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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.21 no.1 Ribeirão Preto jun. 2013
https://doi.org/10.9788/TP2013.1-09
ARTIGOS
Organizações estratégicas: campo de (Re)produçãoda ideologia narcisista e do espetáculo
Strategic organizations: field of (Re)production of spectacle and narcissistic ideology
Organizaciones estratégicas: campo de (Re) producción de la ideología narcisista y del espectáculo
Guilherme Elias da SilvaI; Francisco HashimotoII; Lucas Martins SolderaIII
IPrograma de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho-Assis, Assis, Brasil
IIDepartamento de Psicologia Experimental e do Trabalho da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho-Assis, Assis, Brasil
IIIPrograma de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho-Assis, Assis, Brasil
RESUMO
Esse trabalho pretende apresentar uma reflexão diante do modo de vida contemporâneo substanciado por seus pilares - consumo, individualismo, competitividade, relações fluidas; visando assimilá-lo a um modelo de gestão administrativa que encontra grande difusão no capitalismo monopolista-financeiro - modelo de gestão estratégica - norteados pela questão: Por que este modelo de gestão encontra um campo tão fértil para se desenvolver no cenário contemporâneo? Para tanto, o estudo fundamentou-se teórico-metodologicamente na abordagem da psicossociologia e foi elaborado a partir de uma revisão teórica. Realizamos uma contextualização e definição de contemporaneidade onde preside uma sociedade de mercado que exalta o espetáculo, analisando, a partir disso, o modelo de administração organizacional estratégico que vem atuando como droga na constituição subjetiva dos indivíduos produzindo marcantes ressonâncias ao campo psicossocial. Isto é, a assimilação realizada neste artigo nos permitiu clarificar algumas possíveis causas das patologias sociais decorrentes do mundo cada vez mais cruel que se enfrenta na vida profissional.
Palavras-chave:Organizações estratégicas, contemporâneo, Psicossociologia.
ABSTRACT
This paper aims to present a reflection on the contemporary way of life substantiated by its pillars -consumption, individualism, competitiveness, fluid relationship - aiming to assimilate it to an administrative management model that is widely distributed in monopolistic-financial capitalism - strategic management model - guided by the question: Why does this management model find such a fertile field for development in the contemporary scenario? Thus, the study was theoretically and methodologically based on the approach of psychosociology and was developed from a theoretical review. We have conducted a contextualization and definition of contemporaneity in which a market society that celebrates the spectacle lies, analyzing, from this point, the strategic organizational management model that has been working as a drug in the subjective constitution of the individuals producing the striking resonances in the psychosocial field. The assimilation performed in this paper allowed us to clarify some possible causes of social pathologies arising from the increasingly cruel world we face in professional life.
Keywords: Strategic organizations, contemporary, psychosociology.
RESUMEN
Ese trabajo tiene el objetivo de presentar una reflexión ante al modo de vida contemporáneo substanciado por sus pilares - consumo, individualismo, competitividad, relaciones fluidas - y su finalidad es asemejarlo a un modelo de gestión que encuentra gran difusión en el capitalismo monopolista-financiero - modelo de gestión estratégica - guiados por la pregunta: ¿por qué este modelo de gestión encuentra un campo tan fértil para desarrollarse en el escenario contemporáneo? Para ello, el estudio se ha fundamentado teórico-metodológicamente en el abordaje de la psicosociología y fue elaborado a partir de una revisión teórica. Realizamos una contextualización y definición de contemporaneidad donde preside una sociedad de mercado que exalta el espectáculo, analizando, a partir de eso, el modelo de administración organizacional estratégico que actúa como droga en la constitución subjetiva de los individuos, produciendo notables resonancias en el campo psicosocial. Es decir, la asimilación a cabo en este trabajo nos permitió aclarar algunas posibles causas de las patologías sociales que surgen en el mundo cada vez más cruel que nos enfrentamos en la vida profesional.
Palabras clave: Organizaciones estratégicas, contemporáneo, Psicosociología.
Este texto pretende abarcar uma série de noções e condições expostas pelas novas formas de subjetivação e seus desdobramentos na sociedade contemporânea. Para tanto, devemos compreender as profundas mudanças de valores, comportamentos e identidades que marcaram as últimas décadas, sobretudo no Ocidente, sob a influência de uma nova moral do trabalho, já que não se pode pensar em sociedades e sujeitos independentes da conjuntura e da época em que se situam, ou seja, estes devem ser compreendidos dentro de um espaço social e de uma época específicos, constituindo-se assim num formato sócio-histórico no qual o indivíduo coexiste enquanto sujeito.
Desta forma, o objetivo de nosso trabalho foi apresentar uma reflexão diante do modo de vida contemporâneo substanciado por seus pilares - consumo, individualismo, competitividade, relações fluidas; visando assimilá-lo a um modelo de gestão que encontra grande difusão no capitalismo monopolista-financeiro - modelo de gestão estratégica - norteados pela questão: Por que este modo de gestão encontra um campo tão fértil para se desenvolver no cenário contemporâneo?
A análise da estrutura das chamadas "organizações estratégicas" e das relações que são estabelecidas nesse campo se torna ponto de análise, já que estas organizações desenvolvem métodos políticos de administração à distância (gestão afetiva de captura psíquica), difundem uma ideologia, uma religião da empresa e, desse modo, conseguem uma adesão fiel de seus membros, através da influência sobre estruturas inconscientes da personalidade destes (Da Silva & Hashimoto, 2012; Pagès, Bonetti, Gaulejac, & Descendre, 1986).
Para tanto, o estudo fundamentou-se teórico-metodologicamente na abordagem da psicossociologia1, que se interessa pelo indivíduo em situação, circunstância, ou seja, recusa-se a separar o indivíduo e o coletivo, o afetivo e o institucional, os processos inconscientes e os processos sociais para a análise das relações de trabalho nas organizações estratégicas (Gaulejac, 2001).
A psicossociologia existe no espaço de discussão entre a sociologia e a psicanálise, além de trabalhar com as relações entre o social (suas dimensões emocionais, subjetivas, afetivas e inconscientes) e o psiquismo (enquanto "modelado" pela cultura, língua e pela sociedade). Sendo assim:
Ela só pode existir num entre-dois, num interdito, numa relação conflituosa entre duas lógicas casuais irredutíveis uma à outra. Há algo de irreconciliável entre "psíquico" e "social". Isso conduz não a escolher o seu terreno, como alguns preconizam, mas a se situar num campo e "conversar" com todos aqueles que sofrem do dogmatismo monodisciplinar. (Gaulejac, 2001, p. 46)
O indivíduo, entendido por este referencial teórico, é plurideterminado. Ele é produto de uma trama complexa que diz respeito, ao mesmo tempo, à sua existência singular, que corresponde ao seu desenvolvimento psíquico inscrito em uma dinâmica familiar, e à sua existência social, vista como a encarnação das relações sociais de uma época, de uma classe e de uma cultura.
A seguir, elaboramos, a partir de revisão teórica, uma contextualização e definição do que entendemos por contemporaneidade enfatizando as principais características subjetivas das pessoas suscitadas pelo mundo contemporâneo, onde preside uma sociedade de mercado que exalta o espetáculo e o enfraquecimento das relações intersubjetivas. Posteriormente, analisamos o modelo de administração organizacional das estruturas estratégicas ressaltando, como já foi demonstrado por Pagès et al. (1987), a organização atuando como droga no palco psicossocial e a constituição subjetiva dos indivíduos em tal campo.
