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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.21 no.3 Ribeirão Preto dez. 2013
https://doi.org/10.9788/TP2013.3-EE14PT
ARTIGOS
Homossexualidade, juventude e vulnerabilidade ao HIV/Aids no candomblé fluminense
Luís Felipe Rios1
Laboratório de Estudos da Sexualidade Humana da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil
RESUMO
Este artigo discute a organização das parcerias sexuais de jovens homens com práticas homossexuais, na perspectiva de compreender o que os torna socialmente mais suscetíveis à epidemia de Aids. Os dados aqui discutidos são oriundos de pesquisa etnográfica em terreiros de candomblé queto fluminenses que foi operacionalizada por meio de observação participante, entrevistas temáticas com os adeptos em diferentes posições na hierarquia sacerdotal e entrevistas com enfoque biográfico com homens jovens com práticas homossexuais. No processo de análise os resultados sobre a construção das homossexualidades no contexto do candomblé foram colocados em paralelo com resultados de outros estudos realizados em outros contextos, permitindo aprofundar as lógicas de emergência dos fenômenos em estudo. A análise apontou para processos opressivos relacionados com gênero, idade e amor romântico. Apesar da aceitação tácita das homossexualidades pela cultura religiosa, gênero e idade orientam e oferecem significados para as parcerias sexuais que tendem a desprestigiar as posições assumidas por homens efeminados e/ou mais jovens. O amor romântico opera a partir das diferenças estabelecidas, oferecendo o tom afetivo para a realização das parcerias fixas, ao mesmo tempo que desiguala os parceiros. Seja nas parcerias fixas, seja nas ocasionais, esses elementos atuam, podendo fazer emergir arranjos sexuais contextuais que tornem os jovens com práticas homossexuais mais vulneráveis ao HIV e à Aids.
Palavras-chave: Juventude, homossexualidade, vulnerabilidade, HIV/aids, religiões afro-brasileiras.
Este artigo discute a organização das parcerias sexuais de homens que fazem sexo com homens (HSH) jovens, na perspectiva de compreender o que os torna socialmente mais suscetíveis ao HIV e à Aids. Ele é embasado em uma pesquisa etnográfica, realizada em terreiros de candomblé fluminenses, a qual se configurou em resposta às análises epidemiológicas realizadas no início da década de 2000. Estas mostravam que, no Brasil, as taxas de Aids diminuíam entre bissexuais e homossexuais adultos, mas cresciam entre os jovens (Barreira, 2002). Naquela mesma época, observava-se uma carência de pesquisas sobre a organização da vida sexual de HSH jovens, dificultando a realização de análise da vulnerabilidade destes ao HIV/Aids (Rios, Pimenta, Brito, Terto, & Parker, 2002).
Embora, na última década, tenham crescido as iniciativas voltadas para a prevenção da Aids entre HSH jovens, sua tendência de suscetibilidade ao HIV (Beloqui, 2008) se agravou, especialmente entre os jovens (Ministério da Saúde, 2011a). As análises divulgadas pelo Ministério da Saúde (2011a) revelam que, entre homens na faixa etária de 15 a 24 anos, houve aumento proporcional da categoria de exposição HSH, passando de 25,2%, em 1990, para 46,4%, em 2010. O boletim ainda aponta que: "Quando se compara esse grupo com os jovens em geral, a chance de um jovem gay estar infectado pelo HIV é aproximadamente 13 vezes maior" (Ministério da Saúde, 2011a, p. 2).
O quadro atual, em conjunto com a escassez de literatura que aprofunde a articulação entre homossexualidade, juventude e vulnerabilidade ao HIV/Aids, me fizeram retornar à pesquisa realizada em comunidades-terreiro do Rio de Janeiro. Ainda que datem do início dos anos 2000, atualizadas as análises e discussões, acredito que elas possam ser pertinentes e atuais, contribuindo para pensar o persistente quadro que afeta os homens jovens com práticas homossexuais.
Culturas Sexuais e Vulnerabilidade ao HIV
Ainda sobre o contexto epidemiológico da Aids, os dados das Pesquisas de Conhecimentos, Atitudes e Práticas (PCAP) apontam que o conhecimento dos HSH jovens sobre as formas de infecção pelo HIV é alto: 97% dos homens de 15 a 24 anos sabem que o uso do preservativo é a melhor maneira de evitar o HIV. Não obstante, os relatos sobre o uso do preservativo são preocupantes: o uso com qualquer parceiro, por exemplo, é de 43% (Ministério da Saúde, 2011a, 2011b). Nessa mesma linha, Szwarcwald et al. (2011), comparando os dados de 2007 e os de 2002 dos estudos nacionais com conscritos, apontam uma piora no índice de comportamento sexual de risco entre os HSH jovens.
Os documentos do Ministério da Saúde (2011a, 2011b) sobre prevalência da Aids e o comportamento sexual de HSH e outros estudos realizados sobre os temas (Andrade et al., 2007; Beloqui, 2008; Gondim et al., 2009; Szwarcwald et al., 2011) apresentam um retrato da epidemia e sugerem o reforço de ações de enfrentamento entre os HSH jovens. No entanto, esses estudos não oferecem elementos suficientes para o planejamento das ações, na medida em que não conseguem aprofundar o que faz com que os HSH jovens, mesmo que muitas vezes bem informados sobre o HIV e as medidas de prevenção, deixem de utilizar o preservativo em seus encontros sexuais.
Na linha de responder à questão de "o que faz com que" os HSH jovens exerçam sexo desprotegido, embasei-me em uma abordagem teórica, que localiza a sexualidade como construção social. Nessa abordagem, concebe-se que a biologia é muito fraca para orientar os desejos, os objetos e as práticas sexuais, os quais são situados culturalmente (Gagnon, 2006). Do mesmo modo que as outras dimensões de humanidade, a sexualidade é constituída pelas interações estabelecidas nos diversos contextos de desenvolvimento, como a família, a vizinhança, os grupos de pares, a escola, a comunidade religiosa etc. (Paiva, 2008).
