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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.2 no.1 Ribeirão Preto abr. 1994

 

Universidade: espaço institucional para o desenvolvimento político

 

 

Joseli Bastos da Costa1; Ana Raquel Rosas Torres2; Marta Helena L. Burity3; Leôncio Camino4

Universidade Federal da Paraíba

 

 

INTRODUÇÃO

Nosso objetivo neste trabalho é abordar o papel da Universidade Pública em relação à formação política dos seus estudantes. Interessa-nos discutir de que maneira se dá o processo de desenvolvimento político dos estudantes no bojo de suas experiências universitárias e quais os mecanismos e influências que determinam a sua socialização política. Neste sentido, apresentaremos os dados obtidos numa série de pesquisas que realizamos nas eleições nacionais de 1988, 1989 e 1990, bem como as conclusões que desenvolvemos a partir destes dados.

O conjunto de pesquisas que realizamos analisa a participação e as atitudes políticas dos estudantes da Universidade Federal da Paraíba por ocasião das eleições citadas, relacionando-as com a sua participação nas atividades e na vida universitária, com o objetivo de abordar a Universidade em seu papel de formação política dos estudantes.

 

A UNIVERSIDADE E O COMPORTAMENTO POLÍTICO-ELEITORAL DOS ESTUDANTES

A escola é, indubitavelmente, uma das instituições da sociedade civil que desempenham um papel importante no desenvolvimento da consciência social, e a Universidade tem uma importância predominante neste processo. É óbvio que não é fácil delimitar o papel político da Universidade, particularmente quanto à formação política dos estudantes, mas não se pode deixar de reconhecer a sua importân-

Apesar de algum debate, tem sido hoje majoritainamente aceita a integração entre o ensino, a pesquisa e a extensão como tarefas básicas e indissociáveis das universidades públicas no Brasil. De tal modo isso é evidente que estas funções são claramente explicitadas em seus estatutos. Na medida em que se considera o ensino indissociável da pesquisa e da extensão, a transmissão de conhecimentos se dá de acordo com sua elaboração in loco, e a produção científica se orienta para o aproveitamento dos recursos nacionais e para o estudo da realidade social. Assim, as universidades são parte essencial da estratégia de desenvolvimento da sociedade.

Para exercer este papel, as universidades devem possuir autonomia e independência, não só frente a centros exógenos de saber, mas, especialmente frente aos centros decisórios de políticas concretas que venham a afetar o seu funcionamento. Neste sentido, a autonomia universitária fundamenta-se hoje na função própria da instituição universitária, a construção de um saber independente e contextualizado que impulsione o desenvolvimento da sociedade.

Às universidades são atribuídas, como características fundamentais, a formação de uma consciência social, a crítica, a autonomia etc. Entretanto, elas evidenciam, na base de sua prática, um conjunto de contradições que se manifestam principalmente na oposição entre seu papel de reprodução de um saber e uma ordem social dominante e seu papel de criação de um saber crítico em relação à ordem existente (Fragoso, 1984; Ribeiro, 1975; Gianotti, 1987).

O tema da autonomia universitária abre necessariamente um espaço para o debate político sobre o presente e o futuro das universidades (ANDES, 1984), e da própria politização da vida universitária. Autonomia implica um espaço para a participação democrática dos diversos setores da comunidade acadêmica no gerenciamento da instituição. Estudantes, docentes e, mais recentemente, funcionários têm-se organizado em movimentos setoriais - a UNE, a ANDES e a FASUBRA respectivamente - que têm contribuído para o debate político e a politização da universidade (Sanfelice, 1986; Cunha, 1989).

Mesmo diante da politização cada vez mais acentuada das suas atividades, e das contradições inerentes à sua estrutura e funções, as universidades, tradicionalmente e ainda modernamente, são consideradas entidades apartidárias, não possuindo formalmente uma função de proselitismo ou de formação político-partidaria. Cabe aqui, então, indagar do papel das universidades públicas no que se refere ao comportamento político de seus estudantes. Parece-nos óbvio que, ao buscar desenvolver um conhecimento científico da realidade nacional, a universidade capacita o estudante para a vida política na medida em que o prepara para entender e escolher conscientemente as alternativas políticas que melhor pareçam adequar-se a esta realidade. Ora, a universidade só poderá atingir suas metas num contexto de autonomia e, por sua vez, a autonomia implica a participação dos estudantes nos órgãos decisórios da universidade, constituindo-se, assim, num processo pedagógico da prática política concreta (Mercadante, 1984).

