SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número32O conceito de identificação no processo de escolha profissionalQuando o mundo se movimenta o vivo estremece: narrativas de uma cartógrafa em seu encontro com um coletivo hospitalar índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.32 Canoas ago. 2010

 

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Os nós do individualismo e da conjugalidade na Pós-Modernidade

 

The knots of the individualism and the conjugality in Post Modernity

 

 

Érico Douglas VieiraI; Márcia StengelII

I Universidade Federal de Goiás – Campus Jataí. Curso de Psicologia
II Pontifícia Universidade Católica de Minas. Programa de Pós-graduação de Psicologia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O individualismo é uma ideologia presente na Pós-Modernidade que toma o indivíduo como referência. Este trabalho procurou demonstrar como se dá a relação entre as individualidades e a conjugalidade, bem como entender de que maneira os sujeitos convivem com o desmapeamento presente na Pós-Modernidade. Amor romântico, amor líquido, formas tradicionais e igualitárias de relacionamento são alguns dos mapas contraditórios à disposição dos indivíduos. Para a realização da  pesquisa foram entrevistados três casais que moram juntos, sendo dois casais heterossexuais e um casal homossexual masculino. Os parceiros amorosos foram entrevistados separadamente, sendo o material coletado analisado em categorias através da análise de conteúdo. Observamos que os entrevistados esperam obter segurança do relacionamento e desejam que o vínculo amoroso seja duradouro desde que proporcione satisfações suficientes para justificar a sua continuidade. O convívio da individualidade com a conjugalidade pode representar uma fonte de conflitos entre o casal.

Palavras-chave: Individualismo, Conjugalidade, Pós-modernidade.


ABSTRACT

The individualism is an ideology present in the Post-Modernity that takes the individual as reference. This work attempted to show the relationship between the individualities and the state of conjugality, as well as to understand the subjects they live with in light of the present remapping in Post-Modernity. Romantic love, liquid love, conventional and egalitarian forms of relationship is some of the contradictory maps available to the individual. For the accomplishment of the research three couples living together were interviewed, two being heterosexual couples and a male homosexual couple. The love partners were interviewed separately, the collected material being analyzed in categories through a content analysis. We observed that the interviewees hope to obtain security from the relationship, wanting for the love to last as long as it provides enough satisfactions to justify continuity. The conviviality of individuality with the conjugal state can represent a source of conflicts between the couple.

Keywords: Individualism, Conjugality, Post-modernity.


 

 

Introdução

O objetivo da presente pesquisa é a tentativa de compreensão da relação entre o individualismo e o relacionamento amoroso. Parte-se do pressuposto de que a Pós-Modernidade tem o indivíduo como referência, realizando algumas operações que têm como resultado uma forte ênfase em aspectos como a liberdade de escolha, a realização pessoal, a obtenção de sensações prazerosas e a possibilidade de viver sem depender do outro. Objetivou-se estudar como estes aspectos da sociedade contemporânea, que entendemos como individualismo, perpassam as relações amorosas, ou seja, de que maneira características macrossociais influenciam a construção dos espaços da intimidade, mais especificamente, da conjugalidade. Como objetivos secundários, o trabalho buscou pesquisar as concepções e ideais de relacionamento amoroso para cada sujeito, bem como o estudo do individualismo como ideologia presente na Modernidade e Pós-Modernidade.

Individualismo: sociedades tradicionais, modernas e pós-modernas

Para compreendermos os relacionamentos amorosos na Pós-Modernidade, faz-se necessária, primeiramente, uma discussão sobre o individualismo1. Dumont (2000) tenta compreender a ideologia do individualismo traçando a diferença entre as sociedades holistas e as sociedades individualistas. Nas primeiras, a totalidade do corpo social tem valor supremo, enquanto nas segundas o indivíduo por si só é mais valorizado. O indivíduo seria o centro e o foco do universo social. Para entender a ideologia individualista da Modernidade, o autor estudou a sociedade de castas na Índia e demarcou a hierarquia como princípio organizador de tal sociedade, que se refere à posição social definida, cada ser humano particular ocupando seu lugar, obedecendo aos fins prescritos pelo todo social, sem possibilidade de mobilidade. Este tipo de sociedade representa um exemplo de sociedade tradicional, estando presentes valores de referência como ordem, tradição, hierarquia, cada homem particular contribuindo para a organização da sociedade. Neste caso não há espaço, ou há pouco espaço, para escolhas individuais. Aliás, não se pode sequer falar de indivíduo nas sociedades tradicionais; o indivíduo é uma invenção moderna, de acordo com Dumont (2000).

Nas sociedades modernas a ideologia predominante é a do individualismo. Simmel (2005) discute a questão da liberdade e da igualdade presentes no individualismo. O autor descreve duas formas de individualismo, colocando a vida nas cidades como uma grande fomentadora desta ideologia. O primeiro tipo de individualismo, ou a primeira revolução individualista, ocorreu no século XVIII, quando surgiu o clamor por liberdade e igualdade. Havia uma busca pela libertação dos indivíduos em relação a laços políticos, agrários e religiosos, que passaram a ser vistos como ligações violentadoras, opressoras e sem sentido. A independência destas relações injustas traria a revelação da natureza nobre e boa do ser humano que a sociedade havia deformado; tal era o ideal do liberalismo que acreditava num homem universal.

