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Aletheia
versão impressa ISSN 1413-0394
Aletheia no.46 Canoas abr. 2015
ARTIGOS EMPÍRICOS
Depressão pós-parto materna e o envolvimento paterno no primeiro ano do bebê
Maternal postpartum depression and father involvement in the first year of the child
Marília Reginato GabrielI,II; Milena da Rosa SilvaI; Paula PortugalI; Cesar Augusto PiccininiI
I Universidade Federal do Rio Grande do Sul
II Faculdades Integradas de Taquara
RESUMO
O presente estudo investigou o envolvimento do pai no primeiro ano do bebê no contexto da depressão pós-parto materna (DPP). Foram entrevistados 11 pais (23 a 44 anos), cujas mães apresentavam indicadores de DPP. As entrevistas foram realizadas através de uma análise de conteúdo baseada nas três dimensões do conceito de envolvimento paterno: interação, acessibilidade e responsabilidade. Os resultados revelaram que as interações pai-bebê perpassavam as situações de brincadeira e cuidado. Contudo, os cuidados do bebê eram realizados mais eventualmente e somente com a solicitação da mãe. Também apareceram sentimentos de incompetência e insegurança frente aos cuidados, preocupação com o estado emocional da mãe e com a sua sobrecarga. Os pais também relataram limitações de tempo para auxiliar a mãe nos cuidados com a criança, atribuindo a ela a maior responsabilidade pelo filho. Os resultados sugerem que no contexto da DPP o pai pode também estar fragilizado e pode apresentar dificuldades em suprir as demandas maternas de apoio emocional e instrumental, assim como para se envolver com o bebê.
Palavras-chave: Envolvimento paterno, Relação pai-bebê, Paternidade, Depressão pós-parto.
ABSTRACT
The present study investigated father's involvement in infant's first year in the context of the maternal postpartum depression (PPD). Eleven fathers from 23 to 44 years participated in this study, whose wives presented PPD symptoms were interviewed. The interviews were examined through content analyzes, based on three dimensions of father involvement: interaction, accessibility and responsibility. Results showed that interactions between father-infant pervaded situations of playing and care giving. However, the latter were less often and most commonly were done upon the request of the mother. Feelings of incompetence and insecurity about the care concern for the emotional state of the mother and her overhead also were reported. Father also showed problems regarding time to assist the mother in care giving for the child, pointing for the mother the greatest responsibility for the child. The results suggest that in the context of DDD the father may be so weakened as the mother and thus he may have difficulties in coping with the demands of emotional and instrumental maternal support, as well as to engage with the child.
Keywords: Father involvement, Father-baby relationship, Fatherhood, Post-partum depression.
Introdução
A depressão pós-parto materna (DPP) tem sido identificada em um grande número de mães ao longo do primeiro ano do bebê (Halbreichemail & Karkun, 2006) e é considerada uma das complicações mais comuns deste período (Gaynes et al., 2005). A DPP inclui sintomas vegetativos, cognitivos, psicomotores, bem como alterações de humor (Cruz, Simões, & Faisal-Cury, 2005; Dunewold, 1997; Schwengber & Piccinini, 2003, para revisão) e apresenta diversas implicações para as relações familiares, em particular para a relação mãe-bebê e para o próprio desenvolvimento infantil (Field, 2010; Righetti-Veltema, Conne-Perre´ard, Bousquet, & Manzano, 2002).
Devido às intensas demandas que o nascimento de um filho apresenta às mães, este momento pode ser vivido de modo tão intenso que pode trazer à tona sentimentos e experiências que acarretam dificuldades às mães após o parto. Dentre estas, a depressão pós-parto acontece logo após o parto, segundo o DSM-IV-TR (2002), ou ainda durante as seis primeiras semanas após o parto, segundo o CID-10 (1993). Outros autores defendem que a depressão pode se desenvolver em qualquer momento do primeiro ano do bebê, podendo ainda ser caracterizada como "pós-parto" desde que desencadeada por questões relativas ao puerpério (Nonacs & Cohen, 2005).
Neste contexto de maior fragilidade e sensibilidade da mãe, o envolvimento paterno e em particular o apoio emocional e instrumental do pai se faz muito importante. O envolvimento do pai com o bebê e com a mãe tem sido considerado como essencial para a proteção do desenvolvimento do bebê e da relação da mãe com ele (Frizzo & Piccinini, 2005; Hossain, Field, Gonzalez, Malphurs, Del Valle & Pickens, 1994). Estudos que apoiam este entendimento demonstram que o pai, quando não deprimido, interage de forma mais positiva com o bebê do que a mãe com depressão (Edhborg et al., 2003; Hossain et al., 1994). Nesse sentido, pode-se pensar que as eventuais dificuldades percebidas na interação dos bebês com suas mães não se estendem necessariamente para a interação com os pais.1 Inclusive, pode-se pensar que pais não deprimidos minimizem ou compensem os efeitos da depressão materna na sua interação com o bebê (Edhborg et al., 2003; Hossain et al., 1994). Tanto através de sua relação com o bebê, quando por sua relação com a mãe, o envolvimento do pai com os cuidados da criança e seu auxílio à mãe em tarefas práticas é bastante importante para proteger a saúde emocional da mãe, pois reduz a sobrecarga própria da maternidade, particularmente nos primeiros meses de vida do bebê (Silva & Piccinini, 2009).
O estudo de Goodman (2008) forneceu evidências de que, quando a mãe sofre de depressão pós-parto, a interação pai-bebê também é afetada negativamente. O estudo foi realizado com 128 tríades americanas (pai-mãe-bebê), com mães que apresentavam escores de depressão na Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS). Os resultados revelaram que os pais não mudavam necessariamente suas interações com a criança de modo a amortecer ou proteger a criança da depressão da mãe. A autora também destacou que este resultado indica que a interação pai-bebê pode ser mais sensível ao humor materno do que ao próprio humor paterno.