O movimento estudantil no seio das universidades oferece também condições positivas para o desenvolvimento político dos estudantes. Tanto no Brasil como na América Latina, o movimento estudantil tem-se caracterizado por incorporar ao debate universitário os grandes problemas nacionais (Guilhon-Albuquerque, 1977a; Santos, 1980). Acrescente-se que a vida e o convívio universitário proporcionam ao estudante um leque de experiências que, como afirma Foracchi (1977, p.224), dão-lhe "condições de elaborar uma representação adequada de si e dos papéis que deve desempenhar". É a pertença social aos diversos grupos e instituições sociais que constrói a identidade social dos indivíduos (Tajfel, 1981; Turner, 1981).

Nesse sentido, e considerando todas estas razões, supomos que a universidade desempenha um importante papel quanto ao desenvolvimento político de seus alunos, restando indagar como este papel é desempenhado.

As universidades são instituições complexas, constituídas por diversos níveis de atividades. Do mesmo modo, a participação dos alunos nestes níveis não se dá de modo homogêneo, e sim em diversos graus diferenciados para cada atividade universitária. As atividades curriculares, definidas por atividades formalmente programadas pela universidade e diretamente ligadas ao currículo, constituem-se num dos níveis de atividade da vida universitária. Um outro nível é constituído pela colocação dos serviços e produção acadêmicas à disposição da comunidade (extensão), e pelos mecanismos de gestão acadêmica onde os alunos podem participar ativamente. Inclui-se aqui o espaço de organização disponível para os alunos (Movimento Estudantil), bem como suas atividades autônomas dentro das universidades. Neste nível, chamamos as atividades de extra-curriculares.

Cada um destes níveis desempenha um papel específico no processo de socialização política do estudante. Para determinar em que medida eles estariam relacionados com o desenvolvimento do comportamento político-eleitoral do estudante na universidade, efetuamos um conjunto de investigações com amostras dos estudantes da Universidade Federal da Paraíba, por ocasião das eleições nacionais ocorridas em 1988 (eleições municipais), 1989 (eleições Presidenciais) e 1990 (eleições estaduais). Estas investigações foram guiadas pelas seguintes hipóteses e expectativas:

a) A participação curricular tem uma fraca relação com o conjunto de índiees que avaliam o comportamento político-eleitoral dos estudantes.

b) Os diversos índices de participação extra-curricular (participação nas atividades de extensão, nos órgãos decisórios da universidade e no movimento estudantil) têm uma clara relação com o comportamento político-eleitoraL Os estudantes que mais participam das atividades extra-curriculares são os que apresentam os índices mais elevados de participação política.

c) A participação extra-curricular está ligada ao desenvolvimento de atitudes políticas, apresentando os alunos que mais participam destas atividades uma maior valorização de critérios mais politizados para a escolha eleitoral e uma maior politização.

d) Os alunos com maior participação extra-curricular são os que mais reconhecem e valorizam o papel da universidade como formadora do comportamento politico.

 

MÉTODO

AMOSTRASE PROCEDIMENTOS

Para a composição das amostras, procedemos a uma escolha aleatória no conjunto das disciplinas oferecidas no Campus I da UFPB, no período em que cada pesquisa foi realizada. Procuramos sempre respeitar a proporcionalidade existente no número de alunos para cada área de conhecimento: a Área I (Tecnologia), a área II (Saúde) e a área III (Ciências Sociais e Humanas). Este procedimento só não foi seguido na pesquisa de 1988, onde escolhemos três cursos dentre os oferecidos no Campus I: os cursos de Educação Física, Direito e Psicologia.

Uma vez selecionadas aleatoriamente as disciplinas, os professores responsáveis por elas foram solicitados a liberar um certo tempo de aula para a aplicação dos questionários. Mais de 80% deles concordaram. Os alunos presentes foram convidados a colaborar, não se observando recusas por parte deles. Os questionários foram respondidos pelos alunos na própria sala de aula, na semana que antecedeu a cada eleição.