A segunda revolução individualista iniciou-se a partir do século XIX, por influência do Romantismo, trazendo a ideia de que os homens, agora libertos dos laços tradicionais, poderiam ser distinguidos uns dos outros. Os indivíduos buscavam, então, ser valorizados na sua singularidade, queriam ser únicos e incomparáveis (Simmel, 2005).

De acordo com Chaves (2004), o sujeito moderno tinha como ênfase a busca da ordem, a valorização da razão e a tentativa de conciliar as tensões entre as necessidades individuais e as exigências coletivas do Estado. Havia ainda uma entidade suprapessoal de importância como o Estado como marco de ordenação para a vida individual. Na Modernidade o sujeito era concebido como sendo racional, pensante e consciente, situado no centro do conhecimento, que denominamos como o sujeito cartesiano. Era uma concepção de sujeito como tendo uma identidade fixa, estável e coerente.

Nas sociedades pós-modernas, o individualismo é uma ideologia presente e marcante. É importante destacar que adotaremos o termo Pós-Modernidade2, utilizado por Lipovetsky (1983) e Chaves (2004), para designar o período que se inicia na década de 1960 até os dias atuais. Compreendemos a década de 1960 como o marco inaugural da Pós-Modernidade com o advento do movimento feminista, das revoltas estudantis, dos movimentos juvenis contraculturais, das lutas pelos direitos civis e dos movimentos revolucionários do Terceiro Mundo (Hall, 2003).

Entre as sociedades pós-modernas e as sociedades modernas há rupturas e continuidades. Pode-se dizer que o indivíduo continua a ser o valor supremo na Pós-Modernidade, mas de uma maneira diferente.

O sujeito pós-moderno pode se perder numa desordem ou em uma nova ordem, na qual os interesses individuais tendem a suplantar os interesses voltados ao bem-estar coletivo. Cada um estaria voltado para a busca de sensações prazerosas a despeito da organização coletiva. Enquanto a responsabilidade na Modernidade refere-se a preocupações de âmbito coletivo, na Pós-Modernidade os indivíduos preocupam-se com o seu bem-estar individual, revelando uma indiferença com as questões da sociedade. Na Pós-Modernidade, portanto, a noção de responsabilidade passa a ter um viés narcísico, representando as preocupações do indivíduo com sua saúde e qualidade de vida. O indivíduo é o gerente da própria vida.

A liberdade individual é supervalorizada, sendo entendida como viver como bem quiser, ter várias opções e ser livre para escolher (Chaves, 2004). O indivíduo é responsabilizado pelo seu próprio bem-estar, pela construção de seu projeto de vida, pela satisfação de suas necessidades, pelo planejamento de sua vida. Se por um lado esta responsabilização pode garantir uma possibilidade de determinar a própria vida, por outro, requer um esforço e um investimento muito grandes, que nem todos estão dispostos ou são capazes de fazer.

Refletindo sobre estes aspectos, fica claro que a sociedade pós-moderna também é individualista. Quando pensamos no individualismo descrito por Dumont (2000) como ideologia pertencente à Modernidade, que enfatizava a liberdade e a responsabilidade individuais, percebe-se que esta definição ainda se encaixa para descrevermos os valores da Pós-Modernidade. No entanto, é preciso marcar algumas diferenças existentes entre o individualismo da Modernidade com o da Pós-Modernidade.

A Pós-Modernidade é entendida como a era da cultura do narcisismo, que se define por uma sociedade formada por indivíduos extremamente preocupados consigo próprios (Lasch, 1983). Esta intensa autoabsorção traduz na propagação de uma visão terapêutica caracterizada pela busca do "crescimento" pessoal, pelo culto da "expansão" da consciência, pelo monitoramento frequente da saúde. A principal hipótese do autor é que a cultura do narcisismo difunde-se na medida em que há um enfraquecimento do sentido do tempo histórico. Este processo se dá como um repúdio ao passado, que representa as tradições, e em uma dificuldade em determinarmos o que acontecerá no futuro. Uma vez que a sociedade não tem futuro, faz sentido vivermos somente para o momento, fixarmos nossos olhos em nossos próprios desempenhos particulares, tornarmo-nos peritos em nossa própria decadência, cultivarmos uma "autoatenção transcendental" (Lasch, 1983, p.26).

No sistema social pautado pela produção e consumo em massa, os sujeitos encontram-se cada vez mais minados em sua autoconfiança e iniciativa. São colocados numa posição de passividade, de meros espectadores. Pode-se dizer que a sociedade de consumo não valoriza exatamente o indivíduo, como parece, mas valoriza ou enfatiza o que falta aos indivíduos, como forma de fomentar o consumo. Este aspecto traz uma crescente insatisfação do indivíduo com a identidade que conseguiu construir. Diante disto, podemos nos perguntar se a sociedade pós-moderna seria individualista, já que não valoriza o indivíduo. Entendemos que uma sociedade é individualista se toma o indivíduo como referência e unidade moral autônoma e que enfatiza a liberdade como um valor norteador. A Pós-Modernidade dá ênfase ao que falta aos indivíduos, mas mesmo assim continua tendo o indivíduo como unidade de referência. Portanto, entendemos que a sociedade pós-moderna é, realmente, individualista. Esta perspectiva do individualismo pós-moderno pauta os relacionamentos amorosos contemporâneos, tema que discutiremos a seguir.

