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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.46 Canoas abr. 2015

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Reflexões acerca da demanda atendida por um serviço de psicologia em uma assistência judiciária gratuita

 

Reflections about attended demand of a service of psychology in a free judicial assistance

 

 

Caroline de Oliveira Mozzaquatro; Amanda Pansard Alves; Gerusa Morgana Bloss LuccaI; Gabriela Clerici ChristofariI; Dorian Mônica ArpiniI

I Universidade Federal de Santa Maria

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RESUMO

A participação da Psicologia no campo jurídico não é recente. Contudo, cada vez mais se percebe a importância desta articulação, a qual pode ser vislumbrada, por exemplo, na prática da mediação. O objetivo deste artigo é caracterizar a demanda atendida pelo serviço de Psicologia, que tem a mediação como uma de suas atividades em um Núcleo de Assistência Judiciária de uma instituição federal de ensino superior. A pesquisa, teve caráter quantitativo e foi realizada através de análise documental. Os resultados apontam que a maioria da procura pelo serviço foi de mulheres. A maior demanda foi relacionada à pensão alimentícia, porém demandas de guarda, visitação dos filhos e separação conjugal também estiveram presentes. Afinal, destaca-se que a aproximação entre Direito e Psicologia pode possibilitar um manejo mais adequado dos casos que envolvem conflitos familiares, além de permitir a desconstrução de papéis familiares rígidos, favorecendo uma resolução de conflitos de forma mais positiva.

Palavras-chave: Psicologia jurídica, Relações familiares, Parentalidade.


ABSTRACT

The participation of Psychology in the legal field is not recent, however, it is becoming noticeable the importance of this articulation which can be seen, for example, in the mediation practice. The objective of this paper is to characterize the satisfied demand of a Psychology service, which has mediation as one of its activities on a Legal Aid Center of a federal institution of higher education. The research had a quantitative character, and was conducted through a documental analysis. The results indicated that women were the majority of the demand for the service. The main demand was related to child support, but custody, children visits, and marital separation were also present. After all, it is highlighted that the approximation between Law and Psychology can provide a more appropriate handling of cases involving family disputes, by allowing the deconstruction of rigid family roles, which favors a positive conflict resolution.

Keywords: Juridical psychology, Family relations, Parenthood.


 

 

Introdução

No ano de 2005 teve origem o projeto de extensão intitulado "Serviço de Psicologia junto ao Núcleo de Assistência Judiciária da UFSM: uma orientação familiar", realizado pelo Departamento de Psicologia em parceria com o Núcleo de Assistência Judiciária da Universidade Federal de Santa Maria. Esse projeto visava à articulação entre o Direito e a Psicologia na resolução de situações que envolvessem conflitos na área do Direito de Família. Tal articulação é entendida como de fundamental importância, visto que a ciência jurídica está repleta de aspectos de cunho psicológico (Dias, 2015) e a prática de resolução de conflitos está permeada por questões subjetivas.

Inicialmente a prática do projeto envolvia a realização de atendimentos com quem buscou o serviço de assistência judiciária e também com a outra parte envolvida no conflito familiar. Passou a ser desenvolvida no projeto, com início em 2007, a técnica de mediação familiar extrajudicial (Gaglietti, Araujo, & Gaglietti, 2015).

A partir do ano de 2014 o projeto passou a ter caráter de programa de extensão, devido ao seu tempo de existência na instituição e, além das práticas de atendimentos com os sujeitos envolvidos em conflitos familiares e de mediação familiar extrajudicial, deu-se início ao acompanhamento da guarda dos filhos após os acordos de separação, especialmente nos casos em que a modalidade de guarda compartilhada foi acordada. Essa atividade consiste em fazer contatos constantes com os envolvidos nos acordos, com o intuito de auxiliar os pais e mães no exercício da parentalidade, contribuindo para a manutenção permanente das responsabilidades parentais, que devem ser diferenciadas da dissolução da conjugalidade no momento da separação (Alves, Arpini, & Cúnico, 2014).

Com relação à mediação familiar, essa é entendida como um procedimento estruturado de gestão de conflitos, a qual teve início na área de Direito da Universidade de Harvard. Trata-se de uma técnica não adversarial, em que o mediador não julga ou decide as questões pelos envolvidos. Ele tem como função proporcionar a comunicação, a fim de que as pessoas passem a se escutar. Nesse sentido, essa técnica busca promover o reconhecimento do outro em sua necessidade, fazendo com que haja uma flexibilização por ambas as partes (Dias, 2015; Gaglietti et al., 2015).

Essa prática tem apresentado um impacto muito grande no que concerne às separações conjugais, partilha de bens e guarda dos filhos. Comumente, os casais recorrem ao processo judicial em busca de um terceiro que os auxilie a resolver seus conflitos, sendo o judiciário entendido muitas vezes como o último canal de conversação possível entre os indivíduos (Dias, 2015). Pode-se pensar, portanto, que a ruptura do vínculo conjugal se coloca na interface entre a objetividade das leis e a subjetividade dos relacionamentos. Nesse sentido, a mediação do(a) divórcio/separação se mostra importante ao preocupar-se com os efeitos psicossociais da separação nos pais e filhos, buscando integrar os campos psicossocial e jurídico. Assim, essa técnica tem se mostrado uma forma de encaminhamento de solução de conflitos judiciais que implica em menor custo emocional para as pessoas envolvidas (Martín, 2015).