Desse modo, obtivemos os seguintes totais de questionários válidos: na pesquisa de 1988, 249, na pesquisa de 1989,394, e na pesquisa de 1990,543.

INSTRUMENTOS

Como afirmamos, nossos objetivos eram comparar os diversos índices de avaliação do comportamento político-eleitoral dos estudantes com os índices de participação tanto nas atividades curriculares como nas atividades extracurriculares características da vida universitária. Para tanto, utilizamos um questionário que compreendeu os seguintes itens:

A - Características sócio-demográficas

- Gênero

- Idade

- Renda familiar

- Trabalho

B - Expressão da escolha eleitoral

- Voto no 1º turno

- Justificativa do voto

- Voto no 2o turno* (5)

- Justificativa do voto

C - Atividades políticas durante a campanha

- Participação direta na campanha (pedir votos, participar em carretas, comicios, etc..)

- Procura de informação na TV (assistir debates, horário eleitoral etc.)

- Conhecimento das alternativas eleitorais

D-Atitudes políticas

- Identificação partidária (filiação e simpatia partidárias)

- Partidos de identificação e partidos considerados opostos*

- Visão da estrutura social (representação política dos partidos de identificação, do partido ideal e dos partidos considerados opostos)

- Adesão a critérios de escolha eleitoral

- Auto-posicionamento no espectro político

E - Participação universitária

a) Curricular: nº de créditos integralizados, coeficiente de rendimento escolar.

b) Extra-curricular: participação em cursos de extensão, fórum de debates, atividades comunitárias, colegiado, movimento estudantil*.

F - Importância atribuída a UFPB como formadora de comportamento político.

- Agentes de socialização política (família, universidade, amizades)*

- Diversos elementos da vida universitária*

 

RESULTADOS

A PARTICIPAÇÃO CURRICULAR E O COMPORTAMENTO POLÍTICO-ELEITORAL

Para avaliar a influência da participação curricular na universidade sobre o comportamento político-eleitoral dos alunos escolhidos como índice de participação o número de créditos integralizados, que corresponde à quantidade de disciplinas cursadas e mede igualmente a antiguidade do aluno. Um outro índice utilizado, o Coeficiente de Rendimento Escolar, que avalia também o desempenho acadêmico dos alunos, mostrou não ter relação com nossas medidas do comportamento político.

Na Tabela 1, podemos observar que o número de créditos integralizados relaciona-se com o conhecimento das candidaturas: quanto maior o número de créditos integralizados, maior é este conhecimento. Esta relação, entretanto, só se evidencia na pesquisa de 1989. Quanto aos índices de identificação partidária (Tabela 2), apenas na pesquisa de 1990 encontramos alguma relação entre o número de créditos e a simpatia partidária. Assim, há uma proporção maior de alunos com simpatia partidária entre os que possuem um número maior de créditos. Não se observam relações significativas com os demais índices do comportamento político.

 

 

 

 

A PARTICIPAÇÃO EXTRA-CURRICULARE O COMPORTAMENTO POLÍTICO-ELEITORAL

Tendo observado, já na investigação de 1988, a pouca afetividade dos índices de participação nas atividades curriculares para avaliar a influência da universidade sobre o comportamento político-eleitoral dos alunos, construímos, a partir da investigação de 1989, um índice de participação em atividades extra-curriculares.

A participação extra-curricular foi avaliada por uma escala com a forma aproximada de escala Lickert, com 11 itens divididos da seguinte maneira: 3 itens avaliavam a participação em atividades de extensão, e a participação em órgãos decisórios da UFPB, e 5 a participação no movimento estudantil. A análise fatorial dos 11 itens mostrou a existência de um só fator principal altamente saturado por quase todos os itens (Tabela 3). Totalizamos os 11 itens numa só variável denominada participação extracurricular.

 

 

Como podemos observar na Tabela 4, a participação nas atividades extracurriculares influi significativamente em todos os índices que utilizamos para medir o comportamento político-eleitoral dos estudantes. Tanto na eleição de 1989, quanto na de 1990, os alunos que têm uma maior participação extra-curricular manifestam os melhores índices de procura de informação política, conhecimento das candidaturas e de participação na campanha. Quanto aos índices de identificação partidária (Tabela 5), os dados se orientam na mesma direção: os alunos com maior participação extra-curricular manifestam os maiores índices de identificação partidária, ainda que os resultados sejam significativos apenas para a simpatia partidária.

