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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. v.2 n.3 Ribeirão Preto dez. 1994
Teorias de ensino: a contribuição de David Ausubel
Antonio Carlos Caruso Ronca1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Um dos aspectos mais importantes da vasta obra de David Ausubel foi a sua preocupação em construir uma teoria de ensino que pudesse ajudar os professores no seu desempenho em sala de aula.
Esta contribuição de Ausubel torna-se mais significativa no contexto atual da educação brasileira, em que se exige uma eficiência cada vez maior por parte das escolas, principalmente para enfrentar o grave problema da repetência nas primeiras séries do primeiro grau.
Na ausência de teorias de ensino, os professores são levados a valerem-se das normas disponíveis no folclore educacional ou basearem-se no exemplo de seus próprios professores ou, ainda, tentar descobrir técnicas de ensino através de tentativas de ensaio e erro.
Uma teoria de ensino tem por base a construção de princípios que possam ser adaptados tanto a diferentes sujeitos como a diferentes situações.
O pensamento de David Ausubel foi introduzido no Brasil no início da década de 70 pelo Prof. Joel Martins, quando começou a ministrar cursos de Pós-Graduação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, baseados nas idéias desse pesquisador norte americano.
Em 1975, Ausubel esteve no Brasil na, PUC-SP, e coordenou um Seminário Avançado que reuniu 25 pesquisadores de todo o Brasil.
A partir daí são inúmeros os trabalhos de investigação que procuram estudar os mais diferentes aspectos da teoria ausubeliana. Não seria possível fazer referência a todos os trabalhos pois eles já são em número bastante elevado. Aqui serão contemplados alguns que, de alguma maneira, lidaram com o mesmo problema que nos interessa nesse momento.
Moreira e Masini (1982) apresentam não só considerações sobre a localização do cognitivismo de Ausubel no conjunto da Psicologia, como também exemplos de utilização da teoria no ensino de Física, Biologia, Língua Estrangeira e Lingua Portuguesa.
Moreira (1980) e Moreira e Buckweitz (1982) oferecem ao leitor uma série de estudos sobre os princípios propostos por Ausubel relativos à programação do conteúdo e também sobre a utilização de mapas conceituais como recursos instrucionais.
"Mapas conceituais são diagramas hierarquizados que procuram refletir a organização conceituai de uma disciplina ou parte de uma disciplina". (Moreira e Buckweitz, 1982, p, 45).
Tomando como base o princípio da inclusividade e também os princípios da diferenciação progressiva e reconciliação integrativa, Moreira e Buckweitz (1982) propõem inúmeros exemplos de mapas conceituais e, com muito cuidado, analisam as possíveis vantagens da sua utilização dos mesmos.
Howe (1972) faz uma análise dos tipos de aprendizagem significativa e tece considerações, a partir das pesquisas realizadas pelo próprio Ausubel, sobre as vantagens de aprendizagem significativa. O capítulo 4 desta obra é particularmente importante, pois nele o autor deixa muito claro o entendimento de Ausubel sobre a aprendizagem mecânica e aprendizagem significativa.
O ponto de partida da teoria de ensino proposta por Ausubel é o conjunto de conhecimentos que o aluno traz consigo. A este conjunto de conhecimentos, Ausubel dá o nome de estrutura cognitiva e, segundo ele, é a variável mais importante que o professor deve levar em consideração no ato de ensinar. O professor deve estar atento tanto para o conteúdo como para as formas de organização desse conteúdo na estrutura cognitiva. O conteúdo que é assimilado pela estrutura cognitiva assume uma forma hierárquica, onde conceitos mais amplos se superpõem a conceitos com menor poder de extensão.
Novos significados são adquiridos quando símbolos, conceitos e proposições são relacionados e incorporados à estrutura cognitiva de uma forma não arbitrária e substantiva. Desde que a estrutura cognitiva tende a ser hierarquicamente organizada com respeito ao nível de abstração, generalidade e inclusividade, aparecimento de novos significados reflete a "subsunção" de um material potencialmente significativo por um conteúdo mais inclusivo. Por outro lado, pode existir também uma situação na qual o novo material que é apreendido é uma extensão, elaboração ou qualificação de conceitos previamente aprendidos (Ausubel, 1965).
