Com o intuito de diminuir o impacto gerado pela irregularidade das chuvas no estado do Ceará, em 1985, o Governo Federal lançou recursos para a construção da barragem do Castanhão. A barragem garantiria o abastecimento hídrico do Estado do Ceará nos períodos de seca. Contudo, a construção da barragem demandaria a aniquilação de toda uma cidade, a Velha Jaguaribara, e o deslocamento em massa da população para outra cidade, recém-construída, totalmente planejada, nomeada de Nova Jaguaribara (Frota Junior & Duarte Junior, 2016).
No planejamento do empreendimento, um terço da cidade de Jaguaribara seria inundada, incluindo a sede do município. A Nova Jaguaribara seria então a primeira cidade planejada do Estado do Ceará. O sentido etimológico da palavra Jaguaribara significa moradores do Rio das Onças, uma referência à tribo Tupi que habitava naquela região. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Nova Jaguaribara localiza-se no Vale do Jaguaribe, mais precisamente na Região do médio Jaguaribe, sua população estimada em 2018 era de 11.359 habitantes (IBGE, 2020).
Na antiga cidade, o modelo de organização das casas eram as conjugadas. Bancos e calçadas eram pontos de encontro dos seus moradores. Cadeiras de balanço eram dispostas pelas calçadas como parte habitual do dia a dia da cidade. Esse aspecto favorecia ainda mais o estreitamento das relações sociais, a sensação de pertencimento e a construção de vínculos com o lugar. A praça principal era tida como um lugar de prestígio, onde aconteciam as festas tradicionais, como a Festa da Padroeira e a Festa do Município (Frota Junior & Duarte Junior, 2016). Havia também uma forte ligação com o Rio Jaguaribe, que passava bem próximo à Cidade Velha, e as suas águas eram fonte de renda, alimentação e diversão para os moradores. A economia da cidade girava em torno do plantio, colheita, pesca e o comércio de alguns produtos. Seus moradores possuíam uma relação de dependência com a antiga cidade, que se configurava como parte da identidade coletiva desta população (Leite, 2018).
A construção da “Nova Jaguaribara” teve como base o planejamento feito por entidades governamentais. As quadras foram dispostas em um formato espacial bem mais definido, amplo e homogêneo. Esse aspecto similar foi utilizado também no planejamento das casas, onde se percebiam poucas modificações entre os modelos. As novas casas se assemelhavam aos modelos de conjuntos habitacionais. Outro grande desafio era o fato de a nova cidade ser mais distante do Rio Jaguaribe, fonte de renda, subsistência e lazer. Fator que acarretou grandes perdas sociais, econômicas e afetivas (Braz, 2005; Leite, 2018).
As ruas da nova cidade possuíam pavimentação e as avenidas eram sinalizadas. Havia um pequeno aeroporto, infraestrutura de água e esgotamento sanitário, energia elétrica e telefonia. Como forma de tentar reduzir os impactos, na delineação da distribuição das casas, deu-se a tentativa de manutenção da mesma vizinhança. Outro esforço para minimizar os danos foi a construção de réplicas de pontos simbólicos da antiga cidade, como a Igreja Matriz e a Igreja do Poço Comprido, antigo distrito do município (Braz, 2005; IBGE, 2020).
Todo o processo de planejamento e transição ocorreu entre resistência e luta da população. Os moradores se organizaram em uma associação (Associação de Moradores de Jaguaribara). Essa organização possibilitou que os moradores participassem de assuntos importantes, como a escolha do local da nova sede do município e o modelo das igrejas. Puderam também participar das reuniões do Grupo Multi-participativo do Castanhão. Havia uma forte sensação de recusa e oposição entre os moradores. Apesar da relutância, em 1997 se deu o início da construção da nova cidade, que seria o lugar de habitação de cerca de oito mil moradores da zona rural e urbana. Em julho de 2001 se inicia o processo de mudança, e em setembro do mesmo ano, Nova Jaguaribara torna-se habitação para a população da antiga sede. Trata-se do nascimento de uma cidade nova, inteiramente planejada, desde o seu traçado urbano até os seus edifícios públicos (Martins, 2020; Perote, 2006).
Vale destacar que a inundação de uma cidade ultrapassa o seu aspecto físico. A inundação da Velha Jaguaribara resultaria na aniquilação histórica, social e cultural de toda uma população (Leite, 2018). O deslocamento compulsório é entendido como um processo de desterritorialização. Entende-se desterritorialização como um processo de perda de controle e de acesso ao território impactado. Trata-se da perda do espaço concreto de moradia e sobrevivência, e, por conseguinte, das referências culturais, econômicas, sociais e espaciais. Desterritorializações, mesmo as programadas, resultam em impactos e perturbações a nível individual e coletivo (Feitosa et al. 2018; Mercês, Castro, & Cañete, 2019).