Ressonâncias das Transformações do Modo de Vida Contemporâneo
O contemporâneo caracterizado pelo avanço indiscriminado do desenvolvimento tecnológico, pela mudança da noção de tempo e espaço, pelo consumismo e narcisismo, pode ser considerado um mundo onde tudo ocorre de forma rápida em que os valores e a forma de agir nem sequer se consolidam interferindo, provavelmente, no vínculo de confiança das pessoas com o futuro.
Bauman (2007) utiliza o conceito de "liquidez" que significa a impossibilidade de manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo, isso acentua a noção de mudanças rápidas e imprevisíveis na vida das pessoas, o que dificulta a apreensão das noções de sujeito e suas relações nesse contexto. Em tal liquidez não encontramos apego - os laços são frouxos - sempre um modo de vida supera o outro, mas para que isso aconteça um terceiro modo deve deixar de existir, tal como Bauman (2007, p. 10) mostra: uma sociedade predatória, "de valores voláteis, descuidada do futuro, egoísta e hedonista". Onde o mote é: ajustar a eternidade a uma existência individual.
O referido autor alerta: "na vida líquida a distinção entre consumidores e objeto de consumo é, com muita frequência, momentânea e efêmera, e sempre condicional" (Bauman, 2007, p. 18). Neste sentido, a única característica que define a função de um objeto é se ele está apto para o consumo, entretanto ao ser consumido logo perderá seus atrativos, seu valor, pois basta ser usado para se tornar impróprio ao consumo, assim o lixo é o principal produto dessa sociedade.
Vivemos em uma sociedade onde cada vez mais a produção, como processo produtivo de bens e serviços, é valorizada e isso se dá a partir da exploração de mão-de-obra, cujo trabalho é entendido não só como uma forma de transformar a natureza para a existência humana, mas também como forma de estabelecimento de relações e subjetividade que ainda confere certo status social - quantas vezes já ouvimos o ditado popular: O trabalho dignifica o homem.
E se esse indivíduo ficar desprovido deste papel "dignificador" dado pelo trabalho? Será visto pela sociedade como inútil, uma figura que é mais cômodo não ser observada?
Passamos por um momento economicamente delicado, no qual o simples ecoar da palavra crise nos deixa inquietos e, por que não, apavorados... A eminente possibilidade de perda do emprego, que tal conjuntura pode ocasionar, aumenta a insegurança de como manteremos nosso status, de como continuaremos seguindo as regras do capitalismo.
Aqui a "descartabilidade" não está restrita somente aos objetos, os homens também se tornaram alvo deste fenômeno. O desemprego exemplifica esta passagem, ele pode ser um dos fatores determinantes para o comprometimento, ou até mesmo, a exclusão da figura digna, útil e produtiva do indivíduo em relação "às sociedades" (de trabalho e de consumo/espetáculo) evidenciando, assim, a frouxidão dos laços estabelecidos, o que reforça a "descartabilidade" dos homens - produtos quando dimensionados pelo seu poder produtivo (Birman, 2006; Coutinho, 2006).
No mundo contemporâneo a imagem tornou-se o centro das atenções. As grandes referências tradicionais que fundamentavam as questões do coletivo deram lugar ao individualismo, já o mérito pessoal é gerenciado pela produção de capital, independente de como se consiga isso, e não mais pelas qualidades morais de cada um. A estima não é vista pela virtude, mas pelo poder econômico - dinheiro, situação profissional, reconhecimento da mídia.
O sujeito, arrastado ao sabor de valores múltiplos e contraditórios, deve reconstruir seus ideais, inventar para si uma moralidade para encontrar os padrões de medida da autoestima. Cada um se vira com sua própria vergonha frente à multiplicidade e à mobilidade dos referentes coletivos que podem embasar o reconhecimento social. (Gaulejac, 2006, p. 234)
De forma geral, existe uma concordância em relação às alterações que ocorrem nas figuras de mal-estar no contemporâneo. No entanto, as interpretações decorrentes de tais alterações provocam divergências, o que por sua vez, trazem implicações nos discursos, nas práticas sociais e na vida de cada pessoa. De acordo com Birman (2006), para que possamos compreender a sociedade atual e seu mal-estar, devemos ponderar três registros norteadores: o corpo, a ação e o sentimento.
O corpo parece ser o registro mais evidente do mal-estar: as queixas corporais se projetam a partir das estratégias publicitárias que levam a novas modalidades de terapias exóticas e a práticas médicas diversas e cada vez mais requisitadas por seus resultados "milagrosos" em relação ao enfrentamento do tempo na aquisição do ideal corpóreo (estético) legitimado socialmente (Exemplo: cirurgias plásticas). Kehl (2003) contempla essa questão quando aponta que nosso corpo é reflexo do meio em que vivemos, em outras palavras, é uma imagem atribuída de significados pelos outros, que podem ou não nos gerar marcas.
Já a ação, outro registro, emerge da hiperatividade que move o indivíduo na atualidade. As pessoas agem sem saber o que buscam, pois a marca é a indeterminação. Tal como aponta Bauman (2007), as realizações individuais dificilmente se solidificam e as condições de ação e as estratégias de reação envelhecem, tornadas assim, obsoletas.
O terceiro registro do mal-estar é o sentimento. No mundo líquido, o sentimento de segurança psíquica se evapora. O ego não consegue estabelecer relações entre o corpo e o mundo, por sua vez o ego fica sem potência. Assim, a despossessão de si se apresenta como depressão, tornando-se um dos principais mal-estares na atualidade.
É nesses registros que o capitalismo permeia por completo nossa sociedade contemporânea pregando sua ideologia consumista. Tudo é tratado como produto, já que a principal característica desse modelo é a produção visando o acúmulo e consequentemente a obtenção de lucros pela venda. Aqui, a mídia juntamente com a propaganda ganha um importante papel.
Ela reproduz imagens - idolatradas pelo público - que serão interiorizadas como possíveis autoimagens a serem atingidas. Esse processo torna ainda mais difícil a separação entre real e fantasia, uma vez que o consumo age como "facilitador" da obtenção dessa fantasia.
Em uma sociedade na qual o sonho do sucesso foi esvaziado de qualquer sentido além do seu próprio, os homens nada possuem para medir seus próprios feitos, a não ser os feitos de outros homens. A auto-aprovação depende do reconhecimento e aclamação públicos, e a qualidade dessa aprovação sofreu importantes mudanças por direito próprio... . Hoje em dia, os homens buscam o tipo de aprovação que aplaude não suas ações, mas seus atributos pessoais. (Lasch, 1983, p. 87)
Submetemo-nos a avaliações, a julgamen tos visando reconhecimento social, pautados em uma imagem reproduzida sem muitos significados a não ser seu próprio; o que nos conduz a superficialidade, a sedução pela aparência afirmando um individualismo ajustado ao narcisismo.
Para não banalizar a definição de narcisismo apenas como sendo o amor próprio, compreendendo-o expansivamente como fenômeno social decorrente desse modo de vida capitalista, utilizamos a leitura de Lasch (1983). Assim, podemos trabalhar com um individualismo carente, vinculado ao sentimento de vazio e ao exibicionismo exacerbado, no qual a autoestima do sujeito se liga às suas figuras de admiração sem significados, admiradas e vendidas.