Parker (2000) sugere que, para subsidiar a construção de estratégias preventivas eficazes, as pesquisas em sexualidade e Aids devem dar relevo aos contextos comunitários, ocupando-se de desvelar as culturas sexuais que sustentam as interações entre as pessoas, nos diferentes arranjos sexuais possíveis, em diversos contextos e situações. Nessa linha, para entender a passagem do HIV de pessoa a pessoa, via relações sexuais, é preciso compreender a lógica que orienta a formação das parcerias sexuais, e quais práticas sexuais estas abrigam (Rios, 2004a). Parcerias e práticas que, atravessadas pelas categorias sexuais, de gênero e eróticas (Parker, 1991), vão integrar aquilo que Rubin (1993) denominou sistemas de sexo-gênero. Lancaster (1999) lembra que, ao ser apreendido em dado sistema de sexo-gênero, o corpo ganha significado e valor, quando é posicionado no e pelo sistema que o engendra.
O processo de engendramento da sexualidade e do gênero constitui relações de poder em micro e macroescalas, tendo efeitos concretos no acesso das pessoas (sexuadas, generizadas, erotizadas, etarizadas, racializadas etc.) a bens e serviços, agravos à saúde e violação de direitos (Parker & Aggleton, 2001). Nessa perspectiva, a operação do sistema de sexo-gênero, na interação com marcações etárias, raciais e outras, pode tornar a pessoa mais vulnerável a dado regime de agravos à saúde ou violação de diretos. Vulnerabilidade que, como o sugerem Ayres, França, Calazans e Salleti (2003), deve ser pensada como se dando a partir de três níveis ou componentes, que se interconectam: o sociocultural (os significados e valores compartilhados coletivamente), o programático (respostas governamentais às violações de direito e agravos à saúde) e o pessoal (a singularidade do indivíduo constituída na relação com as outras instâncias). É a relação de forças interna a cada componente, e entre os três componentes, que posiciona a pessoa no sistema.
No entanto, a posição não é fixa, é sempre contextual. As pessoas, a cada interação social, ao atualizarem as múltiplas categorias sociais, colocam em ação os variados roteiros interpessoais (Gagnon, 2006) que estas comportam. Por tudo isso, é muito difícil prever as condutas sexuais, ainda que seja possível, a posteriori, compreendê-las.
Metodologia
As indicações da análise de situação apresentada, confrontadas com a perspectiva teórica que dá relevo a contextos específicos de interação como unidades de análise da construção da sexualidade e de seus agravos, e minha experiência prévia de estudo no candomblé (Rios, 1997) me levaram a perceber comunidades-terreiro como bons lugares para realizar a pesquisa. Não obstante, embora a literatura especializada apresente os terreiros de candomblé como homófilos (Birman, 1995; Fry, 1982; Segato, 1995; Teixeira, 1987), a experiência etnográfica mostrou uma divergência na apreensão dos homens efeminados, relacionada com as linhagens de culto, as "nações".
Destaco que, no primeiro ano da pesquisa, observei terreiros de nação queto de primeira geração, considerados os mais tradicionais pelo campo religioso afro-brasileiro fluminense e pela academia. A partir do segundo ano da pesquisa, ao mesmo tempo em que ampliei minha circulação por terreiros de outras nações (efon, jeje, ijexá, angola etc.) e modalidades religiosas (umbanda), realizei observação sistemática em dois terreiros de candomblé, também queto, mas de terceira ou quarta geração. Ainda que "mais novos", eles conseguem encontrar certo status no campo; por isso, denomino-os emergentes.
Nos terreiros quetos, há certa exigência para que os homens declaradamente homossexuais diminuam a visibilidade de suas posições sexuais por meio de atributos hegemonicamente concebidos como femininos, em especial nos dias de festa pública. Entre os emergentes, o redobrado cuidado com as supracitadas performances de gênero pelos homens, aliado a um jogo de agências relacionado com sinais de senioridade (biológica e religiosa) das mulheres, busca emitir sentidos de tradicionalidade para o campo religioso mais amplo. Todos os esforços concorrem para que se diferenciem de outras linhagens de candomblé, em especial do efon, em que a feminilidade agenciada por homens é incentivada (Rios, 2004b, 2012a).
Também realizei 10 entrevistas temáticas e seis entrevistas com enfoque biográfico com adeptos do candomblé. As entrevistas temáticas foram realizadas com pessoas de ambos os sexos e de diferentes inserções de gênero, erotismo e hierarquia sacerdotal, variação que permitiu ter uma noção mais ampla de como essas posições sociais matizam as compreensões sobre sexualidade. As entrevistas com enfoque biográfico permitiram compreender como, situados pela cultura sexual do candomblé, as pessoas lidam com a sexualidade em seus próprios termos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
A análise dos dados consistiu, inicialmente, em identificar, nas cenas observadas ou relatadas, a pertinência de elevar categorias sociossexuais nativas ao estatuto de personagens. Isso acontece quando tais categorias se autonomizam e, independentemente de ator ou locutor, conseguem pautar roteiros interpessoais (Gagnon, 2006) nas histórias narradas. São exemplos de categorias que elevei ao estatuto de personagens: okó (homens masculinos) e adé (homens femininos); mais velho e mais novo; mocinho em perigo e salvador. A segunda etapa da análise consistiu em buscar perceber, nas cenas, como o espaço e o tempo, socialmente construídos, e como os outros atores/personagens modulavam os enredos, ou seja, ter elementos para compreender as incongruências e inflexões que as categorias sofrem ao serem utilizadas para significar a vida. Também busquei perceber como personagens são significadas de forma diferenciada a partir das posições dos entrevistados no campo; e como, em circunstâncias específicas, ganhavam valor diferenciado, com implicações de acesso aos bens e serviços. Nos dois momentos analíticos, perceber a relação entre significado, valor e posição foi fundamental para identificar situações ou contextos de vulnerabilidade ao HIV/Aids.