Ertzogue, Ferreira, e Marques (2017), afirmam que o deslocamento forçado ocasionado pela construção da usina hidroelétrica de Estreito, no estado do Tocantins (TO), suscitou perdas funcionais e simbólicas, assim como a desterritorialização de populações tradicionais. Verificou-se que as consequências desse processo na vida das populações afetadas se manifestaram em forma de sentimentos de saudade, dor, bem como depressão (Ertzogue et al., 2017; Mercês et al., 2019; Santos, Sol, & Modena, 2021).
Sendo assim, compreende-se que o processo de deslocamento compulsório da população da Velha Jaguaribara ocasionou tanto a desarticulação territorial quanto vivencial de toda a comunidade, e, portanto, é assunto de interesse da Psicologia Ambiental, sendo esta, uma área interdisciplinar que se debruça sobre as relações humano-ambientais e os desdobramentos comportamentais, psicológicos e sociais dessa interação (Freitas et al. 2021). O ambiente é composto por dimensões físicas, sociais, culturais, afetivas, políticas. No planejamento de construções, como uma cidade, além da estrutura física, as produções afetivas envolvidas na relação pessoa-ambiente devem ser respeitadas e levadas em consideração (Bomfim, Delabrida, & Ferreira, 2018; Feitosa et al. 2018).
Para que se compreenda esse fenômeno, faz-se necessário entender a noção de Lugar e de Espaço para a Psicologia Ambiental. O Espaço é a matéria exterior ao indivíduo. A ele não se atribui significado, ou seja, ele é neutro. Já o Lugar é um espaço que possui identificação. É onde moramos, trabalhamos, nos divertimos e vivemos. Pode-se definir seus limites, e ele é reconhecido, pois possui referência. A ele atribuímos significado, através da vivência e dos sentimentos. Um espaço só se transforma em lugar a depender das marcas geradas na relação humano-ambientais (Cavalcante & Nóbrega, 2017; Feitosa et al. 2018).
Compreende-se ainda que, uma vez este “lugar” criado, mesmo que ele deixe de existir fisicamente, poderá permanecer no plano simbólico. A Psicologia Ambiental também aponta que, quanto maior for o tempo de permanência em um lugar, maior a possibilidade de criação de vínculos e de enraizamento com o ambiente. O processo de enraizamento é responsável pela sensação de “estar em casa”, e tem forte relação com o tempo de habitação. Contudo, deve-se considerar os aspectos individuais da relação (Massola & Svartman, 2018).
Outro aspecto importante apontado pela Psicologia Ambiental diz respeito a relação de Apego/Vínculo com o Lugar. O apego ao lugar pode ser compreendido como o vínculo emocional firmado com cenários físicos. Umas das características da relação de apego ao lugar é a vinculação positiva, que favorece o bem-estar e a sensação de pertencimento (Elali & Medeiros, 2017; Freitas et al. 2021; Mourão, & Cavalcante, 2017).
Deslocamentos compulsórios podem gerar rupturas profundas na vida das populações. As manifestações físicas e emocionais são comparadas a sinais de manifestação de luto, com sentimento de perda intensa e sofrimento (Mercês et. al., 2019; Santos et al., 2021). O deslocamento compulsório representou para moradores perdas significativas, uma vez que o ambiente é permeado por signos, afetos e memórias, e comporta além de uma dimensão física, uma dimensão simbólica (Bomfim et. al., 2018; Mourão & Cavalcante, 2017).
Rompimentos físicos e/ou emocionais podem gerar processos de luto. O termo luto refere-se a uma vivência singular, e é percebido como uma experiência habitual diante de uma situação de perda ou ruptura. A vivência do luto envolve processos de aprendizagem e elaborações que nem sempre estão relacionados à morte concreta. A quebra de um vínculo que a pessoa considera essencial em sua vida, a perda de um emprego, rompimentos de relacionamentos podem gerar um processo de luto (Franco, 2021).
Apesar de singular, o processo de luto pode ser vivenciado de forma coletiva. No geral, o luto coletivo é desencadeado por catástrofes naturais e/ou catástrofe humana, que acarretam sentimentos de profunda angústia, e que abala a forma como uma comunidade vive. Ele expõe a vulnerabilidade da sociedade e mostra como o mundo pode ser um lugar imprevisível. Perdas simbólicas são geradoras de luto e não devem ser desconsideradas ou invalidadas. A vivência da população de Jaguaribara pode ser comparada a um processo de luto coletivo devido ao alto grau de rompimento a que a população foi exposta (Torlai, 2010).