Relacionamentos amorosos: amor romântico e amor líquido

Os ideais amorosos de relacionamento podem ser compreendidos como construções socio-históricas. A ideia de um amor universal aponta para uma visão naturalizada, que entendemos ser errônea e enganosa. O amor não seria uma função imanente da vida psíquica, independente da realidade exterior. De acordo com Chaves (2004, p.92), "a maneira como o indivíduo sente, expressa e vivencia o sentimento amoroso está relacionada a um conjunto de ideias, fantasias, imagens e discursos ao qual ele tem acesso, no qual ele é inserido por intermédio da sua família e dos grupos sociais, com os quais ele se identifica ou não".

Entre os ideais amorosos na Pós-Modernidade, estão presentes, a nosso ver, o amor líquido e o amor romântico. O ideal do amor romântico instalou-se na cultura ocidental no final do século XVIII e sua influência perdura até os dias atuais. De acordo com Chaves (2006), refere-se à criação de um ideal amoroso que valoriza os desejos, afetos, sonhos e a singularidade, com uma tentativa de retirar a influência de normas externas ao par amoroso. Com o amor romântico foi inaugurada a interdependência entre sexualidade e amor, sendo o componente sexual essencial para a relação amorosa. O relacionamento amoroso não se dava mais entre um casal formado por decisões familiares que visavam à conveniência, mas sim pela livre escolha dos parceiros. Esta escolha se baseava no compartilhamento do amor e desejo sexual. O casamento passou a ser contestado como um mero arranjo financeiro e passou a ser valorizado como um encontro profundo de almas. Depreende-se daí a vinculação do amor com a liberdade, estados desejáveis a despeito de convenções sociais (Giddens, 1993).

Após a análise de algumas características do amor romântico, interessa-nos compreender o amor líquido, termo cunhado por Bauman (2004). Algumas características da Pós-Modernidade, como a ênfase na possibilidade de viver sem depender do outro e a ideia do outro como objeto de prazer em detrimento de sua individualidade, engendram o que o autor chama de amor líquido. Esta concepção diz respeito à noção de aproveitar os prazeres de um relacionamento tentando evitar os momentos mais penosos e difíceis. Além disso, esta noção aponta para a transposição da lógica das relações de consumo para as relações amorosas. O outro é tratado como um objeto de consumo e julgado pelo volume de prazer que ele oferece. É uma forma de relacionamento em que "se entra pelo que pode ganhar e se continua apenas enquanto ambas as partes imaginem que estão proporcionando a cada uma satisfações suficientes para permanecerem na relação" (Giddens citado por Bauman, 2004, p.111).

A relação pode ser terminada à vontade, por qualquer um dos parceiros. A qualidade do relacionamento é examinada constantemente e a sensação de liberdade pode dar lugar à sensação de insegurança. Singly (2003) aponta que o anseio por liberdade na Pós-Modernidade vem acompanhado por uma crescente necessidade de segurança. Parece-nos que tanto o relacionamento puro quanto o amor líquido levam somente em consideração o apelo à liberdade. A ambiguidade dos sujeitos pós-modernos reside no fato de as possibilidades de enraizamento serem vistas como opressoras e, ao mesmo tempo, serem buscadas pelos indivíduos. Por que razão, num mundo marcado pela ênfase em viver as sensações e a novidade, as pessoas ainda apostam numa relação amorosa durável? Diante de um mundo visto como cada vez mais difícil de interpretar e, consequentemente, de agir sobre ele, os pós-modernos desejam âncoras, como uma relação amorosa. No entanto, quando se enraízam, ressentem-se das outras possibilidades perdidas, da prisão sentida na rotina do relacionamento.

Relativo às relações amorosas na Pós-Modernidade, entende-se que, apesar das rupturas em relação aos modos tradicionais de ideais amorosos, há também permanências. O conceito de desmapeamento auxilia no entendimento dos vários mapas relacionais disponíveis para os pós-modernos. Refere-se "à convivência, no sujeito, em níveis diferentes, de dois ou mais conjuntos de valores (ou mapas) internalizados em algum momento de sua formação" (Nicolaci-da-Costa, 1985, p.159). Numa sociedade em rápida transformação como a nossa, encontram-se presentes, simultaneamente, formas tradicionais, modernas e pós-modernas de práticas e expectativas de relacionamento amoroso.

Atualmente, percebe-se a vivência simultânea de vários mapas, o que faz com que os sujeitos vivam vários ideais concomitantemente. Destes ideais, nota-se o amor líquido e o amor romântico como os dois grandes paradigmas amorosos reinantes na atualidade. O amor líquido trata-se de uma tentativa de dissociar prazer de compromisso nas relações amorosas (Bauman, 2004). Talvez caiba ao sujeito contemporâneo realizar a síntese entre estes dois ideais inventando soluções; ou mais do que realizar uma síntese, inventar estratégias existenciais para conviver com estes dois paradigmas simultaneamente.