Finalmente, confrontei as análises do contexto do candomblé fluminense com análises da construção das parcerias de HSH jovens frequentadores da comunidade homossexual do centro do Rio (Rios, 2003a, 2003b, 2004a, 2012a), estudo desenvolvido em paralelo com o aqui apresentado. Também utilizei, como outros contextos comparativos, pesquisa sobre a homossexualidade nos terreiros de candomblé pernambucanos (Rios, 1997, 2011) e pesquisa recente sobre homofobia e subjetivação no Recife (2012b). Neste último caso, apresentarei elementos de uma etnografia da comunidade dos ursos2, construída a partir de observação participante em pontos de encontro on-line (sites de relacionamento e veículos de comunicação da Internet) e off-line (praças, bares, saunas e outros estabelecimentos comerciais) de seus integrantes e entrevistas (Rios, 2012b). Não obstante, ressalto que o recurso a elementos dessas etnografias acontecerá quando elas ajudarem a iluminar questões referentes à inserção dos HSH jovens na cultura sexual dos terreiros, meu foco neste trabalho. Um aprofundamento delas pode ser encontrado nos textos referenciados.
A comparação, que também envolveu lançar mão de outras etnografias sobre a organização da sexualidade dos(as) brasileiros(as) em outros contextos (Fry, 1982; Paiva, 2000; Parker, 1991; entre outros), sugere que a cultura sexual do candomblé não deve ser pensada como distinta da cultura sexual brasileira, mas como uma de suas inflexões. Categorias-chave para a organização da sexualidade em outros contextos reaparecem entre os candomblecistas, mesmo que muitas vezes reindexadas. Esse paralelo entre etnografias permitiu, então, aprofundar as análises, na medida em que, no confronto, foi possível mais bem explorar as logicas culturais que permitem os fenômenos em estudo emergirem.
Resultados e Discussão
Antes de passar à vida sexual dos HSH, apresentarei um rápido panorama dos princípios e da organização mais geral dos terreiros, os quais servirão como pano de fundo para localizar o leitor menos apropriado desse universo religioso3.
As Comunidades de Culto
O candomblé queto se apresenta como uma religião politeísta e de possessão em que os orixás (divindades), relacionados com os fenômenos naturais e patronos de atividades sociais, são temperamentais e muito humanos. Deuses e deusas que sentem desejos e têm fome, exigindo comidas as mais diversas. Um extenso corpus mitológico é passado oralmente e serve de guia para os rituais e as ações humanas.
Os centros religiosos de candomblé são denominados terreiros e existem para que sejam viabilizados contatos favoráveis entre aiê (este mundo) e orun (o outro mundo), os quais se fazem via manipulação do axé (energia mística). Pessoas são iniciadas como sacerdotes e sacerdotisas da religião, aprendendo, com o galgar de uma hierarquia, os fundamentos para o serviço religioso. Termos de parentesco nomeiam a hierarquia do terreiro; assim, pai ou mãe de santo se configurará como sacerdote(isa) supremo(a), que é auxiliado(a) em seus serviços por outros sacerdotes(isas): os(as) filhos(as) de santo.
Os(as) filhos(as) de santo capazes de entrar em transe são chamados(as) rodantes. Nessa categoria, temos duas subcategorias etárias: iaôs e ebômis. A iaô (esposa mais nova do orixá) vai progredindo na hierarquia juntamente com a realização das obrigações (rituais) que confirmam a iniciação - um ano, três anos e sete anos. Realizada a obrigação de sete anos, que deve acontecer, no mínimo, sete anos cronológicos após a iniciação, a pessoa se torna ebômi (meu[minha] irmão[ã] mais velho[a]). A pessoa adquire, então, o status de mais velho, ganhando distinção dentro da família de santo. Os não rodantes seguem outro caminho iniciático: são denominados ogãs (os homens) e equedes (as mulheres), sendo pessoas escolhidas pelos orixás para realizarem alguns serviços religiosos incompatíveis com o transe. Os primeiros são responsáveis pelos sacrifícios dos animais, o toque dos atabaques e a manutenção da ordem do terreiro em dias de festa, e as equedes auxiliam os santos em suas atividades no aiê - ajudam-lhes a se vestir, acompanham-lhes na dança etc. Ogãs e equedes, quando iniciados, são tratados logo como mais velhos. Apresentado muito sinteticamente o terreiro, sua missão no aiê e a hierarquia que se forma para cumpri-la, posso caminhar rumo ao modo como os adeptos entendem a sexualidade e apreendem os HSH.
Personagens da Vida Sexual
Como ponto de partida para apresentar a análise realizada, tomo o relato de Pai Lipe4sobre sua vida sexual e sobre seu parceiro amoroso. A conversa se deu via e-mail, em uma lista de discussão sobre religiões afro-brasileiras na Internet:
Tenho 40 anos, apesar de aparentar bem menos (olha a vaidade, afinal, sou de Osum). Sou contador, trabalho de segunda a sexta. Aos sábados, eu alterno: de 15 em 15 dias, vou para o barracão (templo); nos outros, passeio. O meu domingo é sagrado, passo a manhã na cozinha e o resto do dia na cama vendo filmes. Sou um homem homossexual. Não lhe conheço [sic], não sei qual sua condição sexual, nem seu comportamento. Por isso, não se ofenda, se for o caso, mas não gosto de homens afeminados (vulgarmente falando, de viadinhos). Não escondo de ninguém o que sou, mas sempre imponho respeito pela minha conduta. A maioria dos meus amigos (amigos de verdade) são heterossexuais e nos respeitamos. Os homossexuais que são meus amigos (apenas dois) têm a mesma postura que eu. Tenho um companheiro que mora comigo há três anos (apesar de ter apenas 18 anos), [e que] também tem a mesma postura que eu. Aliás, esse meu companheiro é a maior prova da benevolência do orisa com o ser humano, pois, quando eu o conheci, ele era viciado em drogas e estava se iniciando no tráfico. Durante um ano eu passei o pão que o diabo amassou para tirar ele dessa vida. Cheguei a ser desmoralizado por meus familiares, "amigos" e alguns filhos de santo. Desci até o mais profundo grau de humilhação para poder tirar ele de lá. Hoje ele está totalmente livre das drogas (já fazem [sic] dois anos) e tem dois anos de feito do orisa Ynle. É a pessoa que mais admiro, e hoje sou uma pessoa feliz ao lado dele.
