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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.33 Canoas dez. 2010

 

ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO

 

Revisão da literatura brasileira sobre a problemática do desenvolvimento de crianças assistidas por clínicas-escola

 

Literature review about children's development problems in school clinics in Brazil

 

 

Cristine Boaz; Maria Lúcia Tiellet NunesI

I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

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RESUMO

O objetivo do estudo é revisar a literatura brasileira sobre a problemática de desenvolvimento de crianças assistidas em clínicas-escola de 1980 a 2008, para avaliar mudanças nos problemas desenvolvimentais em relação ao sexo da criança. Os artigos são oriundos das bases eletrônicas Bvs, Indexpsi, Lilacs, Pepsic e Scielo, a partir dos descritores clínicas-escola, crianças, desenvolvimento infantil, o que resultou em 22 artigos, divididos em três grupos, de acordo com a análise de dados realizada. Foi possível identificar o perfil mais frequente entre os sexos: mais meninos do que meninas apresentam problemas de aprendizagem e comportamento do tipo externalizante. Entretanto, não há dados inferenciais que permitam afirmar diferenças entre os problemas desenvolvimentais em relação a sexo, o que, por sua vez, impossibilita concluir se os problemas desenvolvimentais por sexo mudaram ao longo do tempo.

Palavras-chaves: Clínica-escola, Crianças, Problemática do desenvolvimento.


ABSTRACT

The objective of the study is to review the Brazilian literature about children's development problems in out patient clinics from 1980 to 2008, in order to verify if changes about developmental problems regarding the sex of the child occurred. The articles reviewed were from electronic data bases such as Bvs, Indexpsi, Lilacs, Pepsic e Scielo, using the key-words out patient clinics, children and child development, and summed 22 divided in three groups, according to data analyses performed. It was possible to identify the most frequent profile: boys, more than girls, present learning difficulties and externalizing problems. However, there are not inferential data to discriminate development problems regarding the sex of the child, which does not enables to conclude if such problems varied along time.

Keywords: School-clinics, Children, Development problems.


 

 

Introdução

Clínicas-escola1 são os locais de atendimento clínico de cursos de Psicologia; atendem à população de baixa e média renda e possuem três funções: ensino, pesquisa e extensão (Löhr & Silvares, 2006). Seus serviços são exigidos por lei para os cursos de Psicologia no Brasil, conforme Lei nº 4.119 de 1962, que regulamenta a profissão do psicólogo no Brasil e dispõe sobre os cursos de Psicologia no país (Brasil, 1962).

As clínicas-escola estão cada vez mais preocupadas em caracterizar a sua clientela, com o intuito de direcionar as suas modalidades de atendimento às diferentes problemáticas apresentadas pela clientela. Sendo assim, torna-se necessário verificar o que está adequado nos serviços de atendimento e o que deve ser aprimorado para atender os pacientes de forma mais eficaz (Romaro & Capião, 2003). Com relação a isto, Peres (1997) refere que as clínicas-escola devem buscar conhecer o perfil sociodemográfico dos seus pacientes. Nunes, Campezatto, Cruxên e Savalhia (2006) salientam a importância da realização de pesquisas que esclareçam a relação entre prática, ensino e pesquisa, a fim de tornar a clínica-escola um local de aprendizagem da teoria e da prática psicológica, atendendo, assim, ao seu papel social. Segundo Romaro e Capitão (2003), Ferreira (1998) e Güntert e cols. (2000), dentre outros, estas instituições devem se propor a auxiliar o estagiário na sua formação e a permitir à Universidade que cumpra uma prestação de serviços à comunidade, pois as taxas de problemas mentais são altas, conforme segue.