Ademais, a prática da mediação familiar é interdisciplinar, envolvendo várias áreas do conhecimento, dentre elas a psicologia (Oltramari, 2009) e exige responsabilidade e uma postura ética. No que se refere ao posicionamento do mediador, Dias (2015) se apoia na resolução 125/10 do Conselho Nacional de Justiça, a qual impôs aos tribunais a criação de Núcleos de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, e assinala a importância da manutenção da confidencialidade, competência, imparcialidade e neutralidade por parte desse profissional. Além disso, existe a necessidade de o mediador se envolver nos conflitos de maneira suficientemente próxima para não se afastar da dinâmica e sofrimento dos mediandos, mas com uma distância adequada para que desenvolva sua função e não tome para si o drama, correndo o risco de ser tendencioso (Dal Forno & Arpini, 2011).

Conforme enfatiza Dias (2015), a mediação não é uma técnica substituta da via judicial, mas uma alternativa que tem por objetivo resgatar a responsabilidade das pessoas em conflito tornando a sua resolução realmente mais eficaz, uma vez que busca encontrar uma solução consensual. Nesse viés, entende-se que quando os envolvidos conseguem ocupar o lugar de responsáveis pelas decisões, a negociação tem mais chances de ser concretizada e vivenciada pelos sujeitos (Oltramari, 2009; Gaglietti et al., 2015).

Além disso, através dessa prática da mediação, tem sido possível a discussão e reflexão acerca das responsabilidades parentais pós-divórcio. Esse espaço para o diálogo se mostra relevante para que os pais possam, além de discutir sobre seus papéis na família (Howieson & Priddis, 2015), conhecer as diferentes modalidades de guarda, em especial a guarda compartilhada, já que essa é ainda recente no nosso ordenamento jurídico, tendo entrado em vigor no ano de 2008 através da Lei n°11.698 (Brasil, 2008).

Segundo é citado na redação da lei supracitada, esse modelo prevê a responsabilização conjunta dos genitores (Brasil, 2008). Ela surge em um contexto de críticas direcionadas ao modelo exclusivo de guarda e da conjunção entre o princípio da igualdade e o princípio do melhor interesse da criança, além de se mostrar como uma alternativa para garantir o convívio de ambos os genitores com seus filhos. Atualmente, a guarda compartilhada é vista como uma possibilidade de equilibrar o exercício dos papéis parentais após a separação, uma vez que ainda têm sido as mães, em grande maioria, as detentoras exclusivas da guarda, na modalidade de guarda unilateral (Alves et al., 2014a; Alves, Cúnico, Arpini, Smaniotto, & Bopp, 2014b; Dias, 2015).

Apesar dos benefícios que a guarda compartilhada busca assegurar, os dados da última pesquisa disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apontam a baixa aplicação desta modalidade de guarda. Em apenas 6,8% dos casos pesquisados em 2013 os pais possuíam a guarda conjunta dos filhos, enquanto a mãe se mantinha com a preferência das guarda em 86,3% das separações (IBGE, 2014).

Nesse sentido, Brito (2014) enfatiza que, apesar de a Lei 11.698 estar vinculada à moderna doutrina jurídica do direito de família e às novas concepções com relação aos deveres de homens e mulheres no âmbito familiar, parece haver certa resistência na utilização desta modalidade de guarda. Diante dessa dificuldade, foi aprovada no Brasil a Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014, que visa ao estabelecimento da guarda compartilhada como prioridade, mesmo nos casos em que não há consenso por parte do ex-casal. Assim, a falta de um bom relacionamento entre os pais não deverá mais ser considerada motivo suficiente para que o juiz não estabeleça a guarda conjunta nos processos de separação judicial, salvo se um dos genitores declarar que não deseja exercê-la. Dessa forma, a previsão legal dessa modalidade de guarda é a expressão de uma validação social para que o casal parental continue a exercer os papéis de mãe e pai, mesmo após o rompimento do casal conjugal (Brito, 2014).

Ademais, a guarda compartilhada busca garantir, através da responsabilização de ambos os pais, o desenvolvimento psicológico adequado de crianças e adolescentes, visando ao melhor interesse destes. Sabe-se que a família se situa enquanto instituição estruturante do sujeito, em função das diferenças entre seus componentes, lugares e funções. Cumpre, portanto, a finalidade de proteção física e psíquica do sujeito. Mais do que isso, a família propicia a capacidade de sintonia do pensamento com os sentimentos. Assim, percebe-se a importância da manutenção dos vínculos e do cuidado para o desenvolvimento dos filhos (Groeninga, 2003).

Nesse sentido, a participação de profissionais de diferentes áreas do conhecimento pode contribuir para a construção da experiência da guarda compartilhada, visto que se deixa de ponderar somente os aspectos jurídicos para considerar todas as implicações que estão envolvidas nesse processo, principalmente aos filhos. Como afirma Ávila (2004), cada vez mais os operadores do Direito necessitam do conhecimento de outras áreas, como da Sociologia e da Psicologia. Com isso, competiria ao psicólogo que atua na área do Direito de Família, considerar os vínculos afetivos que são importantes ao desenvolvimento dos filhos (Lago & Bandeira, 2009).