Contudo, o estudo de Frizzo e Piccinini (2007) não encontrou diferenças significativas nas interações triádicas mãe-pai-bebê, entre famílias com mães deprimidas e sem depressão. Das 19 famílias participantes, em 9 as mães apresentaram escores indicativos de depressão no Inventário Beck de Depressão (BDI). Os resultados não revelaram diferenças significativas nos comportamentos observados tanto durante as interações triádicas (pai-mãe-bebê) como nas diádicas (mãe-bebê; pai-bebê; mãe-pai), indicando inclusive que mães moderadamente deprimidas poderiam apresentar interações positivas com bebês. Nestes casos, pode-se pensar que a interação mãe-bebê não tenha sofrido impacto expressivo da depressão, de forma que a interação pai-bebê não precisou ser compensatória.
Embora os estudos mencionados nem sempre convirjam em seus resultados, grande parte das pesquisas tem ressaltado associações entre a DPP materna e a paternidade (Burke, 2003). É plausível se pensar que diferenças metodológicas envolvendo estes estudos e a própria intensidade da depressão, expliquem pelo menos parcialmente as diferenças nos resultados descritos. Sem dúvida situações mais graves de depressão trarão um maior comprometimento para a dinâmica da tríade pai-mãe-bebê do que situações mais leves. Logo, mais estudos são necessários para que se avaliem as particularidades e extensão destas associações. Além disso, a partir de um melhor entendimento do envolvimento paterno em contexto de DPP materna, podem-se realizar intervenções específicas para famílias que se encontram nessa situação.
O conceito de envolvimento paterno (Lamb et al., 1985) tem sido muito usado nos estudos sobre paternidade e envolve três componentes: interação, disponibilidade e responsabilidade. A interação se refere ao contato direto do pai com seu filho, através do cuidado e atividades compartilhadas, como por exemplo, cuidados, brincadeiras, passeios, estímulos, entre outras interações diretas do pai com seu filho. A disponibilidade se refere à acessibilidade física e psicológica, que oportuniza a interação com a criança, o que permite, mas não requer necessariamente, uma interação face a face (e.g., tempo que está disponível para a criança). Por fim, a responsabilidade se refere ao papel do pai de garantir que a criança seja cuidada e que os recursos estejam disponíveis para a criança, que inclui também ansiedades, preocupações e planejamentos que fazem parte da parentalidade (e.g., preocupação com a saúde do bebê).
O interesse pelo estudo do envolvimento paterno está relacionado com a preocupação com a prática da paternidade, ou seja, com as tarefas cotidianas que os pais realizam com seu filho, principalmente em uma sociedade em que se intensificavam as atividades laborais maternas fora do lar (Pleck, 1997). A expectativa de alguns destes estudos era de que os pais aumentariam seus níveis de envolvimento, a fim de diminuir o ônus que a ausência materna causaria. Frente às rápidas mudanças nas sociedades ocidentais e às diferentes configurações familiares, o conceito de envolvimento paterno tem sido relevante para se investigar a paternidade, inclusive em contextos atípicos de desenvolvimento infantil (Cabrera, Tamis-LeMonda, Lamb, & Boller, 1999; Crepaldi, Andreani, Hammes, Ristof, & Abreu, 2006).
Como destacado acima, a DPP materna pode ter impacto na interação mãe-bebê e na própria paternidade. Contudo, os estudos não deixam claro se o envolvimento paterno seria afetado, como isto ocorreria e em que extensão. Neste sentido, o objetivo do presente estudo foi investigar o envolvimento do pai no primeiro ano do bebê no contexto da DPP materna, examinando o impacto da condição materna em cada uma das dimensões do envolvimento paterno: interação, disponibilidade e responsabilidade, proposto por Lamb et al., (1985).
Método
Participaram deste estudo 11 pais, com idades entre 23 e 44 anos, cujas esposas, que tinham um bebê, apresentavam indicadores de DPP, com base nos escores do Inventário Beck de Depressão (BDI), sendo que cinco apresentaram escore leve (13 a 19 pontos) e seis obtiveram escore moderado (22 a 34 pontos). O diagnóstico de DPP materna foi confirmado por uma entrevista diagnóstica. No caso dos pais, cinco não apresentavam indicadores de depressão (<11 pontos), cinco apresentavam escore que indicava depressão leve (13 a 18 pontos) e, um pai apresentou escore moderado (23 pontos). Na ocasião das entrevistas, os bebês tinham entre um e 11 meses de idade e não apresentavam problemas de saúde. A escolaridade dos pais variava entre ensino médio completo (4 pais), incompleto (3 pais) e superior completo (2 pais). Dois pais não responderam a esta questão. As mães tinham idade entre 19 e 42 anos, tendo ensino superior completo (2 mães), incompleto (1 mãe), ensino médio completo (5 mães), ensino fundamental completo (1 mãe) e incompleto (2 mães).