Um primeiro ponto a ser destacado é que, no candomblé, há um sistema de sexualidade que não se interessa pelos objetos sexuais eleitos pelas pessoas (Segato, 1995). Há, entretanto, rígidas regras de conduta sexual, necessárias para o cultivo do axé, regulando os adeptos em termos dos momentos de abstinência sexual (Rios, 2012a). Não obstante, as práticas e parcerias homossexuais ganham outros significados, por conseguinte, outros valores, que são muito diferentes da neutralidade que o sistema de sexualidade lhes confere.
Para chegar até eles, vou destacar três elementos do relato transcrito, com base nos quais aprofundarei a análise:
1. Os comentários do pai de santo sobre postura, que me conduzem a um sistema de gênero em que as personagens adé e okó são centrais na produção de enredos sexuais.
2. As referências às idades, em que sistemas etários jogam com os significados das fases da vida e marcam as parcerias sexuais; e,
3. A formação de emoções, como admiração e felicidade, que, situadas pelo amor romântico, dão o tom à afetividade que envolve os mocinhos em perigo e seus salvadores. Explorarei melhor cada um desses elementos.
Gênero: Adé e Okó
"Por isso, não se ofenda, se for o caso, mas não gosto de homens afeminados (vulgarmente falando, de viadinhos)" (Pai Lipe).
Pai Lipe se diz um homossexual não afeminado que prefere se relacionar com outro homem não afeminado ("não viadinho"). Ou seja, ele aponta em seu relato para uma distinção entre expressões de gênero e orientação sexual. Ainda que as práticas homossexuais sejam consideradas legítimas, isso não impede que os afeminados ganhem um valor diminuído no relato do pai de santo: "viadinho".
Nas comunidades-terreiro do Rio de Janeiro, entretanto, o que se observa é que as significações das parcerias sexuais são norteadas por cálculos de masculinidade e feminilidade, que vão tentar distribuir os homens em duas categorias sexuais: adés e okós. Os primeiros são homens que transam exclusivamente com homens, usam coisas categorizadas como femininas para construir suas performances públicas e são considerados passivos nas interações sexuais. Os okós são homens que usam coisas categorizadas como masculinas para montar suas performances públicas. Podem transar com mulheres ou com outros homens, desde que se mantenham ativos na interação sexual, não perdendo o status de homens mesmo.
Vale ainda dizer que o sistema de gênero dialoga com a hierarquia religiosa. Esta exige de certos membros, em determinados cargos, estilos específicos de ser homem. Como já discuti em outro trabalho (Rios, 2012a), um homem masculino pode ocupar qualquer cargo dentro da hierarquia do terreiro - seja ele rodante ou não rodante. No entanto, o mesmo não ocorre com os homens femininos. O caso dos ogãs (homens não rodantes) é mais eloquente, pois não devem agenciar marcas corporais de feminilidade - o que não quer dizer que não pratiquem transações homossexuais. Em minha interpretação, isso, em parte, se dá pela posição protetiva que as matriarcas do queto lhes atribuíram, de modo a salvaguardar a própria existência dos cultos, quando estes eram perseguidos (Rios, 2012a).
Embora os homens femininos não sejam excluídos de galgar a hierarquia religiosa e assumir posições centrais nela, exige-se que se masculinizem de modo a melhor apresentar o terreiro como uma casa de tradição (Rios, 2012a). Mas, volto a ressaltar, essa é a forma como o candomblé queto apreende os estilos de ser homem. Há outras modalidades de candomblé, denominada pelos quetos candomblés do veadeiro (Rios, 2004b), em que a feminilidade dos homens é notória5.
Voltando à organização dos casais: o modelo apresentado por Pai Lipe, embora desafiasse o modo como idealizadamente se configura o casal homossexual (adé/okó), foi o mais recorrente encontrado. Ainda que eu pudesse fazer distinção de graus de masculinidade/feminilidade nas agências configuradas pelos integrantes dos casais, não conseguia remeter os mais femininos à esfera da adeicidade. A posição de gênero que apresentavam não chegava a configurá-los como pintosos ou fechativos6, que o tipo idealizado adé requer. Em geral, os homens mais femininos dos casais passariam como okós.
Por outro lado, havia uma recorrente menção à dificuldade dos adés de se engajarem em parcerias fixas. Sempre escutava menção aos okós que eles estavam pegando (parceria casual), mas não conheci nenhum relacionamento mais longo de adé. Quando um adé aparecia com um okó, logo se cogitava algum pagamento (do adé ao okó) ou exploração (do adé pelo okó), como o que permitia a parceria ocasional acontecer.
Idade: Mais Velho e Mais Novo
"Tenho 40 anos, apesar de aparentar bem menos (olha a vaidade, afinal, sou de Osum)... Tenho um companheiro que mora comigo há três anos (apesar de ter apenas 18 anos)" (Pai Lipe).
A diferença de idade é recorrente entre os casais homossexuais que conheci ou dos quais ouvi falar, nos diferentes contextos pesquisados. Também é marca dos relacionamentos heterossexuais, como sugere Berquó (1998). Analisando os dados demográficos sobre casamento legal no Brasil até 1994, ela aponta para um traço cultural persistente: parcerias em que os homens são mais velhos, em torno de 3,6 anos, que as mulheres.
