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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia no.38-39 Canoas dez. 2012
ARTIGOS DE PESQUISA
Prevalência do uso de drogas entre acadêmicos de uma universidade particular do sul do Brasil
Prevalence of drug use among students from a private university from southern Brazil
Sandra Braga de MedeirosI; Suelem Varela RediessII; Nelson Hauck FilhoIII; Maria Isabel Morgan MartinsI; Cláudia Galvão MazoniI
I Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Gravataí, Rio Grande do Sul
II Pós-Graduação em Saúde Pública, Universidade Norte do Paraná - UNOPAR, polo Canoas, Rio Grande do Sul
III Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul
RESUMO
O objetivo do estudo foi investigar a prevalência e motivos do uso de álcool, tabaco e outras drogas por acadêmicos. A amostra foi composta por 560 estudantes, entre 17 e 74 anos (M = 31,16, DP = 11,10). As substâncias com maior prevalência de uso na vida foram álcool e tabaco. Dentre as drogas ilícitas, a maconha, as anfetaminas e a cocaína ou o crack foram as mais relatadas. O uso de álcool na vida foi mais prevalente em homens do que em mulheres, considerando os últimos três meses. Quanto aos motivos para o uso das substâncias psicoativas, os mais relatados foram diversão ou prazer, curiosidade e alívio de tensão psicológica. Cerca de 90% dos participantes se mostraram receptivos à implementação de um serviço de prevenção ao uso de drogas na universidade avaliada. Os resultados sugerem a necessidade do desenvolvimento de prevenções específicas ao uso de drogas no meio acadêmico.
Palavras-chave: Uso de drogas, Prevalência, Universitários.
ABSTRACT
The aim of the present study was to investigate the prevalence of and motives for consumption of alcohol, tobacco and other drugs by undergraduate students. The sample consisted of 560 students, between 17 and 74 years (M = 31.16, SD = 11.10). Results showed highest lifetime use rates for alcohol and tobacco among substances. Regarding illicit substances, marijuana, amphetamines and cocaine were the most reported. Lifetime alcohol use was more prevalent among men than women, and consumption of amphetamines or ecstasy within the last three months was more prevalent among women than men. Fun or pleasure seeking, curiosity and tension relief were the most frequent motives for using drugs. Although almost 90% of the sample showed positive attitude toward implementing a prevention program in the university, men and substance users were significantly less favorable. Results suggest the need for preventions specifically targeted at reducing substance use in the Brazilian university context.
Keywords: Substance use, Prevalence, Undergraduate students.
Introdução
De acordo com os dados compilados no relatório mundial de drogas, estima-se que 263.000 mortes ocorram por uso de drogas ilícitas (UNODC, 2011). A experimentação de algumas dessas substâncias vem ocorrendo cada vez mais precocemente entre indivíduos jovens, de modo que há indícios empíricos do uso já nos primeiros anos escolares (Mardegan, Souza & Buaiz, 2007; Marques & Cruz, 2000). Todavia, as maiores taxas de prevalência do uso ficam por conta dos estudantes universitários, grupo em que uma porção considerável dos indivíduos se expõe ao risco de uma série de consequências negativas decorrentes do uso do álcool e de outras drogas (Mardegan, Souza & Buaiz, 2007; Lemos et al., 2007; Wagner & Andrade, 2008; Tockus & Gonçalves, 2008; Brasil, 2010). Essas consequências podem incluir problemas acadêmicos, familiares, econômicos e judiciais (Brasil, 2010; Souza, Landim, Perdigão, Moraes & Filho, 1999). Em virtude disso, tem havido uma crescente preocupação, por parte da literatura científica nacional, com a problemática da prevalência do uso de drogas entre estudantes no contexto universitário (Mardegan, Souza & Buaiz, 2007; Lemos et al., 2007; Wagner & Andrade, 2008; Tockus & Gonçalves, 2008; Brasil, 2010).