 

 

 

 

Relacionamos também a participação extra-curricular com a adesão aos diversos critérios que podem ser utilizados para justificar a escolha eleitoral, que chamamos de critérios de escolha eleitoral. Na Tabela 6 constatamos que a participação extra-curricular influencia significativamente a adesão a dois critérios: o 1º, benefícios pessoais, ao qual aderem mais os alunos com uma menor participação extra-curricular, e o 4º, qualidades do partido, ao qual, inversamente, aderem mais os alunos com uma maior participação. Não é de estranhar que as diferenças sejam encontradas nestes dois critérios, que indicam, com certeza, limites opostos do desenvolvimento político. Votar em função dos benefícios pessoais indica um opção pelo individual, enquanto que votar em função das qualidades do partido indica uma compreensão mais sócio-institucional do processo político-eleitoral:

 

 

PAPEL ATRIBUÍDO À UFPB NO DESENVOLVIMENTO DO COMPORTAMENTO POLÍTICO DOS ESTUDANTES

Nós temos constatado até aqui que a participação na universidade, particularmente a participação nas atividades extra-curriculares, está fortemente relacionada com o conjunto de índices que avaliam o desenvolvimento político do estudante. Evidentemente, a nossa metodologia não nos permite afirmar que a universidade influencia o comportamento político, por tratar-se de uma metodologia correlacionai. Podemos, entretanto, nos perguntar em que grau o estudante atribui um papel à UFPB no seu desenvolvimento político. Esta questão será abordada em duas etapas. Em primeiro lugar, analisaremos a importância atribuída à UFPB como formadora política em comparação com outras instituições. Posteriormente, observaremos em que medida os estudantes atribuem o seu desenvolvimento político a seu ingresso na UFPB.

Os estudos sobre socialização política (Easton e Hess, 1962; Lane, 1959; Middletow e Putney, 1969) atribuem à família uma importância fundamental. Outros agentes de socialização política, como os pares e a escola, entretanto, têm sido pouco estudados. Sendo assim, nos interessamos por avaliar o grau de importância que os alunos da UFPB atribuem a cada um desses agentes em relação a seu desenvolvimento político.

Como podemos observar na Tabela 7, são os estudantes com participação extra-curricular alta que atribuem maior importância em geral à família, universidade e amizade, enquanto que os estudantes com uma baixa participação extra-curricular dão a menor atribuição de importância a esse conjunto de agentes de socialização. Entre os agentes existe, para o conjunto de estudantes, uma tendência em atribuir a maior importância à família e a menor às amizades. Mas esta tendência geral vê-se significativamente invertida no caso dos estudantes com alta participação extra-curricular, os quais atribuem uma maior importância, na sua formação política, à Universidade.

 

 

Dirigindo nossa atenção mais especificamente ao papel que a UFPB desempenha no desenvolvimento político de seus estudantes, constatamos (Tabela 8) que 75% dos alunos, ou seja, 3/4 do conjunto da amostra de 1989 considera que a UFPB desempenha um papel muito importante neste processo. Mas existem diferenças significativas em função do grau de participação extracurricular. Assim, entre os alunos com baixa participação, só 2/3 reconhecem esta importância, enquanto que mais de 4/5 dos alunos com alta participação (84%) atribuem grande importância ao papel da UFPB no processo de formação política.

 

 

Finalmente, analisando o impacto que os estudantes atribuem à UFPB quanto a seu desenvolvimento político, constatamos que um pouco menos da metade de nossa amostra considera que evoluiu politicamente após o seu ingresso na UFPB. Entretanto, analisando essa atribuição em função do grau de participação extra-curricular (Tabela 9), constatamos que só 1/3 dos alunos de baixa participação extra-curricular admite ter evoluído, enquanto que praticamente 2/3 dos de alta participação afirma ter-se desenvolvido politicamente após o seu ingresso na UFPB.

