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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. v.1 n.2 Ribeirão Preto ago. 1993
Equívocos da terapia comportamental
Maria Luisa Guedes1
Pontificia Universidade Católica de São Paulo
Modificação de comportamento: características
As primeiras tentativas de prática clínica derivadas da Análise Experimental do Comportamento foram denominadas Modificação de Comportamento. Pareceu, então, apropriado, já que os modificadores de Comportamento não só fundamentavam sua prática terapêutica no conhecimento já produzido pelas pesquisas básicas, mas também realizavam pesquisas enfocando problemas considerados clínicos. Era razoável, portanto, que julgassem entender as relações entre comportamento e ambiente. Este começo se mostrou promissor. Prova disso eram os manuais introdutórios de Análise do Comportamento da época (Millenson, 1967; Ferster, Culbertson, Perrot-Boren, 1968; Whaley e Malott, 1970; Keller e Ribes Inesta, 1973) que apresentavam um número significativo de exemplos bem sucedidos. Alguns destes exemplos passaram a fazer parte da formação de toda uma geração de analistas do comportamento: da criança que parou de bater a cabeça na parede e passou a usar óculos (Wolf, Risley e Mees, 1964), da menina que parou de vomitar (Wolf, Burnbrauer, Lawler e Williams, 1967), da anoréxica grave que voltou a comer (Bachrach, Erwin e Mohr, 1965), de comportamentos ditos psicóticos que, com um simples rearranjo de contingências desapareciam, ou ainda da utilização de economia de fichas nas instituições (Aylon e Michael, 1959).
Três aspectos marcaram esta proposta de atuação: 1) parecia viável a transposição do modelo de laboratório para a situação clínica, 2) pretendia-se atender à comunidade científica com o rigor da produção de conhecimento e 3) pretendia-se atender aos clientes promovendo melhoras significativas (Baer, Wolf e Risley, 1968).
Modificação de comportamento: possíveis razões do fracasso
Apesar de aparentemente coerentes, as perspectivas promissoras deste modelo não se confirmaram. Pelo menos três fatores podem tornar tal fracasso compreensível. As críticas externas foram severas: mudanças provindas da manipulação do ambiente foram acusadas de ofensivas à liberdade pessoal (a diretividade do modificador desrespeitava o sujeito); de superficiais (não lidavam com as causas últimas e profundas do problema) e, portanto, de irrelevantes (já que outro sintoma fatalmente apareceria). Na melhor das hipóteses, os críticos consideraram que esta proposta só atenderia à solução de problemas clínicos simples (simples aqui, significando a desqualificação do problema - por exemplo hábitos de estudo, comer, hora de dormir - ou do sujeito - por exemplo, com retardo profundo).
Além disso, os próprios modificadores de comportamento na sua prática clínica cotidiana foram descobrindo os limites do aparente poder que julgavam ter. Não era tão fácil assim atender à comunidade científica e mais difícil ainda era arranjar ambientes identificando as contingências responsáveis pelo comportamento. Esta dificuldade, por sua vez, se originava de uma má compreensão da própria proposta teórica que sustentava esta prática. Ou seja, identificar as contingências reais responsáveis pelo comportamento não era criar contingências artificiais para modificar o comportamento (Holland, 1978).
Terapia comportamental: uma proposta nova?
Não conseguindo ser nem pesquisadores e nem clínicos, os modificadores de comportamento passaram a alegar que o conhecimento era restrito para a complexidade da situação natural e rejeitaram com veemência serem identificados pelas técnicas de modificação de comportamento. Tornaram-se, então, terapeutas comportamentais.
O poder dos procedimentos para mudança de comportamento é agora substituído pela magia da "análise funcionar* (como se procedimentos efetivos pudessem prescindir de tal análise).
Nesta passagem, perderam-se características que identificavam a prática clínica desta abordagem. Os terapeutas comportamentais deixaram para trás: a solução de problemas concretos, a rapidez da terapia, os registros, a confiabilidade na relação procedimentos/resultados e a esperança de que a oferta do serviço psicológico, um dia, viesse a ser avaliável pela sociedade.
Em lugar disso tudo, adotaram uma prática terapêutica de gabinete, isto é, sua atuação restringe-se a interações verbais no espaço físico do consultório. Priorizando a terapia face a face, a ênfase agora é colocada em questões do tipo; vínculo terapeuta-cliente, nuances da relação terapêutica, utilização de sonhos e fantasias, sentimento como estratégia para informação sobre seus clientes, ou como estratégia para desenvolver o auto-conhecimento.