Cabe ressaltar que já se reconhece nos processos judiciais a importância do afeto e dos sentimentos na construção e desconstrução dos vínculos amorosos, de modo que é também nesse contexto que a Psicologia se insere nas decisões judiciais. A noção de família fundada nos laços de afetividade passou a ter fundamento constitucional, desprendendo a compreensão dos papéis do pai e da mãe do fator meramente biológico, para o papel social a ser desempenhado por estes pais (Dias, 2015; Ramires, 2014).

No contexto do desenlace conjugal, Brito (2014) postula que psicólogos devem avaliar se este rompimento também estaria ensejando uma ruptura familiar, envolvendo os filhos do casal, pois para estes a família deve continuar a existir, mesmo que a união conjugal seja desfeita. Dessa forma, a parentalidade precisa ser remodelada e adequada a este novo contexto, e isto pode ser fomentado a partir de intervenções ao longo do processo de dissolução do vínculo conjugal. Tais intervenções visam trabalhar com o fortalecimento dos vínculos pais-filhos e a resolução de conflitos conjugais, o que é de grande relevância para a consolidação de uma parentalidade mais saudável após a dissolução do vínculo conjugal (Grzybowski, 2011).

Nesse sentido, ressalta-se a importante contribuição que a Psicologia pode prestar ao Direito de Família, através de reflexões sobre os papéis parentais pós-divórcio, e do fomento da manutenção destes, visando ao bem-estar dos filhos e do ex-casal. Como pontua Wagner (2002), a separação conjugal é um fenômeno complexo, que demanda o resgate da importância do vínculo de amor entre pais e filhos. Quando a relação pais-filhos é preservada após a separação, a família apresenta grandes chances de se organizar de forma mais exitosa. Dessa forma, o profissional da Psicologia tem muito a contribuir nesse difícil processo para as famílias.

Diante do exposto, o presente estudo buscou mapear a demanda da população atendida pelo Serviço de Psicologia em um Núcleo de Assistência Judiciária, bem como os procedimentos realizados pelo serviço, e o desfecho dos casos atendidos. Espera-se que a presente pesquisa possa contribuir para a qualificação do trabalho que se realiza neste local, além de oportunizar o conhecimento por parte de outros profissionais e acadêmicos para que essa prática possa ser replicada.

 

Método

Este trabalho é fruto de um estudo quantitativo, na medida em que seu objetivo foi investigar, através de levantamento dos registros documentais (Bauer, Gaskell, & Allum, 2013; Creswell, 2010) a demanda atendida pelo Serviço de Psicologia no Núcleo de Assistência Judiciária. A pesquisa de levantamento oferece uma descrição quantitativa das tendências, atitudes ou opiniões de uma amostra da população estudada (Creswell, 2010). Segundo Laville e Dione (1999), os documentos nos permitem trabalhar com as informações, cabendo aos pesquisadores fazer a seleção das informações em função das necessidades da pesquisa e dessa forma codificá-las e categorizá-las.

O levantamento da pesquisa teve um recorte transversal (Creswell, 2010), visto que os dados coletados se restringiram ao ano de 2013. Este estudo foi realizado em um Núcleo de Assistência Judiciária de uma instituição federal de ensino superior, sendo um Órgão Suplementar do Centro de Ciências Sociais e Humanas. Este serviço concentra as suas atividades jurídicas prioritariamente nas áreas do Direito Processual Civil e Direito de Família, e atende uma população com renda mensal de até três salários mínimos.

Por meio do programa de extensão anteriormente referido: Serviço de Psicologia junto ao Núcleo de Assistência Judiciária da XXX: uma orientação familiar, registrado no Gabinete de Projetos da Instituição superior a qual está vinculado sob o número 031202, a Psicologia foi inserida neste contexto com o objetivo de trabalhar conjuntamente com os estagiários do curso de Direito nos casos que envolvem o Direito de Família. Foi a partir deste projeto de extensão desenvolvido no Núcleo de Assistência Judiciária que este levantamento foi desenvolvido.

Dessa forma, no presente estudo foram analisados os registros referentes aos casos em que o serviço de Psicologia atuou, compreendendo o período entre março e dezembro de 2013. A opção por trabalhar com este período se deu em razão de abranger todos os casos finalizados, possibilitando que o acesso aos casos com os acordos judicialmente homologados. Foram incluídos no estudo os casos que chegaram ao serviço no período referido, e que foram encaminhados para a equipe de Psicologia que atua no Núcleo.

Os dados foram levantados de registros oriundos do projeto de extensão da Psicologia, e do Núcleo de Assistência Judiciária, sendo essas fichas de triagem, fichas do serviço de Psicologia e relatórios semestrais da área do Direito. Esses dados foram transpostos a um formulário construído pelas pesquisadoras, embasados nos objetivos do estudo. Tal formulário contém os seguintes itens: Dados de Identificação, Motivo da Procura, Procedimentos adotados, Desfecho do Núcleo de Assistência Judiciária, Sentença Final (ou Decisão Judicial).