A velocidade da produção e as exigências de venda de novos bens ajudaram na mudança de sentido do fabricar e comprar. O raciocínio de que as coisas são produzidas para atenderem necessidades reais não é mais aplicado, deixando de lado o valor que legitima o esforço humano na fabricação de algo. Nesse contexto a utilidade é serva da felicidade, onde a compra de objetos se torna signo do conforto emocional desejado. Portanto, as raízes do consumismo vão além da lógica de mercado, chegam a vias de monopólio de prestígios e prazeres. No qual o indivíduo busca diferenciar-se dos outros por meio do "comprismo", visando conter sua insatisfação social e emocional (Birman, 2006).
Ter prazer é sentir satisfação pela compra, ou seja, satisfação é compatível com consumo. Já que sentir prazer é o principal ingrediente da felicidade, consumir passa a ser uma tentativa de comprar a felicidade. Pela lógica do consumo os objetos são primeiramente fantasiados e posteriormente inutilizados.
"Isso porque a interlocução pressupõe a existência do outro para que se possa fazer um apelo e ser o suporte para produção de sentido. Enfim, o vazio da subjetividade atual é o correlato do mundo que perdeu o sentido" (Birman, 2006, p. 193).
Temos, então, o mise-em-scène onde o que importa é o "gozo" próprio, o querer a qualquer custo as figuras idealizadas do consumismo, juntamente com uma indiferença pelo "gozo" do outro. Todavia, o indivíduo nunca alcançará satisfação duradoura o suficiente, pois novos produtos sempre serão lançados, "mais bonitos, mais aperfeiçoados". O prazer será sempre momentâneo, não encontraremos a auto realização emocional no consumismo.
"Resumindo de modo abrupto, ideais morais e emocionais não se sustentam sem objetos materiais, porque são eles que dão visibilidade e mundanidade aos sentimentos" (Freire-Costa, 2004, p. 180).
É o que Lasch (1983) chamou de "falsas satisfações", onde as gratificações são buscadas de forma imediata, é o mito do sucesso pregado por nossa sociedade. A satisfação está no momentâneo (pegar o que se quer ao invés de esperar o que se merece). O objeto exaltado hoje pode ser alcançado por meio do consumo, no entanto amanhã haverá outro "melhor".
A intensa relação homem/produto pregada pelo capitalismo faz com que a despossessão assuma um papel significativo junto à culpa, pois o medo de perder algum produto ou status leva o sujeito a crer que está perdendo algo de si. Consequentemente, o levará a uma conduta moral perante a sociedade visando não arriscar tais perdas.
Esboça-se, desta forma, uma questão considerada por nós a ferida civilizatória, chamada moral. Assim, podemos afirmar que o código moral da sociedade está baseado na culpa (Freud, 1929-1930/1996). Compreendemos, então, um superego social, o qual não se importa com a saúde psíquica do indivíduo, lançando ordens ao ego, julgando-o apto e hábil para tanto.
O ego é alvo tanto das exigências de seu ideal, como dos limites morais do superego. Ele sofre pressões de ambos os lados, seja ela interna bem como externa. Segundo Birman (2000): "tem-se uma cena social onde o ser e o parecer se confundem incitados pelo exibicionismo" e onde a relação narcisista é marcante. Aqui o exibicionismo sinaliza as pressões externas sofridas pelo ego, caracterizando a importância do olhar do outro. Já o narcisismo assinala as pressões internas sofridas pelo ego, caracterizando vivências passadas que podem ser retomadas a qualquer momento.
Debord (1997) mostra em sua obra "A Sociedade do Espetáculo" uma ligação da "evolução" humana com a negação de instintos primários, uma vez que a liberdade dos instintos é normalmente restringida no processo de socialização. O espetáculo equivale à produção de alienação por causa da expansão econômica que transforma tudo em imagem a ser estimada. Consequentemente o corpo será afetado pelo desenvolvimento emocional, assim como os estados da psique.
Nesse sentido é provável inserirmos nosso indivíduo em um tempo, o qual passou por muitas transformações. O mal-estar que antes começava a mostrar-se, agora já está instaurado e julgado necessário, pois está agravado pelo desenvolvimento e aperfeiçoamento de técnicas e conhecimentos. Se, por um lado, os avanços técnico-científicos podem prolongar a vida do homem, por outro, podem acarretar-lhe sofrimentos.
A vida em sociedade torna-se o grande agenciador do processo de instauração do mal-estar. Freud (1929-1930/1996) em "O Mal-Estar na Civilização" havia alertado para questões semelhantes, como por exemplo: o avanço técnico-científico e os descompassos em nossas satisfações que este poderia ocasionar.
O referido autor não propõe desvalorizar totalmente o progresso tecnológico da civilização para a obtenção de felicidade, contudo ressalta que o poder do homem sobre a natureza não é a única forma de obtenção da felicidade. "Enfim, de que nos vale uma vida longa se ela se revela difícil e estéril em alegrias, e tão cheia de desgraças que só a morte é por nós recebida como uma libertação?" (Freud, 1929-1930/1996, pp. 107-108).
Segundo Birman (2000), Freud não propõe, necessariamente, uma crítica à modernidade em si, mas sim a algumas consequências que ela acabou produzindo para os sujeitos. Freud faz uma releitura das problemáticas propostas pela modernidade, inserindo o sujeito como fundamento desta. A partir de tal ponto, a emoção encontra nesta ocasião uma forma deturpada de se externalizar, partindo da premissa de que tais avanços foram insuficientes para saciarem nossas alegrias.
Para tanto, um veículo ganha espaço para ocupar essa lacuna por meio da alienação, nessa sociedade dita espetacular, a mídia é atribuída de poderes pela sociedade, os quais fazem com que ela possa atuar estimulando a massificação das pessoas, por meio de uma subjetivação social de ideais, focada na ferida narcísica dos indivíduos atuais.
A mídia é o operador principal desse sistema. Sem esta, afirma-se, o espetáculo se esvazia. Caberia perguntar acerca do lugar ou instância do aparelho psíquico que a mesma vem ocupar para exercer essa capacidade subjetivante, mas também essa potência de captura imaginária e massificação. (Fuks, 1998-1999, p. 71)
Assim, deduzimos uma sociedade onde sujeitos são dotados de poderes e autossuficiência inquietantes e desconfortáveis, proporcionados pelo avanço da tecnologia e da ciência, o qual nós mesmos buscamos. Um período onde se encontra um grande descompasso entre alegria e sofrimento. Um tempo no qual um instrumento intermedia a vida de muitos, que recebe o nome de mídia e onde o narcisismo triunfou resinificando o conceito de relação.
A partir da contextualização realizada podemos compreender alguns norteadores subjetivos da sociedade contemporânea. Assim, acreditamos que neste cenário atual, o trabalho e principalmente seus modos de gestão apresentam grande potencial enquanto delineadores dos processos sociais e, mais incisivamente, dos processos identitários. Vale ressaltar, ainda, que o trabalho sempre teve papel importante na constituição social e subjetiva como já apontaram diversos teóricos (por exemplo, Antunes, 2000; Jacques, 1996; Marx, 1989; Sennett, 2001). Contudo, nos propomos a analisá-lo nos dias atuais, época em que o mesmo vem passando por transformações cada vez mais rápidas, seja pelos avanços tecnológicos e modernas formas de gestão, que vão culminar com mudanças expressivas nas relações de trabalho e consequentemente nos modos de subjetivação.