Lidar com perdas é um processo imprevisível, que pode ou não ter um desfecho favorável. Tendo em vista a complexidade de fatores que dizem respeito ao comportamento humano, a Psicologia Ambiental pretende através deste artigo discutir os efeitos do deslocamento compulsório para a população de Nova Jaguaribara. Consequentemente, analisar as repercussões que os grandes empreendimentos produzem em outras populações realocadas. Considera-se fundamental o estudo e aprofundamento no tema, para o desenvolvimento de intervenções que possibilitem uma melhor adequação e enfrentamento destes processos pelas populações afetadas.
Metodologia
Desenho do Estudo
Realizou-se uma pesquisa exploratória, descritiva de abordagem qualitativa. A natureza qualitativa do estudo possibilitou apreensão dos significados e das vivências dos entrevistados. A fase exploratória teve como objetivo a imersão dos pesquisadores no campo de estudo, a fim de favorecer o percurso teórico e metodológico (Pesce & Abreu, 2013).
Amostra
A pesquisa de campo ocorreu na cidade de Nova Jaguaribara, e contou com a participação de oito pessoas, três homens e cinco mulheres, com idades entre 30 e 60 anos, que vivenciaram o deslocamento compulsório da Velha Jaguaribara para a nova cidade planejada. Utilizou-se o método bola de neve (snowball sampling) para a seleção dos participantes (Vinuto, 2014). Inicialmente ocorreu a seleção do primeiro participante, e este indicou o próximo, e assim sucessivamente. Após o primeiro contato com os participantes, deu-se a apresentação do TCLE- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, bem como as orientações quanto ao objetivo da pesquisa, procedimentos de coleta e sigilo de dados. Logo em seguida, realizou-se a coleta das assinaturas, a fim de garantir a realização da pesquisa.
Instrumento
Foram realizadas entrevistas individuais com os todos participantes. Estes responderam a um instrumento: a Entrevista Narrativa, que possibilita compreender como o participante percebe e vivencia o ambiente ao seu redor (Batista, Matos, & Nascimento, 2017). Os discursos foram gravados num tempo médio de 1 hora para cada participante. As entrevistas tiveram como ponto de partida a seguinte frase deflagradora: “Gostaria que você me falasse sobre a sua experiência com a cidade de Jaguaribara”.
Procedimentos de Coleta e Aspectos Éticos
O presente artigo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), CAAE: 09454919.9.0000.5052. Após a aprovação, foram contatados os participantes e solicitado que esses lessem e assinassem o TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, cujo modelo foi elaborado de acordo com as Resoluções nºs 466/12 e 510/16. Os objetivos da pesquisa, a garantia do anonimato, e os procedimentos adotados foram detalhados. Neste trabalho, todos os aspectos éticos referentes a pesquisas envolvendo seres humanos foram considerados.
Análise dos Dados
As entrevistas narrativas foram analisadas por meio do software Iramuteq (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), que possibilita a análise por classificação hierárquica descendente (CHD) e nuvem de palavras (Camargo & Justo, 2013), e complementada por uma análise de conteúdo. Nesta o pesquisador constrói o conhecimento analisando o discurso, a disposição e os termos utilizados pelos participantes (Castro, Abs, & Sarriera, 2011).
Resultados
Análises Lexicográficas Clássicas e Classificação Hierárquica Descendente
O corpus foi constituído por oito textos, separados em 402 segmentos de texto (ST), com aproveitamento de 305 STs (75,87%). Emergiram 14.131 ocorrências (palavras, formas ou vocábulos), sendo 2.317 palavras distintas e 1.351 com uma única ocorrência. O conteúdo analisado foi categorizado em quatro classes: Classe 1 - “Relação de Apego com a Velha Jaguaribara”, com 81 ST (26,56%); Classe 2 - “O processo de luto decorrente do deslocamento compulsório”, com 76 ST (24,92%); Classe 3 - “Desdobramentos do processo de desenraizamento”, com 87 ST (28,52%); Classe 4 - “Memórias e afetos: comparações entre as duas cidades”, com 61 ST (20,0%) (Figura 1).
Para atingir uma melhor visualização da distribuição do corpus, elaborou-se um diagrama com a lista de palavras de cada classe gerada a partir do teste qui-quadrado. Nele emergem as evocações que apresentam vocabulário semelhante entre si e vocabulário diferente das outras classes. A seguir serão descritas, operacionalizadas e exemplificadas cada uma dessas classes emergidas na Classificação Hierárquica Descendente (Figura 2).
Classificação Hierárquica Descendente
Classe 1 - “Relação de Apego com a Velha Jaguaribara”. Compreende 26,56 % (f = 81 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e radicais no intervalo entre χ² = 4,13 (cidade nova) e χ² = 22,50 (cidade velha). Essa classe é composta por palavras como “cidade velha” (χ² = 22,50); “amor” (χ² = 11,21); “lembrança” (χ² = 5,05); “luto” (χ² = 4,88); “violência” (χ² = 4,88); “memória” (χ² = 4,88); “tristeza” (χ² = 4,88).