A análise foi realizada transferindo os dados do formulário para um software de planilha de cálculo, o qual possibilitou visualizar os resultados através de gráficos ilustrados por porcentagem. Nesse sentido entende-se que a coleta dos dados contemplou os aspectos quantitativos contribuindo para visualizar a demanda, como esta foi trabalhada pelo serviço, assim como os resultados obtidos ao final da ação. Ao final da coleta dos dados, se realizou a análise dos mesmos, onde se buscou dar uma compreensão através da interpretação das autoras sobre estes. Entende-se que interpretação na realização de uma pesquisa quantitativa se faz presente, visto que não é possível se chegar a conclusões automaticamente, já que os dados coletados não falam por si mesmos (Bauer et al., 2013).

Com o exposto anteriormente, acredita-se que a construção e o desenvolvimento da ciência, principalmente das Ciências Sociais, são perpassados pela subjetividade, na medida em que os interesses e visões de mundo historicamente construídos fazem parte da produção de conhecimento. Assim, um conjunto de elementos, tais como o conjunto das expressões humanas constantes nas estruturas, nas relações, nos processos, nos sujeitos, nos significados e nas representações, poderá ser expresso na abordagem quantitativa através das regularidades desse conjunto de elementos (Minayo, 2013).

Dessa forma, acredita-se que este estudo permitirá uma maior clareza com relação à participação do serviço de Psicologia em uma ação interdisciplinar, assim como no que tange aos resultados obtidos por meio da prática da mediação extrajudicial. Destaca-se que o estudo atendeu a todos os cuidados éticos que norteiam a pesquisa científica de cunho quantitativo na área das ciências humanas, segundo Resolução nº 510/2016, artigo 1º, parágrafo V, que trata de pesquisa envolvendo bando de dados. Não houve, portanto, contato com os usuários atendidos no serviço para fins desse levantamento. Ressalta-se que se buscou fazer o levantamento com o intuito de que se pudesse mapear a demanda atendida pelo próprio serviço através do projeto de extensão, considerando que estudo semelhante havia sido realizado pela equipe anteriormente, sendo publicado no ano de 2012, e que se considera ser relevante avaliar o andamento da proposta e as demandas atuais.

 

Resultados e discussão

Características da população atendida

O Núcleo de Assistência Judiciária, no qual a pesquisa foi realizada, está situado em um município da região Sul do Brasil, que conta com uma população aproximada de 260 mil habitantes. Esse serviço atende de forma gratuita a população que recebe renda mensal de até três salários mínimos.

De acordo com a análise dos dados, pode-se verificar que, durante o período investigado, a demanda encaminhada para o serviço de Psicologia foi de 65% de pessoas do sexo feminino e 35% do sexo masculino. Em estudo realizado no mesmo serviço com dados referentes a 2009, o percentual de procura de mulheres era de 80%, o que caracterizava uma procura majoritariamente feminina (Cúnico, Arpini, Mozzaquatro, Silva, & Bopp, 2012). Esses dados tanto de 2009 quanto os deste estudo, parecem estar de acordo com pesquisas que postulam que há uma mudança de postura da mulher dentro da instituição familiar, na medida em que essa assumiu ao longo do tempo um papel mais ativo (Grzybowski, 2002). As mulheres passaram a manifestar mais frequentemente expectativas igualitárias em relação aos homens, apresentando maior possibilidade de realizarem mudanças. Dessa forma, podem vir a tomar mais a iniciativa de romper o casamento do que os homens, principalmente quando percebem que não há mais sentimento envolvido na união (Féres-Carneiro, 2003).

No entanto, ainda que se tenha constatado que a procura por parte das mulheres continua sendo maior que a dos homens nas demandas do Direito de Família, pode-se perceber também um aumento da procura masculina pelo serviço em relação a 2009, já que essa era de 20% e passou para 35% em 2013. Esse crescimento parece ser um indicativo a ser destacado, evidenciando que os homens podem estar mais implicados nas questões que envolvem a dissolução conjugal e seus desdobramentos nas relações familiares (Bottoli & Arpini, 2011).

Deve-se destacar que, mesmo nos casos em que a mulher é quem procura o Núcleo, o serviço de Psicologia contata também o homem, que na maioria das vezes é pai, visto que se entende a sua importância no desempenho das tarefas de cuidado dos filhos (Ramires, 2014). Assim, busca-se romper a visão tradicional de que o cuidado com os filhos é uma atribuição essencialmente materna (Lago & Bandeira, 2009). Da mesma forma, quando é o homem quem procura o serviço, a mulher é contatada. A atenção do serviço com a paternidade exercida pelos usuários mostra-se relevante uma vez que muitas vezes, após o rompimento conjugal, o pai acaba se afastando do cuidado com os filhos (Corso & Corso, 2011; Cunico & Arpini, 2014). Nesse sentido, entende-se que incentivar a participação dos homens na resolução das questões que envolvem a separação e seus desdobramentos poderá fortalecer a manutenção dos vínculos parentais.