Dessa forma, a fim de desenvolvermos esta hipótese abordaremos a definição do modelo de gestão estratégica e buscaremos desvelar a trama que envolve o sujeito no inter-jogo entre a influência do social para o organizacional e do organizacional para o social.
A Dominação dos Trabalhadores no Modelo de Administração Organizacional Estratégico: O Vício da "Droga Organização"
Num cenário de grandes mudanças políticas, econômicas e sociais, as organizações, em especial as grandes empresas, têm maior sensibilidade para captar tais mudanças e maior sagacidade para capitalizá-las. Elas respondem a essas transformações de maneira mais acelerada do que a sociedade em geral, o que lhes atribui um grande poder de influência sobre o meio. As organizações respondem não apenas de maneira operacional/funcional, mas também de forma simbólica, por meio de sua cultura organizacional e da veiculação de todo um imaginário. As organizações decodificam o que atravessa seu ambiente e (re)elaboram respostas que convenham a seus objetivos. Elas são espaços de comportamentos assistidos e controlados2, ou seja, é de sua natureza direcionar a ação (Freitas, 2006).
As organizações de trabalho, acompanhando esse movimento mutante, têm passado por transformações intensas nas últimas décadas, paralelamente às mudanças políticas, econômicas e sociais de âmbito mundial. A globalização da economia e o acirramento da disputa de mercados são alguns dos fatores que ajudam a explicar a crescente competitividade das empresas capitalistas, que recorrem a diferentes estratégias de modernização. A busca por competitividade acontece no bojo de uma intensa reestruturação produtiva, onde as empresas procuram substituir os clássicos padrões produtivos, associados principalmente ao taylorismo/fordismo, por novos padrões de acumulação flexível, que possibilitem a recuperação de níveis anteriores de expansão do capital (Antunes, 2000).
Com a globalização da economia, a tendência é que os indivíduos se sintam mais inseguros, devido à maior competitividade das empresas, que operam aliadas à ação de potentes grupos econômicos, independentemente dos sistemas financeiros de cada país. Afinal, o objetivo das empresas passou a ser a captura do lucro e do consumidor final de forma energética (agressiva) e sem fronteiras, visando exclusivamente à sua própria sobrevivência.
Durante os anos 80 do século XX a modernização das empresas brasileiras tinha seu foco principal no investimento em novos equipamentos automatizados. A partir dos anos 90 foram ampliadas as estratégias de modernização, com a introdução de novos modelos organizacionais que associam mudanças na gestão da força de trabalho com a reorganização dos processos produtivos. Ainda que seja possível observar a introdução de diferentes modelos organizacionais, é muito marcante, entre estes, a inserção no país do modelo gestão estratégica (Coutinho, 2006).
A estrutura estratégica - a empresa e seu meio ambiente - caracteriza-se por ser um mundo hipercomplexo, no qual irrompem fenômenos diversos que não tinham sido objeto de nenhuma previsão; ou seja, o planejamento das ações para um longo prazo se esvai e vigora neste espaço a estratégia. Desse modo, vão continuar a germinar modelos, mas estes agora serão adaptáveis, levando em conta diretamente circunstâncias e ações de parceiros e adversários e as flutuações do mercado em que a empresa se encontra inserida.
É importante enfatizar que a capacidade estratégica não é reservada a uma elite que dispõe de um saber excepcional; ao contrário, é destinada a todos os funcionários. Todos devem ser estrategistas, lutadores, "matadores suaves". Conforme Chaui (1994, p. 103):
... a Organização será tanto mais eficaz quanto mais todos os seus membros se identificarem com ela e com os objetivos dela, fazendo de suas vidas um serviço a ela que é retribuído com a subida na hierarquia de poder.
Essa extensão da estratégia como palavra de ordem a todos os funcionários é fundamental, na medida em que a empresa aplica um modelo de gestão que necessita de indivíduos sutis, capazes de tomar iniciativas e de reagir rapidamente, provando flexibilidade e leveza diante dos acontecimentos constantes, numerosos e, principalmente, imprevisíveis com os quais é confrontada. Decorrem daí duas consequências diretas, das quais a primeira é a principal marca do modelo em questão, que é a concentração em estratégias de curto prazo, e a segunda diz da preparação do profissional para habitar a estrutura estratégica.
Os jogadores estratégicos (Enriquez, 2000a) já não são mais pressionados a possuir conhecimentos amplos em determinadas áreas, mas eles devem ser capazes de adquirir continuamente novos conhecimentos nas áreas mais variadas e mais pertinentes para a empresa, levando em conta o momento e o contexto.
De acordo com Enriquez (2000a), as empresas de estrutura estratégica devem:
... seguir as sessões de formação permanente (como mostra a multiplicação de sessões ad hoc à disposição dos quadros dirigentes e dos empregados nas empresas de ponta, que têm por objetivo fornecer "armas" para resolver a totalidade dos problemas suscetíveis de emergir); eles devem continuar sua formação pessoalmente, estudando os novos artigos ou livros sobre administração e "resolução de problemas"; eles devem, pois, ser capazes de uma adaptação contínua, afim de não serem surpreendidos por processos desconhecidos e de estar preparados para resolvê-los da melhor maneira. (p. 26)
Outra característica marcante do modelo de estrutura estratégica associa-se à formação e aperfeiçoamento dos dirigentes. Os métodos psicossociológicos e sociológicos de formação foram abandonados, em troca de estágios esportivos, de "sobrevivência", de aventura. Os dirigentes entregam-se ao paraquedismo, à descida de obstáculos de muitos metros de altura, a competições interempresas, buscando encontrar em si próprios capacidades que não possuem (superação), tentativas em que geralmente são forçados a confiar nos outros e a reforçar o espírito de equipe (Enriquez, 2000a).
Esse tipo de estrutura persegue objetivos paradoxais, sobre os quais descreveremos com maiores detalhes abaixo. Esse modelo exige a integração de cada um à organização e, também, sua idealização. Além disso, demanda um espírito individualista e um forte espírito de equipe e requer a iniciativa e a criatividade (sublimação), mas, contraditoriamente, estas se opõem fundamentalmente à idealização. Ou seja, as organizações estratégicas misturam um modelo japonês de administração pessoal - privilegiando os esforços coletivos e não reconhecendo o indivíduo senão como membro de um grupo do qual ele aceita as normas - com um modelo americano, valorizando o esforço individual e o sucesso pessoal3.
A estrutura estratégica vai exigir a qualidade total de seus produtos, de seus serviços e de seus funcionários. Enriquez (2000a, p. 28), analisando os princípios desse modelo de gestão, assinala que a proposta é:
Uma empresa deve sobreviver, conquistar novos mercados, alcançar uma potência ilimitada, eliminar, se possível, seus concorrentes. Para atingir tal objetivo, ela precisa de indivíduos que sejam simultaneamente grandes decisores, grandes comunicadores, grandes persuasores; e precisa também da participação ativa de todos (daí o desenvolvimento de grupos de expressão, de círculos de qualidade, de grupos de projetos, de grupos de progresso, de grupos ad hoc de resolução de problemas).