Um levantamento realizado com 3725 estudantes de uma universidade do Estado de São Paulo permitiu verificar que, nos últimos 12 meses, 82,3% dos participantes haviam usado álcool, 29,6% haviam usado tabaco e 30,6% haviam consumido algum tipo de substância ilícita (Kerr-Corrêa, Andrade, Bassit & Boccuto, 1999). Em outro levantamento com 926 universitários da cidade de São Paulo, os autores relataram prevalências de uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas para os últimos 12 meses de 83,1%, 27,7% e 37,7%, respectivamente (Silva, Malbergier, Stempliuk & Andrade, 2006). Em uma pesquisa com 627 estudantes de Medicina de uma universidade do Estado do Ceará, os resultados apontaram o álcool (92,0%) como à droga mais consumida na vida, seguida pelo lança-perfume (46,9%) e pelo tabaco (45%) (Souza, Landim, Perdigão, Moraes & Filho, 1999). Outra investigação conduzida com uma amostra de 521 universitários do estado do Amazonas mostrou prevalências de uso de álcool e tabaco na vida de 87,7% e 30,7%, respectivamente (Lucas et al., 2006). Além disso, um amplo estudo transversal com quase 18 mil acadêmicos de 27 capitais brasileiras permitiu verificar que 80% dos participantes afirmaram já ter consumido algum tipo de bebida alcoólica, 46,7% usaram produtos de tabaco e 49% dos pesquisados já experimentaram alguma droga ilícita pelo menos uma vez na vida (Brasil, 2010). Portanto, em conjunto, esses estudos sugerem que a prevalência do álcool na vida ou nos últimos meses entre universitários brasileiros situa-se entre 80-90%, enquanto a do tabaco e de drogas ilícitas situa-se em torno de 25-50% e 30-50%, respectivamente.
Além da investigação da prevalência do uso de drogas, um aspecto igualmente relevante é a motivação para o uso de drogas. Motivos para o uso do álcool (e das substâncias psicoativas em geral) remetem à influência dos efeitos reforçadores de natureza externa (incentivos sociais) e interna (aumento de afetos positivos ou redução de afetos negativos) relacionados ao consumo e que interferem na decisão final de usar novamente uma substância (Emmanuel, Sherry & Cooper, 2008). Ainda que os motivos que levam os indivíduos a usar drogas lícitas e ilícitas tenham sido investigados em alguns estudos conduzidos até o momento no contexto nacional (Chiapetti & Serbena, 2007; Hauck-Filho, Teixeira & Cooper, 2012), esse aspecto permanece ainda pouco explorado no país. No entanto, aprofundar o conhecimento nessa área é importante na medida em pode fornecer subsídios para intervenções focadas na redução do uso de álcool e de outras drogas na população universitária (Kuntsche, Knibbe, Gmel & Engels, 2006). De fato, iniciativas institucionais baseadas em conhecimentos empíricos sobre os fatores contextuais que levam os indivíduos a usar substâncias psicoativas podem resultar mais efetivas na prevenção do abuso e da dependência (Perkins & Craig, 2006). Em virtude disso, o presente estudo teve por objetivo investigar a prevalência do uso de álcool, tabaco e outras drogas por universitários de uma universidade particular do sul do Brasil, bem como investigar os motivos relacionados ao consumo de drogas entre os estudantes. O levantamento teve a intenção de fornecer subsídios à implementação de um programa permanente de prevenção ao uso de drogas na instituição, avaliando a receptividade do público alvo quanto à criação do serviço.
Método
O estudo, de tipo epidemiológico transversal, buscou abranger as diversas áreas e cursos de graduação da instituição acadêmica alvo. No total, havia 3612 alunos matriculados em 13 cursos de graduação distribuídos em cinco áreas acadêmicas: Ciências Exatas, Ciências Biológicas, Ciências da Saúde, Ciências Sociais Aplicadas e Ciências Humanas. A amostragem foi casual e estratificada por meio de uma partilha proporcional de estudantes, considerando as diferentes áreas acadêmicas e as distribuições dos alunos nos respectivos cursos. O tamanho amostral estimado inicialmente foi de 205 casos. Contudo, considerando-se a necessidade de análises estatísticas de tipo inferencial (poder = 95% e alpha = 0,05) e a necessidade de compensar possíveis perdas em função de questionários incompletos, foram coletados dados de 560 estudantes. As idades variaram de 17 a 74 anos de idade (média = 31,16, mediana = 28,00 e desvio-padrão = 11,10).
