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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.11 no.1 Ribeirão Preto jun. 2003

 

 

Treinamento de habilidades sociais em estudantes de psicologia: um estudo pré-experimentalI

 

Social skills training in Psychology students: a pre and post test study

 

 

Pethymã P. Magalhães; Sheila G. Murta

Universidade Católica de Goiás

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O ensino formal de habilidades sociais (HS) tem sido negligenciado na formação de psicólogos, apesar de relevante. Este estudo avaliou os efeitos de um treinamento em HS sobre o repertório socialmente habilidoso de 13 estudantes de Psicologia. Foram realizadas 10 sessões grupais e utilizadas vivências, ensaio comportamental, reestruturação cognitiva e relaxamento. Os participantes responderam ao Inventário de Habilidades Sociais, antes e após a intervenção. Os dados foram analisados quantitativamente e o repertório de HS dos participantes classificado clinicamente. Doze participantes apresentaram melhoria no escore total de HS e 7 progrediram quanto à classificação clínica do repertório de HS. O grupo, em média, melhorou em todos os escores fatoriais de HS e o repertório de HS grupal progrediu na classificação clínica em todos os fatores. Os resultados indicam que os participantes desenvolveram HS, mas a ausência de controles impede a atribuição de causalidade ao programa, o que poderá ser investigado futuramente.

Palavras-chave: Relações interpessoais, Treinamento em habilidades sociais, Formação de psicólogos.


ABSTRACT

The formal teaching of social skills (SS) has been neglected in the education of psychologists, although relevant. This study evaluated the effects of a social skills training on the social skills repertoire of 13 students of psychology. Ten group sessions were conducted and group dynamics, role playing, cognitive restructuring, and relaxation were used as techniques. The participants answered the Social Skills Inventory (SS), before and after the intervention. The data were analyzed quantitatively and the social skills repertoires of participants were classified clinically. Twelve participants presented improvement in the total score of SS and 7 progressed in the clinical classification of their social skills repertoires. The group, on average, improved in the factorial scores of SS and the group repertoire of SS progressed in the clinical classification in every factors. Results showed that the participants developed social skills, but the absence of a control group hampers the attribution of causality to the program, which could be verified in future.

Keywords: Interpersonal relations, Social skills training, Psychologists training.


 

 

Em qualquer relação interpessoal são requeridas habilidades para que a convivência seja satisfatória aos envolvidos na interação. Tais habilidades são chamadas de habilidades sociais (HS), definidas como classes de comportamentos presentes no repertório de um indivíduo que constituem um desempenho socialmente competente. Qualquer desempenho que ocorre em uma situação interpessoal é considerado um desempenho social, podendo ser caracterizado como socialmente competente ou não. A competência social é um atributo avaliativo do desempenho social, que depende de sua funcionalidade e da coerência com os pensamentos e sentimentos do indivíduo (Del Prette, Z. A. P. e Del Prette, A. 2001a). O comportamento socialmente competente ou habilidoso é um conjunto de comportamentos emitidos por um indivíduo em um contexto interpessoal que expressa seus sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos, de um modo adequado à situação, respeitando esses comportamentos nos demais, e que geralmente soluciona os problemas imediatos da situação e diminui a probabilidade de futuros problemas (Caballo, 1996/2002). As HS reúnem componentes comportamentais (verbais de forma, verbais de conteúdo e não verbais), cognitivo-afetivos mediadores (habilidades e sentimentos envolvidos na decodificação das demandas interpessoais da situação, na decisão sobre o desempenho requerido nessa situação e na elaboração e automonitoria desse desempenho) e fisiológicos (processos sensoriais e de regulação ou controle autonômico) (Del Prette, Z. A. P. e Del Prette, A. 2001b).

As HS podem ser desenvolvidas naturalmente, durante todo o ciclo vital e em diversos contextos. Na infância, as práticas educativas parentais, como estratégias de controle, modos de comunicação, qualidade e quantidade de exigências de amadurecimento e demonstração de afeto na relação com os filhos, influenciam o desenvolvimento das HS (Murta, 2002). Com a passagem para a escola, a criança consolida as habilidades já aprendidas e necessita aprender outras, principalmente, para interagir com os iguais. A interação competente com outras crianças resulta em aceitação dos outros, popularidade e aquisição de amigos (Trianes, 2002). Na adolescência, as pessoas significativas esperam que o jovem apresente comportamentos sociais mais elaborados, visualize o futuro e busque pessoas do sexo oposto. Na vida adulta, habilidades profissionais e sexuais são requeridas em prol da independência e do intercâmbio cultural. Na velhice, com a diminuição da percepção e da responsividade, é importante desenvolver habilidades para lidar com preconceitos, manifestados através de evitação, agressividade e superproteção (Del Prette, Z. A. P. e Del Prette, A., 2001b).