Emergem discursos que apontam para uma relação de apego/vinculação com a antiga cidade. Percebe-se reações de apatia em relação a mudança e dificuldade de adaptação a novas práticas e ao novo lugar. Nessa classe percebe-se que a relação de apego ao lugar que os participantes mantêm com a Antiga Jaguaribara reforça a dificuldade de vinculação com a nova cidade.
Eu sinto que a Cidade Velha, assim como eu falo ela é bem mais presente, bem mais forte para mim do que a Cidade Nova, tendo em vista um sentimento que eu classifico assim como meio egoísta, por ter a questão das referências, que Jaguaribara por ser uma cidade pequena e que assim era uma só família. (Participante 5)
A partir dos discursos, percebe-se que o processo de ruptura gerou profundas perdas físicas, sociais, identitárias e culturais. Não foi somente a cidade antiga que deixou de existir, mas o “eu” de antes também não existe mais. Histórias, construções e memórias foram inundadas no processo. A dimensão simbólica dos ambientes, que é permeada por afetos, memórias, significados e valores, se constitui como parte do eu individual e coletivo (Bomfim et. al., 2018). A calçada que antes era ponto de encontro agora encontra-se vazia, e os velhos hábitos se pedem na Cidade Nova. Percebe-se sinais que indicam um processo de luto pela perda da cidade que não mais existe.
Então a gente desenvolvia a forma, a linguagem que era muito forte na Cidade Velha e esse era o grupo de quadrilha: o nosso Lampião e Maria Bonita, onde a gente desenvolvia isso com muito amor, com muito apego, para que a gente pudesse fazer aquela cidade, é, viver as lindas noites de São João!. (Participante 5)
Porque eu lembro muito bem que o processo de mudança foi até visto como um pouco de entusiasmo por ser algo novo para os mais jovens, mas para as pessoas mais velhas foi muito sofrido. Imagine você, uma pessoa de 70, 80 anos deixar para trás tudo que viveu? Alguns adoeceram, outros nem suportaram, chegando a falecer antes da mudança acontecer ou até mesmo a falecer assim que chegou aqui. (Participante 8)
Classe 2 – “O Processo de Luto Decorrente do Deslocamento Compulsório”. Compreende 24,9 % (f = 76 ST) do corpus total analisado. Pertence a um sub-eixo com uma proximidade maior da classe 1. Constituída por palavras e radicais no intervalo entre χ² = 4,59 (vida) e χ² = 40,94 (viver). Essa classe é composta por palavras como “construir” (χ² = 20,28); “mudar” (χ² = 19,75); “sofrimento” (χ² = 15,32); “mudança” (χ² = 13,0); “terra” (χ² = 12,21); “história” (χ² = 11,64); “luta” (χ² = 8,24); “apego” (χ² = 5,70); “partir” (χ² = 5,43).
Os discursos demonstram de forma mais explícita que entre os mais jovens houve uma melhor aceitação do processo de mudança. Em contrapartida, essa classe reforça a dificuldade que os moradores idosos tiveram em aceitar a transição e adaptarem-se a mudança. Demonstrações de perda profunda, que dificultam o processo de apropriação do novo lugar. Apropriar-se é um processo necessário para que alguém se identifique com um entorno. No processo de apropriação, o homem deixa sua marca no lugar (Feitosa et al. 2018). As repercussões psicológicas negativas e o aspecto da ruptura vivenciada pelos moradores podem ser comparados a um processo de luto, um luto dual, hora voltado para a perda, hora voltado para a recuperação da vida, e uma dificuldade de apropriação desse novo lugar (Franco, 2020).
Mas foi um processo bem difícil para os mais adultos e idosos e assim, nosso povo ainda vive uma ideia de apego ao passado, as crenças, costumes tudo gira em torno do que já não pode mais ser vivido, até alguns ainda jovens tem essa ideia eu acho, eu já prego que é, e sempre será Jaguaribara agora um pouco mais expandida, porém não desenvolvida, mas Jaguaribara. (Participante 4)
Aspectos relacionados a temporalidade e a intergeracionalidade são evidenciados nessa classe. O luto do idoso é passado aos mais jovens através dos relatos e das vivências contadas. Repercussões psicológicas negativas que se iniciaram antes dos deslocamentos, reverberam até os dias atuais. Observa-se a manutenção da dor pela perda da sua cidade, característica de uma profunda ligação com o lugar, que revela um profundo nível de investimento no objeto perdido (Alves, 2014; Massola & Svartman, 2018; Mercês et. al., 2019). Os discursos demonstram também que a geração mais nova ansiava por melhorias, e para eles foi mais fácil a transição.