Todos os participantes integravam o projeto "O impacto da psicoterapia para a depressão materna e para a interação pais-bebê: estudo longitudinal do nascimento aos segundo ano de vida do bebê"– PSICDEMA (Piccinini et al., 2003), que investigou vários fatores relacionados à DPP nos primeiros meses após o nascimento do bebê, tais como: o impacto da DPP para a qualidade do relacionamento conjugal; participação do pai nos cuidados do bebê; a relação existente entre a DPP e a interação mãe-bebê e pai-bebê; e o impacto de uma psicoterapia breve pais-bebê para o desenvolvimento do bebê, para a experiência da maternidade e da paternidade e para a interação pai/mãe-bebê. O projeto acompanhou 22 famílias cujas mães apresentavam DPP que participaram de três fases de coleta de dados; Fase I, realizada durante o primeiro ano de vida do bebê, envolveu a caracterização e a avaliação dos aspectos psicológicos dos participantes; Fase II compreendeu a realização de Psicoterapia Breve Pais-bebê, visando promover um vínculo favorável ao desenvolvimento dos bebês; Fases III e IV foram realizadas, respectivamente, uma semana e seis meses após a psicoterapia, quando houve uma nova avaliação dos participantes. As famílias inicialmente contatadas foram encaminhadas por unidades básicas de saúde (8%), por hospitais da rede pública de Porto Alegre (40%), através da mídia (32%) e por indicação (20%). Para fins do presente estudo, foram selecionados todos os pais que participaram da Fase I, enquanto aguardavam sua participação na Psicoterapia Pais-Bebê. Das 22 famílias participantes da Fase I, para o presente estudo, 11 foram excluídas pelos seguintes motivos: não participação paterna (7 casos); dados da Fase 1 incompletos (em dois casos as entrevistas estavam incompletas e em um o BDI não estava preenchido); e um caso de separação conjugal. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas das famílias, escores no BDI e os níveis de DPP.
Foi utilizado um delineamento de casos múltiplos (Stake, 2006) para investigar o envolvimento paterno no primeiro ano do bebê no contexto de DPP. Seguindo as fases de coleta de dados do projeto PSICDEMA, inicialmente as mães responderam à Ficha de Contato Inicial, que visou examinar se as famílias se adequavam aos critérios para participar do projeto. Após, as mães e pais responderam simultaneamente, mas em salas separadas, ao Inventário Beck de Depressão, para investigar os indicadores de DPP e a mãe respondeu à Entrevista Diagnóstica, para confirmar ou não presença da DPP. Como parte do projeto PSICDEMA, o pai e a mãe também responderam a outras entrevistas, mas destaca-se aqui a Entrevista sobre a Experiência de Paternidade respondida pelo pai, cujos dados foram usados no presente estudo.
O projeto PSICDEMA foi aprovado pelos Comitês de Éticas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (prot. 03-068, de 14.02.2003), do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (prot. 05-03, de 02.04.2003) e do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (prot. 200396, de 15.05.2003). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Instrumentos
1. Ficha de Contato Inicial (GIDEP/NUDIF, 2003): foi usada para investigar aspectos sociodemográficos das famílias, tais como idade da mãe e do companheiro, escolaridade, profissão, estado civil, e existência de outros filhos.
2. Inventário Beck de Depressão (Beck & Steer, 1993; Cunha, 2001): foi utilizada para avaliar a depressão materna. O BDI é uma escala sintomática de autorrelato, composta por 21 itens com diferentes alternativas de resposta a respeito de como o sujeito tem se sentido, e que correspondem a diferentes níveis de gravidade da depressão. A soma dos escores dos itens individuais fornece um escore total, que por sua vez constitui um escore dimensional da intensidade da depressão, que pode ser classificado nos seguintes níveis: mínimo (até 11 pontos), leve (de 12 a 19 pontos), moderado (de 20 a 35 pontos) ou grave (acima de 36 pontos).
3. Entrevista Diagnóstica (GIDEP/NUDIF, 2003b): baseada em Dunnewold (1997) e nos critérios do DSM-IV (APA, 2002), tinha como objetivo investigar os sintomas atuais do pós-parto, a história imediata da mãe e do pai na gestação, a qualidade de seus relacionamentos com o bebê, com sua família e companheiro (a), e o histórico médico prévio.
4. Entrevista sobre a Experiência da Paternidade (GIDEP/NUDIF, 2003c): trata-se de uma entrevista estruturada, composta por cinco blocos de questões, que investigam o modo como o pai exerce a paternidade e a sua satisfação com este papel. Para tanto, aborda aspectos como o dia a dia do pai com o bebê, as atividades realizadas por ele (de cuidado ou recreação), as mudanças em sua vida pessoal e profissional, seus modelos de pai e sua avaliação de sua companheira no exercício do papel de mãe. Durante a entrevista, realizada de forma semidirigida, solicita-se ao pai que relasse os seus sentimentos e impressões sobre a paternidade desde o nascimento do bebê até o momento da realização da entrevista.
Resultados
A análise de conteúdo qualitativa (Laville & Dionne, 1999) das entrevistas foi utilizada para investigar o envolvimento do pai no primeiro ano do bebê no contexto da DPP materna. As categorias de análise foram definidas a priori baseadas nas dimensões de envolvimento paterno de Lamb et al., (1985): interação, disponibilidade e responsabilidade. Para cada categoria foram utilizadas subcategorias baseadas na literatura (Lamb et al., 1985; Piccinini, Silva, Gonçalves, Lopes, & Tudge, 2004; Piccinini, Silva, Gonçalves, Lopes, & Tudge, 2012). Os resultados serão expostos separadamente para cada categoria de análise e suas respectivas subcategorias e serão ilustradas com relatos dos próprios pais.2
Interação com o bebê
Nesta categoria foram incluídos os relatos dos pais a respeito das atividades, de cuidado ou lazer, que eles realizavam com o bebê e compreende sete subcategorias: brincar, conversar, distrair, estimular, passear, demonstrar afeto e cuidar.