Nesta perspectiva, a aprendizagem significativa é um processo cognitivo no qual o coneito de mediação está plenamente presente, pois para que haja aprendizagem significativa é necessário que se estabeleça uma relação entre o conteúdo que vai ser aprendido e aquilo que o aluno já sabe, seja uma imagem, um conceito ou uma proposição.
Se um novo conteúdo interagir com um conceito mais amplo, os efeitos iniciais da inclusividade se darão tanto na facilitação da aprendizagem como na própria retenção.
A estabilidade na memoria de um material significativo é ampliada pela ancoragem na estrutura cognitiva. O estabelecimento de uma rede de conceitos interligados e com níveis de inclusividade diferenciados aumenta a resistencia ao esquecimento.
Além disso, o domínio dos conceitos mais amplos de uma determinada disciplina, a longo prazo, influencia sobremodo a perfomance do aluno naquela área de conhecimento (Ausubel, 1965).
O modelo proposto por Ausubel exige a incorporação de novos conceitos e informações em uma estrutura cognitiva que se organiza de uma forma particular. O paradigma da transferência aplica-se aqui e transferência refere-se ao impacto da experiência prévia sobre a aprendizagem atual. Mas, experiência prévia neste caso é entendida como aquela cumulativamente adquirida, hierarquicamente organizada em um corpo de conhecimento estável que é organicamente relacionável à nova tarefa de aprendizagem.
Dois fatores colaboram decisivamente para a aquisição de uma adequada estrutura cognitiva:
a) o uso, em uma dada disciplina, daqueles conceitos e princípios que tenham o maior poder de extensão;
b) o emprego de métodos que apresentem e ordenem a sequência do conteúdo de forma a aumentar a clareza e estabilidade da estrutura cognitiva.
É interessante observar que também para Vygotsky (1987), um conceito somente pode tornar-se consciente e submeter-se ao controle deliberado quando começa a fazer parte de um sistema.
"Se consciência significa generalização, a generalização, por sua vez, significa a formação de um conceito swpra-ordenado que inclui o conceito dado como caso específico. Um conceito supra-ordenado implica a existên cia de uma série de conceitos subordinados, e pressupõe também uma hierarquia de conceitos de diferentes níveis de generalidade. Assim, o conceito dado ê inserido em um sistema de relações de generalidade"(p. 80)
Ausubel, em toda a sua obra, constantemente, assinala o papel dos conceitos super-ordenados e subordinados na aprendizagem significativa.
Um exemplo dado por Vygotsky (1987) para ilustrar a função de diferentes graus de generalidade no aparecimento de um sistema pode ajudar a entender a função dos conceitos super-ordenados:
"Uma criança aprende a palavra flor, e logo depois a palavra rosa; durante muito tempo o conceito flor, embora de aplicação mais ampla do que rosa, não pode ser considerado o mais geral para a criança. Não inclui e não subordina a si a palavra rosa- os dois são intercambiáveis e justapostos. Quando florse generaliza, a relação entre flore rosa, assim como entre flore outros conceitos subordinados, também se modifica na mente da criança. Um sistema está se configurando". (p. 80)
O que até aqui foi exposto permite que se tirem algumas conclusões que possibilitem iluminar melhor o ato de ensinar e que se apontem também caminhos a seguir em futuras pesquisas.
Para Ausubel, a estrutura cognitiva existente - tanto o conhecimento de um indivíduo, como as suas propriedades organizacionais, num assunto específico, num determinado momento é o principal fator que influencia a aprendizagem significativa.
O desafio imediato que se coloca para o professor é como conhecer a estrutura cognitiva de seus alunos e como contribuir para que ela possa se tornar mais clara, estável e organizada adequadamente.