Utilizou-se um questionário sociodemográfico e o Alcohol Smoking and Substance Involvement Screening Test (Henrique, De Micheli, Lacerda RB, Lacerda LA & Formigoni, 2004), um instrumento de autorrelato para a triagem do envolvimento com fumo, álcool e outras drogas. O ASSIST avalia uso, abuso e problemas decorrentes do consumo de dez tipos de substâncias: tabaco, álcool, maconha, cocaína ou crack, anfetaminas ou êxtase, inalantes, hipnóticos ou sedativos, alucinógenos, opioides e outras drogas. O instrumento possibilita a utilização de pontos de corte para a classificação dos indivíduos usuários de 10 tipos de substâncias, conforme a severidade do padrão do uso, em: Sem necessidade de intervenção, Necessidade de intervenção breve e Necessidade de intervenção intensiva. Outros instrumentos não pertinentes ao presente estudo também foram aplicados.
O projeto foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA/Gravataí), protocolo nº 2011-308H. Foi organizada uma equipe composta por universitários do 7º e 8º semestres do curso de psicologia para atuarem fazendo a coleta de dados na Instituição, sendo os alunos previamente selecionados e treinados. O treinamento, com carga horária de quatro horas, visou à padronização dos procedimentos para a coleta de dados, envolvendo a apresentação dos objetivos do estudo, metodologia, instrumentos utilizados, conduta do entrevistador dentro da sala de aula, aplicação, distribuição e recolhimento do instrumento de pesquisa. A aplicação dos questionários ocorreu em sala de aula, de forma coletiva, após breve explicação dos objetivos da pesquisa, do anonimato da participação e das garantias previstas no termo de consentimento livre e esclarecido.
Foram utilizadas estatísticas descritivas e inferenciais, como médias, desviospadrão, frequências, testes de comparação de postos de Mann-Whitney, teste quiquadrado e teste exato de Fischer. O nível alpha foi definido como 5%. O software empregado foi o SPSS 17.0.
Resultados
A Tabela 1 apresenta os dados descritivos da amostra do presente estudo. Observa-se que a amostra foi composta por indivíduos, em sua maioria, do sexo feminino (66,5%), sem filhos (56,4%) e trabalhando até 40h semanais (66,4%).
Análises de frequência foram empregadas para investigar o uso na vida de drogas lícitas e ilícitas pelos participantes, considerando as cinco áreas acadêmicas da universidade. Os resultados são apresentados na Tabela 2. Nessa tabela, verifica-se que as substâncias mais relatadas foram o álcool (75,1%), o tabaco (36,0%) e a maconha (19,3%). Opioides foram as drogas menos consumidas na vida, sendo relatadas por apenas 2,2% da amostra. Observaram-se também algumas diferenças pontuais entre a prevalência para o uso na vida entre as diferentes áreas acadêmicas dos cursos acadêmicos. Para avaliar a significância estatística dessas diferenças, um teste qui-quadrado foi utilizado. Em função do reduzido número de casos (< 5) em diversas caselas da Tabela 2, o teste qui-quadrado foi realizado considerando a área acadêmica e o tipo das substâncias psicoativas, dicotomizadas em "lícitas" ou "ilícitas". Para tanto, as substâncias álcool, tabaco e hipnóticos ou sedativos foram colapsadas em uma categoria de drogas lícitas e as demais constituíram o grupo das substâncias ilícitas. A categoria "ilícitas", evidentemente, não foi composta exclusivamente por substâncias ilegais, uma vez que muitas anfetaminas, inalantes e opioides podem ser adquiridos legalmente. Contudo, evitou-se a inclusão de anfetaminas, inalantes e opioides para manter a categoria "lícitas" composta exclusivamente por substâncias adquiridas legalmente. Os resultados mostraram não haver associação estatisticamente significativa entre as diferentes áreas acadêmicas e o uso de substâncias lícitas, χ² = 6,91, gl = 4, p = 0,14, ou ilícitas, χ² = 5,05, gl = 4, p = 0,28.