Quanto ao brincar, quase todos os pais3 (10) relataram situações de brincadeiras com o bebê. Os pais brincavam com o bebê utilizando objetos, como bola e carrinho, ou ainda utilizando o próprio corpo, como cócegas, jogar o bebê para cima, balançar e esconder. Os pais demonstraram satisfação na realização destas atividades: "Depois que eu chego do serviço eu mato a saudade dele. Eu gosto de ficar com ele, brincando com ele. Pegar ele no colo e ficar brincando com ele, só" (P11/dm). Alguns pais (4) relataram conversar com o bebê como uma forma de interação: "Eu brinco assim, mais é com palavras, com gestos. Efetivamente com brinquedos eu não brinco muito" (P8/dl). Vários pais (7) relataram realizar atividades para distrair o bebê, como mostrar objetos, cantar e assistir televisão: "Eu sei de muitas coisas que ele gosta, gosta de ver quadro, ver coisas, explorar a coisa, então é essa parte que eu gosto mais, distrair ele" (P6/dl). Alguns pais (3) relataram utilizar as interações com o bebê a fim de estimulá-lo, especialmente as áreas cognitiva e motora: "Brinco para desenvolver a parte motora, de botar coisas na mão dele, fazer coisas" (P6/dl). Vários pais (6) relataram passear com o bebê a fim de sair de casa ou levar em algum local específico: "Eu gosto de sair, botar ele no carrinho, passear com ele, dar umas voltas. Eu gosto de ir lá na minha mãe pra ir passear" (P10/dl). Também vários pais (6) relataram interações em que demonstraram afeto, evidenciando um intenso vínculo com o bebê: "Eu também tenho muito prazer em ver ela acordando, porque ela acorda de bom humor e adoro ficar cheirando, beijando ela" (P4/sd).
Com relação ao cuidado do filho, todos os pais abordaram este tema, com relatos sobre as atividades que realizavam com a criança: "Passo com ela. Mamar, trocar, alimentar" (P9/dl). Já alguns pais (3) relataram que se envolviam muito raramente em atividade de cuidado: "Não, isso ai [cuidar] eu não tenho conseguido" (P4/sd). A maioria dos pais (8) relatou realizar cuidados do bebê quando solicitado pela mãe: "Ela [esposa] tem que pedir, se botar um papel lá, eu vou ver que tá na hora [do remédio]. Mas se não fizer, eu me esqueço, porque ela [esposa] tá ali"(P1/sd). Além disso, dois pais relataram sentirem-se incomodados com os pedidos de ajuda por parte da esposa, por sentirem que o pedido vinha pelo fato da mãe não estar bem emocionalmente para cuidar do bebê: "Às vezes, dentro de uma normalidade, eu acho que não tem problema [a esposa pedir ajuda]. Às vezes eu tenho a impressão que ela está me jogando o nenê. Eu não acho muito legal, mas entendo, eu estou começando mais a entender. Antes eu tava mais julgando" (P6/dl); ou por se sentirem sobrecarregados com os cuidados do bebê: "Esses dias eu fiquei com ele o dia todo: 'Ah, troca a fralda dele lá pra mim'. Eu já tinha passado o dia todo com ele. Esse tipo de coisa que, às vezes, eu acho que passa um pouco..." (P10/dl).
Com relação aos seus sentimentos sobre a realização deste tipo de tarefa, alguns pais (3) relataram vivências prazerosas na realização das atividades de cuidado: "Uma coisa que eu tenho muito prazer que é alimentar. Faço um papazinho, uma sopa esmagada, assim" (P5/sd); "O que eu senti mais a emoção, foi dar banho nele agora, no chuveiro, que a gente tá tomando banho junto" (P1/sd). Contudo, dois pais relataram desprazer em realizar tarefas de cuidado: "O que eu menos gosto de fazer é sair cedo. Eu saio cedo e tenho que acordar ele. E aí é aquela correria, levanto de manhã todo errado, me acordo, tem que arrumar ele, levar ele na creche às seis e meia da manhã" (P10/dl).
Ainda com relação às interações relacionadas com o cuidar, percebe-se que, de um lado, alguns pais (3) relataram sentir que entendiam as expressões das necessidades de cuidado do bebê: "Eu já sei que um tipo de choro é fome, eu já sei que um outro tipo de choro é.... Essas coisas, esses sinais, já começo a entender" (P5/sd). Por outro lado, a maioria dos pais (8) relatou situações de cuidado nas quais demonstraram sentimentos de incompetência e insegurança: "É mais a [esposa que cuida] porque até eu nunca troquei menina. Até tenho um certo receio, ela 'não, é assim, assim'. Banho eu não dei ainda" (P8/dl); "Eu troco a fralda dele em duas horas. Ela diz que eu demoro muito pra trocar a fralda. Mas é aquele negócio, que nem eu falo pra ela: "Ah, vontade eu tenho, né?" (P11/dm).
Percebe-se que os pais relataram envolvimento na interação com seus filhos, em brincadeiras ou atividades de cuidado, apesar de eles apresentarem alguma insegurança quanto ao cuidado do bebê, o que é comum a muitos pais, independente do contexto da depressão, seja a materna ou a sua própria. Chama atenção, contudo, que alguns pais relataram que precisavam do pedido da esposa para isso, o que pode ser um complicador no contexto da DPP materna, já que a mulher pode não ter iniciativa de pedir essa ajuda. Além disso, alguns pais ainda se mostraram incomodados ou sobrecarregados com os pedidos das esposas o que não ajudava a minimizar as eventuais dificuldades da mãe ao lidar com o bebê.
Contudo, os indicadores de depressão dos próprios pais não revelaram tendência que chamasse atenção, diferenciando pais com e sem indicadores de depressão, com relação à interação pai-bebê. Da mesma forma, não apareceu diferenças expressivas no envolvimento paterno, associadas aos diferentes níveis de depressão materna. Nessa mesma direção, os sentimentos de incompetência ou insegurança na interação com o bebê, ou a capacidade de perceber e entender o que o bebê expressava, não apareceram associados à depressão das esposas ou dos próprios pais.