A World Health Organization (2001), em seu relatório, apresenta as perturbações mentais mais frequentes em crianças: Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtornos de Conduta e Depressão. Na América Latina, quase 17 milhões de crianças de cinco a sete anos de idade apresentam tais distúrbios mentais, que necessitam de tratamento. No Brasil, vem sendo documentando o perfil predominante de atendimento em clínicas-escola: Campezatto e Nunes (2007), De Moura, Marinho-Casanova, Meurer e Campana (2008), em estudos mais recentes, constatam que prevalecem os meninos sobre as meninas, com seis a 10 anos de idade, tendo a escola como principal fonte de encaminhamento; os problemas mais frequentes são problemas de aprendizagem e comportamento externalizante. Entende-se que as problemáticas mais recorrentes entre a clientela infantil é um tema de interesse geral, pois possuem probabilidade relativamente alta de persistirem até a idade adulta e de gerar sofrimento e prejuízos significativos. Esta condição indica a necessidade de intervenções efetivas iniciadas na infância para reduzir o sofrimento infantil e atenuar comprometimentos futuros.

Levando em conta estas considerações, torna-se importante caracterizar a população assistida por clínicas-escola para nortear os serviços oferecidos e adequá-los às necessidades da clientela. Por isso, o objetivo deste estudo é pesquisar artigos que estudam os problemas desenvolvimentais apresentados por meninos e por meninas assistidos em clínicas-escola no Brasil nas últimas três décadas. Uma caracterização mais completa sobre a clientela, que apresente as diferenças entre meninos e meninas, conforme o presente estudo propõe, pode permitir que os serviços atendam de forma mais específica e estruturada meninos e meninas e possam vir a desenvolver estratégias preventivas para essa população. Como será visto nos artigos revisados, são poucos os estudos que relacionam os problemas à variável sexo, o que se tornaria necessário para melhor atendimento de meninos e de meninas. Além disso, revisões de literatura são convenientes, pois analisam estudos realizados, sinalizam o que precisa ser melhor e mais investigado e indicam similaridades e diferenças nos resultados obtidos entre os estudos.

 

Método

A busca por artigos nacionais a respeito de problemas desenvolvimentais em crianças em clínicas-escola foi realizada nos periódicos científicos publicados em bases eletrônicas, tais como Bvs, Indexpsi, Lilacs, Pepsic e Scielo, utilizando os descritores: "clínica-escola", "problemáticas do desenvolvimento" e "crianças", em buscas sucessivas de maio a outubro de 2009. Os artigos publicados em periódicos não indexados foram buscados nas das hemerotecas da PUCRS e da UFRGS. As referências dos artigos resultantes das pesquisas eletrônicas e manuais foram buscadas para ampliar o número de artigos a examinar. O critério de inclusão dos artigos foi conter informações sobre clínicas-escola, atendimento a crianças, e que apresentassem dados estatísticos referente aos problemas desenvolvimentais de meninos e de meninas.

Foram excluídas referências de textos de anais de eventos científicos, porque não continham, em geral, as informações necessárias, assim como dissertações e teses, pela dificuldade de acesso, em especial, das mais antigas, e artigos que não incluíam a variável sexo em seus estudos. De dissertações e teses, assim como de anais de eventos científicos, foram realizadas buscas no currículo Lattes dos autores, a fim de verificar se havia publicações sobre o assunto na forma de artigos.

A busca resultou em 22 artigos a serem examinados, após a aplicação dos critérios de inclusão/exclusão; esses artigos foram, então, subdivididos em três grupos, de acordo com a análise de conteúdo realizada: artigos que estudaram os problemas desenvolvimentais, mas que não os diferenciaram por sexo; artigos que trabalharam a variável sexo, mas somente usando porcentagens; artigo que trabalhou a variável sexo através de cálculo inferencial. Cada artigo foi discutido separadamente, contendo as variáveis estudadas. Serão contemplados os artigos publicados desde 1980 até 2008.