Percebe-se que, na configuração pós-moderna do amor romântico, aspectos como a eternidade da relação e a fidelidade dos parceiros já não se revestem de grande importância. Declarar eternidade é visto como um decreto de prisão. Os pós-modernos desejam ter segurança, como afirma Singly (2003), querem uma estabilidade no presente. No entanto, pretendem deixar o futuro em aberto. Os casais negociam permanentemente a continuidade do vínculo que, tal qual um contrato, pode ser quebrado a qualquer momento quando qualquer um dos parceiros assim decidir (Heilborn, 2004). Por outro lado, a ideia de fidelidade é cada vez menos praticada pelos parceiros, mas ainda permanece como um ideal. Stengel (2003) pesquisou as concepções amorosas de adolescentes e alguns deles declararam que não são fiéis aos parceiros amorosos, mas que valorizam muito a fidelidade. Podemos entrever neste fato que os sujeitos pós-modernos são atravessados por inúmeras ambiguidades. Não desejam permanecer somente com um único parceiro, porque assim estariam perdendo outras oportunidades, mas valorizam ainda a fidelidade como um ideal. De qualquer maneira, revela-se como um desafio percebermos o que permanece do amor romântico e o que a sociedade pós-moderna traz de rupturas com relação a este ideal.

Retomando o nosso argumento a respeito do desmapeamento presente na sociedade pós-moderna, referente à convivência simultânea nos sujeitos de ideais amorosos distintos – amor romântico e amor líquido –, constata-se o alto grau de complexidade presente no mundo contemporâneo. Os sujeitos são convocados a inventar estratégias existenciais para atribuir significados para práticas sociais e conviver simultaneamente com paradigmas distintos. Os desafios colocam-se e nem todos são capazes de lidar com tal complexidade. Desta forma, pretendemos discutir como os casais têm vivido estes desafios, a partir da relação que estabelecem com a individualidade em seus relacionamentos amorosos.

 

Método

Participantes

Buscou-se os sujeitos de pesquisa na rede de conhecidos do pesquisador, sujeitos estes que vivem um relacionamento – casamento ou união estável – dividindo a mesma moradia com o parceiro, pertencente às camadas médias da região metropolitana de Belo Horizonte-MG. Este critério foi adotado por entendermos que o fato de os parceiros amorosos morarem juntos poderia trazer fecundas informações para a investigação de como se dá a relação entre individualidade e conjugalidade. A faixa etária dos sujeitos varia entre 28 e 40 anos. É importante salientar que os sujeitos entrevistados não tinham nenhum vínculo com o pesquisador, foram somente indicados por pessoas conhecidas.

Instrumentos e procedimentos de coleta de dados

O presente trabalho coloca-se como uma pesquisa de natureza qualitativa. Para a coleta de dados, utilizou-se o método da história oral temática, com a realização de entrevistas semiestruturadas. Tal método busca uma perspectiva micro-histórica, ressaltando a experiência e as versões dos atores sociais. Proporciona ao informante retomar sua vivência de forma retrospectiva, com um olhar cuidadoso, liberando pensamentos críticos reprimidos. A relação transferencial entre pesquisador e informante traduz-se no desejo de contar apreendendo o vivido social. Os relatos individuais formam uma ponte com o coletivo e facilitam a reconstrução das histórias pessoais neste processo de autoanálise (Ferreira & Amado, 1998). De acordo com Meihy (1996), a história oral temática possui um caráter específico, pois se interessa apenas por aspectos da vida do narrador que tenham ligação direta com o tema central da pesquisa. Neste caso, o interesse é escutar a narrativa dos sujeitos no tocante à relação entre a individualidade e a conjugalidade nos seus relacionamentos amorosos.

As entrevistas foram realizadas com três casais escutando cada sujeito em separado. Foram entrevistados dois casais heterossexuais e um casal homossexual masculino. A escolha por estes casais deveu-se à intenção de investigar se haveria diferenças significativas na forma de viver a individualidade e a conjugalidade em casais heterossexuais ou homossexuais. As questões abordadas nas entrevistas foram em torno dos seguintes temas: ideal de relação amorosa para os sujeitos, expectativas quanto à relação amorosa, expectativas quanto ao futuro da relação, escolha do parceiro, cotidiano doméstico, motivos de acertos e conflitos na vida a dois, rituais de manutenção da vida a dois, rede de amigos, tipo de lazer. As entrevistas foram realizadas entre abril e agosto de 2008.

Análise dos dados

Para análise dos dados utilizou-se a análise de conteúdo, cujo objetivo é produzir inferências baseadas no referencial teórico a partir de um tema ou palavra. Realiza-se a análise do conteúdo do material contido nas entrevistas buscando-se o sentido explícito e implícito dos textos (Bardin, 1977). Segundo Triviños (1987), esse método permite ir além da descrição dos relatos dos sujeitos, mediante a análise do seu conteúdo, fazendo inferências fundamentadas no referencial teórico. Por isso, faz parte dessa análise o conteúdo manifesto, sendo ele o ponto de partida, e o conteúdo latente, que é levado em consideração por abrir perspectivas no sentido de descobrir ideologias, tendências e características dos fenômenos sociais. A análise do conteúdo latente é essencial ao método de análise de conteúdo, pois é a tentativa de compreensão do material latente que permite a interpretação e a contextualização do tema em estudo, garantindo relevância (Triviños, 1987).

Os nomes dos sujeitos são fictícios e, como forma de facilitar a leitura, os parceiros do casal têm a mesma letra inicial. Sendo assim, temos o casal formado por Júlio e João Ricardo, com onze anos de relacionamento, Lucas e Luiza com cinco anos de namoro e um ano e meio de casados civilmente. Por fim, Paula e Pedro com onze anos de namoro e dois anos de coabitação. A diferença do tempo de relacionamento entre os casais pode afetar a percepção da relação entre a individualidade e a conjugalidade, fato este que pode representar, por um lado, um limite do presente estudo e, por outro, uma riqueza, na medida em que apresenta diferentes estratégias de lidar com essa relação.