Terapia comportamental e behaviorismo radical
Esta transição é, no mínimo, misteriosa. Como entender que tal prática terapêutica tenha sido gerada por uma proposta teórica que afirma que: 1) as causas iniciadoras dos comportamentos (expressos ou encobertos) estão na relação com o ambiente, 2) não só os comportamentos mas também os sentimentos são produtos de contingências e 3) portanto, mudanças de comportamento e sentimento só são possíveis com rearranjos entre ambiente e comportamento (Skinner, 1945, 1953).
Como entender que profissionais que discutiam exaustivamente as diferenças entre modelo médico e modelo psicológico e que, portanto, teriam clientes e não pacientes, e que acreditavam que comportamento ou sentimento perturbado (assim considerados não importa por quais critérios) eram produzidos por contingências perturbadoras (fossem elas de seleção natural, de condicionamento, de cultura) (Skinner, 1981, 1984) tenham optado pela terapia face a face?
Terapia comportamental seus equívocos
Na verdade, estas questões sobre relação terapêutica, sonhos, fantasias fazem parte de um modelo terapêutico fundado em concepções mentalistas que têm o auto-conhecimento como objetivo da terapia. Para os mentalistas, a resolução de um problema presume o tornar-se consciente dele. Desnecessário apontar o antagonismo desta posição com a proposta do Behaviorismo Radical (vide Skinner, 1945).
O que parece importante considerar é que só houve espaço para uma perspectiva comportamental porque havia uma outra ordem de questões ou distúrbios para os quais as teorias mentalistas não apresentavam solução. Certamente, não foi por acaso que os trabalhos iniciais de modificação de comportamento lidavam com sujeitos que apresentavam graves problemas, tão graves que dificultavam, se não impediam, relações interpessoais. Ou ainda, que agora o novo avanço da terapia comportamental está acontecendo de forma significativa em casos de distúrbios graves de obsessão-compulsão ou ansiedade.
Assumindo as questões provenientes de modelos mentalistas, os terapeutas comportamentais estão deixando de lado os problemas graves. Estão deixando de lidar com contingências. Aquelas questões não fazem parte das contingências da vida do cliente. Elas só aparecem por conta do cenário montado. E este cenário, este "setting terapêutico" não é o da terapia comportamental.
Fica difícil imaginar que interpretações (ou traduções) comportamentais de fenômenos artificiais ao contexto do cliente possam intrumentar (a ele ou aos terapeutas) para rearranjar as contingências relevantes.
Contingências artificiais na sessão têm pouca chance de competir com as contingências em geral mais antigas, mais significativas e mais frequentes da vida do sujeito. O máximo que se pode esperar é contar com a sorte ou mesmo criar contingências na sessão para a formulação de conselhos ou regras que então serão seguidas; desmanchar alguns estímulos aversivos eliciadores de ansiedade e reforçar o cliente produzindo um fugaz sentimento de auto-estima.
Terapia comportamental: há alternativas?
Provavelmente o que havia nos exemplos bem sucedidos no laboratório era a possibilidade do arranjo concreto e direto do ambiente. Foi isso que se perdeu com o modelo emprestado.
Continuar com este modelo, em absoluto não afeta os terapeutas comportamentais; quer por profissionais bem sucedidos que são; quer porque, também, como há muito tempo já disse Skinner (1953), a sociedade garante um bom lugar para agências que minimizam sofrimento de seus membros sem abalar sua estrutura. Apenas continuarão numa busca angustiada de identidade, ajeitando-se com novos rótulos que não marquem irremediavelmente a sua origem comportamental e, ao mesmo tempo, não os igualem aos mentalistas.
Mas nem tudo está perdido para o terapeuta comportamental. Os problemas graves (que de fato incapacitam as pessoas para o cotidiano da vida) ainda estão aí. Entretanto, dificilmente os terapeutas serão bem sucedidos nestes casos se continuarem confinados ao espaço verbal (do mundo das regras e cognições) do consultório. Repensar a prática clínica e inventar novos espaços que permitam maior efetividade no mundo real do cliente é o nosso grande desafio.
Referências Bibliográficas
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(1) Faculadade de Psicologia, Departamento de Métodos e Tecnicas, Labora´torio de Psicologia Experimental. Rua Cardoso de almeiada, 986 - Perdizes - São Paulo - SP CEP 05913.