 

Resultados e Discussão

Dos 22 artigos estudados, 13 não diferenciaram os problemas desenvolvimentais por sexo, mas apresentaram as porcentagens de meninos e de meninas participantes nos levantamentos de dados; oito diferenciaram os problemas desenvolvimentais por sexo e citaram as porcentagens dos problemas desenvolvimentais mais comuns em meninos e em meninas, porém, não realizaram análises inferenciais. Por fim, apenas um artigo utilizou a estatística descritiva inferencial, discriminando os problemas desenvolvimentais que mais aparecem em meninos e em meninas. Assim, de acordo com esses achados, os artigos foram agrupados em: grupo 1 – artigos que não diferenciaram os problemas desenvolvimentais por sexo; grupo 2 – formado pelos que trabalharam somente com porcentagem; e grupo 3 – composto pelo que utilizou estatística descritiva inferencial para examinar os problemas desenvolvimentais em relação à variável sexo. A partir destes três agrupamentos, foram realizadas três tabelas resumo com as principais contribuições de cada artigo revisado. As tabelas se encontram anexadas.

Grupo 1 – artigos que não diferenciam os problemas desenvolvimentais por sexo

Ancona-Lopez (1983a, 1983b) caracterizou a clientela que procurou o serviço de Psicologia em uma clínica-escola de São Paulo, SP. Constatou que 68,3% eram meninos e 31,7% eram meninas, sendo a faixa etária mais frequente de seis a 10 anos (32,3 %) e o principal problema desenvolvimental era relacionado a problema cognitivo (30,6 %), ou seja, dificuldades escolares.

No artigo de Terzis e Carvalho (1986), realizado em Campinas, SP, as meninas (56,9%) se apresentaram com mais frequência do que os meninos (42,1%, sendo 1% sem informação sobre o sexo). O problema desenvolvimental mais frequente foi relacionado a problemas de aprendizagem.

Em 1994, Yoshida, Gatti e Xavier realizaram estudo em uma clínica-escola de São Paulo, SP, e, em seus achados, constaram que a busca de atendimento infantil era mais frequente em meninos do que em meninas (66,9%, sendo 33,1% meninas). A demanda maior da população foi de crianças com idades entre cinco a nove anos (58%) e os problemas desenvolvimentais mais frequentes foram mau desempenho escolar (30,4%) e comportamento agressivo (16,0%).

No final da década de 1990, conforme estudo realizado por Romaro e Capião (2003), houve uma predominância de atendimento de meninos (65,3%) sobre meninas (34,7%), na faixa etária dos cinco aos 14 anos, na clínica-escola da Universidade de São Francisco, em São Paulo-SP, durante o período de 1995 a 2000. Dentre as crianças, a maioria apresentava problemas desenvolvimentais múltiplos, sendo os cinco mais predominantes os referentes a dificuldades escolares (19%), dificuldades no relacionamento interpessoal (12,4%), comportamento agressivo (10,6%), dificuldades nas relações familiares (10,3%) e distúrbios relacionados ao sono, alimentação ou controle dos esfíncteres (9,5%).

Com referência à transição da década de 90 aos anos de 2000, Perfeito e Melo (2004) realizaram um levantamento, a partir dos dados de atendimentos infantis que ocorreram entre os anos de 1996 e 2002 em uma universidade de Uberlândia-MG, de características epidemiológicas e clínicas surgidas em triagem. Os resultados apontaram que 59,5% da amostra era composta por meninos, enquanto que 40,5% era por meninas. Os problemas desenvolvimentais mais frequentes eram relacionados a dificuldades escolares (49,5%), seguidas de nervosismo e agressividade (16,5%) e problemas de comportamento (10,7%).

Sobre a última década, Bernardes-da-Rosa, Garcia, Domingos e Silvares (2000) buscaram caracterizar o atendimento de crianças com dificuldades escolares em Campinas-SP. Identificaram 60% de meninos e 40% de meninas, na faixa etária de sete a 12 anos, sendo 88% dos problemas desenvolvimentais referentes a distúrbios específicos do desenvolvimento e habilidades escolares.

