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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.34 Canoas abr. 2011

 

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Remissão sintomática e qualidade de vida em pacientes com depressão maior tratados com antidepressivo: um estudo prospectivo

 

Symptomatic remission and quality of life in patients with major depression treated with antidepressants: a prospective study

 

 

Danielle Soares Bio; Érika Leonardo de Souza; Ricardo Alberto Moreno

Universidade de São Paulo

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RESUMO

Este estudo teve como objetivo estimar a Qualidade de Vida (QV) em pacientes com transtorno depressivo maior antes e após tratamento antidepressivo eficaz. Participaram do estudo 26 indivíduos (18 a 65 anos) com episódio agudo de Transtorno Depressivo Maior, segundo critérios do DSM-IV. A duração do estudo foi de 8 semanas. Os instrumentos utilizados foram: escala de avaliação de depressão de Montgomery-Asberg (MADRS) e de Hamilton (HAMD-17). QV foi avaliada através da escala de qualidade de vida e satisfação (Q-LES-Q). Os resultados indicaram que sintomas depressivos e QV melhoraram significantemente com o tratamento (p<0,001). Sintomas de depressão e QV são significativamente correlacionados. Antes do tratamento, QV foi positivamente relacionada com o MADRS, mas não com o HAMD-17. Em todas as outras avaliações, a QV positivamente correlacionou-se com ambas as escalas, confirmando que a melhora sintomatológica traduz-se em melhora na qualidade de vida em pacientes com depressão maior.

Palavras-chave: Transtorno depressivo maior, Qualidade de vida, Recuperação funcional, Tratamento antidepressivo.


ABSTRACT

This study aimed to estimate the QoL in individuals with severe Mood Depressive Disorder, before and after effective antidepressant treatment. The Sample consisted of 26 participants with MDD. Duration of study was 2 months. Symptoms were measured with the Montgomer-Asberg depression evaluations scale (MADRS) and the Hamilton Depression Scale (HAMD-17). QoL was measured using the Quality of Life and Satisfaction (Q-LES-Q). Treatment yielded significant improvement of depressive symptoms (HAM-D17: p<0.001 and MADRS: p< 0.001) and of quality of life (Q-LES-Q – p<0.001). As measured by the correlation coefficient, qualify of life and symptom scales were significantly correlated. At baseline, quality of life was positively correlated with MADRS (p=0.037), but not with HAMD (p=0.878). For all other time points, quality of life was positively correlated with MDRS and HAMD (p≤ 0.001); increased scores in the Q-LES-Q corresponded to decreased scores in the MADRS and HAMD scales. Symptomatic improvement is significantly correlated with improved QoL in individuals with MDD.

Keywords: Major depressive disorder, Quality of life, Functional recovery, Antidepressant treatment.


 

 

Introdução

O Transtorno Depressivo Maior (TDM) é uma doença complexa, caracterizada por sintomas psicológicos, físicos e comportamentais. É uma condição prevalente que afeta o paciente, a família e a sociedade (Berlim, Mattevi & Fleck, 2003; Berlim, Pargendler, Brenner & Fleck, 2007). A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que o TDM tenha um risco entre 7 e 12% ao longo da vida para homens e 20 e 25%, para mulheres (World Health Organization, 2006). Atualmente, o TDM é a quarta doença mais incapacitante do mundo, causando significativo prejuízo para o indivíduo e para a sociedade. Em 2020, estima-se que o TDM ocupe a segunda posição entre as condições mais incapacitantes no mundo, atrás apenas das doenças cardíacas (Murray & Lopez, 1997).

Durante o episódio depressivo, pacientes com TDM reportam redução dos seus níveis de energia, diminuição da capacidade de realizar atividades diárias e comprometimento profissional e social. O impacto da depressão para o portador, seus relacionamentos e para a sociedade (produtividade) causa significante prejuízo para a qualidade de vida QV (Papakostas, Petersen, Mahal, Mischoulon, Nierenberg & Fava, 2004). Apesar disso, apenas recentemente, os estudos têm focado o efeito da depressão e de seu tratamento na QV (Trivedi & cols., 2006).