Entre os HSH do terreiro, a diferença de idade dos casais variava entre 10 e 20 anos. As biografias que me foram contadas sugerem que o roteiro sexual pautado na diferença de idades é atuante desde a infância, quando as crianças vão descobrindo os prazeres corporais, em interações marcadas, comumente, por pequenas diferenças de idade (aproximadamente três anos; Rios, 2003a).
Chamo a atenção que, nas diferentes biografias que coletei entre 2000 e 2004 com HSH jovens, era comum se referirem a interações sexuais penetrativas na infância e adolescência. Os relatos apontavam para a constituição de redes sexuais que, dadas as diferenças de idade, poderiam eventualmente envolver em sua malha jovens e adultos, constituindo caminhos para o HIV chegar aos homens mais novos. São relatos que iluminam os dados epidemiológicos sobre o aumento de casos de Aids entre meninas e meninos de 13 a 19 anos de idade (Ministério da Saúde, 2003), ou entre os HSH jovens de 15 a 24 anos (Ministério da Saúde, 2011a). Dado o período em que o vírus permanece assintomático (5 a 10 anos), elas e eles se infectaram na infância ou adolescência, idades da descoberta do prazer sexual (Rios, 2003a, 2004a).
Estabilidade Financeira, Juventude e Erotismo
Da infância à juventude, a diferença de idades persiste marcando as parcerias dos HSH estudados no contexto carioca (comunidade homossexual e candomblé). Existe uma valorização erótica da juventude dos homens entre 15 e 25 anos. Entre os 25 e os 30 anos, o capital erótico, constituído pela juventude e inexperiência sexual, vai dando lugar à estabilidade socioeconômica, conquistada ao galgar uma carreira profissional. A partir dos 30 anos, o estabelecimento financeiro e a experiência de vida gradativamente vão assumindo o lugar de principal atrativo erótico.
Destaco que, em cinco de seis casais pesquisados, os homens do terreiro compartilhavam do mesmo ethos de classe (Velho, 1987) e se distinguiam pelo acesso a um trabalho com remuneração suficiente para a autonomia financeira, relacionado com a idade com implicações da formação escolar e laboral. Eventualmente, classe social figurava como diferenciador econômico entre os homens, quase sempre em relatos sobre parcerias ocasionais.
Hierarquia Sacerdotal
No candomblé, outro sistema etário concorre com o modo como as idades são significadas na sociedade abrangente: é a hierarquia sacerdotal. No caso de Pai Lipe, idade de santo e idade ordinária se equiparam. Já seu companheiro, com 18 anos, estava nos primeiros degraus na hierarquia do terreiro. Em um dos terreiros que investiguei, os quatro casais existentes eram formados por homens com diferenças de idade de aproximadamente 10 anos. Um fato interessante acontecia: todos os homens mais velhos em idade ordinária eram mais novos de santo. Esse acontecimento me permitiu entender melhor as especificidades dos dois sistemas etários em concorrência.
Embora os mais novos de santo devessem prestar deferências aos mais velhos, constantemente a intimidade entre os homens partes dos casais suspendia as regras religiosas. Sobretudo em momentos de contendas e de divisões de tarefas, o fato de estar em uma posição superior na hierarquia era acionado pelos mais novos de idade/mais velhos de santo para justificar superioridade, situações que seriam impossíveis em outros cenários, dados as ideias e os valores que instituem os mais velhos de idade como possuidores de maior capital financeiro, social, cultural e sexual.
Assim aconteceu quando Lúcio (branco, 32 anos), após a festa de sua iniciação, foi liberado para transitar pelos outros espaços do terreiro e ficou irritado com o fato de seu companheiro, Leo (negro, 22 anos), iniciado na mesma casa de santo, entregar-lhe uma vassoura e informar-lhe de que era um costume no terreiro que os(as) novos(as) iaôs arrumassem todo o barracão e ainda lavassem os pratos e as panelas que haviam resultado do ajeum (banquete) da festa.
Com certeza, essa ordem, vinda de qualquer mais velho do terreiro, mesmo que, como Leo, ainda iaô, seria imediatamente acatada por Lúcio sem outras considerações. Mas vinha de seu caso (parceiro fixo), e Lúcio retrucou, dizendo que bem sabia do costume. Completou dizendo que, se frequentasse o terreiro quando da iniciação de Leo, ele próprio seria o primeiro a pegar na vassoura para minimizar as tarefas do companheiro. Lúcio e Leo se desentenderam e passaram o resto da noite sem se falar - no terreiro, todos o questionavam sobre o motivo do silêncio entre os dois, quando, justamente naquele momento, eles já podiam, ao menos, conversar. Esses e outros pequenos dramas (Turner, 1987) frequentemente surgiam a partir do descompasso causado pelo confronto dos dois sistemas etários para significar situações concretas nas micropolíticas do cotidiano. Eles permitiam que eu percebesse os casais, me acercasse das regras de idade e de sua centralidade para a configuração da dinâmica das relações amorosas.
Categorias Etárias e Gênero
Para aprofundar a interseção das categorizações etárias com gênero em suas implicações políticas, recorrerei a fragmentos etnográficos de uma pesquisa realizada em Recife (Rios, 2012b), onde encontrei as diferenças de idade marcando as parcerias de HSH entre aqueles que se denominam ursos. Os homens que interagem na comunidade ursina são, em geral, acima dos 33 anos. A idade majoritária nos locais de encontro é os 50 anos. No que se refere às idades dos parceiros, há os casais aparentando mesma idade, mas uma grande maioria aparenta ter diferença de aproximadamente 10 anos.