Scortegagna e Levandowski (2004) analisaram os encaminhamentos realizados por escolas municipais de Caxias do Sul-RS, de crianças com problemas escolares, ao Serviço de Psicologia do Programa VinculAÇÃO. Os encaminhamentos analisados foram os da lista de espera dos anos 2002 e 2003. Os problemas desenvolvimentais mais frequentes foram classificados nas seguintes categorias: problemas de aprendizagem (36%), de comportamento (31%) e emocionais (29%). A maior ocorrência de problemas desenvolvimentais foi com relação a meninos (69,3%), correspondendo a mais do que o dobro de encaminhamentos sobre as meninas (30,7%).

Massola e Silvares (2005) referiram que, apesar de meninos e meninas não terem demonstrado diferenças significativas de comportamento, segundo levantamentos obtidos do Child Behavior Check-List – CBCL, os professores tendiam a encaminhar um número consideravelmente maior de meninos (69%, sendo 31% meninas) para atendimento psicológico, o que sugeriu um viés sobre a percepção dos pais e dos professores sobre alunos de diferentes sexos. Os professores identificavam corretamente quem apresentava necessidade de atenção especial, mas havia uma tendência a valorizar mais as competências das meninas e a lembrar com maior facilidade os distúrbios dos meninos. Os autores apenas apresentaram a porcentagem de meninos e de meninas que apresentaram indicação para atendimento psicológico, não identificando os problemas desenvolvimentais.

Melo e Perfeito (2006) realizaram um levantamento referente aos atendimentos realizados na clínica-escola de uma universidade de Uberlândia, MG, entre os anos de 2000 e 2002. Constataram que 62,6% da amostra era composta por meninos, enquanto que 37,4% eram meninas. Os problemas desenvolvimentais mais frequentes foram: comportamental (60,4%), emocional/afetiva (51%), escolares (24%), somáticas (23%) e dificuldade de relacionamento e problemas cognitivos (ambas 14%).

Rocha e Ferreira (2006) publicaram um estudo de Belém-PA e referiram que as buscas por atendimento eram mais frequentes em meninos (68%, meninas: 32%). Os problemas desenvolvimentais mais comuns foram dificuldades em habilidades sociais (77,4%) e dificuldades escolares (56,4%).

Campezatto e Nunes (2007) realizaram um levantamento das características sociodemográficas e clínicas da população que buscou atendimento em 2004 nas dez clínicas-escola da Região Metropolitana de Porto Alegre. Seus achados foram similares aos de outros estudos realizados no Brasil: a maioria era do sexo masculino (13,52% da população atendida, enquanto que a frequência de meninas foi de 8,54% da população atendida), com idades de seis a 10 anos (17,21% da população atendida) e encaminhadas pela escola por problemas de comportamento ou dificuldade de aprendizagem, correspondendo a 14,06% dos encaminhamentos da população.

No mesmo ano, Savalhia e Nunes também investigaram os motivos de consulta em crianças de nove clínicas-escola do Rio Grande do Sul. Em seus resultados, a quantidade de atendimentos a meninos (22,2,% da população que buscou atendimento nas clínicas-escola) foi quase o dobro do número de meninas (12,1% da população que buscou atendimento nas clínicas-escola). Os problemas desenvolvimentais mais frequentes foram dificuldades no comportamento (29,5% dos casos atendidos) e dificuldades em processos cognitivos (19,1% dos casos atendidos).