QV refere-se ao bem-estar individual em cada um dos domínios: ocupacional, emocional, social e funcionamento físico. A melhora na QV indica a melhora funcional do paciente após uma determinada intervenção. Os pesquisadores têm se preocupado cada vez mais em avaliar a melhora funcional, além da sintomática, como medida de eficácia de diferentes intervenções (Michalak, Yatham, Wan & Lam, 2005).

A definição de QV da OMS foi feita levando-se em consideração que esta fosse válida em qualquer lugar do mundo: “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações" (The WHOQOL group, 1994).

Desta forma, a QV reflete o funcionamento global do paciente com TDM, que por sua vez é influenciado pelos sintomas, aceitabilidade ao tratamento, efeitos adversos de medicações, entre outros. A QV é atualmente vista como uma métrica importante da eficácia do tratamento, já que o comportamento frente à doença e aderência a tratamentos são fortemente influenciados pela percepção subjetiva de melhora. QV também se relaciona com custos econômicos da doença (Revicki, Simon, Chan, Katon & Heilignstein, 1998).

A presença e intensidade de sintomas depressivos afetam negativamente a QV (Ay-Woan, Sarah, Lyinn, Tsyr-Jang & Ping-Chuan, 2006), que, por sua vez, parece correlacionar-se positivamente com tratamento seguido de melhora clínica. Comorbidades, idade avançada, início tardio da doença e depressão crônica são independentemente associados com piora da QV (Diehr & cols., 2006).

Neste sentido, um importante trabalho norte-americano multicêntrico, que avaliou 1397 pacientes ambulatoriais com transtorno depressivo recorrente sem sintomas psicóticos, que faziam parte de um programa de tratamento para depressão (Sequenced Treatment Alternatives to Relieve Depression – START-D), demonstrou que a gravidade dos sintomas depressivos estava diretamente relacionada à pior medida de QV em vários domínios. Nesse mesmo estudo, presença de comorbidades, idade avançada, idade tardia de início da depressão e longo tempo de doença estavam associados à piora no domínio físico e não no domínio mental (Trivedi & cols., 2006).

No Brasil, Berlim, Pavanello, Caldieraro e Fleck (2005) avaliaram uma amostra de 89 pacientes ambulatoriais com depressão maior e mostraram que tanto os escores da escala de QV quanto da escala de sintomatologia melhoraram significativamente após 12 semanas do início da medicação antidepressiva, revelando melhora da QV após tratamento farmacológico.

O mesmo grupo (Berlim & cols., 2007) em um trabalho posterior avaliou 73 pacientes em episódio grave de depressão maior no início do tratamento antidepressivo e 12 semanas após. Observaram que os escores de QV dos pacientes deprimidos melhoraram significativamente em todos os domínios avaliados (ex. saúde física, psicológica, relações sociais, ambientais e QV total). Também constataram uma melhora significativa nos sintomas depressivos entre o teste e o reteste. Após análise de regressão múltipla, idade, comorbidades psiquiátricas e escores de depressão foram preditores independentes de alguns domínios da QV (físico, psicológico e total).

Por fim, uma recente revisão da literatura dos últimos 26 anos a respeito das medidas de avaliação de QV e seus déficits no TDM, impacto de comorbidades e efeitos do tratamento na QV de pacientes com TDM foi publicada. Os resultados apontam que a QV é grandemente afetada pela depressão. A severidade da depressão também é um dos principais contribuintes para redução da QV quando a depressão é comorbidade com outros transtornos psiquiátricos e médicos. O tratamento do TDM melhora a QV na fase aguda do tratamento, mas a QV permanece baixa em comparação a controles saudáveis, mesmo quando os sintomas estão em remissão. O estudo conclui que pacientes com TDM sofrem de má QV, mesmo após a redução da gravidade dos sintomas. Os médicos devem, portanto, incluir a avaliação da QV como uma parte importante do tratamento da depressão. São necessárias mais pesquisas para examinar os fatores que contribuem para a pobre QV em TDM e desenvolver intervenções para melhorá-la. Além disso, estudos futuros sobre o tratamento do TDM com ou sem transtornos comórbidos deve avaliar a QV como o desfecho final de sucesso do tratamento (IsHak & cols., 2011).

