e Roberto Moraes Cruz, mostra a importância da atuação da Psicologia na vida cotidiana.

O presente número termina com a resenha do livro O banqueiro dos pobres, realizada por Adriana Weber. Esta resenha aponta as múltiplas possibilidades do ser humano e a possibilidade de mudança social quando alguém coloca sobre o outro um olhar de esperança e dignidade.

Diante dessa diversidade de temas, olhares e lentes, nossa tarefa agora é propiciar que os artigos aqui publicados ganhem, maravilhosamente, asas e saiam do papel, indo pousar nos recônditos mais indecifráveis da vida cotidiana, onde o psicólogo seja mais um agente fundamental no processo de mudança.

Terminamos esse editorial com um escrito de Jorge Debravo, poeta porto-riquenho, meses antes de sua morte em 1967, aos 29 anos. Naquele momento, o poeta já nos convocava a nossa responsabilidade enquanto produtores de saber.

“Nos tocou viver uma época maravilhosa em uma terra maravilhosa. Uma época de transformação em um continente em transformação. Em nossas mãos temos o destino do mundo (...).
Somos os donos do futuro. Mas carregamos sobre nossas consciências uma responsabilidade terrível. A honestidade e a honradez não devem ser em nós uma virtude: devem ser nossa própria essência. Temos que escolher um caminho. De nós depende o destino do homem.
Todos os povos do mundo carregam sobre si responsabilidades terríveis. Mas a do nosso é maior, por ser um povo jovem, Que bate, agora, precisamente às portas do futuro.
Não podemos seguir sendo toda a vida um povo de mendigos. Não devemos ser. Não temos porquê ser.
Todo o homem é responsável pelo destino do mundo. Da mesma forma o intelectual e o obreiro. Mas nós, escritores, carregamos uma responsabilidade maior. Nós podemos inclinar o peso da história para nossa salvação ou nossa derrota.
Temos a obrigação de lutar por um melhor destino para o homem. Por um destino maravilhoso. Não nos é permitido sermos observadores ou apenas testemunhas da luta de nossos povos. Em uma época como esta, ser neutro é trair o destino do homem.
Não se pode calar agora, nem por conveniência nem por cortesia. Quando se decide, a cada instante, a sorte do homem futuro, calar por conveniência ou cortesia é um crime”.

 

 

Mary Sandra Carlotto
Editora

Mauro Magalhães
Sheila Gonçalves Câmara

Editores associados

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