O modelo de organização estratégica aparece, assim, como uma nova referência, prometendo escoltar o sujeito na sua solidão acompanhando-o em seu sucesso, indo ao encontro de suas carências latentes e reduzindo a importância do vínculo social a um laço (financeiro, moral, ideológico e psicológico) com ela. Oferece-lhe, deste modo, oportunidades cômodas de identificação, ou seja, de assumir uma identidade compacta e objetivada, pretexto para expressar seu narcisismo. A organização investe no indivíduo por todos os lados de maneira coerente e, desse modo, em todos os níveis, a organização produz um indivíduo e incita-o a reproduzi-la a seu modo. Sendo assim, os funcionários adquirem uma "personalidade emprestada" pela organização, com desejos, valores e ideais criados e estrategicamente controlados por ela.
Essa organização desenvolve um modelo de gestão que se vale da mobilização do ideal de ego. Trata-se daquilo que temos de alcançar de qualquer modo para nos sentirmos "completos", perfeitos, onipotentes. A dinâmica do ideal de ego é, de acordo com Gaulejac (2007, p. 15): "uma verve compulsória: não existe 'plano B' em relação a ele: ou o indivíduo o conquista, ou está fadado à angústia da falta, do vazio". Pergunta-se, porém: como a organização engendra essa dinâmica de ideal de ego em seu sistema de gestão?
Pela "promessa"! Mas promessa de quê? Promessa de que se o sujeito tiver determinada coisa ou se for como determinada pessoa, estará realizado. Essa promessa sedutora, cativante e confortante contribui para que, em momentos de incerteza, carência ideológica e desfiliação (enfraquecimento das instituições familiares e religiosas, do Estado, da nacionalidade, patriotismo e instituições escolares), o indivíduo encontre espaço e referencial para organizar seus desejos e experimentar um falso gozo narcísico.
Uma estratégia que se torna cada vez mais comum ante as exigências de redução de custos da produção por parte dos acionistas das organizações é o corte de efetivos, que sob o controle quantitativo do setor de recursos humanos, processa-se de maneira sistemática neste modelo de gestão. Diante disso, poderíamos supor que as organizações devem estar passando por momentos econômicos muito ruins para adotarem esta estratégia de redução de efetivos. Neste ponto estamos enganados. A redução de funcionários não está ligada a problemas de organização ou econômicos, mas sim, à ambição insaciável que determina a lógica capitalista de mercado. Ilustremos nossos argumentos com exemplos que foram elucidados por Enriquez (1999):
O primeiro deles é a Eletrolux (empresa sueca de eletroeletrônicos e demais produtos). Essa companhia suprimiu aproximadamente 100 mil empregos no mundo e 12 mil só na matriz, porque o acionista principal queria um rendimento financeiro de 15% para suas ações, rendimento que era de 9% (ou seja, longe de ser deficitário). O segundo exemplo vem da companhia francesa Peugeot, que de acordo com Enriquez (1999, p. 65), "é uma empresa que está funcionando muito bem. Ela passa seu tempo a despedir as pessoas de maneira regular". O terceiro exemplo é o das grandes empresas norte-americanas, que em 1994 tiveram um aumento de 40% em seus lucros e mesmo assim eliminaram 116 mil empregos. Compreendemos que numa situação assim, os assalariados de uma empresa, não importa quais sejam seus níveis hierárquicos, não sabem nunca se serão mantidos ou não no emprego, já que não é a riqueza econômica da empresa que vai impedir que exista redução de efetivo, mas sim a lógica (ilógica) das porcentagens de lucros cada vez mais espetaculares para alguns, em detrimento de milhões de desempregados pauperizados.
As estratégias de gestão primam por pragmatismo e eficácia, que se promovem em detrimento das condições éticas e humanistas. Legitimam uma abordagem instrumental, utilitarista e "contábil" das relações do homem com o trabalho e com a sociedade. Os mandamentos da guerra econômica neoliberal não preveem que os indivíduos tenham estados de alma, uma vez que para ganhar essa guerra é preciso fazer sacrifícios e todo combate exige perdas humanas. No caso dos cortes de efetivos, por exemplo, são as regras do jogo que cada gerente ou executivo deve integrar caso queira atingir postos de responsabilidade e neles permanecer. O recado dado pelo sistema de gestão estratégica é bem claro: não é mais hora de compaixão, mas de luta, sem envolvimentos afetivos. Por tamanha cobiça e egoísmo, voltamos a condições primevas de insensatez e barbárie (Castel, 2008).
Cada pessoa busca sentido e reconhecimento em sua vida e, especialmente, na atividade laboral; no entanto essa busca jamais se completa, já que o sentido e o reconhecimento são ideais extremamente voláteis e transitórios nesta sociedade, que prega a exigência de renovação constante. Essa busca por realização dentro das organizações é que alimenta a competição desenfreada por mercados e também entre parceiros de trabalho, uma vez que o sistema estratégico nos faz crer que a felicidade pode ser alcançada nas malhas organizacionais, porém não existe espaço nem oportunidade para todos. As organizações se tornam arenas onde cada indivíduo está envolvido em uma luta para encontrar um lugar e conservá-lo. Diante disso, Gaulejac (2007) afirma que habitamos um mundo que está contaminado pelo "realismo gestionário" e gera enorme impotência para desenhar os contornos de uma sociedade harmoniosa e preocupada com o bem comum.
Uma das estratégias utilizadas pelos indivíduos e também requeridas pelas organizações em questão é o exercício da flexibilidade. Todavia, vejamos por meio da organização do modelo de gestão estratégica quais os locais e efeitos da flexibilidade. Vivemos, como anunciou Sennett (2001), uma corrosão do caráter4?
A flexibilidade exige disponibilidade, implicação total no trabalho, mobilidade, adaptabilidade, aceitação e lidar bem com a incerteza, entre outras características constituintes do aparato estrutural necessário para sustentar (e se sustentar) o (no) modelo de gestão atual. De acordo com Gaulejac (2007), estas são qualidades estimulantes para um espírito combativo, ambicioso e competitivo, que obriga os indivíduos a estar em constante movimento e a aceitar sem reservas as exigências da empresa. Notemos que essas qualidades solicitadas, além de propiciarem um maior rendimento, funcionam também como ferramentas para os trabalhadores lidarem com a pressão que sofrem permanentemente:
No modelo hierárquico e disciplinar, as condições de trabalho eram sem dúvida penosas, mas a solidariedade entre os empregados atenuava seus efeitos psicológicos. A comunidade dos trabalhadores fornecia um apoio para suportar as obrigações. Essa solidariedade orgânica se enfraqueceu. A tentação do "cada um por si" é mais forte por ter sido encorajada pela corrida ao mérito, a ameaça dos planos sociais, a diversidade dos estatutos, a mobilidade vertical e horizontal e a individualização das remunerações. (Gaulejac, 2007, p. 207)
Dessa forma, notamos que as reivindicações coletivas são enfraquecidas em favor de um encorajamento a negociações individuais das situações, evidenciando-se que a violência das relações e condições de trabalho desloca-se maciçamente para um nível psicológico (Enriquez, 2000b; Pagès et al., 1987).
Uma importante distinção observada por Habermas (1998) a respeito dos conceitos de modernidade cultural e o de modernização nos auxilia na teorização e compreensão de como se articula a lógica do modelo de gestão aqui tratado. Em sua teoria da modernidade, Habermas focaliza os processos de modernização destacando os mecanismos de racionalização ocorridos nos subsistemas econômico e político. O filósofo destaca aí a diferenciação entre mundo sistêmico e mundo vivido. Para ele, no mundo sistêmico predomina a ação instrumental e estratégica e o sistema é regido pela razão instrumental. Tal sistema tem como suportes a economia, através do capital, e o Estado, através do exercício do poder, ambos assegurando a integração sistêmica e monológica. Já na modernidade cultural, o mundo vivido é o espaço social no qual se dá a ação comunicativa, calcada no diálogo.
