SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número35-36Cuidados paliativos no Brasil: revisão integrativa da literatura científicaDescobrindo a estatística usando o SPSS índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.35-36 Canoas dez. 2011

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Tratamento interdisciplinar das hepatites virais no Hospital Estadual Bauru: relato de experiência

 

Interdisciplinary treatment of viral hepatitis at Bauru State Hospital: experience report

 

 

Catia Cristina Xavier Mazon; Ana Claudia Furlan TeixeiraI; Fernando Gomes RomeiroII; Gustavo Hideki KawanamiI; Luciana Maria FiorettoIII

I Hospital Estadual Bauru
II Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp
III Unesp, Botucatu

Endereço para contato

 

 


RESUMO

Este trabalho apresenta a experiência de uma abordagem interdisciplinar, desenvolvida na modalidade de pesquisa-ação, no atendimento ambulatorial a um grupo de 20 pacientes em tratamento da hepatite C. As especialidades envolvidas no projeto foram: assistência social, enfermagem, gastroenterologia, infectologia, nutrição e psicologia. Os objetivos do atendimento interdisciplinar foram manter a qualidade de vida do portador da doença, diante dos efeitos colaterais das medicações prescritas, reduzir os índices de abandono do tratamento, promover a participação do paciente no processo saúde-doença e na intervenção desse processo. Os métodos utilizados foram atendimentos individuais e grupo de apoio para os pacientes, com a integração cooperativa da equipe interdisciplinar. Como resultado dessa abordagem no primeiro ano de implantação obteve-se 100% de adesão dos pacientes ao tratamento, com relatos de experiências incentivadoras à continuidade de ações interdisciplinares. Ressalta-se a constatação de alto índice de cura dos pacientes, superior aos obtidos em outros centros de referência.

Palavras-chave: Saúde coletiva, Hepatite C, Atendimento interdisciplinar.


ABSTRACT

This paper presents the experience of a interdisciplinary approach, developed under the action research approach, in a hepatitis C treatment clinic with 20 individuals. The multidisciplinary group was composed by: a social assistant, a nurse, ID and GI physicians, nutritionist and a psychologist. Used actions were individualized and support-group meetings for the patients and cooperative meetings of the interdisciplinary group. The main goals were to preserve the patient's quality of life regardless of the adverse events inherent to the used medications, to reduce the dropout rate, promote the patient understanding of the health-disease process and its participation in this intervention strategy. During the first year, the program showed 100% adherence rate, with reports that encourage the continuous use of the multidisciplinary actions. Among these treated patients, higher cure rates were observed, when compared to other treatment centers in Brazil.

Keywords: Public health, Hepatitis C, Interdisciplinary care.


 

 

Introdução

As hepatites virais são um grave problema de saúde pública no mundo, sendo as hepatites B e C as principais causas de doenças hepáticas crônicas. Ambas são doenças que causam inflamação e necrose das células hepáticas, e atualmente são as maiores responsáveis pelos transplantes de fígado no Brasil e no mundo (Leong & Leong 2005; Ramadori & Meier, 2001).

Como a maioria das pessoas infectadas não apresenta sintomas, o acompanhamento dos pacientes é fundamental para evitar complicações graves como a cirrose e o câncer de fígado. Muitas vezes o diagnóstico é feito "ao acaso", devido ao quadro clínico inespecífico e até assintomático, e sua constatação pode ser feita através de exames de avaliação de rotina ou da triagem em bancos de sangue (Lavanchy, 2008; Ramadori & Meier, 2001).

O tratamento medicamentoso é instituído após a realização de exames de sangue, com a utilização de técnicas de biologia molecular, e verificação do estágio de cronificação da doença, através de biópsia hepática. A duração do tratamento pode variar de 24 a 72 semanas para a hepatite C, mas na hepatite B pode ser mantido por tempo indeterminado (Sarrazin et al., 2011; Veenstra, Spackman, Bisceglie, Kowdley & Gish, 2008).

Em relação à hepatite C, estima-se que existam no Brasil 3 a 4 milhões de pessoas infectadas, ou seja, cerca de 1,5% da população total e até 2,5% da população adulta, com perspectivas de aumento dos casos nos próximos anos (Kershenobich et al., 2011).