Embora existam inúmeros contextos favorecedores da aprendizagem de HS ao longo da vida, déficits podem decorrer de longos períodos de isolamento e desuso, perturbações cognitivas e afetivas (Bellack e Morrison, 1982) e práticas educativas parentais, excessivamente, coercitivas (Papalia e Olds, 2000). As dificuldades em HS, normalmente, envolvem conflitos interpessoais; má qualidade de vida; problemas psicológicos, como timidez, desajustamento escolar, depressão, pânico e esquizofrenia (Argyle, 1967/1994; Morrison e Bellack, 1987; Wallace e Liberman, 1985); e respostas fisiológicas, como cefaléia e gastrite (Del Prette, A. e Del Prette, Z. A. P., 2001).

Dado o impacto negativo dos déficits em HS sobre a saúde e a qualidade de vida das pessoas, intervenções têm sido desenvolvidas nesta área com a denominação geral de Treinamento de Habilidades Sociais (THS). O THS consiste no ensino direto e sistemático de habilidades interpessoais com o propósito de aperfeiçoar a competência individual e interpessoal em situações sociais (Curran, citado por Caballo, 1996/2002), sendo realizado sob diversos enfoques teóricos: o humanista, o comportamental, o cognitivo-comportamental e o sistêmico (Arón e Milicic, 1994). Tal treinamento pode ser voltado tanto para prevenção primária, por exemplo com crianças em escolas para prevenir a ocorrência de déficits em HS ao longo das etapas seguintes de desenvolvimento (Del Prette, Z. A. P. e Del Prette, A., 1998), quanto para prevenção secundária, como junto a adultos com esquiva de situações sociais e déficits já instalados.

Os primeiros programas de THS foram propostos em formato individual, mas a literatura recente (Almeida, 2003) tem chamado a atenção para as seguintes vantagens de intervenções em grupo: (a) uma situação social já estabelecida, (b) tipos de pessoas diferentes para representar papéis e dar feedbacks, (c) uma série de modelos para modelação, e (d) modelos com características em comum com o observador, o que facilita a aprendizagem observacional (Caballo, 1996/2002). Um modelo de THS em grupo foi proposto por Caballo (1996/2002), com sessões semanais de 2 horas de duração, ao longo de 8 a 12 semanas, com 8 a 12 participantes e focado em direitos interpessoais; estilos de comunicação assertivo, não assertivo e agressivo; reestruturação cognitiva de crenças irracionais; e ensaio comportamental.

O planejamento da avaliação de programas de THS é tão relevante quanto o planejamento de sua implementação. Avaliações de programas podem ser realizadas em quatro fases: (a) antes do tratamento (avaliação de necessidades), (b) durante o tratamento (avaliação de processo), (c) depois do tratamento (avaliação de resultados) e (d) no período de acompanhamento (avaliação de follow-up). Inicialmente, realiza-se uma ampla análise comportamental para identificar os déficits em HS do participante. Durante o tratamento, verifica-se a forma com que os comportamentos do indivíduo se modificam e o modo como o paciente avalia seu próprio progresso. Estas avaliações permitem averiguar se a intervenção escolhida foi correta ou se é necessário mudar o tipo de intervenção que está sendo realizada. A avaliação depois do tratamento possibilita uma idéia da melhora do participante e a avaliação no período de acompanhamento serve para explorar o grau em que o paciente manteve as mudanças e se progrediu mais com o passar do tempo (Caballo, 2003).

A avaliação de um programa que ocorre antes e após a intervenção é definida como um delineamento A-B (pré e pós-intervenção). Neste estudo foi empregado um delineamento A-B sem grupo controle, o que o configura como um estudo pré-experimental. A experimentação é caracterizada por distribuição aleatória dos participantes, grupo controle e homogeneidade na aplicação do programa (Lipsey e Cordray, 2000). A área de avaliação de programas tem considerado os delineamentos experimentais superiores aos demais (Lipsey e Cordray, 2000) por propiciarem as condições ideais para se controlar explicações alternativas para os efeitos da intervenção (Campbell e Stanely, 1979). Estas condições nem sempre são possíveis na prática, pois existem dificuldades no emprego de seleção aleatória dos participantes e na implementação de um grupo controle.