Análises não mostraram diferenças significativas entre homens e mulheres na prevalência do uso de drogas ilícitas, χ² = 1,36, gl = 1, p = 0,267, mas apresentaram diferenças significativas para drogas lícitas, χ² = 15,191, gl = 1, p < 0,001. Testes específicos de associação subsequentes, investigando as três substâncias definidas como lícitas, mostraram que a prevalência do uso de álcool na vida foi significativamente maior para homens do que para mulheres, χ² = 15,74, gl = 1, p < 0,01. Não houve associações entre sexo e uso de tabaco, χ² = 3,31, gl = 1, p = 0,07, e uso de hipnóticos ou sedativos, χ² = 0,05, gl = 1, p = 0,85.
Os hábitos da amostra quanto ao uso nos últimos três meses (questão dois do ASSIST) também foram avaliados. A escala de resposta empregada para essa questão, seguindo as indicações dos autores do instrumento, foi 0 = Nunca, 2 = Uma ou duas vezes, 3 = Mensalmente, 4 = Semanalmente e 6 = Diariamente ou quase todos os dias. Para fins de simplicidade na apresentação, os dados foram codificados como 0 = Não usou e 1 = Usou pelo menos uma vez durante o período. Assim, foram computadas frequências de uso nos últimos três meses na amostra total e em homens e mulheres, utilizando testes qui-quadrado para investigar diferenças significativas entre as prevalências de cada substância de acordo com o sexo. Os resultados, apresentados na Tabela 3, mostraram que as substâncias mais utilizadas nos últimos três meses foram álcool (71,4%), tabaco (22,8%), maconha (9,0%) e anfetamina ou ecstasy (4,6%). Mulheres relataram usar anfetaminas ou ecstasy em uma frequência significativamente maior do que homens, χ² = 4,76, gl = 1, p = 0,04. Comparações entre os sexos utilizando o teste de Mann-Whitney e a codificação ordinal original dos dados também permitiram chegar ao mesmo resultado, com mulheres apresentando médias de postos mais altas do que homens para anfetaminas ou ecstasy, z = -2,20, p = 0,03.
Com a finalidade de explorar melhor a severidade no envolvimento com as substâncias entre os participantes, os escores brutos foram codificados de acordo com os pontos de corte recomendados para o ASSIST. Esses pontos de corte descrevem o quanto o indivíduo usuário se aproxima de um grupo clínico de dependentes da substância, resultando três categorias possíveis, em ordem crescente de severidade: Nenhuma intervenção, Receber intervenção breve e Encaminhar para tratamento intensivo. As frequências de ocorrência de casos em cada categoria para a amostra total e para homens e mulheres são apresentadas na Tabela 4. Verifica-se que apenas as substâncias lícitas tabaco (2,6%) e álcool (1,8%) e as substâncias ilícitas maconha (0,2%), e cocaína ou crack (0,2%) apresentaram indivíduos com substanciais sinais e sintomas de dependência que sugeriam a necessidade de intervenção intensiva. No entanto, para todas as substâncias, houve uma proporção (variando entre 0,5 e 19,2%) de indivíduos apresentando necessidade de intervenção breve.
Foram feitos testes de associação qui-quadrado χ² (ou o teste exato de Fischer, quando houve pouca quantidade de casos em algumas categorias) entre o sexo dos indivíduos e as categorias do ASSIST para cada substância. Apesar da relativa diferença de prevalência entre homens e mulheres para cada substância específica, não foram encontradas diferenças significativas entre os sexos. Foram testadas também associações entre as categorias do ASSIST para cada substância e as variáveis: prática religiosa (dicotomizada em 0 = Não pratica e 1 = Pratica pelo menos em eventos especiais); atividade remunerada (codificada em 0 = Não possui e 1 = Trabalha pelo menos 20h semanais); e moradia (dicotomizada em 0 = Com pelo menos um familiar e 1 = Sem nenhum familiar). Não houve associações significativas entre as variáveis, prática religiosa e atividade remunerada e as categorias de severidade das substâncias. No entanto, houve associações entre a moradia e as categorias do ASSIST para álcool, χ² = 7,12, gl = 2, p = 0,03. Especificamente, houve uma associação significativa entre morar sem a companhia de familiares e ser classificado como necessitando de intervenção breve.