De Moura, Marinho-Casanova, Meurer e Campana (2008) realizaram um estudo de caracterização da clientela infantil pré-escolar que foi encaminhada à clínica-escola de psicologia de uma universidade pública no Paraná no período de agosto de 2004 a maio de 2006. O levantamento foi feito através uma ficha de identificação da criança e o CBCL (Child Behavior Checklist), versões de 1½ a 5 anos e 4 a 18 anos. Participaram da pesquisa 103 mães com filhos em idade pré-escolar (2 a 6 anos). Dos filhos das participantes, 74% eram meninos e 26% eram meninas. A maior parte das crianças (91%, estando inclusos os 9% de casos limítrofes) foi avaliada como clínicas. O predomínio de perfis foi de comportamentos externalizantes (11%) sobre internalizantes (9%) e 71% obteve escore clínico para os dois perfis: externalizante e internalizante. Na versão 1½ a 5 anos, as categorias que tiveram os escores mais altos na avaliação foram: "comportamento agressivo" 69,5%; "ansiedade e depressão" 66%, e "emocionalmente reativo" 65,6%. O escore mais baixo foi na categoria "problemas somáticos", a qual obteve pontuação ao perfil não clínico. Na versão 4 a 18 anos, o escore mais alto também foi referente à categoria "Comportamento Agressivo" (71,4%) e o mais baixo também se referiu à categoria "problemas somáticos" (58,8%). O estudo não discriminou os problemas desenvolvimentais por sexo, apenas referiu que os meninos apresentaram problemas desenvolvimentais predominantemente do tipo externalizante, mas não citou a porcentagem.

Os artigos examinados referiram as porcentagens de meninas e de meninos que buscaram atendimento psicológico em clínicas-escola, mas não deixaram claro se os problemas desenvolvimentais referidos eram mais frequentes em meninas ou em meninos, apenas citaram quais foram os problemas desenvolvimentais mais frequentes.

Grupo 2 – artigos com registro dos problemas desenvolvimentais por sexo, apenas em porcentagem

Sales (1989) realizou um estudo em uma clínica psicológica de Varginha-MG, a fim de verificar o perfil da clientela. Encontrou 68,4% da população de meninos e 31,6% de meninas. Os problemas desenvolvimentais que mais apareceram em meninos foram: agressividade (17%), problemas neuromotores e de escolarização (ambos 11%). Nas meninas, os problemas desenvolvimentais mais frequentes foram: angústia/depressão (19%), problemas psicossomáticas (11%) e problemas familiares (10%).

Na década seguinte, Mello, Cervo e Rossi (1991) fizeram um levantamento do perfil da clientela de uma clínica-escola de Porto Alegre-RS. A maioria era meninos (64,9%; meninas: 35,1%). Os problemas desenvolvimentais mais comuns de meninos eram: dificuldades na conduta (46,5%) e dificuldades escolares (44,3%). O estudo não especificou a porcentagem dos problemas desenvolvimentais em meninas.

Graminha e Martins (1993) estudaram as características da população em um serviço de atendimento infantil de Ribeirão Preto-SP. Dentre a clientela, 66,5% eram meninos e 33,5% eram meninas. O problema desenvolvimental mais relatado, tanto em meninos quanto em meninas, foi referente a dificuldades de aprendizagem, estando presente em 36% das meninas e em 42% dos meninos.

Barbosa e Silvares (1994) realizaram um estudo em uma clínica-escola de Fortaleza, CE, sobre a caracterização da clientela infantil atendida entre os anos de 1988 a 1990. Encontram que 64,3% de meninos buscam atendimento em relação a 35,7% de meninas. Os problemas desenvolvimentais mais frequentes, tanto em meninas quanto em meninos, foram: habilidades escolares (frequência relativa: 33,5% em meninos e 26,1% em meninas), distúrbios de comportamentos explícitos (frequência relativa: 43,5% em meninos e 43,1% em meninas) e distúrbios de comportamento não explícitos (frequência relativa: 9,8% em meninos e 12,1% em meninas). Pode-se perceber que os problemas desenvolvimentais referentes a habilidades escolares foram mais comuns nos meninos. Os problemas de comportamentos explícitos obtiveram frequências semelhantes entre os sexos e os distúrbios de comportamentos não explícitos foram mais frequentes nas meninas, assim como problemas relacionados a distúrbios orgânicos (7,2%, sendo 3,8% em meninos).