Tais dificuldades advêm de razões éticas (Cone, 2002; Posavac e Carey, 2003), pois já que todos os participantes precisam da intervenção não parece ético sortear parte deles para receber o tratamento e destinar aos demais tratamento nulo ou irrelevante. Além disso, na adoção de um delineamento que inclua a comparação entre grupo experimental e controle ou entre um tipo de intervenção e outro podem ocorrer difusão de informações entre os grupos, ou reações dos participantes para compensar o fato de não terem recebido o mesmo tratamento que o outro grupo, ou ainda reações de apatia e desistência de participar por se julgarem menos beneficiados que os participantes do grupo experimental ou do outro tipo de intervenção (Cook e Shadish, 1994).

Para avaliar os programas de THS é recomendado o uso conjunto de instrumentos de avaliação das HS dos participantes para que se obtenha indicadores comportamentais, cognitivo-afetivos e fisiológicos (Caballo, 2003). As metodologias, usualmente, empregadas na avaliação das HS incluem: (a) os auto-relatos, através de questionários, inventários ou escalas; (b) a entrevista; (c) o auto-registro; (d) a observação do comportamento em situação natural e artificial, semelhante à vida real; (e) as avaliações por outros significantes, e (f) os registros psicofisiológicos (Del Prette, Z. A. P. e Del Prette, A., 2001b). Neste trabalho optou-se por utilizar um instrumento de auto-relato, o Inventário de Habilidades Sociais de Z. A. P. Del Prette e A. Del Prette (2001a). O uso de questionários, inventários ou escalas na avaliação das HS pode contribuir tanto na pesquisa, quanto na prática clínica. Na pesquisa, são administrados com facilidade e economia de tempo e energia, o que os torna indicados para avaliar uma grande quantidade de sujeitos, além de permitir uma aplicação padronizada que reduz os vieses relacionados à influência do avaliador. Além disso, podem ser elaborados para considerar componentes comportamentais, cognitivo-afetivos e fisiológicos. Na prática clínica, são viáveis por obterem uma rápida visão dos problemas do paciente, sobre os quais se pode questionar posteriormente. Servem, também, como uma simples medida pré e pós-tratamento e como meio de alcançar uma descrição objetiva da subjetividade do respondente (Caballo, 2003).

A avaliação das HS tem, ultimamente, interessado terapeutas, professores, empresários e o público em geral. As pesquisas no campo de THS mostram a importância da avaliação do desempenho social. Os resultados dessas pesquisas indicam que as pessoas socialmente hábeis apresentam relações pessoais e profissionais mais produtivas satisfatórias e duradouras, além de melhor saúde física e psicológica. No âmbito do ensino superior e da formação profissional, a preocupação com as HS é relevante não apenas pela qualidade de vida e saúde, mas também porque os universitários representam um segmento da população cuja competência social tem sido cada vem mais requisitada. Os atuais processos de trabalho são alicerçados na natureza e qualidade das relações interpessoais e exigem, além das competências técnicas, a competência social nas interações profissionais (Del Prette, Z. A. P. e Del Prette, A., 2001a).

Estudos foram realizados junto a universitários (Bryant e Trower, 1974, citados por Del Prette, Z. A. P. e Del Prette, A., 2001b) e categorias profissionais específicas, especialmente nas áreas em que a efetividade da atuação profissional depende da qualidade da interação com o cliente (Del Prette, A., Del Prette, Z. A. P. e Barreto, 1999). Pesquisas latino-americanas realizadas com universitários verificaram um índice de 37,3% de estudantes chilenos com dificuldades interpessoais (Abarca e Hidalgo, 1989). Outro estudo identificou diferenças no grau de competência interpessoal de universitários colombianos relacionadas à área de formação acadêmica, além de correlações moderadas entre o nível de competência interpessoal e os índices de realização acadêmica (Zea, Tyler e Franco, 1991). No Brasil, pesquisas feitas junto a estudantes de Psicologia constataram déficits nas habilidades de recusar pedidos, discordar, contra-argumentar e defender as próprias idéias, verificando suas possíveis conseqüências na atuação profissional (Del Prette, Z. A. P. e Del Prette, A., 1983).