O Ministério da Saúde (2011) preconiza o tratamento da hepatite C quando há sinais de lesão hepática. O protocolo regulamenta indicações e esquemas terapêuticos, recomenda o acompanhamento interdisciplinar do portador de hepatite e estabelece mecanismos de acompanhamento e de avaliação de resultados, garantindo assim a prescrição segura e eficaz das medicações de alto custo, que geram efeitos colaterais significativos aos pacientes (Alavian, Tabatabaei & Behnava, 2012; Aziz et al., 2010).

Os efeitos colaterais mais frequentes são perda de peso, inapetência, insônia, irritabilidade, ansiedade, depressão, anemia, neutropenia, plaquetopenia, disfunção sexual, distúrbios gastrointestinais e muitos outros que, em conjunto, causam grandes dificuldades laborativas e de adaptação do paciente (Kraus, Schafer, Faller, Csef & Scheurlen, 2003).

O portador de hepatites, que antes do tratamento não sofria com os sintomas da doença, ao iniciar o tratamento passa a sofrer com os efeitos colaterais das medicações. Por isso é de fundamental importância sua participação no processo saúde-doença e apoio de equipe interdisciplinar.

Apesar da necessidade de apoio e integração dos diversos saberes para o êxito no tratamento da saúde, os serviços de saúde reproduzem o histórico do enfoque medicamentoso, com incipientes ações de melhorias da atuação interdisciplinar.

O termo interdisciplinaridade apresenta na literatura várias compreensões sobre seu significado. Encontra-se em Santomé (1988), um dos primeiros movimentos no formato de Seminário sobre Pluridisciplinaridade e Interdisciplinaridade, em meados dos anos 70, ocorrido na França, para atenção ao crescimento das especializações, com fragmentação do conhecimento e decréscimo da integração científica.

Fazenda (2001) conceitua a interdisciplinaridade como a integração de disciplinas, com vistas para melhorias dos canais de comunicação e colaboração entre os saberes.

Batista (2006) retrata a concepção biologicista e de visões especializadas na formação médica, e focaliza na interdisciplinaridade o desafio para o processo de transformação dos cursos médicos, para uma concepção ampliada de saúde, com ênfase na integralidade e no cuidado, e de aprendizagem no trabalho em equipe interdisciplinar.

De acordo com Caldas e Gessolo (2003), o aumento das especializações do conhecimento trouxe consigo a falta de comunicação entre profissionais da saúde, e este problema pode ser resolvido com a criação de grupos interdisciplinares para sobressaltar o aspecto humano do paciente, e não aplicar o tratamento para a pessoa como um objeto.

Pichon-Rivière (1991), em seus estudos sobre o processo grupal, atribui ao campo interdisciplinar à possibilidade dos integrantes do grupo aprenderem mais do que apenas pensar, incluí observar e escutar, relacionar as próprias opiniões com as dos outros, admitir que outros pensem de forma diferente e formular hipóteses em uma tarefa de equipe.

Miyazack, Domingos, Valério, Souza e Silva (2005) relatam sua experiência com um protocolo de atendimento psicológico em equipe interdisciplinar no tratamento da Hepatite C e corroboram os dados da literatura sobre a dificuldade de permanência do paciente no tratamento, diante dos efeitos colaterais significativos e também ressalta a contribuição que o psicólogo pode oferecer à equipe de saúde através de uma formação sólida e habilidades para o relacionamento interpessoal.

Peduzzi (2001) apresenta uma tipologia de trabalho em equipe interdisciplinar, que consiste na caracterização em duas modalidades: a equipe como agrupamento de agentes e a equipe como integração, com ênfase nesta última como relação recíproca entre as intervenções técnicas e a interação dos agentes, com complementaridade e colaboração no exercício da autonomia técnica.

Rosenfield, citado por Perini, Paixão, Modena e Rodrigues (2001) caracteriza a interdisciplinaridade como a possibilidade do trabalho conjunto na busca de soluções, respeitando-se as bases disciplinares específicas, e refere-se à transdisciplinaridade como trabalho coletivo que compartilha estruturas conceituais, teorias, conceitos e abordagens para tratar problemas comuns.

Desse modo, o trabalho de grupo interdisciplinar requer estabelecer uma comunicação clara, com linguagem comum a todos, em um ambiente de colaboração e união de conhecimentos, para a elaboração de planos e definição de ações e decisões futuras (Scherer & Campos, 1997).