 

 

Podemos dizer que em relação ao papel atribuído à UFPB no desenvolvimento do comportamento político dos alunos devem-se distinguir tanto certos aspcetos do problema, como o nível de inserção do aluno nas atividades extra-curriculares na UFPB. Nossos dados indicam que se atribui à Universidade uma importância algo menor que a atribuída à família no desenvolvimento político. Atribui-se também à UFPB uma influência concreta, seja mudando as atitudes políticas (20%), seja desenvolvendo-as (48%). Mas estas avaliações gerais variam em função do grau de participação extra-curricular. Os alunos que mais se inserem na Universidade atribuem a esta instituição uma maior importância como agente de formação. Igualmente, mais de 80% destes alunos reconhecem alguma influência concreta da UFPB no seu desenvolvimento polí-

Os dados aqui apresentados referem-se às eleições de 1989. Os dados obtidos na investigação de 1990 seguem o mesmo padrão, repetindo exatamente os mesmos achados de 1989. Optamos por não apresentá-los aqui para não alongar ainda mais esta exposição.

 

CONCLUSÕES

A partir deste conjunto de resultados, podemos concluir que a Universidade Federal da Paraíba possui, como um todo, uma relação com o comportamento político de seus estudantes. Particularmente, observamos que dentre as diversas funções que desempenha a Universidade, as atividades curriculares são as que mostram uma menor relação com o comportamento político dos alunos, ao contrário das atividades extra-curriculares, que estão fortemente relacionadas ao mesmo. Observamos também que, embora a maioria dos alunos considere que a universidade desempenha algum papel em seu desenvolvimento político, são aqueles alunos que mais participam das atividades extracurriculares da universidade os que mais concretamente reconhecem a sua importância no desenvolvimento do comportamento político.

Ao formular nossas hipóteses, afirmávamos que a Universidade, ao procurar realizar seus objetivos, desempenharia um papel de formadora do comportamento político. Mas é muito difícil avaliar este processo, principalmente pelo grande número de fatoress que intervêm nas diversas atividades que caracterizam a procura pela Universidade em atingir seus objetivos. Mais difícil ainda é, com certeza, avaliar em que medida as universidades brasileiras, e particularmente a UFPB, estariam alcançando estes objetivos.

Certas evidências (Lopes-Burity e Lara, 1986) mostram que a maioria dos alunos (67%) acredita que a Universidade brasileira não cumpre o seu papel dentro da realidade de nossa sociedade. Em nossas investigações, a grande maioria dos alunos (89%) manifestou uma visão profundamente negativa quanto ao cumprimento, pela UFPB, de sua função social. Esta visão é igualmente compartilhada pelos setores organizados do movimento docente (Andes, 1990). Entretanto, apesar de não parecer alcançar seus objetivos fundamentais, a Universidade parece influenciar, assim mesmo, o comportamento político dos estudantes, como indicam nossos dados. Cabe então a pergunta: por que e como se estabelece esta relação entre Universidade e comportamento político-eleitoral?

Para respondê-la, temos que lutar contra duas limitações. Primeiramente, como já colocamos, uma limitação metodológica, uma vez que o tema parece ser acessível exclusivamente através de uma metodologia correlacionai. Em segundo lugar, uma limitação teórica, uma vez que inexiste uma teoria que explique globalmente o comportamento político-eleitoral. Reflexões atuais (Kinder e Sears, 1985) apresentam um grande conjunto de fatores que, em relações de maior ou menor complexidade, determinariam o comportamento político-eleitoral.

Em nossas próprias reflexões(6)(7)(8)(9) tentamos resgatar o papel do processo de identificação partidária e do desenvolvimento de uma consciência política. Em torno destes dois pontos e a partir dos dados de nossas investigações, podemos apontar, como perspectiva, algumas linhas pelas quais a Universidade pode ser considerada como desempenhando um papel de formadora política.

Tendo constatado que este papel de formação política é avaliado principalmente pelo grau de participação dos alunos nas atividades extra-curriculares, resolvemos investigar quais destas atividades mais favoreceriam o desenvolvimento

político dos estudantes, através de um conjunto de análises de regressão múltipla, realizadas pelo método gradual (Jennrich, 1977). Nosso objetivo era encontrar, para diversos índices do comportamento político-eleitoral, o conjunto de atividades universitárias que melhor prediz cada um deles. Os resultados estão expressos na Tabela 10.