Devido ao número limitado de estudos, em especial demonstrando melhora da QV após tratamento eficaz, neste estudo mensuramos a qualidade de vida em indivíduos com depressão severa, antes e após tratamento antidepressivo eficaz. Nesse contexto, a questão da eficácia do tratamento antidepressivo diz respeito à melhora sintomática do paciente, verificada por meio de escalas de avaliação de sintomas depressivos, como a Escala de Hamilton para Avaliação de Depressão (HAMD) (Hamilton, 1960) e a Escala de Classificação da Depressão de Montgomery-Asberg – MADRS (Montgomery, 1979).

 

Método

Delineamento

Este é um estudo duplo-cego, em que pacientes gravemente deprimidos (n=26) foram randomizados para receber mirtazapina (15-60 mg; n= 17) ou fluoxetina (20 – 40 mg; n= 17) por oito semanas. Os pacientes recebiam a medicação em estudo após um período de wash-out (lavagem da medicação anterior) de 3 a 7 dias e, nas semanas subsequentes, a qualidade de vida e a gravidade da depressão foram medidas. Esta pesquisa foi revista e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Protocolo No 316/96 de 11 de junho de 1997) e foi conduzido dentro dos princípios éticos da versão mais recente da Declaração de Helsinki e das diretrizes das Boas Práticas Clínicas (World Medical Association, 1997). Os dados apresentados fazem parte da base de dados do Programa de Transtornos Afetivos (GRUDA) que participou do estudo multicêntrico internacional para avaliar a eficácia e a tolerabilidade da mirtazapina em comparação com a fluoxetina na depressão grave Versiani, Moreno, Ramakers-Van Moorsel & Schutte, 2005)

Amostra

Participaram do estudo 26 pacientes adultos (18-65 anos), ambulatoriais, que preenchiam os critérios da DSM-IV (APA, 2000) para episódio depressivo maior e que apresentavam pontuação ≥ 25 nos itens da escala HAM-D 17 na primeira avaliação logo após o período de lavagem. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de iniciar qualquer procedimento. Outros nove pacientes foram avaliados, no entanto não concluíram todas as avaliações.

Após o período de wash-out, os pacientes recebiam a mirtazapina fornecida em comprimidos de 15mg em dose oral única administrada à noite ou a fluoxetina fornecida em comprimidos de 20mg administrada pela manhã em dose única. Eficácia, tolerabilidade e QV eram avaliadas em seis momentos: Visita 0 (basal) e 7, 14, 28, 42 e 56 dias, num total de 8 semanas de tratamento.

Instrumentos

Escala de Hamilton para Avaliação de Depressão (HAM-D 17) (Hamilton, 1960): Esta escala avalia principalmente sintomas somáticos de depressão, o que a torna particularmente sensível a mudanças vivenciadas por pacientes gravemente deprimidos. Os itens da escala são pontuados de zero a dois ou de zero a quatro, portanto a pontuação total varia de 0 a 50 pontos para a versão de 17 itens. Pontuações de sete ou menos podem ser consideradas normais; entre oito e 13 indicam depressão leve; entre 14 e 18, depressão moderada; entre 19 e 22, depressão grave e de 23 ou acima, depressão muito grave (Moreno & Moreno, 1998). A escala avalia os sintomas depressivos que ocorreram na última semana (Zimmerman, Chelminski & Posternak, 2004).

Escala de Classificação da Depressão de Montgomery-Asberg – MADRS (Montgomery, 1979): Aplicada por um clínico treinado, ela é composta por 10 itens, nove baseados no relato do paciente e um na aparência observada pelo examinador. Seu principal objetivo é estimar a mudança na sintomatologia que se segue ao tratamento antidepressivo, com enfoque particular nos sintomas psicológicos da depressão. O ponto de corte que define a remissão corresponde a um valor inferior a 10.