Outro elemento que vai caracterizar a comunidade ursina é a forte aversão à mulher e atributos corporais de feminilidade agenciados por homens. Há todo um esforço em afastá-los via processos de estigmatização (Rios, 2012b). Nesse contexto, a figura do homem efeminado é profundamente depreciada, não podendo se afigurar como a contraparte de um urso. No lugar de tomar o par masculino/feminino para significar as relações amorosas, como acontecia nas idealizações sobre as parcerias sexuais no candomblé e em outros setores da comunidade homossexual (Fry, 1982; Parker, 1991; Rios, 2003a), os ursos se utilizam de personagens "familiares": paizão e filhote.
Vale ressaltar que, embora meu foco em Recife, em 2010-2012, não fosse idades, fui levado a refletir sobre questões etárias, na medida em que as supracitadas categorias, utilizadas pelos ursos para significarem suas parcerias, carregavam os sentidos de juventude e adultez para pautar as interações amorosas.
Vejamos uma conversa no MSN Messenger (ferramenta para conversas on-line em tempo real), em que questiono sobre as categorias paizão e filhote um de meus interlocutores privilegiados (branco, 35 anos, nível educacional superior), que acabava de fazer um novo perfil, intitulado Papai_Urso, em um site de relacionamentos dedicado aos corpulentos:
F. diz: ... tou fazendo uma enquete/inspirada no teu perfil novo/o que é um papai urso pra vc?/tou perguntando a todos os meus amigos/P_U. diz: nossa/emocionei /F. diz: kkkkkkkkkkkk ... /P_U. diz: uia/fácil/postura alfa (dominadora)/protetor /F. diz: sei, e um filhote?/P_U. diz: fácil de dominar/sensível/organizado/F. diz: o papai é sempre ativo?/P_U. diz: S, papai sempre por cima/papai protege o filhote e o filhote cuida dele/simbiose do amor7.
Nos locais off-line, percebi um conjunto de disposições corporais que permitia que eu identificasse quem era paizão e quem era filho nos casais observados. Essas disposições, embora tivessem sentidos associados comumente à feminilidade, não caracterizavam efeminação quando atuadas pelos filhotes. Um exemplo é o modo de posicionar o corpo em relação ao parceiro: quando parados, o pai atrás do filho; quando em movimento, em lugar com pouca aglomeração, o pai leva o filho pela mão; em situações de aglomeração, o pai vai atrás do filho - em todos esses contextos, sinais de que o pai protege/conduz/domina o filho. De certo modo, as disposições que identifiquei off-line atualizam as atitudes expressas no discurso de Papai_Urso.
A antropóloga Rita Segato (1995) já havia chamado a atenção para a importância de disposições atitudinais na marcação das categorias de gênero, quando investigou o processo de identificação dos orixás de cabeça dos adeptos do xangô (modalidade de religião afro-brasileira pernambucana). Nas religiões afro-brasileiras, o orixá de cabeça (aquele que a pessoa deve cultuar e que tomará seu corpo na possessão, no caso dos rodantes) é modelo de organização identitária (Augras, 1983) e situa as pessoas em relação às posições de gênero (Rios, 2004a, 2011; Segato, 1995). Quando se chega a um terreiro,
o pai ou mãe de santo buscará identificar o orixá de cabeça a partir de marcas corporais e subjetivas que o processo de herança mítica deixa na pessoa8. Observe-se que as pessoas podem ser identificadas como filhas de orixás que não correspondam a seu sexo biológico. Segato sinaliza que a primeira providência do sacerdote é identificar se a pessoa é de santo aboró (santos homens/masculinos) ou de santa iabá (santas mulheres/femininas), uma classificação de gênero que aprende pessoas e divindades. Conforme a autora, a operação se faz identificando se a pessoa em questão é mais dependente/iabá ou autônoma/aboró nas tomadas de decisão. Tais marcações seriam muito mais importantes para a identificação dos orixás de cabeça das pessoas que seus sexos, orientações sexuais ou maneirismos gestuais (cf., também, Rios, 1997, 2004a, 2011, 2012a).
À luz da análise de Segato (1995), sugiro que, embora os homens ursos comumente não encenem feminilidade por gestualidade, indumentária, adereços e sotaque, eles, ainda assim, encenam gênero a partir de autonomia/dependência na relação, em especial o que Papai_Urso qualifica de dependência afetiva do filhote em relação ao pai.
O surgimento dessa díade na cena ursina e os apontamentos de Segato (1995) sobre a lógica de engendramento de gênero nas religiões afro-brasileiras me fizeram voltar a pensar nos casais que conheci nos terreiros quetos do Rio de Janeiro. Nos terreiros (como na comunidade ursina), não apareciam marcadores corporais que me permitissem classificar um dos parceiros de efeminado; no entanto, ainda assim, eu podia perceber que havia assimetrias entre os homens que formavam o casal. Inclusive, havia dificuldade inicial de perceber os casais nos terreiros quetos, porque eu utilizava as lentes okó/adé para identificá-los.
A comparação de cenas de casais de homens nos dois contextos me faz hoje tentar qualificar melhor o que denominei "mais feminino", quando descrevi o mais jovem de idade ordinária dos casais do terreiro (Rios, 2004a). Relendo os dados, vejo que a feminilidade estava muito mais associada à dependência que gestualidade, adereços corporais ou sotaque, que vão compor as performances e marcar, estilisticamente, o jeito de ser adé.
Amor Romântico: Mocinho e Salvador
... quando eu o conheci, ele era viciado em drogas e estava se iniciando no tráfico. Durante um ano eu passei o pão que o diabo amassou para tirar ele dessa vida. Cheguei a ser desmoralizado por meus familiares, "amigos" e alguns filhos de santo. ... É a pessoa que mais admiro, e hoje sou uma pessoa feliz ao lado dele. (Pai Lipe)
Como no relato de Pai Lipe, nos relatos de meus interlocutores do terreiro, as narrativas amorosas faziam interagir "príncipes salvadores" e "mocinhos em perigo", sugerindo se fundarem no âmbito do amor romântico. Essa modalidade de amor começa a marcar sua presença na ordem social ocidental a partir do século XVIII, forjado na égide da reprodução e de uma concepção de pessoa humana como ser dotado de liberdade, individualidade e desejo (Giddens, 1992). Pude perceber que o amor romântico constituía script para os HSH jovens, independentemente de afiliação religiosa, pautarem suas parcerias sexuais (Rios, 2003a, 2008, 2011, 2012b).