Silvares (1996) realizou um levantamento bibliográfico em 19 artigos, não citando a porcentagem dos problemas desenvolvimentais em meninos e meninas, porém, referiu que os problemas desenvolvimentais mais frequentes nos meninos foram relacionados a distúrbios da aprendizagem e do tipo externalizante/explícito.

Ainda em 1996, um estudo realizado por Borges sobre as características da clientela infantil de uma clínica-escola de São Marcos, SP, apontou que a busca mais frequente de atendimento foi de meninos (66,3%, sendo 33,6% meninas). A maioria das crianças atendidas estava na faixa etária entre oito a nove anos (28,6%) e os problemas desenvolvimentais mais frequentes, tanto de meninos quanto de meninas, foram distúrbios de aprendizagem (meninos: 39,5%; meninas: 42,5%) e nervosismo (meninos: 25,9%; meninas; 15,5%).

Sobre a última década, o artigo de Gatti e Beres (2004), sobre pacientes de um serviço de atendimento de São Paulo, SP, mostrou que 57,1% da demanda de atendimento eram de meninos e 42,9% de meninas. Os problemas desenvolvimentais mais frequentes foram problemas de aprendizagem (40,8%), sendo 55% em meninos e 45% em meninas, e agressividade (26,5%), sendo 61,5% em meninos e 38,5% em meninas.

Grupo 3 – estudo inferencial sobre problemas desenvolvimentais versus sexo

Marturano, Toller e Elias (2005) investigaram, em crianças encaminhadas para atendimento psicológico em razão de baixo desempenho escolar, diferenças de sexo na ocorrência de eventos de vida adversos e na associação desses eventos com problemas de comportamento. Perceberam que as meninas apresentaram mais sintomas de ansiedade e depressão (média para meninas: 6,86, DP ± 3,980; meninos: 1,8, DP ±3,357) e problemas somáticos (média para meninas: 8,86, DP ± 4,977; meninos: 5,96, DP ±4,038) do que os meninos (p = 0,01), resultados que contribuíram à maior média das meninas na escala de internalização do CBCL (média para meninas: 19,55, DP ± 9,62; meninos: 12,57, DP ±6,85). Não foram encontradas diferenças significativas de sexo nos escores de externalização (média para meninos: 19,15, DP ±9,01; meninas: 23,41, DP ±20,66; p = 1,00) ou no escore de funcionamento global (média para meninos: 52,43, DP ±21,91; meninas: 62,79, DP ±25,78; p = 0,29).

 

Considerações finais

Através da presente revisão da literatura, foi possível verificar o que a maioria dos estudos realizados nas últimas três décadas sobre a clientela infantil de clínicas-escola encontraram. Parece que tem havido um perfil predominante, em termos de encaminhamentos: mais meninos do que meninas e os problemas desenvolvimentais mais citados foram problemas de aprendizagem e comportamento externalizante. Não houve uma discriminação clara entre os problemas desenvolvimentais mais comuns em meninos e em meninas, o que não possibilitou concluir se os problemas desenvolvimentais por sexo mudaram, já que não há estudos suficientes os que realizam a discriminação por sexo com base em dados estatísticos inferenciais.

Conforme a literatura, o que mais apareceu em cada década, em termos de diferenciação dos problemas desenvolvimentais por sexo, foi que, na década de 80, os meninos apresentaram mais problemas relacionadas a problemas de aprendizagem e comportamento agressivo. As meninas também apresentaram problemas com aprendizagem, mas, também, comportamento tímido. Na década de 90, os meninos apresentaram problemas desenvolvimentais semelhantes às dos anos 80, enquanto que as meninas apresentaram problemas desenvolvimentais mais parecidos às dos meninos: dificuldade de aprendizagem, agressividade e nervosismo.