 

 

Constatamos nestes resultados que as variáveis universitárias que melhor predizem a procura de informação política, (explicando quase 20% de sua variabilidade) são a importância atribuída às conversações com colegas na formação política, e a participação nas atividades e campanhas eleitorais do movimento estudantil. Podemos afirmar que, em certa medida, a procura de informação política está ligada à importância atribuída aos pares, e à participação nas atividades organizadas dos estudantes. A participação na campanha eleitoral está explicada (em 60% de sua variância), pela participação no movimento estudantil e pela importância atribuída às atividades de extensão universitária na formação política.

Das 27 variáveis medidas sobre a vida universitária são duas as que conjuntamente, dão a melhor predição sobre o comportamento político: o número de créditos integralizados pelos alunos e sua participação nas atividades organizadas pelo movimento estudantil. Finalmente, no que se refere à identificação partidária, variável que consideramos fundamental no desenvolvimento político dos indivíduos, constatamos que o subconjunto de variáveis relacionadas à vida universitária que melhor prediz esta identificação é constituído pela participação em campanhas eleitorais do movimento estudantil e pelo número de créditos integralizados pelos alunos.

A partir destes dados, constatamos, em primeiro lugar, o papel importante desempenhado pela participação no movimento estudantil. Este fator, atuando como eixo central, se relacionará com um ou outro fator da vida universitária em função do tipo de índice de comportamento político avaliado. Assim, considerando a procura de informação como o primeiro passo do comportamento político, podemos supor que a importância atribuída a conversações com os pares no desenvolvimento político descreve, em certo sentido, o que pode ser efetivamente um dos fatores impulsionadores deste desenvolvimento: o contato social com os colegas, contato que se prolongaria na participação no movimento estudantil. Seguindo este raciocínio, não é de estranhar que a participação na campanha eleitoral, uma experiência extra-universitária, seja melhor explicada pela participação no movimento estudantil, junto com a importância atribuída às atividades de extensão universitária no desenvolvimento político dos alunos. Podemos considerar que os dois índices de comportamento político anteriormente analisados, se referem a aspectos mais conjunturais do comportamento político-eleitoral. As outras duas variáveis, conhecimento político e identificação partidária, referem-se a aspectos que transcendem o conjuntural. Por isso, não é de se estranhar que os melhores preditores destas duas variáveis sejam a participação no movimento estudantil e o número de créditos integralizados pelos alunos.

Isto sugere que a passagem pela Universidade influencia o comportamento político na medida em que esta passagem se vincula a uma interrelação do estudante com os colegas, particularmente com os setores organizados do movimento estudantil. Podemos concluir que a Universidade coopera com o desenvolvimento político de seus alunos, não através de suas atividades acadêmicas e curriculares, mas sim através do espaço institucional criado para a participação espontânea em atividades extra-curriculares, como as especialmente organizadas pelo movimento estudantil.

É evidente que esta análise psicossocial pressupõe a existência de um movimento estudantil com fortes vínculos partidários. Não cabe neste trabalho explicar a origem, na América Latina, de um movimento com tais características. Entretanto, consideramos útil apresentar algumas ideias sobre a constituição social do movimento estudantil, a fim de poder entender melhor, da nossa perspectiva psicossocial, o seu papel em relação ao desenvolvimento político dos alunos.

Segundo Guilhon-Albuquerque (1977b), os movimentos estudantis europeus e latino-americanos, possuiriam uma identidade de natureza intrínseca e formas diversas de expressão em diferentes momentos. Os movimentos estudantis seriam a expressão da proletarização crescente das classes herdadas da sociedade pré-industrial. As formas diversas de expressão, de outra parte, fariam com que os movimentos estudantis na Europa e Estados Unidos, resultassem na contestação (como maio de 68 em Paris, e a revolta de Berkeley), e na América Latina resultassem na ação política.

Sanfelice (1986) descreve os caminhos pelos quais o movimento estudantil no Brasil, particularmente a UNE, ocupou um papel importante na resistência ao movimento militar de 64. Sem poder determo-nos neste processo, devemos recordar que "a UNE não foi, ela mesma, geradora de suas ideologias. Foi, isto sim, portadora de ideologias que resultaram de um todo social muito mais complexo e que eram absorvidas pelos estudantes, dentro dos limites de seus próprios condicionamentos histórico-sociais". (pag. 56). De fato, no movimento estudantil continuam reproduzindo-se, até hoje, as ideologias de partidos e tendências principalmente de esquerda. É desta forma que o movimento estudantil serve de espaço de aprendizagem partidária para aqueles que, através dos contatos sociais com seus pares ou através das atividades espontaneamente frequentadas, entram em contato com os líderes dos movimentos estudantis, os quais possuem, em sua grande maioria, identificações partidárias explícitas.