Na sua grande maioria, eles vêm Jaguaribara de uma forma negativa, não tem muito atrativo para eles, não sei se é porque é por conta da visão dos mais velhos ou da essência de cada um deles, eu percebo isso e é muito interessante. (Participante 5)
Mas, foi doloroso! Algo muito doloroso, principalmente para alguns, mas para uns nem tanto, porque eu acho que tinha gente que já tinha essa ideia de mudança fixa da cidade, de querer realmente o novo, mas nas pessoas mais velhas eu percebi que era bem mais difícil eles aceitarem. (Participante 2)
Além dos impactos na saúde mental dos moradores, o processo de mudança produziu consequências econômicas na população. Antes estavam localizados próximo ao Rio Jaguaribe, que era fonte de subsistência, agora não mais. Os discursos reforçam a ideia de vulnerabilidade social e redução da autonomia dessa população. Negligência e abandono por parte das entidades governamentais quanto ao suporte necessário para o cuidado dos moradores e para a retomada das atividades econômicas na cidade reduzem os mecanismos de enfrentamento, e tornam escassas as redes de apoio (Freitas et al. 2021; Santos et al. 2021).
Eu acho que é dividido em faixa etária, porque aqueles outros, os mais velhos, talvez ela não significa tanto quanto para as pessoas mais novas, até pela forma de cultura que eles levavam lá na Cidade Velha, viviam de forma diferente, porque tinha idosos que viviam lá na Cidade Velha, até como forma de subsistência na plantação, na pesca e aqui eles ficaram presos dentro de casa, muitos sem ter realmente como ganhar o pão e outros, já aposentados vivendo de uma forma mais aprisionada. (Participante 2)
Demonstrações de ressentimento e mágoa que obstaculizam o processo de apropriação da nova cidade. Todo esse ressentimento gera dificuldades de elaboração do luto e tem como pano de fundo o fato de não terem sido considerados de forma satisfatória no planejamento decisório, e por não usufruírem dos benefícios da nova barragem. Na vivência singular do luto dessa população, percebe-se uma alternância na intensidade e na maneira de viver a perda, contudo, ela é sempre percebida nos discursos.
Classe 3 - “Desdobramentos do Processo de Desenraizamento”. Compreende 28,5 % (f = 87 ST) do corpus total analisado. Pertence a um sub-eixo diferente das Classes 01 e 02, mas com uma proximidade maior da classe 4. Constituída por palavras e radicais no intervalo entre χ² = 4,29 (cultura) e χ² = 23,54 (acabar). Essa classe é composta por palavras como “morto” (χ² = 16,57); “cidade” (χ² = 12,89); “vínculo” (χ² = 8,0); “cuidado” (χ² = 7,59); “origem” (χ² = 7,59); “Jaguaribara” (χ² = 7,59); “laço” (χ² = 5,02); “perder” (χ² = 4,65); “morrer” (χ² = 4,43).
Essa classe traz conteúdos sobre as dificuldades de vinculação à nova cidade. Percebe-se um enraizamento profundo com a antiga cidade. Como consequência, não há investimento afetivo. Verifica-se que, mesmo após 20 anos, ao narrarem a mudança, sentimentos de dor e desamparo ainda se encontram presentes. Esses sinais corroboram com o aspecto traumático dos deslocamentos compulsórios e do processo de desenraizamento. Este consiste em expulsar ou afastar alguém de seu local de origem (Massola & Svartman, 2018).
Assim, eu vim para cá, eu venho para cá, mas a minha origem não é aqui, é lá! Então, se a minha origem é lá, e lá não existe mais, então tanto faz eu está aqui como está em qualquer outro lugar, para mim é a mesma coisa, porque meu laço, a minha origem, era de lá. (Participante 7)
E quando eu lembro que eu tive que me despedir da minha casa, armaria, eu me senti muito! Eu olhava tanto para as coisas, se dependesse de mim jamais eu tinha saído de lá, porque era muito triste, a gente era saindo e o pessoal demolindo nossas casas, com medo das pessoas voltarem e não quererem vir para cá, e se cortava logo a água, energia e a gente tinha que vir mesmo né?. (Participante 3)
O resultado do desenraizamento é percebido na maneira como os moradores lidam afetivamente com a nova cidade. Desenraizar-se é visto como uma situação desagradável e penosa, na qual o indivíduo é apartado de suas origens sócio-históricas e culturais. Acreditam que, como consequência, a cidade perdeu sua vitalidade. Devido à forte vinculação que conservam com a antiga cidade, resistem a ideia de abrir-se ao novo. Vê-se uma sensação de indiferença aos espaços coletivos. A Cidade Velha, mesmo inundada permanece cheia de vida e de movimento, porém a Cidade Nova em seus discursos está morta (Freitas et al. 2021).