O tratamento interdisciplinar, em nossa experiência de atendimento ambulatorial, buscou um cuidado de forma integral, e incluiu o paciente como parte da equipe interdisciplinar e como principal agente de sua saúde, através da ampliação do repertório de ação entre os vários agentes do processo.

A atuação interdisciplinar no Ambulatório de Hepatites Virais foi construída a partir do objetivo comum dos profissionais em cuidar da pessoa doente, manifestando a disposição de trabalhar em conjunto, proporcionando um processo reflexivo e intencional para ampliação do saber, decorrente da complexidade inerente ao tratamento e necessidades de intervenção.

O Hospital Estadual Bauru (HEB) iniciou o Ambulatório de Hepatites Virais em abril de 2008, visando primariamente o atendimento de portadores das hepatites crônicas virais B e C. Inicialmente formou-se um grupo de 20 pacientes em tratamento e mais de 130 estavam em investigação diagnóstica.

A maior parte dos casos é encaminhada pelos bancos de sangue da região, pelas Unidades Básicas de Saúde dos municípios do DRS-VI (Departamento Regional de Saúde/Bauru), por interconsultas ambulatoriais e de pacientes internados no HEB, ou mesmo, encaminhamentos de serviços particulares.

O Ambulatório de Hepatites Virais do HEB conta com equipe interdisciplinar composta por assistente social, enfermeira, gastroenterologista, infectologista, nutricionista e psicóloga. Também possui equipe de apoio com psiquiatra e fisioterapeutas.

Embora os trabalhos no Ambulatório de Hepatites tenham melhorias a serem realizadas na construção dos saberes em proposições de avanços do conhecimento integrado, a interdisciplinaridade descreve de forma bem adequada a atuação dos profissionais, com características de aproximação com os agentes de mudanças, pacientes e profissionais, e de cooperação recíproca.

Com o objetivo de oferecer atendimento integral aos pacientes buscou-se associar as áreas de conhecimento e assim proporcionar aos portadores de hepatites, aumento de sua qualidade de vida, o favorecimento da participação do paciente no processo saúdedoença, a promoção da atenção humanizada e melhorias nas condições do tratamento.

 

Método

O número de pacientes que iniciou o tratamento no primeiro ano de atuação do Ambulatório de Hepatites Virais foi de 20 sujeitos. Quanto à faixa etária, houve predomínio de idades no intervalo entre 35 e 54 anos, sendo: quatro pessoas com idades entre 25 e 34 anos; seis pessoas entre 35 e 44 anos, seis pessoas entre 45 e 54 anos, quatro pessoas entre 55 e 65 anos.

Têm-se a distribuição de 40% do sexo feminino e 60% do sexo masculino, com escolaridade de 5% analfabeto, 35% com ensino fundamental incompleto, 5% com ensino fundamental completo, 10% com ensino médio incompleto, 30% com ensino médio completo e 15% com ensino superior completo.

Os dados sociodemográficos do público atendido era de 65% de pessoas residentes na cidade de Bauru, as demais realizavam deslocamentos de Agudos, Dois Córregos, Igaraçu do Tietê, Jaú e Pederneiras.

A metodologia de trabalho foi o modelo de pesquisa-ação, com a integração das diversas áreas de conhecimento envolvidas, tanto dos saberes formais como os informais dos próprios participantes, que diferem da concepção tradicional de pesquisa, na qual os critérios lógico-formais e estatísticos predominam (Thiollent, 1984).

Segundo Thiollent (2007) a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica. É concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

De acordo com esse método, a equipe no Ambulatório buscou discutir com os portadores de hepatites o diagnóstico e o tratamento da doença, enfatizando a importância não apenas da adesão no tempo prescrito para medicação, mas também de sua participação efetiva, tanto no grupo de atendimento como nos atendimentos individuais. A participação do sujeito em seu processo de cura e reabilitação promoveu grande intercâmbio social e educativo entre os envolvidos, demonstrado no acolhimento que os pacientes proporcionavam entre si frente aos efeitos colaterais do tratamento.

Vasconcelos (1999) relaciona a forma como as questões culturais, cognitivas e subjetivas dificultam ou dinamizam o funcionamento dos serviços de saúde. O mesmo autor alertou, através de estudo, para a distância entre o atendimento prestado nos serviços de saúde e a realidade dos demais problemas enfrentados diariamente pela população. De acordo com essa distância, os profissionais de saúde podem ter grande dificuldade para compreender como vivem os indivíduos atendidos e para propiciar educação em saúde.