Disponibilidade
Nesta categoria, foram incluídos os relatos dos pais sobre sua disponibilidade e acessibilidade física e psicológica para estar com o filho, oportunizando a interação com a criança. É composta por duas subcategorias: quantidade de tempo e avaliação do tempo disponível para estar com o bebê, mas não requer necessariamente, uma interação face a face, nem a interação direta dos pais com o bebê ou o auxilio à esposa nos cuidados com ele.
No que diz respeito à quantidade de tempo com o bebê, todos os pais relataram que disponibilizavam certo tempo para estar junto ao filho, mas apenas um pai relatou que ficava bastante tempo com o filho: "De manhã eu fico bastante tempo. Uma hora e pouco, que eu fico no sol lá" (P3/sd). Alguns pais (3) disseram ficar pouco tempo com os filhos: "Muito pouco, muito pouco mesmo" (P4/sd). Vários pais (7) referiram que as horas dedicadas variavam entre uma e quatro horas diárias: "Ah, acho que uma hora" (P10/sd); "Em torno de três a quatro horas" (P8/dl).
Com relação à avaliação que faziam do tempo disponível, vários pais (6) consideraram que dispunham de pouco tempo com o filho: "Eu só esperava ser um pai participativo. Meu tempo disponível tá muito curto. É mais no domingo, no domingo eu tenho um esgotamento físico tremendo, né" (P8/dl). Alguns desses pais (4) relataram que o pouco tempo disponível era devido ao trabalho: "Eu sempre acho que eu não dou tudo de mim. Mas eu tenho trabalhado bastante. Dá quase sessenta horas [semanais]. Então é pesado pra mim" (P4/sd). Por outro lado, alguns pais (3) relataram que se consideravam disponíveis ao filho: "Eu tô podendo toda essa atenção porque eu tô com uma flexibilidade de horários. Então isso me dá possibilidade de dar mais atenção pra família" (P11/dl); enquanto outro pai se considerava disponível em momentos específicos: "Eu chego em casa domingo de manhã e eu posso me dedicar bastante, durmo, embalo no carrinho, nino, dou de mamar" (P8/dl).
Ainda com relação à disponibilidade, um pai relatou que gostaria de passar mais tempo com o filho, no entanto sua rotina e a do bebê não possibilitavam o encontro: "Eu chego em casa e ele tá sempre dormindo. Eu disse pra ela: 'não faz ele dormir nesse horário pra eu poder ficar com ele'. Mas ela tá sempre preocupada, que ele tem que dormir, então acaba eu não curtindo" (P4/sd). Nesta mesma direção, outro pai também referiu que a esposa não apoiava os momentos destinados para interação: "Pouco eu brinco porque ela fala: 'isso é hora?'. Mas é a hora que eu consegui" (P1/sd).
Percebe-se que a disponibilidade dos pais acaba restrita em função das demandas de seu trabalho, o que corresponde ao apontado pela literatura em outros contextos, que não o da DPP materna (Silva & Piccinini, 2004; Vieira et. al., 2014). Assim, independente do contexto de DPP, pais tem revelado um desejo de participar mais da rotina dos seus filhos, que acaba limitado pela necessidade de trabalhar e sustentar a família, integral ou parcialmente. Contudo, no presente estudo, não se percebeu um aumento da disponibilidade dos pais considerando o contexto da DPP, a fim de suprir, por exemplo, alguma dificuldade da esposa em relação ao bebê ou de aumentar o apoio a ela. Da mesma forma como na categoria anterior, a disponibilidade dos pais também não diferiu entre os pais com e sem indicadores de depressão, nem entre casais cujas mães apresentaram diferentes níveis de depressão.
Responsabilidade
Nesta categoria foram incluídos os relatos dos pais no que se refere ao seu papel garantindo que o filho seja cuidado e que os recursos estejam disponíveis para ele, o que inclui ansiedade, preocupações e planejamentos que fazem parte da paternidade. É composta por quatro subcategorias: aumento das responsabilidades, conversa sobre cuidado/educação, participação nas decisões e, a mãe como principal responsável.
No que diz respeito ao aumento das responsabilidades, a maioria dos pais (9) relatou que elas aumentaram com o nascimento do filho e alguns pais (4) disseram que, em função da nova rotina com o bebê, tinham menos tempo do que antes para ver amigos e familiares: "Não é que eu não consiga vê-los mais [os amigos], até alguns deles tem filhos, família, agora aquela frequência que a gente tinha, aquela falta de responsabilidade de voltar pra casa é que não existe mais" (P9/dl). Vários pais (6) relataram que o nascimento do bebê estava atrelado a um sentimento de que eles eram os principais responsáveis pelo filho que necessitava de muitos cuidados e atenção: "Tu sabe que aquele nenê depende de ti. Então isso te dá uma responsabilidade, qualquer coisa que depende de ti, mas se tu não tiver ali, é o fim dele" (P6/dl). Ainda quanto às responsabilidades, apenas dois pais relataram que houve um aumento de responsabilidade sobre a questão financeira: "Eu assumi todas [as despesas financeiras]" (P11/dm).
Em relação a conversar com a esposa sobre os cuidados e educação do filho, vários pais (6) relataram que dialogavam com a esposa sobre o assunto. Por exemplo, alguns deles (4) conversavam com a mãe em relação ao ingresso ou não do filho na creche: "Nós estamos começando a conversar sobre isso agora [sobre colocar na creche], porque ela, quando ele era mais nenê, ela não queria de jeito nenhum" (P7/dl). Dois pais relataram discordâncias com a esposa sobre a forma de cuidado e de educação que gostariam para o filho: "Ela [esposa] me xinga, às vezes, ela acha que eu sou o pior pai do mundo" (P1/sd); "A gente [casal] se contradiz muito em várias maneiras de ser. Eu não gosto de repreender uma criança. Ela fica uma hora em cima da pessoa: 'titititititi'"(P4/sd). Já sobre participar das decisões relacionadas ao filho, alguns pais (3) relataram situações relacionadas à creche: "É, nós dois [decidimos colocar na creche], porque ela tava trabalhando, tinha que deixar ele em algum lugar, se achou que a creche seria mais tranquilo" (P6/dl).