Investigações sobre as possíveis diferenças no repertório de HS de estudantes de início e de término de curso mostraram indicadores semelhantes de competência interpessoal, sem diferenças significativas entre novatos e veteranos. Estes dados sugerem que essas habilidades podem estar sendo desconsideradas como requisitos da formação profissional de psicólogos ao longo do percurso acadêmico (Del Prette, A., Del Prette Z. A. P. e Castelo Branco, 1992; Del Prette, Z. A. P., Del Prette, A. e Correia, 1992).

Um desempenho profissional competente em Psicologia requer o domínio de diversas classes de habilidades, tais como: a) habilidades técnicas de coleta e síntese de informações e de domínio de métodos de pesquisa e de habilidades estatísticas; b) habilidades analíticas de raciocínio e pensamento crítico, questionamento, avaliação e julgamento (McGoven, Furumoto, Halpen, Kimble e McKeachi, 1991); e c) habilidades interpessoais de trabalho, como habilidades de coordenar grupos, falar em público, resolver problemas, tomar decisões, mediar conflitos e promover o desenvolvimento e a aprendizagem do outro (Del Prette, A e Del Prette Z. A. P., 2001).

Ainda que os psicólogos utilizem muito das relações interpessoais em seu trabalho, sendo exigidos a desenvolver HS, sob pena de insucesso na profissão, o ensino formal dessas habilidades parece estar sendo negligenciado em cursos de graduação na área. O presente artigo descreve uma pesquisa-intervenção focada em prevenção primária junto a acadêmicos de Psicologia. Trata-se de um programa de THS em grupo baseado no enfoque cognitivo-comportamental que buscou identificar possíveis efeitos da intervenção sobre o repertório de HS dos participantes, comparando-se medidas de auto-relato, pré e pós-intervenção.

 

Método

Participantes

Participaram 13 estudantes de Psicologia de uma universidade privada, cursando entre o quarto e o último período de graduação. Os estudantes apresentaram níveis sócio-econômicos variando entre médio até alto; eram nove brancos e quatro negros; com idade média de 28 anos; sendo dez mulheres e três homens. Destes, quatro tinham filhos. Quanto ao estado civil, eram sete solteiros, quatro casados e dois divorciados. Os estudantes que tiveram índice de assiduidade igual ou superior a 50% foram considerados participantes da intervenção.

Materiais

Foi utilizado o Inventário de Habilidades Sociais (Del Prette, Z. A. P. e Del Prette, A., 2001a) para avaliar o repertório de HS dos participantes, que consiste em 38 itens. Cada item apresenta uma reação diante de uma situação interpessoal cotidiana. O respondente avalia com que freqüência, em uma escala de 5 pontos, que varia de nunca ou raramente a sempre ou quase sempre, se comporta como descrito no item. Tal inventário apura o escore total e cinco escores fatoriais de HS. Cada fator abaixo avalia um conjunto de HS:

- Fator 1. Enfrentamento e Auto-afirmação com Risco avalia as habilidades de apresentar-se a outra pessoa, abordar para relação sexual, discordar de autoridade, discordar do grupo, cobrar dívida de amigo, declarar sentimento amoroso, lidar com críticas injustas, falar a público conhecido, devolver mercadoria defeituosa, manter conversa com desconhecidos e fazer pergunta a conhecidos.

- Fator 2. Auto-afirmação na Expressão de Sentimento Positivo avalia as habilidades de elogiar familiares e outras pessoas, expressar sentimento positivo, agradecer elogios, defender outra pessoa em grupo e participar de conversação.

- Fator 3. Conversação e Desenvoltura Social avalia as habilidades de manter e encerrar conversações em contato face a face, encerrar conversa ao telefone, abordar autoridade, reagir a elogio, pedir favores a colegas e recusar pedidos abusivos.

- Fator 4. Auto-exposição a Desconhecidos e Situações Novas avalia as habilidades de fazer apresentações ou palestras em público e pedir favores ou fazer pergunta a desconhecidos.

- Fator 5. Autocontrole da Agressividade avalia as habilidades de lidar com crítica dos pais, lidar com chacotas ou brincadeiras ofensivas e cumprimentar desconhecidos por impulsividade.