Conforme Alberoni (1998), a chave do amor romântico é a emoção do enamoramento, que, no enfraquecimento das regras de parentesco, toma seu lugar na conjugalidade. Nessa linha, estaria ligado à própria estrutura ocidental de constituir relações interpessoais para operar a reprodução social, fundada no casamento monogâmico. O fundamento do enamoramento reside em separar o que estava unido (a saída das redes sociais anteriores) e unir o que estava dividido (formar novas alianças). Nesse ponto, as oposições categoriais (masculino/feminino, mais abastado/menos abastado, mais velho/mais novo), prefiguradas na figura do "mocinho" e do "príncipe", se tornam complementares para fazer surgir o amor. Aquela admiração e felicidade, as quais relata sentir Pai Lipe quando se refere a seu companheiro.
Não obstante, no candomblé, o amor romântico aparece criticado: diferentemente do "e viveram felizes para sempre!", que marca e glorifica os esforços dos enamorados em superar todas as adversidades para constituir o casal, há mitos que lembram que, após o momento da troca comunitária, própria ao enamoramento, seguem-se a vida ordinária e sua troca "calculista". Alberoni (1998) aponta que a emoção do enamoramento tende a ceder lugar à vida ordinária, de modo que a troca comunitária, do início do amor, dá a vez a tentativas de medir quem investe mais na existência do casal.
Por exemplo, há um mito que fala de uma interação amorosa entre Xangô e Oxum. O rei fanfarrão (Xangô) seduz a jovem princesa (Oxum) e leva-a para viver consigo. Mas o final não é nada feliz: ele gasta todo o dote do casamento, deixando a princesa na miséria. Esta, então, desiludida, decide voltar para a casa do pai, Orumilá.
Talvez para não reviver o mito, Pai Lipe, um homem de Oxum, tenha enveredado pelo amor romântico com um homem mais novo e filho de Oxóssi (Ynle). De todo modo, é possível observar as marcas das diferenças etárias e de classe/renda na constituição do casal. Pai Lipe, o mais velho, é o salvador - por conta do acúmulo de capital social, cultural e econômico - em face do mais novo - relembrando: jovem, pobre, ainda ingressando no mundo do trabalho, portanto, sem autonomia financeira. Não parece ser por acaso que a droga marque a vida do mais novo: ela entra como um importante elemento para configurar tanto o "mocinho em perigo" (enredado no circuito das drogas, necessitando de proteção) quanto o "príncipe encantado" (que se esforça para retirá-lo das margens e dar-lhe vida nova, protegendo-o).
Expresso e constituído pelo par protetor e protegido, o amor atravessa e alinhava as diferenças econômicas, de idade, de classe, de gênero. Quando essas personagens se configuram em uma narrativa, o amor aparece como de difícil escapatória, tendendo a tornar fixas as parcerias e reforçar as assimetrias constituídas pelos outros marcadores analisados. Do mesmo modo, como mostrarei a seguir, tende também a fazer sair do cardápio sexual as barreiras de látex, reforçando situações de vulnerabilidade às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).
Cenas de Vulnerabilidade
Analisadas as implicações de gênero, idade e amor na formação das parcerias, passarei a interpretar algumas cenas ou fragmentos de história de vida na perspectiva de compreender como os três elementos contribuem para configurar contextos de vulnerabilidade ao HIV.
À semelhança do que sugerem as PCAPs realizadas pelo Ministério da Saúde (2011a, 2011b), em conversas informais ou entrevistas, pareceu-me que os jovens estavam relativamente bem informados sobre as ISTs, em especial o HIV/Aids e formas de proteção. Embora poucos usassem barreiras de proteção no sexo oral (boca-pênis e boca-ânus), diziam usar camisinha no sexo anal (pênis-ânus).
Nas parcerias ocasionais, as cenas mediadas por roteiros com implicações econômicas, envolvendo ou não contato entre classes sociais, eram as mais preocupantes quanto ao uso do preservativo, pois interferiam no "cardápio sexual", muitas vezes anulando disposições prévias para o sexo mais seguro. André, um jovem do candomblé morador da Baixada Fluminense, relatou uma cena bastante ilustrativa. Ele resolveu curtir a noite em uma boate das redondezas de onde morava. Nesse espaço, conheceu um homem mais velho e trocaram alguns amassos. O homem o convidou para conhecer seu apartamento na Barra da Tijuca, parte rica do Rio de Janeiro. O jovem aceitou, mas informou que estava sem dinheiro para voltar para casa. O homem se comprometeu a trazê-lo de volta. No apartamento, foi sugerido o sexo sem camisinha. O jovem quis dizer não. O parceiro insistiu, caso contrário ele deveria voltar sozinho para a Baixada. Desesperado, André aceitou a imposição.
Vemos como a situação pode constituir a vulnerabilidade ao HIV/Aids, mesmo quando se têm todas as informações e os insumos necessários para o sexo mais seguro. Por outro lado, muitas vezes, os jovens me diziam que o que faltava era o dinheiro para comprar o preservativo e/ou o acesso gratuito ao insumo nos lugares de homossociabilidade. Meus interlocutores relataram cenas sexuais que se iniciavam na expectativa de que o outro tivesse o insumo, mas, na falta dele, a interação prosseguia na expectativa de que o gozo viesse com práticas que não envolviam risco (masturbação mútua, por exemplo). A empolgação vinha e de uma prática a outra se chegava àquelas de maior risco, e a interação prosseguia até o gozo inseguro.