Assim, para Habermas, o mundo vivido é formado pelo espaço social no qual a ação comunicativa permite a realização da razão comunicativa, sem coerção, tendo como base o poder da solidariedade. Diante de tal distinção podemos nos questionar: qual será o tipo de racionalidade (instrumental ou comunicativa) que embasa a gestão estratégica?
Conforme já foi apresentado, a concepção estratégica é um modelo de administração organizacional caracterizado pela ideologia do capitalismo monopolista-financeiro e se encontra em expansão no contexto contemporâneo. Tal concepção busca uma gestão pelo afetivo. Dessa forma, o estrategista é tomado inteiramente pelo imaginário da performance e da excelência, por meio da canalização de sua afetividade, de suas pulsões inconscientes e de seus ideais. Esse mecanismo perverso de manipulação e sedução é ainda mais sutil na medida em que se revela indispensável ao crescimento, a fim de utilizar o potencial de cada um. O grupo ou a organização solicita o desejo de ideal pessoal, que se confunde com os ideais dos outros (Enriquez, 2000b).
A excelência não mais se caracteriza como um valor durável. O que antes tinha um caráter infinitivo (ser excelente) passou a ser um atributo no gerúndio (sendo excelente). Os heróis de hoje não são mais referência para amanhã. Os valores de hoje já são obsoletos. Por meio desta cultura da excelência instaura-se o pânico da exaustão próxima e inevitável. Apesar disso, sabemos que a excelência é condição imprescindível de sobrevivência de pessoas e empresas, e perseguir esta competência tão mutável não é apenas a melhor opção, mas a sina de todos. Caberia destacar, não obstante, que as empresas são o lugar onde se há de viver esse fardo e elas que, por meio de sua política de dominação psicológica, vão cobrar duramente de cada indivíduo que ele não só seja, mas também queira ser esse "herói insaciável" (Enriquez, 2000b).
O indivíduo liga-se à organização estratégica (ou hipermoderna, denominação utilizada por Pagès et al., 1987) não somente por laços morais e materiais ou por vantagens econômicas e satisfações ideológicas que lhe proporciona, mas também, e principalmente, por laços psicológicos.
A estrutura inconsciente de seus impulsos e de seus sistemas de defesa é ao mesmo tempo modelada pela organização e se enxerta nela, de tal forma que o indivíduo reproduz a organização, não apenas por motivos racionais, mas por razões mais profundas, que escapam à sua consciência. A organização tende a se tornar fonte de sua angústia e de seu prazer. Este é um dos aspectos mais importantes de seu poder. Seu domínio está na sua capacidade de influenciar o inconsciente, de ligá-lo a ela de forma quase indissolúvel. (Pagès et al., 1987, p. 144)
A organização se instaura, funciona e se consolida no interior de um campo passional e pulsional das pessoas. Para que ela possa combater as angústias dos trabalhadores e seus processos autodestrutivos, mobilizar a força combativa desses indivíduos, suscitar a idealização de seu ser e de suas práticas e, assim, favorecer a emergência de condutas de performance, seus dirigentes utilizam-se de determinadas "ferramentas", que, como descreveu Enriquez (2000b), são a doença da idealização o incentivo à participação e ao comprometimento, o estabelecimento de perfis profissionais relativamente homogêneos e heterônomos, a sedução pela possibilidade do status social e a provocação de sentimentos de culpa e de vergonha.
Em sua aplicação às relações de trabalho essas "ferramentas" fazem com que os indivíduos se liguem à empresa e a reforcem, prendendo os sujeitos na armadilha de seus próprios desejos de afirmação narcísica, bem como criando uma doença da idealização, na medida em que pedem aos indivíduos não só que a idealizem e se identifiquem com ela, mas também que lhe dediquem incondicional amor e devoção. Tais fatos são determinantes para a criação de uma ideologia que não permite outras visões de mundo. Assim, os valores e as normas são introjetados pelos sujeitos e, consequentemente, geram indivíduos sem autonomia.
As políticas gerenciais estratégicas pretendem estabelecer novos compromissos com os sujeitos, entre os quais o rígido controle do processo de trabalho seria substituído por estratégias mais sutis de motivação, com destaque para o incentivo à participação. A gestão estratégica preocupa-se não tanto em controlar os corpos, mas principalmente em transformar a energia libidinal em força de trabalho. A repressão é substituída pela sedução, a imposição pela adesão e a obediência pelo reconhecimento. Ao buscar o comprometimento, as organizações participativas incentivam o vínculo entre seus integrantes e diferentes aspectos do contexto organizacional.
Quando a empresa solicita aos seus trabalhadores que se engajem em seu projeto, ela busca a identificação deles com seus objetivos. Essa demanda supõe um tipo de trabalhador diferente do que se submetia às formas tradicionais de gestão. Cada vez mais vem sendo enfatizada a necessidade de um novo perfil de trabalhador: qualificado, autônomo, criativo e polivalente.
A investigação dos perfis de trabalhadores participativos requer que se avaliem os processos de identificação coletivos desenvolvidos por eles. Na busca de maior comprometimento de seus integrantes, a organização os pressiona a se identificarem com ela, com os seus valores e objetivos. Uma efetiva identificação suporia o estabelecimento de perfis profissionais relativamente homogêneos, desenvolvidos em sintonia com os valores organizacionais (Coutinho, 2006).
Adentramos, neste momento, em um dos paradoxos de tal modelo de gestão, já que as exigências são por vezes contraditórias. Questionemo-nos então: como obter um indivíduo criativo e autônomo, mas ao mesmo tempo semelhante à massa de trabalhadores?
Vejamos que a organização se apresenta como um lugar fértil e praticamente o único onde os desejos e os projetos do sujeito podem se realizar. Daí seu papel exclusivo na construção de representações coletivas e o "estímulo" por ela dado à satisfação das necessidades narcísicas dos indivíduos, colocando-os diante do desafio de provar sua existência e de instaurar uma luta pela vida (em especial a vida psíquica). Propõe-se, dessa maneira, que o narcisismo individual terá toda a liberdade de expressar-se e de realizar a ilusão de ser um ego forte e coeso.
Não obstante, à medida que o sujeito valoriza o que a organização lhe apresenta como "ideal comum", ele corre o risco de abraçar um ideal de ego que é o da organização e com o qual ele pode acabar por confundir e misturar o seu próprio. A relação que os indivíduos mantêm com a organização não é meramente objetiva, passível de cálculo claro e racional, mas sim, mediada por laços psicológicos quase sempre não evidentes para eles.
Sendo assim: "... o imaginário organizacional propõe uma 'carta imaginária' ou um 'menu' de estruturação simbólica das representações mentais que vai permear as atitudes do indivíduo e sua relação com o trabalho, consigo mesmo e com os outros" (Freitas, 2006, p. 56).
Notamos, portanto, que o pressuposto da autonomia, teoricamente valorizado pela organização, já começa a desmoronar. Le Goff (1995) corrobora a argumentação acima apresentada ao mencionar esse estranho casamento entre obediência e liberdade celebrado pelas empresas hipermodernas, já que em suas retóricas enfatizam a autonomia e a responsabilidade, mas estas se combinam com inúmeros instrumentos de avaliação e controle, cada vez mais frequentes e sofisticados - em especial as ferramentas de avaliação de desempenho - sem mencionar os aspectos psicológicos inconscientes.