Questionário de Prazer e Satisfação na Qualidade de Vida – Quality of Life, Enjoyment and Satisfaction Questionnaire (Q-LES-Q): É um questionário autoaplicável, composto por 16 itens, cada um deles estratificado em escala do tipo likert de cinco pontos (1=muito baixo, 2=baixo, 3=regular, 4=bom, 5=muito bom), indicando o grau de prazer e satisfação vivenciado na última semana. O total da pontuação dos itens 1 a 14 é de 70 pontos. Esses 14 itens avaliam a satisfação do paciente em relação à saúde física, relações sociais, funcionamento diário, habilidade de deslocar-se fisicamente, humor, relações familiares, interesse sexual, habilidade de realizar hobbies, trabalho, atividades de lazer, situação econômica, atividades domésticas, moradia e bem-estar geral. Os outros dois itens, 15 e 16, não são computados na pontuação total do Q-LES-Q e se referem respectivamente à satisfação com a medicação em uso e com a vida de maneira geral (Endicott, Nee, Harrison & Blumenthal, 1993).

Todos os investigadores foram treinados nos instrumentos de avaliação e de preferência o mesmo investigador os aplicava em todas as visitas. Antes do início do ensaio, cada paciente foi devidamente instruído pelo investigador acerca de como preencher o Q-LES-Q.

Procedimento de análise dos dados

A análise descritiva de dados demográficos foi feita usando médias e desvio-padrão. Médias foram comparadas usando ANOVA. As pontuações nas escalas foram comparadas entre os grupos e entre os tempos, refletindo respectivamente os efeitos da medicação e a duração do tratamento. O coeficiente de correlação de Pearson foi usado para verificar a relação entre as pontuações na escala de qualidade de vida com as da MADRS e da HAM-D 17. Os itens da escala de qualidade de vida foram comparados entre os tempos através do teste não paramétrico de Friedman. A significância foi estabelecida ao nível de 5%. As análises foram realizadas usando o software SPSS for Windows versão 14.0.

 

Resultados

Características da amostra

A média de idade dos participantes foi de 39,14 anos (± 11,04) (máxima 60 anos e mínima 18 anos, sendo 30,8% até 29 anos, 23,1% entre 30 e 39 anos, 19,2% entre 40 e 49 anos, 26,9% entre 50 e 60 anos); 69,2% eram do sexo feminino; 50% utilizavam Mirtazapina e 50%, Fluoxetina. Apenas 7,7% tinham comorbidades psiquiátricas (sendo um paciente em abuso de álcool e outro com bulimia); 42,2% tinham apresentado episódios prévios de depressão sem necessidade de internação (26,9% teve um episódio, 3,8% dois ou três episódios e 11,5% quatro ou mais episódios). Dos participantes 3,8%, tiveram hospitalizações prévias e 11,5% tinham história atual ou passada de tentativas de suicídio.

Eficácia

Como ilustrado na Tabela 1, o tratamento proporcionou melhora estatisticamente significativa dos sintomas depressivos (HAM-D17: p<0,001 e MADRS: p< 0,001) e da qualidade de vida (Q-LES-Q – total de pontos p<0,001).

 

 

A QV e os sintomas correlacionaram-se significativamente. Antes do tratamento a QV foi positivamente correlacionada com o MADRS (p= 0,037), mas não com a HAMD (p=0,878). Para todas as outras avaliações, a QV foi positivamente correlacionada com o MADRS e com a HAMD (p≤ 0,001) valores aumentados na escala de QV corresponderam a valores diminuídos nas escalas MADRS e na HAMD.

Qualidade de vida

A Tabela 2 ilustra itens individuais da QV como função do tratamento. Com exceção de um ITEM (item 12 – p=0,3556), a QV melhorou significativamente para todos os DEMAIS. A QV não variou significativamente como função do tratamento. Para avaliações específicas, a QV melhorou similarmente para ambos os grupos.

 

 

Discussão

Melhora na QV, assim como melhora funcional são os objetivos máximos a se obter com o tratamento da depressão maior, de acordo com conceitos atuais. O DSM IV-TR (APA, 2000) define remissão como a ausência de sintomas e sinais significativos por um período prolongado. Na prática, a remissão é frequentemente conceitualizada como a ausência de sintomas por ao menos 3 meses. As escalas HAM-D e MADRS foram utilizadas para mensurar severidade de sintomas durante crise sem tratamento e após dois meses de tratamento. Apesar da significativa melhora sintomatológica, não observamos remissão total e isto pode ser explicado pela severidade dos nossos pacientes ou pelo tempo limitado de tratamento. O HAMD define remissão quando a pontuação é menor ou igual a 7. Nossos pacientes tiveram pontuação média de 26,23 (± 1,1) antes do tratamento e 9,46 (± 7,5) ao final das 8 semanas. Achados similares foram observados para o MADRS (ponto de corte inferior a 10 pontos), com redução de 33,88 (±2,703) pontos antes do tratamento para 13,46 (± 10,812) após dois meses.