Na última década, os problemas desenvolvimentais mais apresentados por meninos foram agressividade e brigas, enquanto que as meninas apresentaram mais sintomas do tipo internalizantes, como ansiedade, depressão e problemas somáticos. Entretanto, parece estar havendo uma tendência em que a frequência dos sintomas do tipo externalizante estão se igualando entre os sexos, assim como a ocorrência simultânea de comportamentos do tipo externalizante e internalizante em meninas e meninos.

Porém, essas considerações apenas podem ser feitas levando em conta o que alguns artigos evidenciaram. A maioria dos estudos citou somente a porcentagem da procura de atendimento psicológico de meninos e de meninas, mas não discriminou quais foram os problemas desenvolvimentais mais frequentes em meninos e em meninas. Apenas nove (40,9%) artigos estudados realizaram essa discriminação, sendo mais frequentes nas duas últimas décadas e, dentre estes, apenas um utilizou análise estatística inferencial. Este apontou diferenças significativas apenas nos problemas referentes a ansiedade/depressão e somáticos, sendo estes mais frequentes em meninas do que em meninos e contribuíram à maior média das meninas na escala de internalização do CBCL (Marturano, Toller & Elias, 2005). Sobre os demais artigos, entretanto, não há informação estatística suficiente para se chegar a conclusões.

Outra questão a ser considerada é que os problemas desenvolvimentais foram classificados de acordo com o que a pessoa que encaminhou a criança percebia que deveria receber atenção especial. Porém, deve-se levar em conta os motivos latentes possivelmente associados aos problemas desenvolvimentais, como apontou o estudo de Marturano, Toller e Elias (2005) ao referir que, muitas vezes, o problema escolar vem acompanhado de dificuldades emocionais. Na década passada, Castro e Nunes (1999) já haviam discutido que, quando se trata de crianças escolares, é preciso discriminar os encaminhamentos que são ou não de ordem psicológica. Além disso, a maioria dos estudos citou os problemas desenvolvimentais mais comumente apresentados pela população infantil, porém, não realizou uma definição dos mesmos, não sendo possível ter muita clareza sobre o que cada autor quis se referir com cada problema desenvolvimental, o que impossibilita fazer agrupamentos e comparações.

Considerando os resultados deste artigo, torna-se relevante a realização de estudos que discriminem os problemas desenvolvimentais por sexo, através de análises estatísticas inferenciais, que permitam a comprovação de hipóteses, a fim de direcionar os serviços oferecidos de acordo com a demanda da clientela e de possibilitar a prevenção de sofrimento e prejuízos futuros. Até o momento, os achados apontam que os problemas desenvolvimentais, em termos de frequência, não mudaram nas últimas três décadas. Porém, os dados apresentados não sendo inferenciais não permitem conclusões sobre a ocorrência ou não de mudanças nos comportamentos apresentados em relação à variável sexo da criança.

 

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Endereço para contato
E-mail: psicristineboaz@hotmail.com

Recebido em 16/07/2010
Aceito em 18/03/2011

 

 

Cristine Boaz: Psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS), psicoterapeuta (ESIPP).
Maria Lúcia Tiellet Nunes: Psicóloga, doutora em Psicologia Clínica (Universidade Livre de Berlim), professora titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
1 Já existe a expressão serviço-escola, pois os atendimentos nas denominadas clínicas-escola se ampliaram para além da psicoterapia mais tradicional, entretanto, essa expressão ainda não pertence aos descritores da Biblioteca Virtual de Saúde. O artigo se dedica a analisar artigos brasileiros em função das peculiaridades desse tipo de atendimento, exigido por lei nos cursos de psicologia do Brasil. Além disso, considera-se importante conhecer a realidade dos cursos de formação em psicologia no Brasil e quais as características das crianças que buscam auxílio psicológico nestes locais.
OBS.: o artigo deriva de dissertação de mestrado defendida no PPGPsicologia da PUCRS pela primeira autora sob a orientação da segunda; a primeira autora obteve bolsa CAPES.

 

ANEXOS