Cabe destacar que em 83% dos casos atendidos pelo serviço de Psicologia os casais tinham filhos. Destes casais, observou-se mais detalhadamente que 47% possuíam um único filho desta relação, 18% dois filhos e 18% três filhos. Nenhum dos casais possuía mais do que três filhos. Dessa forma, apenas 17% dos casais atendidos não possuíam nenhum filho. Ressalta-se que se identificaram os filhos que estes casais consideravam como fruto da relação que estava sendo atendida naquele momento, os quais, portanto, seriam de sua responsabilidade parental. Na discussão desse trabalho, enfatizamos os casos em que existem filhos envolvidos, uma vez que, além de serem as situações mais frequentes trabalhadas pelo serviço, a Psicologia tem muito a contribuir no sentido de refletir sobre os vínculos paterno-filiais, especialmente quando se pensa em sua manutenção após a ruptura conjugal (Alves et al., 2014a; Dias, 2015).

Com isso, evidencia-se que a maioria dos casais atendidos pelo serviço deixou de formar um casal conjugal, mas permaneceu sendo uma dupla parental. Cabe destacar que a conjugalidade e a parentalidade são concernentes a relações distintas, sendo que a maior diferença consiste na possibilidade de dissolubilidade do relacionamento conjugal, ao passo que a parentalidade diz respeito à relação indissolúvel entre pais e filhos (Alcântara, 2013; Schneebeli & Menandro, 2014). Na situação de dissolução conjugal, é provável que os filhos deixem de compartilhar ao mesmo tempo com ambos os pais a casa, o lazer, as refeições, as festividades, porém o casal separado deve construir novas formas de exercer a parentalidade (Brito, 2014; Corso & Corso, 2011; Grzybowski, 2011).

A ruptura da união conjugal requer uma reflexão por parte da família, a qual permita a esta assumir a responsabilidade de resolver o problema, o que indica que o desdobramento de uma separação será sempre singular para cada família (Peres, 2014). No entanto, impende destacar que a separação, tendo sido conflitiva, poderá resultar em um distanciamento entre pais e filhos (Ripoll-Nuñez, Arrieta, & Gallo, 2013). Considera-se que uma reação comum ao divórcio por parte dos filhos são sentimentos de raiva, medo ou culpa, mas estes podem ser amenizados com a certificação de que o cuidado e o amor dos pais não serão interrompidos com o término do casamento (Alcântara, 2013). Dessa forma, é imprescindível que os profissionais estejam atentos às possibilidades de desdobramentos para os filhos após a dissolução da união conjugal dos pais, uma vez que ela demandará um complexo processo de mudanças para os componentes do núcleo familiar (Brito, 2007).

Além disso, por entender que há diferenças na forma com que os filhos vivenciam a ruptura conjugal dos pais, e que a idade e o estágio de desenvolvimento em que os filhos se encontram influenciam as necessidades e as reações destes em relação à separação dos pais (Ávila, 2004), verificamos a faixa etária dos filhos dos sujeitos atendidos pelo serviço. Nota-se que a maioria dos filhos (74%) tinham idades entre 0 e 17 anos. Dentre esses, 17% tinham entre 0 e 2 anos; 22% entre 3 e 5 anos; 13% entre 6 e 8 anos; 13% entre 12 e 14 anos; 4% entre 9 e 11 anos; 4% entre 15 e 17 anos e 26% estavam com 18 anos ou mais. Grzybowski (2011), baseada em Margolin et al., (2001), expõe que a idade dos filhos pode ser um fator que influencia a relação parental pós-divórcio, sendo que quanto maior a idade dos filhos, maiores são as possibilidades desta relação ser menos conflitiva.

Os profissionais que trabalham com questões envolvendo separação/divórcio devem estar atentos para as condições que podem influenciar a relação parental, com o intuito de auxiliar os pais a construírem uma relação mais saudável. Cabe considerar que a maioria dos filhos dos pais atendidos pelo serviço de psicologia eram menores de idade, em sua maioria sendo bem pequenos. Assim, destaca-se a importância de que sejam trabalhadas as relações, e de que os vínculos da criança com ambos os genitores continuem a ser mantidos e consolidados (Brito, 2014; Howieson & Priddis, 2015; Wagner, 2002).

Essa perspectiva vai ao encontro dos resultados apontados por Brito (2007) em seu estudo com filhos que vivenciaram a separação de seus pais. De acordo com a autora, no contexto atual a separação muitas vezes é vista como corriqueira, no entanto é importante que os pais compreendam que essa decisão repercute e traz diversas alterações para a vida dos filhos, e que a manutenção do cuidado e dos vínculos pelo pai e pela mãe é essencial para garantir o bem-estar daqueles.

Demanda dos usuários

Uma vez que a maioria da procura no serviço, partiu das mulheres, pode-se pensar que o motivo da busca poderá ter relação direta com essa questão, visto que, como apontado anteriormente, são elas que buscam organizar o fim da relação conjugal. Diante disso, identificou-se que a maioria das pessoas (36%) procurou o atendimento por conta de questões relacionadas à pensão dos filhos; 25% pela visitação; 21% por motivos de separação conjugal; 7% pela guarda dos filhos e 7% pela divisão de bens e em 4% dos casos o motivo da procura foi pela solicitação de medida de afastamento.