Nossos pacientes apresentaram, portanto, remissão parcial ou resposta parcial com sintomatologia residual. Segundo Cordas e Taveira (Cordás & Taveira, 2003) este tipo de resposta pode ocorrer entre 30% e 50% dos pacientes em tratamento medicamentoso. Este fato é relevante, uma vez que sintomas residuais aumentam o risco de novo episódio. Os pacientes da amostra estudada não estavam recebendo nenhuma outra forma de intervenção (psicoterapia, psicoeducação, terapia ocupacional, etc.) durante o período de tratamento.

Para itens individuais da QV, escores finais variaram de 2,8 (item 9: desejo sexual, interesse e/ou desempenho) para 3,6 (item 11: situação de vida/condições de moradia). Valores iguais ou menores indicam baixo grau de prazer e satisfação, enquanto valores de 4 pontos sugerem alto nível de satisfação. Dessa forma, a melhora com tratamento foi clara, muito embora parcial para alguns itens. Nossos resultados sugerem, portanto, que remissão parcial é seguida de melhora parcial da QV. Estes resultados incompletos podem ser consequência da curta duração do nosso estudo (8 semanas). Estudos subsequentes devem ter ao menos 6 meses de duração. A despeito desta limitação, nossos dados sugerem claramente que a melhora de sintomas depressivos traduz-se em melhor QV.

Nossos dados encontram suporte na literatura. Skevington e Wright (2001) mostraram que a QV de pacientes com depressão (medida pelo instrumento WHOQOL-100) identificados e tratados ao nível primário, melhorou significativamente nas oito semanas que se seguiram ao inicio do tratamento antidepressivo. Diehr e cols., (2006) avaliaram 982 pacientes com depressão e mostraram uma associação entre melhora dos sintomas depressivos e melhora dos escores de mensuração de saúde física, mental e de QV. No Brasil algumas pesquisas constataram melhora significativa na sintomatologia e na qualidade de vida (medida pelo instrumento WHOQOL-BREF) durante as 12 semanas de tratamento (Berlim & cols., 2007; Berlim & cols., 2005).

Dados semanais foram obtidos pelo START-D, estudo que avaliou 1397 pacientes deprimidos e demonstrou, assim como no presente estudo, que a gravidade dos sintomas está diretamente relacionada à deterioração de diversos domínios da QV (Trivedi & cols., 2006). Observou ainda que presença de comorbidades, idade avançada, idade tardia de inicio da depressão e longo tempo de doença estão associados à piora no domínio físico. Nossos dados sugerem que saúde física (item 1) significativamente melhorou ao longo do estudo. Diferente do START-D, nossos pacientes eram relativamente jovens (média de 39,1 anos), apenas dois tinham comorbidades e mais da metade apresentava primeiro episódio depressivo (57,8%).

Outros itens que chamaram a atenção foram o 3 (trabalho), 10 (situação econômica) e 13 (capacidade para o trabalho ou passatempo), isto porque todos tinham médias abaixo de 2 pontos na primeira visita. Resultados recentes do Estudo Colaborativo sobre Depressão, que comparou transtornos bipolares do tipo 1 e 2 com transtornos unipolares nos últimos 15 anos, relatou que o trabalho foi o único domínio em que os pacientes apresentaram grave prejuízo durante uma porção considerável do seguimento, cerca de 20 a 30% dos meses (Judd & cols., 2008). Existe um recente e crescente interesse em facilitar a retomada de atividades laborativas por parte de indivíduos com transtornos mentais, uma vez que o trabalho associa-se a benefícios diversos, incluindo melhora da autoestima, ganhos terapêuticos (melhor controle dos sintomas, diminuição de re-hospitalizações), aquisição de habilidades, melhora do status econômico e melhora da qualidade de vida (Bond & cols., 2001; Bond, 2004). Nossos pacientes apresentavam grau de satisfação muito baixo em relação ao trabalho no inicio do tratamento e, apesar da melhora, apresentavam um grau de satisfação apenas regular depois de oito semanas de tratamento. Esse dado demonstra a necessidade de prolongar o tratamento, assim como o estabelecimento de intervenções específicas para esse problema (Versiani & cols., 2005).