Para Diercks e Pekelman (2007) os ingredientes para a prática educativa vão partir sempre da realidade do grupo, aliado aos aspectos culturais, sociais e econômicos dos participantes, para que os mesmos exponham os aspectos psicossociais inicialmente não visíveis dos sujeitos, frente a realidade do tratamento em saúde.

Uma das formas de minimizar essa distância, entre orientação e educação para a saúde, são metodologias participativas, tais como a pesquisa-ação.

Em dia específico da semana, os pacientes passam pela avaliação da enfermagem, participam do grupo, realizam avaliações psicológicas, nutricionais e de assistência social, consulta médica, aplicação da medicação injetável (interferon) e recebem as medicações para uso diário por via oral (ribavirina).

Após os atendimentos são realizadas discussões semanais dos casos com a equipe interdisciplinar para definição de condutas, encaminhamentos e melhorias dos resultados.

O Grupo de apoio ao paciente em tratamento é realizado semanalmente. São encontros de 60 minutos de duração, com a coordenação da psicóloga e contribuições da assistente social e da nutricionista. Quanto ao número de participantes, é um grupo fechado, que conta com 20 integrantes (pacientes).

Os encontros tiveram temáticas relacionadas à compreensão da doença, do tratamento, da adesão e da participação do paciente na minimização dos efeitos colaterais, melhoria da qualidade de vida e enfrentamento do adoecimento.

O período relatado nesta experiência de grupo se refere a um ano de tratamento, na qual alguns participantes fecharam seu ciclo de tratamento e outros ainda permaneceriam até o término das 72 semanas, conforme o diagnóstico e avaliação médica.

A integração das diversas áreas do conhecimento na coordenação de tal atividade visa à superação cultural da simples medicalização da saúde, além de proporcionar o aprimoramento da prática profissional da equipe.

A equipe estabeleceu dois protocolos de atendimentos distintos de assistência semanal. No período da manhã é realizado apenas o atendimento dos pacientes em tratamento. No período da tarde concentram-se os atendimentos ainda em fase de investigação diagnóstica, como também os tratamentos apenas com antivirais por via oral (sem uso de interferon – medicação que associa o maior número de efeitos colaterais), e também os atendimentos dos casos que não recebem tratamento antiviral, ambos sem necessidade de participação no grupo.

Faz parte do contato médico-paciente a avaliação clínica, o diagnóstico diferencial e a solicitação de exames complementares. Após a definição diagnóstica o paciente é encaminhado para avaliação dos demais integrantes da equipe interdisciplinar.

Como no decorrer do tratamento, o paciente se depara com situações inesperadas, repletas de temores e ansiedades, com questionamentos que muitas vezes não são sanados em uma consulta médica apenas. Com base em tal demanda foi implantado um pronto-atendimento para queixas e dúvidas, 24 horas por dia, através de telefone celular por meio do qual os pacientes sempre poderiam entrar em contato com os médicos responsáveis pelo Ambulatório.

A atuação da assistente social na equipe consiste em contribuir para construção da visão global e intervenções pertinentes a problemática social dos pacientes em tratamento. Realiza-se entrevista social para coleta de dados importantes e principalmente a vinculação desse paciente/família com a equipe.

Ao iniciar o tratamento ambulatorial, é verificada a situação trabalhista, previdenciária e a necessidade de encaminhamento a recursos da comunidade, setor jurídico e o suporte familiar.

Também é a assistente social que orienta a viabilização do transporte entre os municípios atendidos ao HEB, fator fundamental para que a adesão ao tratamento seja mantida de forma impecável, toda semana em horário pré-determinado, atingindo maiores taxas de negativação viral em decorrência da constância e acesso garantido.

Os pacientes são avaliados individualmente pela nutricionista antes de iniciar o tratamento e são orientados a adquirirem hábitos alimentares mais apropriados ao desenvolvimento saudável, através da diminuição na ingestão de alimentos ricos em açúcar, sal e gordura, principalmente de origem animal, propondo-se o aumento do consumo de frutas e verduras a seis porções por dia, além do fracionamento das refeições (Ministério da Saúde, 2006).

Pacientes com quadro de sobrepeso/obesidade prévios são orientados a perder peso e aos portadores de diabetes mellitus, hipertensão arterial e dislipidemias são esclarecidas algumas especificidades na dieta. O acompanhamento nutricional durante o tratamento se faz de acordo com a necessidade de cada paciente. O controle do peso e da resistência à insulina são os principais alvos antes e durante o tratamento, o que tende a promover maior sucesso em relação ao controle da hepatite e da esteatose hepática (Schinoni & Oliveira, 2009).