Também, porque a gente vê dificuldade de trazer de novos costumes culturais das pessoas para as pessoas, até mesmo para nova geração que está surgindo. Porque eles não têm alimentado o sentimento de pertença daqui, de sentir que afeta em todos os cenários. Eu acho que as relações, as formas como a gente vê as praças sem ser habitadas, sem serem movimentadas, a dificuldade que a gente tem de fazer algum projeto aqui e levar para frente, como um grupo cultural. (Participante 2)
Classe 4 - “Memórias e Afetos: Comparações entre as Duas Cidades”. Compreende 20,0 % (f = 61 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e radicais no intervalo entre χ² = 3,94 (falar) e χ² = 23,54 (chegar). Essa classe é composta por palavras como “casa” (χ² = 38,20); “morar” (χ² = 20,57); “lembrar” (χ² = 20,11); “conhecer” (χ² = 12,62); “triste” (χ² = 11,44); “Velha Jaguaribara” (χ² = 8,32); “diferente” (χ² = 8,81); “realidade” (χ² = 4,12); “terminar” (χ² = 4,12).
Essa classe é permeada por memórias em relação à antiga cidade. Apesar da aniquilação física da Velha Jaguaribara, identifica-se ainda estabelecidos nos relatos uma ligação profunda com o lugar, vivida de forma saudosa e dolorosa. Percebe-se nitidamente a relação da classe 4 com a classe 3. Sentimentos nostálgicos e uma forte ligação a lugares específicos da antiga cidade, especialmente ao Rio. A casa perdida, “minha casa” ocupa um papel importante nessa classe. A última lembrança de como a deixaram desperta lembranças dolorosas. Bomfim et. al., (2018) afirma que a “casa” é uma extensão do eu. A manutenção dessa nostalgia fortalece de atitudes de resistência e de comparação com a nova cidade.
E eu lembro que quando vim para Cidade Nova, passando uma semana, eu retornei para Cidade Velha, e quando eu percorri lá pela rua onde eu morava, quando eu cheguei lá em casa, a gente deixou tudo fechadinho e eu encontrei as portas abertas. Só o rangido da janela e os pássaros cantando e aquela cena me marcou muito!. (Participante 5)
A lembrança é tanta que lá na Cidade Velha, tinha para gente um banco, que era conhecido como o banco das coroas, na saída de quem saía para igreja, e era muito respeitado. Nosso banco era um de madeira e lá ninguém se sentava enquanto a gente não chegasse. Aí, só quando a gente não ia se sentar aí enchia de gente! E eu adorava lá! Aqui, não gosto muito, só moro aqui porque… é o jeito. (Participante 3)
Possivelmente, em decorrência da tecnologia e violência urbana, transformações teriam ocorrido também na Velha Cidade. Contudo, os relatos comportam uma dose de romantização em relação ao lugar perdido. A Velha Cidade é lembrada e apresentada como o lugar sossegado, o familiar, o lugar de pertença, já a Nova Cidade é exposta como o lugar de dúvidas, receios e incertezas. Compreender o vínculo que o indivíduo possui com o ambiente, possibilita entender como se dá o processo das relações humano-ambientais adquiridas ao longo da vida (Bomfim et. al., 2018; Freitas et al. 2021; Santos et al. 2021).
Tudo era bom demais! Quer dizer que aqui também, graças a Deus, corre em paz as festas. Mas lá, quando acontecia uma festa boa lá, eles iam terminar lá no rio, lá na passagem molhada e era muita gente que vinha de Jaguaretama, de Jaguaribe, todos os domingos havia desfile na passagem molhada. (Participante 6)
A gente lá vivia despreocupada, ninguém tinha essas coisas que hoje a gente vê aqui, de tá matando gente de vez em quando, você podia dormir com as portas abertas, não tinha quem fosse bulir com você ou fazer o mal, e aqui não pode!. (Participante 6)
Nuvem de Palavras
Ao final, obteve-se a nuvem de palavra gerada a partir dos discursos dos participantes, verificando-se que as palavras mais evocadas foram: “cidade” (f = 82), “vir” (f = 58); “viver” (f = 54); “ficar” (f = 53); “Jaguaribara” (f = 46); “cidade velha” (f = 42); “lembrar” (f = 39); “casa” (f = 39); “sair” (f = 30); “laço” (f = 24); “voltar” (f = 24); “mudança” (f = 22); “sentir” (f = 22); “deixar” (f = 21); “cidade nova” (f = 20); “lugar” (f = 19); “morar” (f = 20). Os dados obtidos corroboram com sinais de uma profunda ruptura relacionada ao processo de deslocamento compulsório. O impacto da perda reverbera ainda hoje na maneira como os antigos moradores se relacionam com a nova cidade e na forma como preservam um vínculo profundo com o lugar perdido (Figura 3).