Finalmente, é importante destacar que a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da PUC Minas e foi aprovada, conforme Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde. Finalmente, é importante destacar que a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da PUC Minas, conforme Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde, e foi aprovada sob o número 034102130007.

 

Resultados e discussão

Os significados da relação amorosa

Os sujeitos pós-modernos convivem concomitantemente com o ideal romântico e as ideias do amor líquido. A seguinte fala de Pedro demonstra tal fato. Ele aponta que o relacionamento não deve "escravizar" os parceiros, mas um deve completar o outro: "Que seja um relacionamento duradouro. Não duradouro que escraviza, nada disso. Tem que ficar junto, tem que tá comigo, nada disso. Mas como uma pessoa que me completa..."

Os entrevistados compreendem a relação amorosa como um aspecto de suas vidas que fornece uma estrutura identitária e também um sentimento de estabilidade. Féres-Carneiro (1998) aponta o casamento contemporâneo como espaço de construção nômica para os indivíduos. A conjugalidade pode ter uma função social de construção de uma determinada ordem, na qual os indivíduos constroem relações de intimidade com um outro significativo.

Júlio relata que, no primeiro dia em que se encontraram, disse para João Ricardo que já pensava muito nele: "Isso, tipo, fez ele ir lá pra cima, então assim, de uma certa forma, também isso é um marco, eu pus ele lá pra cima sem saber..."

João Ricardo comenta o seu investimento para que a relação seja duradoura:

Voltei pro psicanalista homem. Então, foi tudo para construir uma vida afetiva, porque eu sabia no meu subconsciente, tendo uma vida  afetiva embasada, a construção da minha vida seria melhor... As coisas da minha vida seriam melhores.

No caso de Luiza e Lucas, percebe-se que a relação amorosa trouxe alguns elementos que forneceram um sentido de segurança para os parceiros, além de um meio para o desenvolvimento de suas individualidades. Lucas relata que se tornou uma pessoa mais envolvida com seus compromissos profissionais. Em sua fala transparece que Luiza é a maior responsável por suas mudanças:

Meu objetivo não era estudar. Então, assim, era muito diferente. Agora hoje, assim, já fiz pós-graduação, tudo coisa que ela me faz crescer e ela coloca na minha cabeça, a gente conversando, e eu vou e levo a sério, sabe? E, principalmente, ela mudou muito meu lado profissional. Ainda bem! Que era um pouco sem objetivos, assim não preocupava com essas coisas, não... A partir do momento que você conhece uma pessoa e que cê passa a levar a sério e coloca alguns objetivos pra vocês dois, você tem que correr atrás.

Luiza também percebe a relação amorosa como um refúgio, principalmente quando relata o período de namoro, em que morava numa república:

Aí eu não tinha assim, uma compatibilidade de ideias com as pessoas que eu morava. E aí ele, quando eu o conheci, ele veio assim, como uma válvula de escape. Que eu não precisava ficar lá. Então, fim de semana eu ia sair com ele. Ou às vezes ele ia pra lá e eu ficava conversando com ele. Então, assim, minha vida ficou mais alegre, sabe?

A expressão "válvula de escape" traduz a representação da relação amorosa como um refúgio, uma saída de situações penosas.

Portanto, configura-se um desafio para os casais pós-modernos a conciliação dos vários mapas amorosos disponíveis. Amor romântico, amor líquido, segurança, liberdade. O relacionamento amoroso é visto como um vínculo especial em relação aos outros elos sociais, mas, ao mesmo tempo, é sentido como uma ameaça ao exercício da liberdade individual.

Relativo à percepção dos entrevistados quanto ao futuro do relacionamento, o desejo de que o vínculo amoroso seja duradouro ainda permanece, desde que seja uma relação de qualidade e que se possa preservá-la de muitos desgastes. Os entrevistados sempre colocam, ao lado do desejo de duração, a preocupação de que seja um relacionamento que traga benefícios a cada um:

Ah, não sei, eu espero que a gente possa preservar esse vínculo que a gente conseguiu estabelecer agora, assim, que a gente não tem nenhum, grandes prejuízos ao longo dos anos... Que eu sei que o relacionamento vai se desgastando, não sei, né. Muita gente fala: vocês estão com pouco tempo de casados, está tudo bom ainda, mas depois piora (risos). Espero não piorar... Que a gente possa seguir manter, né, o amor, essa atração que a gente tem pelo outro, que possa ser preservado. Não espero grandes revoluções mais, não... (Paula)

No relato de Lucas também está presente a ideia de que não vale à pena estar em um relacionamento que não traga benefícios:

Então, assim, acredito que vale a pena ficar junto, porque é bom. Porque a partir do momento que está te fazendo mal, vai procurar outro caminho, vai procurar outra coisa porque tem algo errado. E quando eu vejo algo de errado, cada um segue o seu caminho e pronto.