A prevalência dos motivos declarados para o uso de substâncias em geral também foi investigada. Como se pode verificar na Tabela 5, dentre os universitários que relataram ter feito uso de substâncias, os principais motivos declarados para o uso foram diversão ou prazer (10,2%), curiosidade (3,2%) e alívio de tensão psicológica (1,1%). Testes qui-quadrado mostraram que homens (14%) relataram usar substâncias por motivos de diversão ou prazer de forma significativamente mais frequente do que mulheres (8,1%), p = 0,03.
Por fim, a aceitação dos participantes quanto à criação de um serviço de prevenção ao uso de drogas foi avaliada. Os resultados mostraram que 89,5% dos universitários avaliaram positivamente a criação do serviço. Contudo, uma análise qui-quadrado revelou que mulheres se mostraram significativamente mais favoráveis do que homens, χ² = 14,80, gl = 1, p < 0,01. Além disso, indivíduos que nunca usaram substâncias foram mais favoráveis do que aqueles que relataram usar pelo menos algum tipo de droga no passado, χ² = 3,50, gl = 1, p = 0,04. Uma análise mais aprofundada por substância mostrou que indivíduos com uso na vida de tabaco e maconha se mostraram menos favoráveis, χ² = 4,14, gl = 1, p = 0,03, e χ² = 4,53, gl = 1, p = 0,03, respectivamente. Indivíduos que relataram ter usado álcool nos últimos três meses também foram menos favoráveis, χ² = 5,80, gl = 1, p = 0,01.
Discussão
O objetivo do presente estudo foi investigar a prevalência do uso de álcool, tabaco e outras drogas, além dos motivos típicos relacionados ao consumo de drogas por universitários de uma universidade particular do sul do Brasil. Os resultados apresentaram índices de prevalência para álcool (uso na vida = 75,1%, nos últimos três meses = 71,4%) e drogas ilícitas (uso na vida = 2,2-19,3%, nos últimos três meses = 0,3-9,0%) ligeiramente abaixo das taxas relatadas em outros estudos nacionais, entre 80-90% para álcool e 30-50% para drogas ilícitas (Brasil, 2010; Souza, Landim, Perdigão, Moraes & Filho, 1999; Kerr-Corrêa, Andrade, Bassit & Boccuto, 1999; Silva, Malbergier, Stempliuk & Andrade, 2006; Lucas et al., 2006). Contudo, de maneira similar, foi observada uma redução do uso de álcool na vida em um estudo epidemiológico com 9974 universitários do município de São Paulo (Wagner et al., 2012).
Quanto ao uso de tabaco, o uso na vida e nos últimos três meses foi de 36,0 e 22,8%, respectivamente, dentro do intervalo de 25-50% observado nos estudos nacionais revisados. Comparações entre homens e mulheres mostraram maior prevalência de uso de álcool na vida entre homens e de anfetaminas ou ecstasy nos últimos três meses entre mulheres. Esses resultados acompanham tendências que mostram diferenças entre homens e mulheres quanto aos padrões de uso de álcool (Brasil, 2010). Sobre o uso de anfetaminas por mulheres, o resultado encontrado segue uma tendência observada entre universitários do Amazonas (Lucas et al., 2006), mas não por universitários no Estado do Espírito Santo (Portugal, Souza, Buaiz & Siqueira, 2008).