A partir desses dados, acredita-se que as mulheres possam buscar o atendimento especialmente para garantir o provimento dos filhos. Esse resultado corrobora outro índice, o qual destaca que, em geral, é a mãe que se mantém residindo com os filhos após a dissolução da conjugalidade, tendo em vista que no Brasil a maior parte das guardas é unilateral tendo a mãe como responsável (IBGE, 2014; Valentim de Souza & Dias, 2014). Nesse sentido um estudo realizado por Cúnico e Arpini (2014) com pais que se encontravam ausentes da vida de seus filhos, apesar de terem assumido serem pais através do registro da paternidade e do pagamento da pensão. No entanto, o que parece ser mais relevante nesse estudo, é que nem sempre os pais sentem que a paternidade vai além dessas atribuições juridicamente definidas. Dessa forma, as autoras postulam que é preciso ter clareza que as condições jurídicas não são suficientes para que se efetive o exercício da paternidade, sendo necessárias outras ações que promovam a manutenção dessa relação e evitem que os pais se desliguem afetivamente dos filhos após a separação conjugal.

Com isto, o estudo destaca a importância de trabalhar o impacto da dissolução conjugal, em especial no que se refere a paternidade, considerando que a ausência paterna ainda é uma realidade presente em muitos contextos familiares (Cúnico & Arpini, 2014). Nessa direção, ações que envolvem o acompanhamento dos pais no período pós-divórcio podem se constituir numa importante estratégia, como a proposta do Conselho Nacional de Justiça que tem oferecido Oficinas de Parentalidade (s/d).

Nesse sentido, observa-se a necessidade do psicólogo, assim como outros profissionais mediadores de família, em compreender que os papéis familiares não serão exercidos da mesma maneira em todas as famílias. Conforme assinala Morgado (2011) recaem imensas responsabilidades sobre as mulheres, dentre essas a de mãe, havendo expectativa de que haja um bom desempenho desse papel. Diante disso, mostra-se como uma possibilidade de trabalho durante as sessões de mediação a desconstrução dessa visão enrijecida, permitindo uma maior flexibilidade no exercício dos papéis familiares, aspecto fundamental para a saúde da família (Howieson & Priddis, 2015; Martín, 2015; Nichols & Schwartz, 2007).

Salienta-se que, dentre os casos que tinham como objetivo a melhor definição da pensão alimentícia, em 89% desses buscou-se seu estabelecimento; e em 11% dos casos, objetivou-se a revisão do valor da pensão que já estava determinado, sendo que essa demanda partiu majoritariamente de mulheres. Partindo do entendimento de que são as mães que, em grande maioria, permanecem residindo com filhos após a separação (Brito, 2014; IBGE, 2014), essa questão do provimento dos filhos parece reforçar a necessidade de que as posições mais cristalizadas de homem e mulher não sejam dadas como naturais. Nessa perspectiva, entende-se que a mediação familiar pode contribuir para a discussão sobre a importância da manutenção dos vínculos parentais, ao mesmo tempo em que favorece a desconstrução, por parte da dupla parental, de modelos rígidos de dinâmicas familiares pós-divórcio, qual seja, a mãe cuidadora e o pai provedor (Alves et al., 2014b).

Destaca-se que a mediação familiar prevê que cada caso deve ser avaliado de forma diferenciada, sempre procurando instaurar o diálogo e pensando em alternativas e, talvez, novos acordos entre os envolvidos. Nesse sentido, a mediação visa, sobretudo, à preservação de vínculos – de forma que não resulte em perda de laços dos filhos com a origem da família (Alcântara, 2013). Entende-se, dessa maneira, que a mediação familiar está fundamentada no princípio do melhor interesse da criança, uma vez que busca fomentar o diálogo entre a dupla parental para que consigam manter de forma efetiva a coparentalidade (Howieson & Priddis, 2015; Martín, 2015).

Deve-se pontuar também que, em função de o serviço atender uma população com renda de até três salários mínimos, a pensão pode ter assumido o foco da demanda, uma vez que o não recebimento desse valor poderá potencializar as dificuldades financeiras que muitas dessas famílias podem estar vivenciando. Além disso, observa-se que, muitas vezes, quando o pagamento da pensão não está sendo efetivado, há um afastamento do genitor que saiu de casa em relação aos filhos. Manzke e Zanoni (2014) salientam a importância de o relacionamento afetivo dos filhos com os pais não se modificar após a separação. Acrescenta-se a isso que a pensão tem importância evidente no que diz respeito aos cuidados com a criança, porém essa questão é de responsabilidade dos adultos e, em caso de controvérsias, não deveria culminar com o afastamento de um dos genitores em relação à criança, visto que, conforme Brito (2014), a ruptura conjugal não deve se assemelhar à ruptura familiar.