Resta-nos saber quais seriam as referências para considerar que existe "algo de errado" ou que o relacionamento "não deu certo". Quais seriam os limites de cada um para suportar momentos adversos no relacionamento? A liquidez pós-moderna, de acordo com Bauman (2004), coloca os sujeitos em uma posição de se engajarem no vínculo amoroso desde que este não exija sacrifícios e que proporcione um volume de prazer e satisfação suficientes para a continuidade da relação. A lógica de consumo transferida para as relações amorosas faz com que o outro seja julgado pelos benefícios proporcionados e, caso contrário, este deve ser descartado. O contrato amoroso pode ser rompido a qualquer momento por qualquer um dos parceiros (Heilborn, 2004).

Interessante notar que, nas entrevistas, o casal de homens aponta a possibilidade de separação com menor frequência do que os casais heterossexuais. No discurso destes últimos, a separação é colocada todo o tempo; não que eles a desejem, mas a possibilidade de rompimento, caso a relação se torne insatisfatória, é apontada repetidamente. Curiosamente, os relacionamentos homossexuais trazem uma representação de que seriam muito efêmeros, como Júlio e João Ricardo dizem. No entanto, esta fluidez esteve mais presente nos discursos dos casais heterossexuais entrevistados nesta pesquisa. O fato de o casal homossexual estar junto há mais tempo e já ter superado certos conflitos no relacionamento pode ser uma explicação para esta diferença.

Com relação à negociação permanente do vínculo amoroso, o que se percebe é que a qualidade do relacionamento é examinada constantemente e a sensação de liberdade pode dar lugar à sensação de insegurança. É preciso dizer que nas negociações ocorrem tentativas constantes de conciliação da individualidade com a conjugalidade. Os sujeitos pós-modernos, desmapeados percebem o relacionamento amoroso como uma fonte potencial de opressão, ao mesmo tempo em que buscam o vínculo amoroso como uma fonte de segurança (Singly, 2003).

Conjugalidade e individualidade

Nesta categoria pretende-se investigar os arranjos que os sujeitos da pesquisa realizam para preservar e desenvolver sua individualidade e, ao mesmo tempo, viver os sonhos e projetos em comum do casal. As pessoas desejam um relacionamento de qualidade, que forneça estabilidade e proporcione segurança. Por outro lado, a liberdade individual é um valor de referência da Pós-Modernidade, ao lado do apelo para se viver a novidade e as sensações. Soma-se a isto o fato de que as pessoas valorizam a preservação da individualidade, que entendemos aqui como a manutenção de gostos, lazeres, amizades. Féres-Carneiro e Diniz-Neto (2008) apontam que, até mesmo no âmbito da psicoterapia de casal, as questões individuais estão sendo mais consideradas no tratamento atualmente. Tal fato pode demonstrar que a preocupação de que a individualidade não se perca na vivência da conjugalidade está cada vez mais presente.

Gomes e Paiva (2003) argumentam que os casamentos na Pós-Modernidade não fornecem um espaço de desenvolvimento das individualidades, aproximando-se de relações em que não há diferenciação entre o eu e o outro. A conjugalidade poderia representar um espaço de continência das necessidades individuais, frente a uma realidade cada vez mais caótica e difícil de prever.

João Ricardo relata a perda do espaço individual para a manutenção da relação: "Ah, tem que ser, alguém tem que ceder, e eu sempre cedo... E, às vezes é assim também, eu estou sempre deixando de fazer alguma coisa que gosto." O entrevistado abre mão de sua individualidade com a ideia de que um dos dois deve fazer concessões para que a relação permaneça, aceitando com resignação o fato de que Júlio não vai ceder:

Eu saio com meus amigos, mas quando tem que ceder por exemplo, a gente tava saindo muito separado. Mas quando alguém tem que ceder, quem cede? Eu! Jamais ele vai ceder e sair com a minha turma de amigos. (João Ricardo)

João Ricardo demonstra que o fato de sempre consentir o deixa ressentido e que, nos momentos em que não o faz, há desentendimentos. Ele abre mão de realizar atividades de que gosta para evitar conflitos na relação. Em outros momentos, ele faz algumas coisas escondidas de Júlio. Mesmo dizendo que consente, aparentando uma atitude de resignação, percebe-se em seu relato a queixa de um sofrimento.

No caso do casal formado por Lucas e Luiza percebe-se que ele é quem faz mais concessões para a manutenção da relação. No seu relato, demonstra reiteradamente que, caso ele não deixasse de fazer algumas atividades que tem prazer, o relacionamento não teria duração:

Não que ela não me respeite, mas acho que eu cedo mais do que ela. Faz parte do meu jeito e faz parte também da rotina minha e dela. Minha vida era isso, no fim de semana jogar bola e futebol, só isso. Hoje não tem isso mais. Porque se eu for jogar bola todo dia do jeito que eu jogava, agarra. Aí, eu casei com a bola e não com ela. (...) Primeiro que eu vivia pra mim. Hoje eu vivo pra mim, uma parte pra mim, uma parte pra ela e uma parte pra nós dois. Se cê quer ser muito individualista, se esquece que você casou, não dá certo, não.

Lucas revela que deve ser feita uma mudança de estilo de vida depois do casamento, que deve ocorrer uma adaptação. Quando diz que Luiza faz menos concessões, parece racionalizar ou justificar para si mesmo, relacionando este fato com o ‘jeito dele' e as rotinas diferentes dos dois. Neste momento, ele minimiza o descontentamento que sente pelo fato de fazer muitas concessões à esposa, enquanto ela não se disponibiliza em participar das atividades de que ele gosta.