Os efeitos colaterais do tratamento, como náuseas e inapetência, levam a uma menor ingestão alimentar e consequente perda de peso, que quando se torna excessiva, pode levar a um quadro de desnutrição, portanto cabe ao profissional nutricionista adaptar a dieta a ser ofertada e prescrever a suplementação nutricional adequada (Shima, Marcilio & Silva, 2005).

A psicóloga realiza suas avaliações através de instrumentos como entrevistas, inventários e atividades semanais de grupo que possibilitam aproximação com a problemática dos pacientes e enfrentamento do adoecimento, por meio do desenvolvimento de estratégias coletivas para sua superação, com o uso de recursos psicodramáticos, jogos, palestras e discussões mediadas.

Como os efeitos da medicação podem causar quadros depressivos, ansiosos e de irritabilidade, optou-se por realizar rastreamento em saúde mental, com avaliação constante dos sinais e sintomas de critérios diagnósticos em transtornos mentais.

Utilizou-se a escala BDI (Beck Depression Inventory), que foi padronizada para amostra brasileira e empregada na clínica, e em pesquisa com pacientes não psiquiátricos e na população em geral, com o objetivo de medir a intensidade da depressão (Cunha, 2011).

Também foi aplicado o questionário SRQ-20 (Self Reporting Questionnaire), recomendado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) para rastreamento psiquiátrico em estudos comunitários e em atenção básica à saúde. Na versão de 20 questões adaptada para amostra brasileira, oferece linha de corte para transtornos não-psicóticos, de fácil e rápida aplicação e não se trata de instrumento diagnóstico (Gonçalves, Stein & Kapczinski, 2008).

Através do SF-36 (Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey) foram utilizados dados de forma qualitativa, pois é um instrumento genérico de avaliação da qualidade de vida, com categorização em capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral da saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental, com validação por Ciconelli, Ferraz, Santos, Meinão e Quaresma (1999).

No contexto do tratamento todos esses instrumentos foram aplicados no início, meio e fim da medicação antiviral, para contribuir com dados quantitativos e qualitativos para a proposição de intervenções no Grupo de apoio, evitando pautar a avaliação apenas nos sujeitos mais participantes, mas incluindo a percepção individualizada dos estados de saúde.

Em casos de maior necessidade o atendimento psicológico foi individual, tendo como critério a procura espontânea pelo paciente, a manifestação por parte do grupo de maior atenção a um dos integrantes ou a solicitação da equipe profissional após as consultas individuais.

A psicóloga também contribuiu com seu parecer sobre as condições psicológicas do paciente para início do tratamento, encaminhamentos para psiquiatria ou para outras instituições de atendimento à saúde mental.

Ressalta-se a complexidade do tratamento e a importância da avaliação permanente na melhoria do atendimento oferecido ao portador de hepatite. Dentre os vários instrumentos de avaliação utilizados para nortear as melhorias das intervenções da equipe destacam-se a avaliação qualitativa por meio de questionário aberto e semidirigido, com e sem identificação dos respondentes, incluindo sugestões, opiniões e discussões sobre a participação do Grupo de apoio. Outra forma de avaliação comparativa foi o índice de adesão ao tratamento na região de atuação, comparando-se o número de portadores que abandonam os serviços especializados após o início do fornecimento semanal da medicação de alto custo.

No momento da aplicação dos instrumentos de avaliação, os participantes foram informados dos objetivos, os cuidados éticos, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), elaborado conforme artigo 196/96 CNS (Conselho Nacional de Saúde), enfatizando a possibilidade de uso em congressos, eventos científicos e em publicações, sempre preservando a identidade dos participantes e sem prejuízo no tratamento oferecido, caso não autorizasse o uso dos dados coletados.

O relato de experiência interdisciplinar foi submetido para anuência do Hospital Estadual Bauru, por meio do Comitê Científico da instituição.

 

Resultados e discussão

Este ciclo de atenção ao paciente permitiu participação efetiva e de qualidade nos resultados de adesão ao tratamento e de diminuição de danos, tanto pela doença como pelos efeitos adversos do próprio tratamento.