O instrumento, também, possibilita a classificação clínica do repertório de HS do respondente em bastante elaborado, bom acima da média, médio, bom abaixo da média e deficitário. Foram utilizados os seguintes recursos materiais de uso diário: esquemas teóricos sobre práticas educativas parentais (Moreno e Cubero, 1995), processo de mudança (Prochaska e DiClemente, 1986), estilos de comunicação (Del Prette, Z. A. P.e Del Prette, A., 2001b), falar em público (Mendes, 2003a, 2003b), crenças irracionais (Caudill, citado por Murta, 2003), comunicação empática (Del Prette, A. e Del Prette Z. A. P., 2001) e manejo da raiva (Mckay, M., Rogers e Mckay, J., 2001); formulários escritos para exercícios de automonitoramento (Davis, Eshelman e Mckay, 1996; Greenberger, 1998; Murta, 2003); filme Acorda Raimundo... Acorda! (Alves, 1990); gravuras; CD para relaxamento (Bignotto, 1997); folhas de papel; fita adesiva; lápis de cor; canetas; e pincéis. A intervenção foi realizada em uma sala mobiliada com cadeiras e equipada com gravador, televisão e videocassete. A sala era localizada dentro do Laboratório de Análise Experimental do Comportamento da universidade e propiciava privacidade.

Procedimento

Os estudantes de Psicologia foram convidados a participar da intervenção através de cartazes. Foram colocados cartazes em todas as áreas da universidade. As inscrições foram realizadas pela secretaria do Centro de Estudo Pesquisa e Prática Psicológica da universidade e disponibilizadas quatro opções de horários para que os estudantes escolhessem o seu horário e dia, conforme critérios pessoais. Foram agrupados todos os estudantes que escolheram o mesmo dia e horário, formando-se assim os 4 subgrupos de intervenção. Destes, três subgrupos foram compostos com três participantes e um subgrupo com quatro participantes.

A intervenção foi conduzida ao longo de 10 sessões, com periodicidade semanal e 90 minutos de duração. O programa incluiu temas, como lidar com as emoções, práticas parentais, processo de mudança, auto-estima, defesa de direitos interpessoais, estilos de comunicação, falar em público, comunicação empática, elogio específico, lidar com críticas e manejo da raiva. As técnicas utilizadas foram: vivências de grupo (Del Prette, A. e Del Prette Z. A. P., 2001; Gonçalves e Perpétuo, 2002; Murta, 2003), exposição dialogada (Caudill, citado por Murta, 2003; Del Prette, A. e Del Prette, Z. A. P., 2001; Del Prette, Z. A. P. e Del Prette, A., 2001b; Mckay et al., 2001; Mendes, 2003a, 2003b; Moreno e Cubero, 1995; Prochaska e DiClemente, 1986), automonitoramento (Davis et al., 1996; Greenberger, 1998; Murta, 2003), ensaio comportamental (Caballo, 1996/2002; Mendes, 2003a, 2003b; Murta, 2003), reestruturação cognitiva (Alcino, 2000), apresentação e discussão de filme (Alves, 1990), relaxamento (Bignotto, 1997; Jacobson, citado por Davis et al., 1996; Murta, 2003) e respiração (Davis et al., 1996). A condução das sessões ficava a cargo de uma estagiária de Psicologia.

O repertório de HS dos participantes foi avaliado através do Inventário de Habilidades Sociais (Del Prette, Z. A. P. e Del Prette, A., 2001a), ao final da primeira (avaliação inicial) e da oitava (avaliação final) sessão. Solicitava-se aos participantes que avaliassem com que freqüência, em uma escala de nunca ou raramente a sempre ou quase sempre, reagiam como descrito nos itens, frente às situações interpessoais cotidianas propostas pelo instrumento. Os dados coletados foram submetidos à correção quantitativa e o repertório de HS dos participantes classificado clinicamente. A análise dos dados foi realizada em conjunto, uma vez que o mesmo procedimento foi utilizado nos quatro subgrupos.

 

Resultado

A análise de dados evidenciou melhoria no escore total de HS em 12, dos 13 participantes, uma vez que os participantes 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 apresentaram progresso e o participante 6 retrocesso. A Figura 1 mostra o escore total de HS, pré e pós-intervenção, por participante.

 

Figura 1. Escore total de habilidades sociais, pré e pós-intervenção, por participante.