Vários pais (5) relataram que a mãe era a principal responsável pelos cuidados do bebê; e um pai referiu que não assumia tarefas de cuidado: "Não, isso [cuidar] ai eu não tenho conseguido" (P4/sd). Alguns pais (4) delegavam à mãe, pois sentiam insegurança ao realizar determinados cuidados com o seu filho: "Eu deixo mais pra ela. Eu acho que a mãe faz melhor" (P1/sd). Ainda, um dos pais disse que a mãe era a principal responsável em certas tarefas de cuidado devido à amamentação, já que o pai não tinha como suprir essas necessidades do bebê: "Ah, no começo era eu quem fazia ele dormir. Agora é só com a mãe, porque ele tem que mamar no peito pra dormir"(P1/sd).
Com relação às preocupações dos pais com o bebê e com os aspectos que os envolviam, alguns deles (3) relataram preocuparem-se com o futuro do filho: "Uma preocupação por estar colocando alguém no mundo, que tem que seguir todo aquele caminho que a gente já seguiu" (P4/sd); vários pais (5) preocupavam-se também com a educação do filho, tanto moral: "Ele já tá numa fase de 'não, não toca isso'. Quanto mais tu diz não, mais ele toca. É a parte dura da coisa, que tem que estar em cima, total atenção"(P6/dl), quanto com a educação formal: "Então existe uma preocupação muito grande na educação. Eu tenho essa preocupação, que a leitura, pra uma criança, desde pequena assim, quando aprende a ler"(P8/dl). Também com relação à saúde do filho, vários pais (6) relataram se preocupar com possíveis doenças: "A gente se sente preocupado que ele esteja bem, que tudo ocorra bem, que ele não esteja doente, que esteja sempre rindo" (P4/sd). Um deles referiu preocupação quando a esposa também se preocupa com a saúde do bebê: "Eu tenho alguns momentos que eu me preocupo assim com o bebê é quando acontece de eu ligar para a casa e eu sinto que a [esposa] tá muito nervosa, tá muito atacada, que ela acha que ele possa ter alguma coisa, ai eu fico preocupado" (P7/dl).
Vários pais (7) alegaram sentirem-se preocupados com o sustento financeiro da família, e buscavam trabalhar mais e organizar de forma diferente o orçamento familiar: "Na vida profissional, o que muda é tu querer trabalhar mais, buscar mais. Tu tem mais alguém que depende de ti" (P10/dl). Da mesma forma, vários pais (7) relataram preocupações com a sobrecarga da esposa, como situações de estresse e cansaço desta: "Acho que ela não tá curtindo como era pra curtir. Ela tá fazendo aquilo, não é que ela esteja fazendo porque ela quer, mas parece que tá sendo um trabalho pra ela" (P4/sd). Além disso, estes pais relataram preocupar-se com o estado emocional da mãe: "Ela é uma pessoa jovem, ela não pode pegar o filho no colo e esquecer da vida. Eu acho que ela tem que trabalhar, ela tem que estudar, ela tem que procurar ter atividades" (P7/dl).
Destacam-se também as preocupações de todos os participantes em serem bons pais: "Sou um cara que tem muito o que aprender ainda, principalmente com os filhos, mas um pai que tem um bom coração, que se esforça pra dar o melhor para os seus filhos" (P2/sd). Os participantes avaliaram seu papel como pai tanto de forma positiva como expresso acima, como apresentando algumas limitações: "E eu acho que dá pra fazer mais ainda, com aquela insegurança ainda de saber como agir frente a determinadas situações" (P4/sd). Os pais também mostraram se preocupar em serem bons pais, no sentido de oferecer conforto e cuidado para o filho, poupando-o, por exemplo, de presenciar discussões conjugais: "Procuramos não elevar a voz quando ela tá por perto pra não ter risco nenhum" (P5/sd); além de procurarem estar presentes e se envolver afetivamente com o filho: "O que mais me agrada [em ser pai] é ser uma pessoa próxima e que meus filhos tenham segurança. Saber que tem uma pessoa do lado que eles possam contar a qualquer hora" (P2/sd).
Destaca-se nesta categoria a preocupação dos pais com a sobrecarga da esposa, ao fazerem referência ao seu estado emocional e à maneira como ela se envolvia com o bebê. Alguns pais demonstraram preocupação por perceberem que sua esposa parecia estar vivendo a maternidade de maneira negativa, pouco prazerosa, e que isso teria implicações para a relação dela com o filho. Assim, as preocupações do pai com o bem-estar atual e futuro do filho, que são comumente parte da transição para a paternidade (Krob, Piccinini, & Silva, 2009; Silva & Piccinini, 2007), parecem estar mais exacerbadas pelo contexto da DPP materna. Quanto aos demais aspectos da responsabilidade paterna, não foram relatadas especificidades associadas a este contexto.