Na Hepatite C, o portador deve receber pelo menos 80% das doses dos medicamentos necessários para que obtenha sucesso no tratamento (Kwon et al., 2009). Porém, a maioria desses pacientes não havia tido nenhum sintoma da doença até que essas medicações fossem iniciadas, e ao começar o tratamento todos se depararam com sintomas limitantes, como a anemia, a depressão, dores, insônia e outros.

Garantir que o paciente mantenha o uso de 100% das doses das medicações que causaram esses sintomas é uma tarefa árdua e que só pode ser obtida com intervenções semanais, realizadas por equipe interdisciplinar, altamente treinada para este fim, sem deixar de tratar e minimizar todos os eventos adversos vivenciados.

Visando atenção integral a saúde dos pacientes e pela complexidade inerente ao seu tratamento, considera-se necessária a atuação de equipe interdisciplinar de intervenção (Yee, Currie, Darling & Wright, 2006).

Ao realizar um comparativo desta metodologia de atendimento e de outros serviços de tratamento de hepatites virais que atendem a mesma regional de saúde, notou-se que quando este cuidado é menos intenso, como nos casos de acompanhamento multiprofissional apenas por interconsulta, tende a acarretar menor adesão ao tratamento como demonstrado na Tabela 1.

 

 

Os serviços territorialmente mais próximos são o Serviço de Moléstias Infecciosas (SMI) de Bauru e o Hospital Dia de Infectologia de Botucatu, cujos índices demonstrados na Tabela 1 apresentam o aumento gradual entre as ações assistidas ao paciente e sua consequente adesão ao tratamento.

Os índices de adesão obtidos pelos serviços consultados são a subtração da taxa de abandono em relação ao total de pacientes que receberam medicação semanal no tempo prescrito para tratamento.

A abordagem interdisciplinar pode ser aplicada por diferentes métodos no atendimento a portadores de doenças crônicas. No Ambulatório de Hepatites Virais do Hospital Estadual Bauru a forma de abordagem apresentada neste relato obteve aumento significativo da proximidade com a realidade e com as necessidades dos pacientes, proporcionando grande melhoria de seus hábitos, qualidade de vida e participação no processo saúde-doença.

Como demonstrativo da avaliação qualitativa foram transcritos abaixo três comentários preenchidos por portadores de hepatites durante a atividade em grupo "Revendo e projetando nosso caminho", um autorrelato dirigido, com respostas escritas sem identificação, em que expressaram o que pensavam, sentiam e desejavam durante os encontros de apoio. Seguem os relatos, apenas com correções ortográficas.

"Eu pensava que não havia necessidade de se reunir para falar das doenças, eu sinto que hoje nós do grupo temos mais conhecimento e esclarecimento das doenças, a melhoria é muito grande em grupo" (P1)1. "Quando comecei achei que não ia dar certo eu entrar no grupo. Mas quando deu certo, eu me diverti bastante. Esse grupo me ajudou muito, porque quando eu entrei eu era uma pessoa triste, mas agora estou feliz porque eu achei que compensou passar nesse tratamento e nesse grupo" (P2)2. "Iniciei meu tratamento em janeiro/2009. Pensava que era mais fácil e menos doloroso. Agora eu penso que está sendo sofredor, mas está valendo a pena, porque a gente vê melhora a cada reunião de grupo" (P3)3.

A categorização das demais avaliações individuais realizadas no grupo de apoio com os pacientes atendidos no período de abril de 2008 a abril de 2009 demonstrou que no início da participação o portador de hepatite tende a ficar receoso pelo envolvimento interdisciplinar, mas todos obtiveram ganhos com vistas a avanços na saúde e expectativa de melhoria de vida, o que é confirmado pelo alto índice de adesão ao tratamento.

O Hospital Estadual Bauru vem trabalhando seriamente em favor desses pacientes, e até o momento vem obtendo taxas satisfatórias de cura dos portadores de hepatite C, mantendo a qualidade de vida e a esperança de seus pacientes.

Em relação aos 20 portadores de hepatites que participaram do atendimento no formato interdisciplinar, 18 obtiveram cura, um índice acima do esperado mesmo para um centro de referência (Sarrazin et al., 2011; Kim et al., 2011).

Essa eficácia não foi obtida pelo uso de drogas mais potentes, mas sim pela forma de abordar a doença que colocou o paciente como membro da equipe de saúde, garantindo o melhor possível das medicações e das aptidões de todos, profissionais e pacientes.