Discussão
De maneira geral, se pode observar aspectos relacionados a relação de apego e vínculo ao lugar perdido. Ressentimento e frustração pela perda do seu lugar de origem, bem como expressões de insegurança e desamparo social direcionados a empresas privadas e entidades governamentais. Especificamente, as evocações da Classe 01 (Relação de Apego com a Velha Jaguaribara) demonstram a profundidade do vínculo emocional que o os moradores conservam com a antiga cidade, e a intensidade de sentido e de proteção que a Velha Jaguaribara configura para eles.
Compreender como se dá a relação de apego entre indivíduo e lugar, faz-se necessário assimilar o conceito de Lugar e de Espaço. Verifica-se que as noções de espaço e lugar ocupam uma posição central nessa classe. O aspecto afetivo da relação entre os moradores e a cidade pode ser definido como uma relação de Apego ao lugar (Elali & Medeiros, 2017).
De acordo com a Psicologia Ambiental, uma das características da relação de apego ao lugar é a sensação de “estar em casa”, que é percebida na forma como os moradores descrevem a Velha Cidade. O oposto da sensação de se sentir em casa viabiliza conflitos e inseguranças em relação ao ambiente. Os relatos classe 01 corroboram essa concepção. Apesar de residirem há quase 20 anos na “Nova Cidade”, a casa que é descrita com afeto positivo e pertencimento ficou na Cidade Velha. Elali e Medeiros (2017) afirmam que a relação de apego ao lugar é essencial para o desenvolvimento do Self e para as relações sociais. Contudo, fatores como idade, tempo de residência, status devem ser considerados. A compreensão da importância que o lugar tem para a formação do eu e para a construção do sentimento de comunidade demonstram o caráter nocivo dos deslocamentos compulsórios.
Aproximando a concepção de apego ao lugar e identidade de lugar, que de acordo com Mourão e Cavalcante (2017) é uma subestrutura da identidade pessoal, desenvolvida a partir da vinculação do indivíduo com o ambiente, seja ele físico ou social. A construção da identidade de lugar depende da relação de pertencimento e do estabelecimento de vínculos emocionais do indivíduo com o lugar . Uma das funções principais da identidade de lugar é possibilitar a criação de um contexto interno que possibilite proteção e sustentação da autoidentidade. Os discursos e aspectos dessa classe expressa a formação de uma identidade coletiva vinculada a Velha Jaguaribara (Mourão & Cavalcante, 2017).
A Classe 02 (O processo de luto decorrente do deslocamento compulsório) versa sobre as manifestações de sofrimento e as dificuldades de elaborar a perda sofrida. Repercussões negativas decorrentes das construções de grandes barragens são frequentes. O deslocamento populacional é consideravelmente um dos mais significativos em termos de efeitos negativos sobre o ecossistema e sobre a saúde das populações atingidas. Transformam a relação das comunidades com o ambiente e seus modos de vida. Enfraquecem as relações sociais e fragilizam o senso de pertença do indivíduo para com a comunidade (Martins, 2020).
Em contexto dos deslocamentos programados forçados é comum a manifestação de sinais e sintomas de perda intensa e dolorosa, ansiedade, inadequação, sensação de desamparo, tom depressivo, sintomas psicossomáticos similares ao estresse e auto exigência em adaptar-se ao novo ambiente (Silva, 2018). Verifica-se sinais que indicam que ainda há um processo de luto. Percebe-se alterações na forma e na força que cada pessoa experiencia esse momento singular, contudo, a dor é algo sempre presente (Alves, 2014; Braz, 2005).
Além destes fatores, identificou-se sinais de luto coletivo, muito comum em deslocamentos compulsórios, e em casos de desastres naturais. Torlai (2010), pesquisadora em situações de desastres naturais, sinaliza que a intervenção psicológica em emergência nesse tipo de luto é possibilitar a restauração e a adequação das capacidades adaptativas. Sendo assim, oferecer à comunidade a oportunidade de avaliarem e utilizarem suas redes de apoio familiar e social. Destaca-se que a demora ou a ineficiência nas intervenções tendem a agravar os efeitos da crise (Martins, 2020; Torlai, 2010).
As evocações da Classe 03 (Desdobramentos do processo de desenraizamento) demonstram os desdobramentos existentes decorrentes da mudança de cidade. Devido à ideia literal de pertencimento à antiga Jaguaribara, os moradores se depararam com grandes dificuldades de apropriar-se do novo lugar. Enraizar-se implica em vincular-se ao lugar. O inverso de enraizar-se é denominado de desenraizamento, que implica em separar o indivíduo de suas origens pessoais, históricas e sociais. Trata-se de um processo desagradável, doloroso e com repercussões danosas ao indivíduo. As consequências do desenraizamento são percebidas em especial nos moradores mais velhos. Justifica-se isso ao fato de terem vivido o processo de desterritorialização em sua totalidade, associado ao tempo de habitação na antiga cidade (Ertzogue et al., 2017; Leite, 2018; Massola & Svartman, 2018; Silva, 2018).