A constituição do casamento contemporâneo é pautada pelos valores do individualismo, de acordo com Féres-Carneiro (1998), fato que pode ser origem de tensões. De um lado, há uma ênfase na autonomia e satisfação de cada cônjuge e, de outro, há a necessidade de se construir a conjugalidade, que seria o espaço em comum do casal. Este conflito não apresenta uma fácil solução, pois quando se fortalece a conjugalidade, os indivíduos precisam ceder. Na ênfase da satisfação individual, os espaços conjugais podem se fragilizar.

Ao longo da análise da categoria, percebemos que nos três casais existe um acordo tácito que conduz os parceiros a uma configuração em que um deles faz mais concessões do que o outro. Teríamos, assim, um arranjo no qual sempre um membro seria o mais ‘generoso' e o outro o mais ‘egoísta'. Ressaltamos que esta análise pode ser superficial, porque o mais generoso teria alguns ganhos na relação, ocupando esta posição, não significando que ele seria um mártir que se sacrificaria para a manutenção do vínculo.

No caso dos casais Lucas e Luiza e Júlio e João Ricardo, os entrevistados que cedem mais são Lucas e João Ricardo. Eles recorrem a uma explicação dizendo que teriam uma "tendência" maior para fazer concessões. Esta explicação parece servir para justificarem para si mesmos e, ao mesmo tempo, pode impedir mudanças neste arranjo relacional. Mesmo com este aparente conformismo, João Ricardo e Lucas demonstram sentimentos de mal-estar na medida em que esperam mais concessões do seu parceiro e isto não ocorre. Lucas aponta ainda o medo de "se perder", de abrir mão demasiadamente da sua individualidade. É pouco provável que Júlio e Luiza também não façam algumas concessões para a manutenção da relação. Tal fato tende a ocorrer no cotidiano dos relacionamentos. Luiza aponta, em alguns momentos da entrevista, que muitas vezes abre mão da sua individualidade, mas que, pelo fato de admirar Lucas, não sente isto como uma perda. No caso de Paula e Pedro, é ela quem faz mais concessões. Pedro é quem procura fornecer explicações para isto, quando diz que Paula afastou-se de suas amigas devido a mecanismos sociais que fazem com que as mulheres abram mão da sua individualidade quando estão em um relacionamento. Tal explicação parece servir para justificar para si mesmo e para Paula esta diferença, e também sugere pouca abertura para mudanças, já que seria difícil para um casal fazer um contramovimento ao que ocorre na sociedade, como está implícito na fala de Pedro.

A constituição do casamento contemporâneo é pautada pelos valores do individualismo, de acordo com Féres-Carneiro (1998), fato que pode ser origem de tensões. De um lado, há uma ênfase na autonomia e satisfação de cada cônjuge e, de outro, há a necessidade de se construir a conjugalidade, que seria o espaço em comum do casal. Este conflito não apresenta uma fácil solução, pois quando se fortalece a conjugalidade, os indivíduos precisam ceder. Na ênfase da satisfação individual, os espaços conjugais podem se fragilizar. Deste modo, podemos perceber, no geral, que os pós-modernos estão muito sensíveis às perdas dentro de um relacionamento amoroso, problematizando tal fato. Os entrevistados que fazem mais concessões sentem um grande descontentamento e os que se que colocam na outra posição não demonstram vontade de sair dela.

Podemos perceber, no geral, que os pós-modernos estão muito sensíveis às perdas dentro de um relacionamento amoroso, problematizando tal fato. Os entrevistados que fazem mais concessões sentem um grande descontentamento e os que se que colocam na outra posição não demonstram vontade de sair dela.

 

Considerações finais

A pesquisa desenvolvida pretendeu compreender como se dá a relação entre a individualidade e a conjugalidade entre casais. Estudou-se o individualismo como ideologia predominante na Modernidade e Pós-Modernidade, bem como os ideais e práticas amorosos à disposição dos sujeitos pós-modernos.

Em relação ao modo como os entrevistados percebem o seu relacionamento amoroso, notou-se que existem vários mapas, que fornecem distintas representações da relação e que estimulam determinados comportamentos. O desmapeamento encontrado nas falas dos entrevistados refere-se à convivência simultânea de elementos do amor romântico e do amor líquido. As pessoas ainda desejam um relacionamento que seja duradouro e entendem esta relação como um vínculo privilegiado entre os demais, ideias advindas do amor romântico. O desejo de segurança convive com a liquidez pós-moderna que percebe os compromissos como prisões e estimula a ruptura do relacionamento caso este esteja requerendo sacrifícios do indivíduo. As pessoas querem, mais do que nunca, experimentar as promessas de felicidade que ainda existem em torno de uma relação amorosa, na medida em que este tipo de vínculo é percebido como especial dentre os outros. Diante de um mundo visto como cada vez mais ameaçador, os pós-modernos desejam alicerces, como uma relação amorosa. No entanto, quando se enraízam, ressentem-se das outras possibilidades perdidas, das vidas que não poderão viver, da prisão sentida na rotina do relacionamento.

Os sujeitos buscam a estabilidade e a segurança no relacionamento, desde que este seja uma fonte de satisfação individual e uma relação de qualidade. Para tanto, a permanência do vínculo amoroso deve ser negociada permanentemente e, se o relacionamento cercear demasiadamente as liberdades individuais, o contrato entre os parceiros pode ser quebrado. A possibilidade de separação foi colocada com mais ênfase pelos casais heterossexuais, apesar de existir uma representação de que os relacionamentos homossexuais seriam mais efêmeros.