Procedimentos adotados e resultados alcançados

O primeiro procedimento realizado pelo Serviço de Psicologia é o de contatar a parte que buscou o Núcleo de Assistência Judiciária, de modo a agendar uma entrevista individual, e posteriormente com a outra parte envolvida no conflito. As entrevistas individuais ofertadas pelo Serviço de Psicologia geralmente são realizadas antes da mediação, separadamente com cada uma das pessoas envolvidas no conflito, e, conforme apontam Dal Forno e Arpini (2011), contribuem para que os sujeitos possam refletir e decidir por realizar ou não a negociação via mediação. Dessa forma, a partir da análise dos dados se constatou que foram realizados de 1 a 2 atendimentos em 60% dos casos, em 30% dos casos houve 3 a 4 atendimentos e em 7% dos casos houve de 5 a 6 atendimentos.

Cabe ressaltar que a especificidade de cada situação é que define o número de atendimentos a ser realizado, e o momento em que estes se darão, visto que não existe um modelo a ser seguido. Porém, se dá especial atenção para não haver um prolongamento destes atendimentos, a fim de se evitar que estes possam ser confundidos com outra modalidade de atendimento, como uma psicoterapia ou atendimento a casais e família (Cúnico et al., 2012). Não obstante, quando a demanda por atendimento psicoterápico é indicada, realiza-se o encaminhamento para local especializado.

Entende-se que os atendimentos possibilitam a compreensão da dinâmica estabelecida entre os sujeitos envolvidos no conflito, assim como das relações estabelecidas com os familiares, e permitem uma análise pormenorizada da demanda em questão. Trata-se de um momento singular, no qual o diálogo estabelecido permite tanto aos envolvidos no conflito quanto ao profissional da Psicologia que acompanha o caso, pensar e avaliar o que permeia a problemática apresentada. Assim, o espaço de escuta promovido pelo Serviço de Psicologia, em um ambiente jurídico, pode auxiliar as pessoas a se sentirem amparadas, para então tomar decisões importantes (Dal Forno & Arpini, 2011).

Dessa forma, acredita-se que após as entrevistas individuais as pessoas envolvidas em conflitos familiares têm uma maior autonomia para decidirem a melhor forma de resolverem tais demandas. Em relação ao desfecho dos casos atendidos no ano de 2013, salienta-se que após as entrevistas individuais em 29% dos casos houve acordo entre os envolvidos por meio da mediação; em 24% os sujeitos foram encaminhamentos para a equipe do Direito para darem segmento ao processo litigioso, visto que não foi possível se chegar a acordo via mediação; em 29% dos casos houve desistência de dar prosseguimento à ação, seja pela via da mediação ou do litígio; e em 18% não houve retorno dos sujeitos atendidos pelo Serviço de Psicologia, ou seja, não realizaram um contato posterior para informar qualquer que tenha sido a decisão.

Destaca-se que o percentual de casos onde foi possível realizar um acordo via mediação, ou seja, onde os sujeitos puderam construir a solução para o seu conflito, foi maior em relação aos casos em que o processo litigioso foi o meio escolhido. Tal resultado vai ao encontro do exposto por Pereira, Machado e Pinto (2013). Segundo estes autores, em Portugal o número de divórcios litigiosos decresceu em relação aos acordos amigáveis. Para os autores, neste tipo de acordo é mais fácil que ambos os cônjuges aceitem que o casamento falhou por incompatibilidades pessoais, não sendo necessário declarar culpa única e exclusivamente a um cônjuge. Isto tenderia a contribuir para a redução do conflito após o rompimento, na medida em que há o incentivo de que os sujeitos assumam suas próprias responsabilidades, tornando-se protagonistas na resolução do seu conflito (Cúnico, Mozzaquatro, Arpini, & Silva, 2010).

Nesse sentido, pode-se pensar que a Psicologia tem possibilitado a reflexão e o envolvimento dos sujeitos, através da experiência com a prática da mediação dentro do Núcleo de Assistência Judiciária. A atividade confirma o fato de que este procedimento oportuniza a construção de espaços de diálogo e autonomia dos envolvidos, na busca de soluções conjuntas para situação de conflito (Oltramari, 2009).

Além disso, o percentual de desistências da ação também pode ser considerado expressivo, sendo o mesmo que o número de mediações extrajudiciais realizadas. Por desistência, entende-se que, conforme salientado anteriormente, após os atendimentos individuais, as pessoas decidiram por não manter a ação, desistindo, de levar a solicitação inicial adiante. A escuta atenta e, consequentemente, a reflexão sobre o conflito demonstram que o psicólogo tem um papel importante em casos que envolvam o Direito de Família, que estão permeados de aspectos subjetivos, conforme salienta Dias (2015). Portanto, a realização dos atendimentos com as pessoas envolvidas no caso pode as ter levado a ponderar sua situação, decidindo por não levar a demanda adiante.

Em relação aos acordos que foram estabelecidos pelo Serviço de Psicologia no Núcleo de Assistência Judiciária via mediação extrajudicial, os mesmos foram homologados judicialmente. Em 50% dos acordos a modalidade de guarda acertada pelos sujeitos foi a de guarda compartilhada. Entende-se que esta modalidade de guarda vai ao encontro de um balanceamento necessário do exercício das funções parentais na medida em que orienta a existência de um equilíbrio dos papéis parentais na responsabilização pelos filhos em todas as esferas da vida, independente da moradia destes (Schneebeli & Menandro, 2014). Destaca-se que os dados coletados se restringiram ao ano de 2013, sendo anterior a Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014, a qual visa ao estabelecimento da guarda compartilhada mesmo nos casos em que não há consenso por parte dos pais.