 

Referências

Alavian, S. M., Tabatabaei, S. V., & Behnava, B. (2012). Impact of erythropoietin on sustained virological response to peginterferon and ribavirin therapy for HCV infection: a systematic review and meta-analysis. J Viral Hepat, 19(2), 88-93.         [ Links ]

Aziz, S., Qamar, R., Ahmed, I., Imran, K., Masroor, M., Rajper, J., Nafay, S., Noorulain, W., & Khan, M. H. (2010). Treatment profile of hepatitis C patients – a comparison of interferon alpha 2a and 2b treatment regimes. J Coll Physicians Surg Pak, 20(9), 581-5.

Batista, S. H. S. (2006). A interdisciplinaridade no ensino médico. Revista Brasileira de Educação Médica, 30(1), 39-46.         [ Links ]

Caldas, J. M. P., & Gessolo, K. M. (2003). SIDA: discursos y prácticas. Revista Mal-estar e Subjetividade, 3(2), 237-274.         [ Links ]

Ciconelli, R. M., Ferraz, M. B., Santos, W., Meinão, I., & Quaresma, M. R. (1999). Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev. Bras. Reumatol, 39(3), 143-150.         [ Links ]

Cunha, A. J. (2011). Manual da versão em português das Escalas Beck. São Paulo: Casa do psicólogo.         [ Links ]

Diercks, M. S., & Pekelman, R. (2007). Manual para equipes de saúde: o trabalho educativo nos grupos. Brasil: Ministério da Saúde. Secretaria de gestão estratégica e participativa. Departamento de apoio a gestão participativa. Brasília: Ministério da Saúde. (Caderno de Educação popular e saúde).         [ Links ]

Fazenda, I. (2001). Interdisciplinaridade: um dicionário em construção. São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Gonçalves, D. M., Stein, A. T., & Kapczinski, F. (2008). Avaliação de desempenho do Self-Reporting Questionnaire como instrumento de rastreamento psiquiátrico: um estudo comparativo com o Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR. Cad. Saúde Pública, 24(2), 380-390.         [ Links ]

Kershenobich, D., Razavi, H. A., Sánchez-Avila, J. F., Bessone, F., Coelho, H. S., Dagher, L., Gonçales, F. L., Quiroz, J. F., Rodriguez-Perez, F., Rosado, B., Wallace, C., Negro, F., & Silva, M. (2011). Trends and projections of hepatitis C virus epidemiology in Latin America. Liver International, 31(2), 18-29.         [ Links ]

Kim, K. H., Jang, B. K., Chung, W. J., Hwang, J. S., Kweon, Y. O., Tak, W. Y., Lee, H. J., Lee, C. H., & Suh, J. (2011). Peginterferon alpha and ribavirin combination therapy in patients with hepatitis C virus-related liver cirrhosis. The Korean Journal of Hepatology, 17(3), 220-225.         [ Links ]

Kraus, M. R., Schäfer, A., Faller, H., Csef, H., & Scheurlen, M. (2003). Psychiatric symptoms in patients with chronic hepatitis C receiving interferon alfa-2b therapy. Journal Clinical Psychiatry, 64(6), 708-714.         [ Links ]

Kwon, J. H., Bae, S. H., Choi, J. Y., Yoon, S. K., Byun, K. S., Paik, S. W., Lim, Y. S., Lee, H. C., Han, K. H., & Lee, K. S. (2009). Assessment of the Efficacy of Reducing Peginterferon Alfa-2a and Ribavirin Dose on Virologic Response in Koreans with Chronic Hepatitis C. Korean J Intern Med., 24(3), 203-211.         [ Links ]

Lavanchy, D. (2008). Chronic viral hepatitis as a public health issue in the world. Best Pract Res Clin Gastroenterol., 22(6), 991-1008.         [ Links ]

Leong, T. M., & Leong, A. Y. (2005). Epidemiology and carcinogenesis of hepatocellular carcinoma. HPB Journal of the International Hepato-Pancreato-Billiary Association, 7(1), 5-15.         [ Links ]

Ministério da Saúde (2006). Guia Alimentar para a População Brasileira – Promovendo a Alimentação Saudável. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira.pdf> Acessado em: agosto de 2011.