As empresas que empregam a gestão estratégica (em geral as multinacionais) fundamentam-se na sedução pelo status e usam desse poder para atrair as pessoas que trabalham ou trabalharão a seu favor. Tais empresas pretensamente constroem a pseudoautonomia para seus funcionários, em especial para cargos de maior poder, como chefias, cargos gerencias e corpo executivo. Viagens em primeira classe, jantares suntuosos, hotéis cinco estrelas, enfim, permitem a sensação de liberdade e a demonstração de status de pessoas de sucesso financeiro, gerando um sentimento de segurança, mas sob o controle da empresa. O fornecimento dessas recompensas, na verdade, pode ser (e na maioria das vezes é) a aniquilação da autonomia. O intercâmbio entre sujeito e empresa se consolida por meio de privilégios que são assimilados pelo indivíduo e socialmente legitimados. Acentua-se assim o modelo de sucesso valorizado em nossa sociedade.
Tais condições fazem calar a possibilidade dos sujeitos terem uma vida interior com seu repertório de interrogações e de dúvidas. Os homens da organização esquecem, dessa forma, a complexidade de seu psiquismo. Não tomam consciência de seu Eu. Pode-se dizer que a organização, querendo estabelecer seu domínio sobre o inconsciente, tenta, na verdade, impedi-lo de aflorar, fazendo-o emudecer, e constrói indivíduos que se evitam uns aos outros.
Outra estratégia é o estabelecimento de um processo de psicologização dos problemas. Num universo onde o indivíduo é colocado no centro, tanto o sucesso quanto o fracasso jamais são atribuídos à estrutura da organização, mas à atitude do indivíduo, que deve, a cada momento, superar todas as novas provas a que é submetido.
Para tanto, a organização reforça o sentimento de culpabilidade e o sentimento de vergonha. Esse último manifesta a angústia diante do ideal de ego, já a culpabilidade expressa a angústia diante do superego. Sendo o ideal de todo homem confundido com o ideal da organização, que visa à performance da excelência, cada indivíduo deve provar da vergonha quando não se mostra à altura desse ideal, quando não chega a realizar seus objetivos e a superar-se. A organização, chegando a provocar nos indivíduos um sentimento ao mesmo tempo de culpa e de vergonha, tem ao seu dispor indivíduos prontos a se sacrificar por ela (Pagès et al., 1987).
Por fim, as organizações estratégicas pretendem incutir em cada trabalhador a ideia de que o "primeiro a chegar" pode ser um ganhador, um herói criativo capaz de violar as leis da formação coletiva e de assumir, sozinho, os riscos que podem custar sua carreira ou sua "vida".
O sistema constituído pela racionalidade instrumental quase sempre impossibilita a emergência do ser humano, abafando seu poder de escolher e mesmo de delinear seu próprio destino, dificultando assim a manifestação do sujeito, até porque a autonomia dada ao indivíduo se apoia num quadro previamente definido. A esse respeito Berger e Luckmann (1998, p. 80) colocam: "As instituições ... controlam a conduta humana estabelecendo padrões previamente definidos de conduta, que a canalizam em uma direção por oposição às muitas outras direções que seriam teoricamente possíveis".
Dessa forma, a organização atinge o seu fim, que é criar indivíduos heterônomos, no entanto, concomitantemente inovadores, e adquirem, também, a posição de apreender os receios e os desejos de seus membros. Ela sabe que em cada ser humano existe uma "falha irremediável", uma angústia que conduz à necessidade de ser protegido, nutrido por um "ser fora do comum". Essa necessidade decorre das primeiras ligações ao corpo e à linguagem da mãe.
Cada sujeito tenta preencher suas faltas e obter satisfações narcíseas. A organização, apresentando-se como toda poderosa, fornece a cada sujeito os elementos de segurança que lhe permitirão saciar seu desejo de completude (Enriquez, 2000b, p. 21).
Com esta oferta imaginária elas conseguem exigir um perfil profissional adequado ao sucesso organizacional: indivíduos sutis, capazes de tomar iniciativas e de reagir o mais rápido possível, dando prova de leveza e de flexibilidade diante dos acontecimentos imprevisíveis, constantes e numerosos com os quais são confrontados. Todo o mundo se torna um jogador, tentando ganhar e devendo ter sucesso, mesmo nas piores condições. Ela exige homens que sejam "guerreiros", "ganhadores", esportivos, aquele que deve, de acordo Enriquez (2000b, p. 29), ser chamado de "matador cool":
"Não se trata, pois, de eliminar um adversário ou um concorrente com paixão, é preciso fazê-lo, ao contrário, com doçura (e não matá-lo definitivamente, pois, ele pode um dia, talvez, revelar-se útil)".
A estrutura estratégica, mais que outras, exige um reforço da teatralidade. Os tempos não são mais do chefe que comanda, mas daquele que seduz, persuade e sabe jogar com as aparências. Nossa sociedade é uma sociedade onde a aparência triunfa, em outras palavras, uma "sociedade do espetáculo" (Debord, 1997), que prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser.
Os indivíduos estão presos nas identificações heróicas. Aqueles que são bem-sucedidos tomam a si mesmos como ideal. São verdadeiros Narcisos. Essa identidade narcisista não os impede, entretanto, de se mostrarem leves, flexíveis. Eles têm ciência de que para serem bem-sucedidos devem poder adotar "múltiplas identidades", segundo as situações, ambientes e interlocutores. Os "homens de aparência", como denominou Enriquez (2000a), modulam seu papel social segundo as circunstâncias - o que nós denominamos de indivíduos células-tronco. Eles são sempre no instante aquilo que devem ser para terem sucesso.
Para a estrutura estratégica, o outro existe realmente. É preciso conhecê-lo, dar-lhe a impressão de ser respeitado, de ser valorizado. O outro é uma peça mestra do gerenciamento estratégico participativo, já que a empresa necessita, para sua sobrevivência ou seu crescimento, da capacitação e da integração dos seus membros, por mais modestos que sejam. Desse modo é necessário "comunicar-se" com o outro, extrair o máximo de seu potencial.
Não obstante, o espetáculo é, materialmente, a demonstração do afastamento entre o homem e o homem. Existe assim uma "falha" da faculdade de encontro, e como sua substituição por um fato alucinatório social, a falsa consciência do encontro, a "ilusão do encontro". Numa sociedade em que ninguém consegue ser reconhecido pelos outros, cada indivíduo torna-se incapaz de reconhecer sua própria realidade.
Os amigos não existem mais, os adversários irredutíveis tampouco. No universo da estratégia, não podem ter êxito senão as relações de negócios, e elas exprimem a força de cada um dos parceiros em um dado momento. Os comunicadores continuam sempre "matadores", frios e resolutos. (Enriquez, 2000a, p. 34)
Fica assim revelada uma exigência narcisista do modelo organização estratégica, no qual o indivíduo deve reconhecer a alteridade, num plano onde a comunicação e as boas relações de trabalho são valorizadas, porém apenas como ferramentas para o próprio sucesso.
O cotidiano de muitos dos trabalhadores se apresenta sobrecarregado de afazeres, envolvido por símbolos de poder e sem tempo para reflexão. Eles se encontram cindidos do social, enquanto sujeitos voltados para si próprios, sem se dar conta dos efeitos da colonização, e submetidos a um processo de comunicação restrito, que dificulta sua emancipação.