Percebe-se um paradoxo: em um mundo marcado pela ênfase em viver as sensações e a novidade, as pessoas ainda apostam numa relação amorosa e desejam que ela seja durável. Os pós-modernos desejam âncoras como uma relação amorosa, desejam a sensação de estabilidade e, ao mesmo tempo, permanecem em estado de alerta no sentido de preservarem sua individualidade dentro do casamento. A conciliação das individualidades e da conjugalidade torna-se um grande desafio e uma possível fonte de conflitos entre o casal. A conjugalidade é percebida como algo que pode ameaçar as individualidades. Nas entrevistas ficou patente a busca de preservação e manutenção de características pessoais, gostos, lazeres, amizades, em que é preciso "não ceder demais". Percebemos que nos três casais existe um acordo implícito que coloca os parceiros em um arranjo em que um deles faz mais concessões do que o outro. O membro que faz menos concessões parece desejar conservar sua posição e o outro revela os ressentimentos advindos de seu lugar na relação. Como entendemos a nossa sociedade como individualista, que toma o indivíduo como uma unidade de referência e que coloca a liberdade como principal valor norteador, torna-se muito difícil que alguém faça concessões sem problematizar e sofrer com isto.

Entendemos que esta pesquisa apresenta limitações por não poder ser generalizada a toda a população. No entanto, pode servir como fonte de reflexão e esclarecimentos para pensarmos sujeitos e grupos similares, tendo como foco aprofundar o conhecimento no tema da relação entre as individualidades e a conjugalidade.

 

Referências

Bardin, L. (1977). Análise do conteúdo (Trad. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro). Lisboa: Edições 70.         [ Links ]

Bauman, Z. (2004). Amor líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.         [ Links ]

Chaves, J. (2004). Contextuais e pragmáticos: Os Relacionamentos Amorosos na Pós-Modernidade. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e da Personalidade. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ.         [ Links ]

Chaves, J. (2006). Os amores e o ordenamento das práticas amorosas no Brasil da Belle époque. Revista Análise Social, 180, 827-846.         [ Links ]

Dumont, L. (2000). O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.         [ Links ]

Gomes, I. C., & Paiva, M. L. S. C. (2003) Casamento e família no século XXI: possibilidade de holding? Revista Psicologia em Estudo, 8. Disponível em: <www. scielo.br/scielo> Acessado: 07/2010.         [ Links ]

Giddens, A. (1993). A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. São Paulo: Ed. Unesp.         [ Links ]

Féres-Carneiro, T. (1998). Casamento contemporâneo: o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade. Psicologia: Reflexão e Crítica, 11(2) Disponível em: www. scielo.br/scielo. Acessado: 07/2010.         [ Links ]

Féres-Carneiro, T., & Diniz-Neto, O. (2008). Psicoterapia de casal: modelos e perspectivas. Aletheia, 27 Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo> Acessado: 07/         [ Links ]2010.

Ferreira, M. M., & Amado, J. (1998). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.         [ Links ]

Hall, S. (2003). A identidade cultural na Pós-Modernidade (Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro). Rio de Janeiro: DP & A Editora.         [ Links ]

Heilborn, M. L. (2004). Dois é par: gênero e identidade sexual em contexto igualitário. Rio de Janeiro: Garamond.         [ Links ]

Lasch, C. (1983). A cultura do narcisismo: a vida americana numa era de esperanças em declínio. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Lipovetsky, G. (1983). A Era do Vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo. Lisboa: Relógio Dágua.         [ Links ]

Meihy, J. C. S. B. (1996). Manual de história oral. São Paulo: Loyola.         [ Links ]

Nicolaci-da-Costa, A. M. (1985). Mal-estar na família: descontinuidade e conflito entre sistemas simbólicos. Em: S. Figueira (Org.), Cultura da psicanálise (pp.156-168). São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

Simmel, G. (2005). As grandes cidades e a vida do espírito. Revista Mana, 2, 577-591.         [ Links ]

Singly, F. (2003). Uns com os outros: quando o individualismo cria laços. Lisboa: Instituto Piaget.         [ Links ]

Stengel, M. (2003). Obsceno é falar de amor? As relações afetivas dos adolescentes. Belo Horizonte: PUC Minas.         [ Links ]

Triviños, A. N. S. (1987). Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: ericopsi@yahoo.com.br

Recebido em maio de 2010
Aprovado em julho de 2010

 

 

Érico Douglas Vieira: Psicólogo; Mestre em Psicologia (PUC Minas); Professor do curso de Psicologia da UFG – Campus Jataí.
Márcia Stengel: Psicóloga; Doutora em Ciências Sociais (UERJ); Professora do Programa de Pós-graduação de Psicologia (PUC Minas).
1 O individualismo, de acordo com Dumont (2000) é um conceito que exprime a afirmação e a liberdade do indivíduo frente a um grupo, à sociedade e ao Estado. É uma ideologia que surge na Modernidade, tendo o indivíduo como valor básico.
2 Entende-se Pós-Modernidade como um período de exarcebação de certas características das sociedades modernas, tais como o individualismo, a ética hedonista e a fragmentação do tempo e do espaço.

Creative Commons License