Ministério da Saúde (2011). Hepatites virais: o Brasil está atento. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/hepatites_virais_brasil_atento.pdf> Acessado em: julho de 2011.         [ Links ]

Miyazack, M. C. O. S., Domingos, N. A. M., Valerio, N. I., Souza, E. F., & Silva, R. C. M. A. (2005). Tratamento da Hepatite C: Sintomas psicológicos e estratégias de enfrentamento. Revista Brasileira de Terapia Cognitiva, 1(1), 119-128.         [ Links ]

Peduzzi, M. (2001). Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Revista Saúde Pública, 35(1), 103-9.         [ Links ]

Perini, E., Paixão, H.H., Modena C. M., & Rodrigues, R. N. (2001). O indivíduo e o coletivo: alguns desafios da epidemiologia e da medicina social. Interface – Comunic., Saúde, Educ., 5(8), 101-18.

Pichon-Rivière, E. (1991). O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Ramadori, G., & Meier, V. (2001). Hepatitis C virus infection: 10 years after the discovery of the virus. Eur J Gastroenterol Hepatol, 13(5), 465-71.         [ Links ]

Santomé, J. (1988). Globalização e interdisciplinaridade. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Sarrazin, C., Schwendy, S., Möller, B., Dikopoulos, N., Buggisch, P., Encke, J., Teuber, G., Goeser, T., Thimme, R., Klinker, H., Boecher, W. O., Schulte-Frohlinde, E., Prinzing, R., Herrmann, E., Zeuzem, S., & Berg, T. (2011). Improved responses to pegylated interferon alfa 2-b and ribavirin by individualizing treatment for 24-72 weeks. Gastroenterology, 141(5), 1656-64.         [ Links ]

Scherer, E. A., & Campos, M. A. (1997). O trabalho em equipe interdisciplinar em saúde mental: uma revisão da literatura. Estudos em saúde mental, USP Ribeirão Preto, 264-285.         [ Links ]

Schinoni, M. I., & Oliveira, A. (2009). Hepatite por vírus C e resistência a insulina. R. Ci. méd. biol., 8(1), 67-74.         [ Links ]

Shima, M., Marcilio, C., & Silva, O. (2005). Terapia Nutricional oral: características, composição e indicação da dieta e suplementos nutricionais. Em E. Knobel (Org.), Terapia Intensiva – Nutrição (pp. 27 a 38). São Paulo: Atheneu.

Thiollent, M. (1984). Notas para o debate sobre pesquisa-ação. Em C. R. Brandão (Org.), Repensando a pesquisa participante (pp. 82-103). São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

Thiollent, M. (2007). Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Vasconcelos, E. M. (1999). Educação popular e a atenção à saúde da família. São Paulo: Editora Hucitec e Ministério da Saúde.         [ Links ]

Veenstra, D. L., Spackman, D. E., Bisceglie, A., Kowdley, K. V., Gish, R. G. (2008). Evaluating anti-viral drug selection and treatment duration in HBeAg-negative chronic hepatitis B: a cost-effectiveness analysis. Alimentary Pharmacology & Therapeutics, 27(12), 1240–1252.

Yee, H. S., Currie, S. L., Darling, J. M., & Wright, T. L. (2006). Management and treatment of hepatitis C viral infection: recommendations from the Department of Veterans Affairs Hepatitis C Resource Center program and the National Hepatitis C Program office. Am J Gastroenterol,101(10), 2360-78.         [ Links ]

 

 

Endereço para contato
E-mail: catiamazon@gmail.com

Recebido em outubro de 2011
Aceito em agosto de 2012

 

 

Catia Cristina Xavier Mazon: Psicóloga, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Unesp, Bauru.
Ana Claudia Furlan Teixeira: Assistente Social do Hospital Estadual Bauru, Especialista em Logoterapia aplicada à Educação pela Sociedade Brasileira de Logoterapia, São Paulo.
Fernando Gomes Romeiro: Médico Gastroenterologista do Hospital Estadual Bauru, Doutorado em Fisiopatologia em Clínica Médica, Unesp, Botucatu, e Professor Assistente Doutor da Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp.
Gustavo Hideki Kawanami: Médico Infectologista do Hospital Estadual Bauru, Mestre em Doenças Tropicais, Unesp, Botucatu.
Luciana Maria Fioretto: Nutricionista, Mestranda em Bases gerais da Cirurgia, Unesp, Botucatu.
1 Paciente 1, sem identificação.
2 Paciente 2, sem identificação.
3 Paciente 3, sem identificação.