O tratamento farmacológico, apesar de prioritário, algumas vezes não é suficiente para uma recuperação completa (sintomática e funcional) do paciente e as abordagens psicossociais têm demonstrado cada vez mais sua eficácia na melhora destes fatores e na obtenção de uma melhor qualidade de vida ao longo do tratamento. A Psicoeducação tem sido cada vez mais utilizada como adjuvante no tratamento de diversos transtornos psiquiátricos e sua eficácia no tratamento da depressão também já foi bem estabelecida (Colom & Lam, 2008).

O que a literatura apresenta em relação à psicoeducação e depressão são dois estudos naturalísticos. O primeiro avaliou a influência da psicoeducação a respeito da origem biológica da Depressão, na procura por tratamento entre 299 universitários divididos em quatro grupos: um que recebeu psicoeducação sobre os aspectos biológicos da depressão, outro que recebeu apenas informações sobre a importância de diminuir o estigma relacionado à depressão, um terceiro grupo que recebeu as duas formas de psicoeducação (aspectos biológicos e desestigmatização) e um último grupo (controle) que não passou por psicoeducação de qualquer tipo. Os autores demonstram que o grupo que recebeu psicoeducação sobre os aspectos biológicos da depressão procurou mais ajuda profissional para a realização de diagnóstico ou iniciar um tratamento no seguimento de duas semanas. Os achados deste estudo são interessantes para confirmar a impressão frequente na prática clínica de que ao entender a origem biológica, o indivíduo legitima a depressão como uma doença médica e isso aumenta sua motivação a procurar tratamento (Han, Chen, Hwang & Wei, 2006).

No segundo estudo naturalístico encontrado na literatura 102 pessoas foram submetidas a uma única sessão de psicoeducação sobre depressão e avaliadas através do Inventario de Beck (1979). Os indivíduos que apresentaram índices elevados neste inventário e, portanto, poderiam apresentar sintomas depressivos (o inventário não é diagnóstico), mantiveram os benefícios da psicoeducação no seguimento feito 2 anos após o estudo, sugerindo que mesmo uma forma breve de psicoeducação promove benefícios duradouros em pessoas que reconhecem o problema e apresentam sintomas (Brown, Elliott, Boardman, Andiappan, Landau & Howay, 2008).

Desta forma, os resultados deste estudo poderiam ter sido ainda mais robustos se, juntamente ao tratamento medicamentoso, tivesse sido realizada uma intervenção psicossocial como a psicoeducação.

 

Considerações finais

O tratamento da depressão tem por objetivo final a remissão dos sintomas e a recuperação funcional. A remissão dos sintomas, apesar de não representar a cura do TDM e sim a recuperação de seu estado de humor basal, é obtida com tratamento adequado, e com o uso de fármacos apropriados, em doses terapêuticas e por tempo correto. A recuperação funcional correlaciona-se com a remissão sintomática. Desta forma, sintomas depressivos impactam a qualidade de vida e a remissão sintomática, além de propiciar melhora funcional, correlaciona-se positivamente com diversos domínios da qualidade de vida, incluindo melhora dos relacionamentos social e familiar, aumento nos níveis de prazer com atividades diárias, e aumento da capacidade para o trabalho.

 

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Endereço para contato
E-mail: rmoreno@hcnet.usp.br

Recebido em 15/10/2010
Aceito em 20/09/2011

 

 

Danielle Soares Bio: Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Psicóloga graduada pela PUC-SP. Pesquisadora do Programa de Transtornos Afetivos (GRUDA) do Departamento e Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Érika Leonardo de Souza: Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Psicóloga graduada pela FFCL-RP-USP. Pesquisadora do Programa de Transtornos Afetivos (GRUDA) do Departamento e Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Ricardo Alberto Moreno: Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Psiquiatra formado pela FMUSP. Coordenador do Programa de Transtornos Afetivos (GRUDA) do Departamento e Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.