Considerando a mudança de perspectiva que a guarda compartilhada prevê em relação à guarda unilateral, a qual passou a considerar, sobretudo, o bem-estar dos filhos com a possibilidade de manutenção da coparentalidade (Schneebeli & Menandro, 2014), o Serviço de Psicologia realiza um acompanhamento dos pais após o acordo firmado estabelecendo a guarda compartilhada. Neste, busca-se auxiliar os pais para que possam exercer o acordo que estabeleceram, visando dessa forma ao melhor interesse da criança. Essas ações estariam em concordância com outras propostas, como a do Conselho Nacional de Justiça, que oferece oficinas de parentalidade com vistas a trabalhar os aspectos que envolvem o cuidado e as responsabilidades parentais nas famílias.

 

Considerações finais

As transformações nos modelos de relacionamentos conjugais demandam, por parte do judiciário, novas formas de atuação. Diante disso, a Psicologia entra em cena como um dos núcleos profissionais que pode auxiliar nas práticas de resolução de conflitos.

Nesse sentido, a mediação extrajudicial de conflitos parece ser uma importante ferramenta como alternativa ao processo litigioso. Esta pesquisa evidenciou um maior número de resoluções de conflito via mediação em relação ao litígio, o que pode indicar a importância de uma escuta mediadora na qual as pessoas têm abertura para uma prática que favorece a autonomia, a fim de que possam decidir consensualmente a melhor forma de resolver seus conflitos.

Os resultados desse estudo tendem a indicar que a aproximação entre Direito e Psicologia se mostra frutífera, possibilitando um manejo mais adequado dos casos que envolvem conflitos familiares. Destaca-se que uma das grandes contribuições possíveis da Psicologia nesse contexto diz respeito a problematização dos papéis familiares rígidos, como a mãe cuidadora e o pai provedor. Possibilitar aos pais a oportunidade para repensar suas atribuições, especialmente no momento de separação conjugal, possibilita uma maior reflexão acerca de como se dará a continuidade do vínculo parental.

Tal aspecto se faz relevante ao se considerar o dado de que a maioria dos casais atendidos pelo Serviço de Psicologia possuía filhos, sendo a maioria destes crianças e adolescentes, e grande parte das demandas giravam em torno dos filhos, como no caso da pensão alimentícia e visitação. Dessa forma, é de grande importância que os profissionais estejam atentos aos desdobramentos que estas demandas podem causar aos filhos, influenciando na relação parental.

Com isto, destaca-se a possibilidade que o Serviço de Psicologia oferece à população atendida de refletir sobre seu papel parental. A partir destas reflexões foi possível o estabelecimento de guardas compartilhadas, homologadas judicialmente, o que se considera um avanço, visto que esta modalidade de guarda prevê, sobretudo, o bem-estar e melhor interesse dos filhos.

Espera-se que os resultados deste estudo possam auxiliar na prática realizada no referido Núcleo de Assistência Judiciária, assim como em outros serviços que utilizem ou venham a utilizar a prática da mediação extrajudicial. Além disso, como essa prática está em ascensão no Brasil, busca-se com esse trabalho fomentar o diálogo sobre novas formas de resolução de conflitos. Considerando a recente aprovação da Lei da Guarda Compartilhada entende-se que esse levantamento aponta importantes indicadores, na medida em que os casos acordados de guarda compartilhada nesse serviço se mostram sensivelmente maiores que os dados nacionais, dessa forma se entende que projetos dessa natureza podem ser enfatizados e replicados com vistas a construir uma responsabilidade parental mais equilibrada.

Por fim, pontua-se como limitador desse estudo o fato de ter sido realizado em apenas um Núcleo de Assistência Judiciária de uma universidade, o que certamente não representa a demanda do judiciário de modo geral. No entanto, esse mesmo aspecto evidencia como é possível a articulação entre a academia e a sociedade por meio da extensão. Destaca-se ainda como contribuição a importância de projetos interdisciplinares que aproximem diferentes núcleos do conhecimento, de forma que se possa ter uma visão ampliada e contextual das problemáticas. Para além desta relevância, parece ser importante mencionar que o levantamento parte de uma ação extensionista, a qual tem possibilitado experiências muito ricas a acadêmicos ainda em processo de formação e que podem ter no atendimento dos casos e na equipe um importante aprendizado.

 

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Endereço para contato
E-mail: carol.mozzaquatro@gmail.com

Recebido em setembro de 2015
Aceito em junho de 2016

 

 

Caroline de Oliveira Mozzaquatro: Psicóloga, Mestra em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Universidade Federal de Santa Maria.
Amanda Pansard Alves: Psicóloga, Mestra em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Universidade Federal de Santa Maria.
Gerusa Morgana Bloss Lucca: Aluna do Curso de Graduação em Psicologia – Universidade Federal de Santa Maria.
Gabriela Clerici Christofari: Aluna do curso de Graduação em Psicologia – Universidade Federal de Santa Maria.
Dorian Mônica Arpini: Psicóloga, Professora Dra. Associada do Departamento de Psicologia e Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Universidade Federal de Santa Maria.

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