Houve uma proporção de até 0,0 a 2,8% de indivíduos por substância com um padrão de uso sugestivo para intervenção intensiva, verificando-se também uma associação significativa entre morar sem a companhia de pelo menos um familiar e apresentar necessidade de intervenção breve. Os resultados encontrados sugerem que, apesar de as taxas de prevalência observadas terem sido, em alguns casos, um pouco menores do que o encontrado em estudos prévios, uma proporção entre 0,5 e 19,2% de usuários de substâncias apresentou necessidade de intervenção breve. Especificamente, as substâncias tabaco (19,2%), álcool (12,9%), maconha (7,4%) e anfetamina (3,2%) foram as que apresentaram as maiores proporções de indivíduos necessitando de intervenção breve.
A maioria dos indivíduos (89,5%) se mostrou favorável à implementação de um serviço de prevenção ao uso de drogas. Entretanto, um aspecto que merece atenção é o fato de homens, indivíduos que usaram tabaco e maconha na vida, e indivíduos que usaram álcool nos últimos três meses terem se mostrado menos favoráveis à implementação de um serviço dessa natureza. Esse resultado tem uma importante implicação prática, na medida em que aponta para grupos específicos de indivíduos possivelmente mais resistentes à ideia de procurar ajuda profissional ou informações sobre uso de drogas. Uma vez que esses indivíduos podem não estar motivados à mudança de comportamentos, o presente estudo revela a necessidade da investigação dos estados motivacionais dos universitários como um aspecto relevante para a implementação de estratégias efetivas de intervenção com usuários de substâncias, principalmente tabaco, maconha e álcool. Intervenções focadas nos estados motivacionais são, em geral, mais efetivas na mudança de comportamentos aditivos (Miller & Gary, 2009).
Os motivos mais frequentes para o uso de drogas foram diversão ou prazer (10,2%), curiosidade (3,2%) e alívio de tensão psicológica (1,1%). Os resultados acompanham um estudo prévio feito com uma amostra de universitários do Rio Grande do Sul que mostrou os principais motivos para uso de bebidas alcoólicas como sendo o uso para facilitar interações sociais (motivos de tipo social) e para experienciar afetos positivos (motivos de tipo realce) (Hauck-Filho, Teixeira & Cooper, 2012). Contudo, o presente estudo expandiu a investigação da motivação ao âmbito das substâncias em geral, permitindo verificar que a indução ou intensificação de estados afetivos positivos foi o principal motivo relatado. A curiosidade, possivelmente mediada por expectativas positivas desenvolvidas previamente também se mostrou saliente entre os motivos totais relatados. O alívio da tensão psicológica, descrito na literatura como "motivação de coping" (Kuntsche, Stewart & Cooper, 2008), foi menos frequente do que os demais motivos, mas ainda assim surgiu como um fenômeno relevante. Motivos de coping, em geral, estão associados a estados afetivos negativos, de modo que podem ter caracterizado um subgrupo de usuários de substâncias com características de quadros como ansiedade e depressão. A investigação das psicopatologias associadas aos diferentes tipos de motivação para o uso de substâncias em universitários é ainda um aspecto relativamente inexplorado em estudos nacionais, sendo necessárias novas investigações que ajudem a aprofundar o conhecimento na área.
O presente estudo chama a atenção para a influência de variáveis sociodemográficas nos comportamentos de uso de substâncias e o papel do contexto cultural na modificação da influência dessas variáveis. Diferente de alguns estudos prévios com jovens brasileiros, o presente estudo não mostrou uma associação significativa entre a prática religiosa e os comportamentos de uso de substâncias (Dalgalarrondo, Soldera, Corrêa Filho & Silva, 2004; Martins, Cruz, Teixeira & Manzato, 2008). O sexo dos participantes também esteve pouco associado à maioria dos padrões de uso na vida e nos últimos três meses para as 10 categorias de substâncias avaliadas pelo ASSIST. A presença da família, por outro lado, mostrou-se um fator de proteção, sugerindo que o uso de substâncias pode ocorrer mais facilmente entre universitários que moram com amigos ou sozinhos. Uma segunda interpretação é que talvez a alta prevalência do uso de substâncias entre estudantes universitários seja devida, em parte à saída dos jovens da casa dos pais ou de outros familiares, e não exatamente em função do ingresso na universidade. No contexto do uso de bebidas alcoólicas foi confirmada essa interpretação, sugerindo que jovens que não frequentam a universidade, mas que moram sem a família também fazem uso de álcool bastante frequentemente (Dawson, Grant, Stinson & Chou, 2004). Ainda assim, aspectos do contexto universitário podem favorecer o abuso de substâncias, especialmente o álcool. Por exemplo, os estudantes podem facilmente superestimar o quão frequente é o uso entre seus colegas, o que ajuda a criar uma falsa noção do uso como sendo consensual entre os indivíduos (Lewis & Neighbors, 2004; Wolfson, 2000) Portanto, tanto novos estudos quanto novas propostas de intervenção devem enfocar a temática das normas que facilitam o uso de drogas entre universitários brasileiros.