Discussão
Os estudos que abordam a DPP têm considerado prioritariamente as consequências deste transtorno para a relação mãe-bebê ou para o desenvolvimento da criança (Field, 2010; Righetti-Veltema, Conne-Perre´ard, Bousquet, & Manzano, 2002). No entanto, a DPP tem sido também associada a dificuldades no relacionamento conjugal (Serhan, Ege, Ayranci, & Kosgeroglu, 2012), e pode afetar as atividades sociais e de lazer dos parceiros e familiares próximos, além de trazer problemas financeiros para a família (Boath, Pryce, & Cox, 1998). Entre os fatores associados à DPP, a figura paterna tem sido considerada como um fator relevante de proteção para a mãe e para o bebê (Frizzo & Piccinini, 2005; Hossain et al., 1994). Embora os estudos sobre paternidade tenham conquistado espaço nos últimos anos (Vieira et al., 2014), as especificidades da paternidade em contextos adversos não têm sido exploradas na mesma proporção (Cabrera et al., 1999), com poucas exceções (Henn & Piccinini, 2010; Silva & Piccinini, 2009). O presente estudo representa uma contribuição nesse sentido, ao investigar o envolvimento do pai com o bebê em situação de DPP materna, levando também em consideração a própria depressão no pai.
Os resultados do presente estudo revelam que os pais se envolviam em várias das atividades cotidianas com o bebê, brincando e cuidando do filho, interagindo com ele ou atendendo aos pedidos de auxílio da esposa, compartilhando responsabilidades e preocupações, sobretudo frente a percepção de sobrecarga da esposa e considerando o seu estado emocional. Quanto à interação direta com o bebê, os pais destacaram atividades que envolviam o brincar, conversar, distrair, estimular o bebê, além de cuidá-lo, trocando fraldas, dando mamadeira, acalmando. Estes tipos de interação se assemelham com as realizadas por pais que não conviviam com a situação de DPP materna (Piccinini et al., 2012), os quais se envolviam em interações cotidianas com o bebê, reafirmando a tendência geral mais recente de uma maior participação do pai nas atividades diárias com os filhos (Vieira et al., 2014). Assim, os resultados do presente estudo não apresentam um padrão de envolvimento paterno que chamasse atenção e estivesse associado à DPP materna e/ou a própria depressão que alguns dos pais do estudo também apresentavam. Da mesma forma, os diferentes níveis de DPP (leve ou moderada) apresentada pelas mães do presente estudo não se revelaram associados a diferenças no envolvimento do pai. Isso pode sugerir que este nível de depressão materna pode não ter afetado o envolvimento materno, que não sofreu uma alteração que exigisse dos pais uma participação maior, por exemplo, mais compensatória (Edhborg et al., 2003; Frizzo e Piccinini (2007).
Além disto, os relatos dos pais do presente estudo são semelhantes aos reportados em outros estudos sobre paternidade em contextos típicos (Krob, Piccinini, & Silva, 2009; Piccinini et al., 2012), com destaque para sentimentos de incompetência e insegurança especialmente quanto ao cuidado do filho. Embora este sentimento possa ser parte dos momentos iniciais da paternidade (Krob et al., 2009) é possível que a DPP materna pode estar contribuindo para estes sentimentos. Neste contexto, a percepção mais negativa que a mãe pode estar tendo sobre si mesma e sobre o seu dia a dia com o filho, pode influenciar sua avaliação sobre o modo como o pai realiza as atividades com o bebê (Goodman, 2008). Isso pode repercutir no modo como o próprio pai se vê cuidando do filho, percebendo suas atividades como inadequadas, uma vez que, para muitos pais, a opinião da mãe tem papel central para a sua autoavaliação. Mas, mesmo que se considere que a insegurança seja um sentimento bastante presente na paternidade, no contexto da DPP, uma maior participação paterna seria importante – mesmo que o pai não corresponda plenamente à expectativa materna – contribuindo para dar mais confiança e segurança à própria mãe. Na revisão de literatura de Silva e Piccinini (2009) os autores encontraram que, em famílias em que a mãe apresentava depressão, esta se associava a um aumento do envolvimento do pai nos cuidados dos filhos e nas atividades domésticas. Esse envolvimento era entendido pelos pais como uma sobrecarga, sentindo-se exaustos ao assumirem diversas atividades e ainda não sendo reconhecidos pelos seus esforços. Contudo, os dados do presente estudo não oferecem evidencias que apoiem estes achados da literatura e que também eram esperados neste estudo. Como foi destacado acima, entre as possíveis explicações, pode-se destacar a intensidade relativamente baixa da DPP, presente nas mães do presente estudo.
Ainda neste sentido, percebe-se que alguns pais do presente estudo, como a rigor já destacado de modo geral na literatura sobre paternidade (Piccinini et al., 2012) seguem dependendo da solicitação da mãe para que se envolvam nos cuidados do bebê. É possível se pensar que ao longo do primeiro ano do bebê, muitos deles não estejam sendo capazes de perceber as necessidades do bebê e da esposa, pois assim poderiam oferecer seu apoio, ao invés de aguardar que a mãe o solicite. Soma-se a isto certa exclusão dos pais, endossada por algumas mães, tanto através das críticas, quanto ao jeito do pai cuidar do bebê, seja assumindo sozinha todas as atividades. Embora isto não seja privilégio de mães que apresentem DPP, esta situação pode exacerbar este processo de menor participação do pai.
De forma consoante com outros estudos sobre envolvimento paterno, os pais do presente estudo disponibilizavam tempo para estar com seu filho, mas avaliavam que passavam pouco tempo com a criança, especialmente em função do trabalho (Silva & Piccinini, 2007). Contudo, para Monteiro, Veríssimo, Santos e Vaughn (2008), justificar o não envolvimento paterno através das dificuldades que o trabalho impõe já não é suficiente, uma vez que, em muitos casos, pai e mãe trabalham e mantêm o bebê sob cuidados alternativos. No entanto, no contexto de DPP materna, esta justificativa dos pais talvez possa ser relativizada, pois, muitas vezes, a mãe fica impossibilitada ou desmotivada para desempenhar atividades laborais, sendo que o pai, que antes contava com a renda da esposa, passa a prover sozinho a renda da família (Boath, Pryce, & Cox, 1998). Além disso, estes autores destacam que ao necessitar de tratamento para a esposa, haveria uma despesa adicional e inesperada a ser coberta pelo pai.