 

A melhoria no escore total de HS dos participantes 1, 3, 7, 8, 10, 11 e 13 possibilitou progresso na classificação clínica de seus repertórios de HS, que passaram respectivamente: de bom acima da média para bastante elaborado, de bom acima da média para bastante elaborado, de deficitário para bom acima da média, de deficitário para bastante elaborado, de deficitário para bastante elaborado, de deficitário para bastante elaborado e de deficitário para bastante elaborado. No entanto, nos participantes 2, 4, 5, 9 e 12 a melhoria no escore total de HS foi insuficiente para modificar a classificação clínica de seus repertórios de HS, que continuaram respectivamente: bastante elaborado, deficitário, deficitário, bastante elaborado e deficitário. Houve retrocesso no escore total de HS do participante 6, mas insuficiente para alterar a classificação clínica do seu repertório de HS, que permaneceu bastante elaborado. A Tabela 1 expõe a classificação clínica do repertório de HS, pré e pós-intervenção, por participante.

 

Tabela 1. Classificação clínica do repertório de habilidades sociais, pré e pós-intervenção, por participante.

 

Constatou-se que o grupo, em média, melhorou em todos os escores fatoriais de HS. Houve progresso maior na média grupal do Escore Fatorial 1 (Auto-afirmação e Enfrentamento com Risco) e menor na média grupal do Escore Fatorial 5 (Autocontrole da Agressividade). A Figura 2 apresenta a média grupal dos escores fatoriais de HS, pré e pós-intervenção, por fator.

 

Figura 2. Média grupal dos escores fatoriais de habilidades sociais, pré e pós-intervenção, por fator.

 

A melhoria na média grupal dos Escores Fatoriais 1 (Enfrentamento e Auto-afirmação com Risco), 2 (Auto-afirmação na Expressão de Sentimento Positivo), 3 (Conversação e Desenvoltura Social), 4 (Auto-exposição a Desconhecidos e Situações Novas) e 5 (Autocontrole da Agressividade) propiciou progresso na classificação clínica do repertório de HS grupal, que passou respectivamente: de bom abaixo da média para bom acima da média, de deficitário para bom abaixo da média, de deficitário para bastante elaborado, de bom abaixo da média para bom acima da média e de bom abaixo da média para médio. A Tabela 2 expõe a classificação clínica do repertório de HS grupal, pré e pós-intervenção, por fator.

 

Tabela 2. Classificação clínica do repertório de HS grupal, pré e pós-intervenção, por fator

 

Discussão

Este estudo almejou identificar possíveis efeitos de um programa de THS sobre o repertório de HS de estudantes de psicologia. Os resultados sugerem que a intervenção promoveu o desenvolvimento de HS nos participantes, haja vista que: (a) a maioria dos participantes apresentou aprimoramento no repertório de HS, evidenciado pela melhoria no escore total de HS de 12, dos 13 participantes e pelo progresso na classificação clínica do repertório de HS de 7, dos 13 participantes; e (b) foi constatada melhoria do grupo, em média, nos 5 escores fatoriais de HS e progresso na classificação clínica do repertório de HS grupal em todos os fatores.

O aperfeiçoamento do repertório de HS dos psicólogos em formação contribui para saúde, qualidade de vida e melhoria de relações pessoais e profissionais dos mesmos (Del Prette, Z. A. P.e Del Prette, A., 2001a). No que se refere à futura atuação profissional dos participantes é provável que venham a realizar processos de avaliação e de intervenção psicológica mais efetivos, visto que tais atividades dependem, em grande parte, da qualidade da interação com o cliente, advinda da competência interpessoal do profissional (Del Prette, Z. A. P.e Del Prette, A., 1996).

Os dados permitem argumentar a favor da adequação e eficácia da intervenção do ponto de vista de temas e técnicas escolhidos, bem como das condições relativas ao processo grupal, como o vínculo estabelecido entre os participantes e destes com a terapeuta e o estímulo ao suporte social entre os participantes. Entretanto, o delineamento usado não permite afirmações sobre quais elementos da intervenção foram responsáveis pela mudança verificada no pós-teste, se técnicas adotadas ou a própria condição de interagir em grupo. Estudos futuros poderão avaliar e controlar estas variáveis de modo a verificar possíveis variáveis moderadoras e mediadoras dos resultados (Baron e Kenny, 1986).