Nos mais jovens, verifica-se uma maior facilidade de adaptação e até mesmo expectativas positivas direcionadas a Nova Jaguaribara. O modelo e ordenamento da nova cidade possui uma estrutura física mais adequada e maior que a Velha Jaguaribara, o que possibilitou a muitos moradores uma melhoria em suas condições de vida (Leite, 2018; Perote, 2006). Entretanto, a distância das quadras e o aspecto homogêneo das ruas e das casas torna-se desfavorável ao processo de vinculação ao lugar, pois viabiliza a sensação de desorientação espacial entre os mais idosos.
As evocações da Classe 04 (Memórias e afetos: comparações entre as duas cidades) demonstram ligação profunda com o lugar, vivida de forma saudosa. Após o processo de deslocamento compulsório, deu-se a demolição de todos os edifícios da Velha Jaguaribara. As ruínas e ruas foram cobertas pelas águas, não restando resíduo físico das memórias coletivas desse povo. Todavia, a Velha Cidade, apesar de submersa, permanece viva na memória e na saudade daqueles que viveram nela. A Velha Cidade é descrita nessa classe como o lugar seguro, lugar de pouso e de pertencimento (Leite, 2018). Observa-se que aqui o lugar que é nomeado como “minha casa” é a habitação que agora se encontra submersa. A “casa” é compreendida como um lugar privado, que oferece proteção e descanso. Pode ser percebida como ambiente desejado, o abrigo central, enraizador, lugar da vida. Por não estar mais ao alcance, torna-se memória viva na lembrança (Leite, 2018; Massola & Svartman, 2018).
Pode-se identificar também nessa classe comparações entre a Velha Jaguaribara e a Nova Jaguaribara. A relação de apego e de enraizamento com a Velha Jaguaribara, associados ao processo de desapropriação, são fatores que intensificam dificuldade de vinculação com a nova cidade. O fato de a Nova Jaguaribara não ter sido beneficiada com a construção da barragem potencializa ainda mais a sensação vulnerabilidade social, e acarreta a redução da autonomia. Apesar dos benefícios da Nova Jaguaribara, a vinculação dos moradores com a Velha Cidade inundada permanece, mesmo após anos da mudança ocorrida (Bomfim et. al., 2018; Elali & Medeiros, 2017; Feitosa et al. 2018).
Considerações finais
Algumas contribuições da presente pesquisa precisam ser destacadas. A primeira se refere à realização de um estudo que evidencia a vivência das populações que experienciam o processo de deslocamento compulsório. Essa análise se revela muito adequada para compreender as implicações socioambientais e culturais que os grandes empreendimentos produzem a curto, médio e longo prazo nas comunidades afetadas. Outro ponto importante diz respeito à contribuição que o estudo fornece ao campo de pesquisa da Psicologia Ambiental, ao exemplificar o processo de construção da subjetividade humana na relação com os lugares.
Os resultados obtidos representam uma contribuição significativa para o diálogo entre a Psicologia Ambiental e a Psicologia da Saúde. É possível entender melhor o surgimento de transtornos mentais e comportamentais que impactam de forma prolongada a vida e a saúde das populações afetadas por deslocamentos compulsórios. Sendo assim, o aporte da Psicologia Ambiental nestas avaliações torna-se imprescindível, uma vez que empreendimentos de grande magnitude possuem o potencial de impactar de modo duradouro a vida e a saúde de toda uma comunidade.
Quanto ao estudo, compreende-se que há limitações. A amostra e suas características foram selecionadas de forma não probabilística, todos pertencentes a uma mesma comunidade. Considera-se, portanto, particularidades, vieses e aspectos singulares dessa população, nos aspectos obtidos. Não deve, portanto, ser considerada como representativa da população brasileira. Contudo, enfatiza-se que não é o propósito desse estudo não é a generalização dos resultados, mas a exploração da experiência.
Torna-se oportuno novos estudos, por parte da Psicologia Ambiental e da Psicologia da Saúde, que possibilitem uma melhor avaliação dos impactos humanos-ambientais em decorrências de processos de deslocamentos forçados, mesmo os que possuam caráter programado. Conceitos como “Apego/Vinculação com o lugar”, “Enraizamento”, “Apropriação” e outros, tornam-se norteadores para a compreensão dos elementos causadores de estresse a adoecimento. São, portanto, essenciais para a projeção de intervenções e de modelos futuros que possibilitem uma melhor restauração e adequação das comunidades afetadas, bem como a prevenção de doenças e a promoção da saúde dessas populações.

