O princípio da reconciliação integrativa (Ausubel, 1968), segundo o qual o professor deve explicitar as semelhanças e diferenças entre idéias, quando estas são encontradas em vários contextos, e também a utilização dos mapas conceituais propostos por Moreira e Buckweitz (1982) podem ajudar o professor nessa tarefa.
Outra tarefa prioritária da escola ê identificar em cada disciplina e no conjunto delas, os conceitos mais abrangentes que tenham o maior poder de inclusividade.
Esta abordagem que prioriza os conceitos que tenham maior poder de extensão pode ser um referencial para seleção dos conteúdos escolares e também pode permitir que a avaliação tenha por parâmetro identificar se realmente o aluno aprende o que é essencial e não se ele decorou pormenores ou detalhes.
Os conceitos mais amplos em determinados momentos transcedem as disciplinas específicas e podem estar presentes em várias áreas do conhecimento. Isso permitirá, de uma forma integrada, o tratamento de questões contemporâneas que comumente não constam dos currículos escolares.
A preocupação do professor em contribuir para que haja uma interação entre o conteúdo a ser aprendido e aquilo que o aluno já sabe, especificamente com algum aspecto essencial de sua estrutura cognitiva como, por exemplo, uma imagem ou um conceito, pode ajudar o aluno a desenvolver a habilidade de estabelecer relações e, dessa forma, a perspectiva de totalidade poderá ser mais facilmente atingida.
A identificação de imagens pré-existentes na estrutura cognitiva em geral não é bancada pelos professores e pode ser um ótimo recurso para facilitar a aprendizagem.
A busca de conceitos mais amplos pode também ser importantes para a superação da concepção de "unidades de ensino" que, em geral, são entendidas por professores e alunos como algo fechado, que dificulta a visão de totalidade de uma determinada disciplina e, também, a transposição de um campo de estudos para outro.
Nesta perspectiva, o planejamento educacional - tão abominado pelos professores - passa a ter um outro significado, na medida em que a implantação de programas curriculares que privilegiem os conceitos fundamentais facilita uma abordagem em espiral na qual conhecimentos inter-relacionados podem ser, em diferentes séries e em diferentes disciplinas, tratados por diversos professores. Dessa forma, resgata-se algo fundamental na escola: a construção do conhecimento passa a ser uma tarefa coletiva.
Finalmente, deve-se salientar que a identificação da estrutura cognitiva dos alunos e identificação dos conceitos amplos de cada disciplina não podem estar dissociados do conhecimento da realidade na qual escola e aluno estão inseridos.
É a partir do conhecimento dessa realidade que os conhecimentos historicamente acumulados serão transformados em conteúdos escolares e permitirão uma compreensão da realidade cada vez mais abrangente.
Dessa forma, uma teoria de ensino terá como tripé: a realidade local, a estrutura cognitiva de cada aluno e a identificação dos conceitos amplos e fundamentais das diversas áreas do conhecimento.
Referências Bibliográficas
Ausubel, D. (1965) A cognitive structure view of word and concept meaning. In R.C. Anderson e D. Ausubel. Readings in the Psychology of Cognition. New York: Holt, Rinehart and Winston. [ Links ]
Ausubel, D.P. (1968) Educational Psychology: Cognitive View. New York: Holt, Rinehart and Winston, Inc. [ Links ]
Howe, M. J. A. (1972) Understanding School Learning. New York: Harper e Row, Publishers. [ Links ]
Moreira, M. A. (1980) Mapas conceituais como instrumentos para promover a diferenciação conceitual progressiva e a reconciliação integrativa. Ciência e Cultura, 32(4), 474 - 479. [ Links ]
Moreira, M. A. e Buckweitz, B. (1982) Mapas Conceituais. São Paulo: Editora Moraes. [ Links ]
Moreira, M. A. e Masini, E.S. (1982) Aprendizagem Significativa: a Teoria de David Ausubel. São Paulo: Edit. Moraes. [ Links ]
Vygotsky, L. S. (1987) Pensamento e Linguagem. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. [ Links ]
(1) Programa de Pós-graduação em Psicologia da Educação