Os pais do presente estudo também relataram que com o nascimento do filho o sustento da família era sentido como um aumento de responsabilidade, enquanto as atividades cotidianas com o bebê seriam de responsabilidade da mãe. Mais uma vez, percebe-se que, mesmo que as mães estivessem fragilizadas pela DPP, que era do conhecimento do pai e motivou a participação da família no presente estudo, predominava ainda uma divisão tradicional de gênero no desempenho das tarefas entre pai e mãe, ainda presente na sociedade atual (Dessen, 2010). De qualquer modo, no presente estudo, os pais, por vezes, colocaram-se em uma postura empática ao menos ao considerar que as mães poderiam estar se sentindo sobrecarregadas com as atividades com o bebê. Inclusive pareceram se sensibilizar pelo estado emocional da esposa, buscando entender o porquê de seus comportamentos e sentimentos, bem como a incentivando para que pudesse voltar a ter prazer nas atividades cotidianas e laborais.
De forma geral, muitos aspectos relatados pelos pais que participaram deste estudo condizem com as caracterizações atuais a respeito do papel do pai na sociedade atual. São pais que participam cada vez mais dos cuidados do bebê, mas ainda não dividem essas tarefas de modo igualitário com a mãe (Piccinini et al., 2012). Percebem a importância de estarem próximos aos seus filhos, mas possuem pouca disponibilidade de tempo para isso, principalmente em função das demandas de trabalho (Boath, Pryce, & Cox, 1998). Neste mesmo sentido, percebem a importância de serem diferentes de seus pais, ou de modelos prévios de paternidade, mas sentem-se carentes de outros modelos que os orientem nas suas práticas como pai (Gabriel & Dias, 2011). Para além disto, os pais do presente estudo, que vivenciam a situação de DPP materna, trazem a preocupação adicional com a saúde emocional da esposa, o que pode tornar suas inseguranças a respeito do seu desempenho como pais ainda mais angustiantes.
Os achados do presente estudo sugerem que o envolvimento do pai está entrelaçado com os sentimentos e experiências que circundam a DPP materna e, por vezes, a sua própria depressão, intensificando angústias e dúvidas comuns na transição para a parentalidade. Entretanto, ao mesmo tempo, parece que o envolvimento do pai permanece resguardado pelas interações cotidianas com o filho, sua disponibilidade e pela responsabilidade que o pai possui pelo seu filho, que transcende a situação de DPP da mãe. Esse potencial para se envolver com o bebê de forma segura e confiante é muito importante no contexto da DPP, tanto para o bebê, como para auxiliar a mãe na interação com o filho.
Uma das limitações do presente estudo é o reduzido número de participantes e o fato de os escores de DPP da mãe variarem entre leves e moderados. É possível que escores mais altos de DPP da mãe, e inclusive do próprio pai, possam afetar mais intensamente o envolvimento do pai com o bebê. Além disto, o fato de não se ter um grupo de comparação de pais cuja esposa não apresentasse DPP é também uma limitação. Sugere-se que em novos estudos possam ser acompanhadas longitudinalmente famílias no contexto de DPP materna, a fim de que se possa compreender as transformações do envolvimento de acordo com o desenvolvimento do bebê e das oscilações da própria DPP materna.
Ao investigar eventuais particularidades do envolvimento paterno em contexto de DPP materna, o presente estudo contribui para intervenções em famílias que se encontram nessa situação. Assim, considerando a importância do envolvimento do pai com o bebê, especialmente em contexto de DPP materna, sugere-se que o pai seja incluído nas intervenções, comumente realizadas só com a mãe, a fim de beneficiar o filho e também a interação da mãe com o bebê. Além disto, a inclusão do pai nas intervenções pode permitir que os profissionais de saúde possam se disponibilizar a acolher as dúvidas e angústias paternas, promovendo sua participação mais ativa e de maior qualidade na vida do bebê e da própria esposa.
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Endereço para contato
E-mail: gabrielmarilia@yahoo.com.br
Recebido em setembro de 2015
Aceito em fevereiro de 2016
Marília Reginato Gabriel: Psicóloga, Doutoranda em Psicologia, UFRGS, professora das Faculdades Integradas de Taquara.
Milena da Rosa Silva: Psicóloga, Doutora em Psicologia, Professora de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Paula Portugal: Graduanda em Psicologia, UFRGS.
Cesar Augusto Piccinini: Psicólogo, Doutor em Psicologia pela Universidade de Londres, Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
1 A palavra "pais" será utilizada neste artigo referindo-se ao plural da palavra "pai", enquanto expressão "pai e mãe" será usada para se referir a ambos os genitores.
2 A categorização das entrevistas gerou inúmeros outros exemplos de relatos dos pais, que não foram incluídos no presente artigo por restrições de espaço. Em função disto, também se buscou editar alguns relatos, excluindo partes que não eram fundamentais para o seu entendimento e isso foi indicado pelo uso de reticências entre parênteses.
3 Para facilitar a exposição dos achados foi utilizada a seguinte descrição quanto ao número de participantes que fizeram relatos classificados em cada categoria: apenas um/dois/alguns casos (1 a 4); vários casos (5 a 7); maioria/quase todos/todos (8 a11). Já a autoria das vinhetas será identificada pela letra 'P' seguida do número do caso e da presença de indicadores de depressão no próprio pai: sd (sem depressão); dl (depressão leve); dm (depressão moderada) , conforme Tabela 1.