Na tabela 11, encontramos dados sobre o início da identificação partidária dos estudantes na UFPB. Estes dados mostram que grande parte dos alunos (73%) que não são ou não têm sido membros da direção do movimento estudantil, iniciaram uma identificação partidária após seu ingresso na Universidade, enquanto que a metade dos membros de direção possuíam simpatia partidária antes de ingressar na Universidade.

 

 

É evidente que o papel importante que atribuímos ao movimento estudantil, principalmente na constituição da identificação partidária, não nega o fato de que outras atividades na universidade, contribuem igualmente para o desenvolvimento político dos alunos. Estudos mais detalhados poderiam especificar melhor a importância das diversas atividades universitárias. A relação entre a participação espontânea nas atividades extra-curriculares e o conteúdo ideológico do movimento estudantil precisa também ser mais estudada.

Restam ainda três aspectos que precisam ser desenvolvidos e aprofundados. Primeiro, em que medida a participação no movimento estudantil, com as consequências como vimos, na formação da identificação partidária, poderia ser caracterizada como o desdobramento natural das relações sociais cotidianas que se estabelecem em torno das atividades extra-curriculares? Em segundo lugar, existe hoje um refluxo do movimento estudantil. Constatando, a partir de uma perspectiva mais geral, uma crise das ideologias de esquerda, qual poderia ser o "apelo", na terminologia de Toch (1966), do movimento estudantil?

Finalmente, assuinindo que o meio estudantil não constitui uma base para o movimento social propriamente dito, e que as identidades sociais construídas nesse período não necessariamente terão continuidade, em que medida a identificação partidária constituída nesta situação poderia ser permanente? Trata-se de reações atitudinais próprias de uma fase, ou se assiste à constituição de atitudes políticas mais definidas?

Podemos, então, concluir dizendo que a explicação teórica sobre os fatores da Universidade que favorecem o desenvolvimento político dos estudantes, além de exigir maior confirmação através de novas pesquisas, nos abre igualmente perspectivas de novos estudos, particularmente sobre a relação entre o cotidiano e a esfera política e sobre a permanência das trocas nas atividades políticas ocorridas na Universidade.

 

Referências Bibliográficas

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(1) Curso de Psicologia. Endereço para correspondência: Rua Caetano de Figueiredo , 1255 Cristo Redentor 58070-520 João Pessoa - PB.
(2) Doutoranda em Psicologia Social na Universidade de Kent, U.K.
(3) Psicologa
(4) Curso de Mestrado de PSicologia
(5) Os itens com * foram acresenyados apartir da pesquisa de 1989.
(6) Camino, L (1991) Why do people vote? Political stereotyping or ideological choice? New perspectives over an old controversy. Conferencia apresentada no XXIII CONGRESSO INTERAMERICANO DE PSICOLOGIA, San Jose, Costa Rica, 7 a 12 de julho.
(7) Camino L.; Torres, A.R.; Costa, J. (1990) O Comportamento Eleitoral: Crenças e Estereótipos. Trabalho apresentado no I SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE O COMPORTAMENTO POLÍTICO, Florianópolis, SC, 12 a 14 de março.
(8) Camino, L.; Burity, M.H.; Costa, J.; Torres, A.R. (1991) El Papel de la Universidad sobre la Conducta electoral de sus Alumnos: Um análisis Psicosocial de los Estudiantes de la UFPB durante las eleciones presidenciales de 1989. Trabalho apresentado no XXIII CONGRESSO INTERAMERICANO DE PSICOLOGIA. S. Jose, Costa Rica, julho de 1991.
(9) Camino, L.; Costa, J.; Torres, A.R. (1992) Participation in Civil Society's Organizations and Electoral Behavior. Comunicação apresentada no XXV INTERNATIONAL CONGRESS OF PSYCHOLOGY. Bruxelas, 19 a 24 de julho.