Pizza (1995) enfoca esse problema, afirmando que o homem atual "ganha confortos e facilidades materiais, mas assiste, impotente, à morte do espírito e à perda do centro ordenador de seu sentido ético" (p. 59). Isso se traduz na observação de que o apego ao prestígio faz parte da ambição dos seres, o que só reforça o empenho das empresas em preencher seus funcionários de vantagens indicativas de status na sociedade capitalista.
A influência do mundo sistêmico forma individualidades que se afiguram como mercadorias. Tal ordem instrumental, transformada em realidade objetiva, tende a destituir os sujeitos de sua condição humana. Isto significa que a situação emocional e as realizações humanas dos trabalhadores estão à mercê de uma vida cotidiana transformada e dominada por um exercício de sobrevivência. Notamos que os trabalhadores são "propriedades" das organizações onde trabalham e funcionam como agentes disseminadores dos seus propósitos. Toda uma vida passada sob tensão, aparente e/ou real, já deve ser um consistente motivo para a busca de alternativas a este sistema estabelecido.
Considerações Finais
O trabalho é uma atividade que envolve todas as dimensões do homem (física, psíquica e social, entre outras) em seu cotidiano e aparece, definitivamente, como um operador fundamental na própria edificação do sujeito, revelando-se também como um mediador privilegiado entre inconsciente e campo social e entre ordem singular e ordem coletiva. Dessa forma, não é apenas um palco aberto ao investimento subjetivo, mas um espaço de construção do sentido - portanto, de conquista de identidade e da historicização do sujeito. Vemos, assim, que as organizações, além de serem lugares de produção material, são também espaços de interação e representação humana, habitados por um imaginário que é socialmente construído e veiculado interna e externamente.
No entanto, a precarização do trabalho, a reengenharia industrial, os empregos marginais, os remanejamentos regionais, a divisão entre "estáveis" e "temporários" têm produzido fragmentações nas organizações sindicais e enfraquecimento da solidariedade. A reestruturação industrial e a intelectualização das tarefas (o papel cada vez maior das ciências e das técnicas em todos os níveis da produção) geram frequentemente um aumento na exigência de rendimento do trabalho e acirramento da competição, além de menor participação nas decisões, as quais são então tomadas em âmbitos distantes e impessoais, o que, comumente desarticula as relações comunitárias de amizade e vizinhança. Desse modo, os espaços de sociabilidade comunitária, desinvestidos, se fecham.
Diante do exposto acima, a definição de trabalho como dignificador do homem (o que permite ao sujeito a condição humana e a formação social: como enunciou Marx, 1989) se esvai. Evidencia-se no cenário contemporâneo a supremacia do emprego sobre o trabalho. E a instrumentalização e objetificação dos indivíduos se revelam como resultados mais plausíveis quando estes ficam submetidos à lógica de mercado e habitantes das relações de trabalho atuais (como em modelos de gestão estratégica).
E pudemos constatar, ainda, que fora do ambiente organizacional, o trabalhador é estimulado a transportar os conceitos de eficiência e de qualidade para a sua vida pessoal, para os relacionamentos na família, de forma que cada vez mais ele possa se entregar ao "pensamento enxuto", voltado para eficiência das tarefas, para a sua organização produtiva, para o combate ao desperdício de tempo e à canalização da discussão exclusivamente para a conquista e superação de metas objetivamente mensuráveis.
Deste modo, é a relação estabelecida entre o organizacional influenciado pelo social e o social influenciado pelo organizacional que mantém uma simbiose entre tais instâncias, daí a definição e o entendimento desse homem como ser sócio-histórico. Não há como isolar esse tipo de relação, ambos são interdependentes alimentando e sendo alimentado pelo sistema capitalista monopolista-financeiro em sua completude. Portanto, é nesse contexto contemporâneo, estabelecido anteriormente, que tal modelo de gestão encontra campo para se desenvolver em patamar jamais visto anteriormente.
A assimilação realizada neste artigo nos permitiu clarificar algumas possíveis causas das patologias sociais decorrentes do mundo cada vez mais cruel que se enfrenta na vida profissional, porque a ideologia estratégica não se limita ao intrínseco das organizações formais de trabalho: está em cada atividade que hoje se encontra submetida à apropriação competitiva (e qual não está?) do (oni)presente mercado. Isto nos revela novas possibilidades de estudo que venham ao encontro do mal-estar contemporâneo representado pelo sofrimento psíquico fruto da vida cotidiana.
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Recebido: 03/07/2012
1ª revisão: 28/10/2012
Aceite final: 13/11/2012
Este trabalho é fruto de reflexões desenvolvidas no Grupo de Pesquisa (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq): "Figuras e Modos de Subjetivação no Contemporâneo".
1 A psicossociologia francesa é um campo disciplinar muito dinâmico que, desde a sua formação, tem sofrido transformações, tanto em suas influências teóricas quanto nas análises de seus objetos de estudo. No início, Lewin, Moreno e Rogers trazem grandes contribuições. Progressivamente, a psicanálise freudiana passa a ter um grande destaque, assim como as obras de Bion. A participação de outras disciplinas, como a sociologia e a história, tornam-se também mais evidentes. Para maiores informações ver: Bendassolli e Soboll (2011).
2 Ao desenvolvermos o sistema de dominação psicológica, no qual se inserem os processos de psicologização dos problemas e de culpabilização dos sujeitos, veremos que essa fiscalização e controle das ações se darão por meio de uma organização imaginária que se encontra introjetada pelos indivíduos. Dessa forma, nas organizações estratégicas o controle se efetiva de indivíduo para indivíduo e, de maneira especial, através do autocontrole.
3 O Modelo Japonês de Gestão (MJG) tem sido apresentado como o contraponto moderno das técnicas tayloristas de administração de empresas. Por oposição ao trabalho parcelar, simples e segmentado, desenvolvido nas empresas de ideologia norte-americanas tayloristas, o trabalho nas empresas japonesas é caracterizado como polivalente e politécnico. Em contraposição à contínua desqualificação da força de trabalho ocidental, o trabalhador japonês aparece em estado de permanente qualificação. Em confronto com a hierarquia de ferro das firmas tayloristas, as empresas japonesas são apontadas como modelos de gerência participativa (Malaguti, 1996).
4 Para Sennett, o "novo capitalismo" afeta o caráter pessoal dos indivíduos, principalmente porque não oferece condições para construção de uma narrativa linear de vida, sustentada na experiência. Ele demonstra, ao utilizar o recurso metodológico de história de vidas, como o trabalhador fordista (exemplificado pela história de vida de Enrico), apesar de ter o seu trabalho burocratizado e rotinizado, consegue construir uma história cumulativa baseada no uso disciplinado do tempo com expectativas a longo prazo. Por outro lado, para o trabalhador flexibilizado (como no caso de Rico - filho de Enrico), as relações de trabalho, os laços de afinidade com os outros não se processam no longo prazo, em decorrência de uma dinâmica de incertezas e de mudanças constantes de emprego e de moradia que impossibilitam os indivíduos de conhecer os vizinhos, fazer amigos e manter laços com a própria família. Diante das mudanças no mundo do trabalho "... como se pode buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações duráveis?" (Sennett, 2001, p. 27). Este é o grande desafio, segundo o autor, que as pessoas no contexto atual têm que enfrentar.