Observou-se, de forma assistemática, que a heterogeneidade quanto ao repertório de HS dos participantes nos grupos parece ter influenciado o desenvolvimento de HS. Os participantes com repertório de HS deficitário tiveram modelos adequados para aprendizagem ao interagirem com participantes com repertório de HS bastante elaborado. Além disto, é possível que os participantes com repertório de HS mais desenvolvidos tenham se sentido úteis ao grupo por instalar esperança nos outros participantes, através de sua melhora; por mostrar que no passado possuíam problemas semelhantes aos dos colegas; e por compartilhar informações sobre os problemas apresentados pelo grupo.

Dentre os vários fatores de HS avaliados, verificou-se que o Autocontrole da Agressividade foi o fator no qual ocorreu menos melhoria. É possível que os participantes com estilo de comunicação não assertivo, ao entrarem em contato na intervenção com instruções sobre defesa de direitos interpessoais e assertividade, tenham passado a empregar o estilo de comunicação agressivo em suas relações para, posteriormente, exercerem a comunicação assertiva. Neste caso, seria necessária uma avaliação de follow-up para verificar se a comunicação agressiva é uma transição para a comunicação assertiva em não assertivos.

Ainda que os resultados permitam supor que a intervenção foi eficaz na melhoria do repertório de HS dos participantes, não se pode afirmar que estes resultados foram causados pela intervenção, devido ao delineamento pré-experimental empregado. A ausência de um grupo controle ou de medidas repetidas intra-sujeito, pré e pós-intervenção dificultam a interpretação de causalidade e não afasta a possibilidade de outras variáveis terem atuado como responsáveis ou co-responsáveis pela mudança observada nos escores, como efeitos da história, maturação e testagem (Campbell e Stanley, 1979). Deste modo, são recomendadas intervenções futuras que possam ser implementadas através de delineamentos experimentais ou quase experimentais. Nestes estudos amostras maiores e cuidados para maximizar a validade interna e a validade externa (Cook e Campbell, citados em Cano, 2002) deverão ser adotados a fim de se obter resultados confiáveis e passíveis de generalização, os quais poderão subsidiar discussões acerca da conveniência ou não de se tornar o THS prática regular nos cursos de graduação em Psicologia.

Seria, igualmente, relevante o uso de medidas conjugadas, quantitativas e qualitativas, para avaliação mais abrangente da variável dependente estudada, como é recomendado pelo princípio da triangulação (Cano, 2002), segundo o qual o uso de medidas diferentes para medir a mesma variável supre as deficiências inerentes a cada tipo de medida, favorecendo uma visão menos enviesada e mais ampla da variável de estudo. Dentre as estratégias de coleta de dados, sugere-se o uso associado de videofeedback (Del Prette, Z. A. P. e Del Prette, A., 2001b) e amostragem de tempo (Dessen e Murta, 1999), técnica observacional que poderá ser usada para avaliar a freqüência de ocorrências de categorias de HS durante as sessões.

A filmagem do desempenho nas sessões poderá prover feedback preciso e objetivo para os participantes acerca de seu próprio comportamento, além de fornecer dados para observação sistemática a ser feita pelo pesquisador.

Para avaliações futuras deste tipo de programa de intervenção recomenda-se que sejam conduzidas, além da avaliação de resultados, avaliações de processo e de impacto do programa (Posavac e Carey, 2003) a fim de se verificar, respectivamente, a qualidade das interações grupais ao longo da intervenção e o impacto da intervenção sobre o desempenho acadêmico e profissional dos participantes, bem como a manutenção dos benefícios alcançados.

O presente estudo consistiu em uma contribuição promissora por evidenciar que é possível associar intervenção e pesquisa, ainda que com limitações de delineamento, e por sugerir que o THS em grupo favorece o desenvolvimento de HS em estudantes de Psicologia. Replicações deste estudo e aprimoramentos metodológicos lançarão novas luzes acerca dos dados aqui encontrados.

 

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Endereço para correspondência
Pethymã P. Magalhães
R. Formosa nº.1043, qd.03, lt.07, Bairro Nossa Senhora de Fátima
Goiânia-GO, CEP: 74420-270
E-mail: pethyma@bol.com.br.

Enviado em Novembro/2003
Aceite final Março/2005

 

 

I Trabalho apresenta XXXIII reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Belo Horizonte, MG, outubro de 2003.