Considerações finais
O presente estudo buscou oferecer uma contribuição à literatura nacional sobre a epidemiologia do uso do álcool, do tabaco e de outras drogas entre estudantes universitários. Além disso, buscou-se investigar dois aspectos pouco estudados previamente no contexto nacional: a motivação relacionada ao uso de substâncias e a receptividade dos estudantes quanto à possibilidade da criação de um serviço de prevenção ao uso de drogas. Os resultados fornecem subsídios que auxiliarão na construção de estratégias mais eficazes de intervenção no que diz respeito ao abuso e à dependência de drogas entre universitários e jovens em geral. Os resultados permitiram ainda identificar grupos de indivíduos possivelmente pouco motivados a procurar ajuda com relação a comportamentos de uso de substâncias. A presente investigação sugere a necessidade de que a motivação subjacente ao uso de substâncias e os estágios motivacionais para a mudança de comportamentos aditivos sejam enfatizados em estratégias de intervenção com essa população alvo.
Entende-se como fundamental, voltar à atenção para esta população investindo em novas pesquisas que visem traçar o perfil frente ao consumo de substâncias psicoativas e as implicações do uso sobre a saúde e o desempenho acadêmico. Enfim, acredita-se que os dados apresentados possam contribuir para uma melhor compreensão da temática seja no que diz respeito às substâncias mais consumidas, padrões de uso nocivo ou dependência, para que possamos planejar e implementar programas de prevenção primária e secundária em instituições de ensino superior. Acredita-se, com isso, que a informação seja o primeiro movimento para a promoção em saúde no contexto da comunidade acadêmica. Além disso, não podemos esquecer o papel das universidades como sendo centros geradores de conhecimento e formação de líderes que gerem mudanças para o bem de toda a sociedade.
Limitações do estudo
Algumas limitações poderiam ser mencionadas na realização desse trabalho tais como: o estudo não é longitudinal, mas a entrevista através dos diferentes anos dos cursos de graduação torna-se uma alternativa viável de avaliação do consumo de drogas no decorrer da vida acadêmica; apesar da garantia do anonimato pela não identificação do acadêmico e da devolução do questionário em uma urna, é possível que algumas informações tenham sido sonegadas e o fato de terem sido utilizados apenas instrumentos de autorrelato, pode ter ocasionado imprecisões nas informações relatadas sobre hábitos de uso das substâncias.
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Endereço para contato
E-mail: bragasandra67@gmail.com
Recebido em outubro de 2012
Aceito em maio de 2013
Sandra Braga de Medeiros: Pedagoga, Especialista em Educação, Acadêmica de Psicologia, Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Gravataí, Rio Grande do Sul.
Suelem Varela Rediess: Psicóloga, cursando Pós-Graduação em Saúde Pública, Universidade Norte do Paraná - UNOPAR, polo Canoas, Rio Grande do Sul.
Nelson Hauck Filho: Psicólogo, Doutorando de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
Maria Isabel Morgan Martins: Bióloga, Doutora em Ciências Biológicas ênfase em Fisiologia, Professora Pesquisadora da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Gravataí/Canoas, Rio Grande do Sul.
Cláudia Galvão Mazoni: Psicóloga, Mestre em Ciências da Saúde, Docente no curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Gravataí, Rio Grande do Sul.