Quando a parceria tende a se tornar fixa, é muito comum que os mais velhos usem os capitais acumulados (suposto conhecimento e melhores condições financeiras) para influenciar os mais novos em diversos âmbitos de sua vida. Embora Ronald não seja do candomblé, é ele quem mais bem exemplifica esse emaranhado de roteiros. Morador do Rio de Janeiro, negro e pobre, aos 16 anos ele se enamora de um homem de 35 anos, branco e médico. Ele relata que com o namorado teve acesso ao mundo da elite carioca, bem diferente daquele a que estava acostumado na favela. Em certa altura de sua narrativa, relata:
Bom, ele, por ser médico, eu confiava muito nele. Assim, as primeiras transas, assim, foram com camisinha. Aquele fato de se conhecer. Mas depois, não, não teve uso de camisinha nenhum. Mas também foi aquela coisa, assim, de não gozar dentro. Entendeu?... geralmente, também, aí eu comecei a ser ativo. Com ele, geralmente eu era ativo, e também aquela cultura: "Ah, você, quem come". Geralmente, tem aquele risco. Mas na época eu não sabia, né? Aí, ele falava: "Ah, não tem problema nenhum". Já gozei dentro dele, tal. E ele já gozou na minha boca, na minha cara. Então, assim, tinha uma cumplicidade muito grande. Mas também eu nunca fiz o teste, nunca tive curiosidade de saber se eu tenho [Aids] ou não.
No relato de Ronald, pode-se notar como o amor romântico alinhava as relações de poder inerentes às outras categorias, reforçando a transformação de diferenças socialmente constituídas em desigualdades. Se André se percebeu coagido para retirar a camisinha da cena sexual, o mesmo não aconteceu com Ronald, que significava o poder de seu namorado como uma "simples influência". O fato é que classe social, assim como marcação de idade (com suas implicações financeiras, de saber e de poder), se junta às questões de atividade e passividade e às interpretações incorretas da hierarquia de práticas sexuais de risco, para fazer a camisinha desaparecer muito brevemente dos encontros penetrativos do casal.
Nesse contexto, a história de Saulo, iaô de Oxóssi, pode ser outro exemplo de como essa sinergia de relações de poder, inerentes às categorias/personagens descritas, ainda que não percebidas pelos atores, pode chegar até as negociações por sexo mais seguro. Aos 19 anos, estudante procurando emprego, Saulo conhece Fabrício, 33 anos, estabelecido financeiramente como motorista de ônibus. O encontro entre os dois é descrito com ar novelesco, no qual o "príncipe encantado" surge e se esforça para encantar o "donzelo". Consegue-lhe um emprego de cobrador de ônibus e, em adição, leva-o para sua morada. Um relacionamento de cinco anos que finda com a morte trágica do mais velho em um atropelamento. Saulo relata que, durante os anos em que ficaram juntos, ele próprio não teve nenhuma interação sexual paralela, mas comenta que Fabrício teve: "Ele teve! Ele era galinha. Como eu já te disse. Ele era galinha. Ele só não foi infectado porque ele tinha muita sorte com os preservativos. Ele transava com preservativo".
Como em outras parcerias que tendem a se tornar fixas, e ainda que Saulo tivesse conhecimento das "puladas de cerca" do companheiro, eles retiraram a camisinha do cotidiano sexual. Ele relata que, com o passar do tempo, ambos perdiam a ereção quando colocavam camisinha, o que fez com que a abandonassem. Saulo afirma, entretanto, que Fabrício continuava a usá-la em suas aventuras sexuais:
Ele transava com preservativo. Ele, volta e meia, ele falava comigo: [Fabrício:] "Pô, tive a maior franqueza no meio da rua e tudo. Você sabe como é que é? Mas eu pensei em você e usei o preservativo". [Saulo:] "Mas, vem cá, não já lavou? Tá limpo, né? Fazer o quê?"Eu sei que eu fiz um grande erro. Mas, volta e meia, estava eu lá, oh. Como até hoje eu vou, fazendo o meu exame. Graças a Deus, até hoje eu tou negativo.
Saulo admite que já teve curiosidade e oportunidades de também "pular a cerca", mas não foi adiante por questões de princípios: compromisso e fidelidade, ainda que o companheiro agisse diferente dele. Sobre as oportunidades, lembra:
Mas ele tinha um irmão dele, de Logun Edé, se não me engano... Ele me cantava na maior cara de pau, na frente do Fabrício, e o Fabrício sabia que era cantada. E o Fabrício ficava puto com isso, né? Falava: [Fabrício:] "Cara, você não tem vergonha, não, fazendo isso com teu próprio irmão de santo. Imagino o que tu não faz com o teu pai, hein?"Porque o pai [de santo] também era casado com um rapaz, mais novo também. Ele era bem fisicamente; muito bonito mesmo.
Nesse e em outros casos, parece-me que são as próprias prerrogativas comunitárias do amor romântico, em que tudo que separa deve ser suspendido, que fazem desaparecer as barreiras de látex do cotidiano sexual dos enamorados.
Por fim, é preciso comentar como as lentes de gênero que focam as figuras de okó e adé tornam as pessoas vulneráveis ao HIV e à discriminação mais amplamente. No caso dos quetos, temos, por exemplo, os imperativos que falam de uma necessidade de performances de masculinidade hegemônica para os ogãs. O caso do ogã Arranca Toco, analisado em Rios (2012a), é exemplar para se pensar o quanto de sofrimento psíquico o processo carrega. A feminilidade que ele agenciava tornava-o inapropriado a exercer o cargo de ogã no terreiro Ofá-Megi, levando-o, por ser estigmatizado, a procurar outro terreiro. Do mesmo modo, comentei anteriormente que os homens efeminados, mesmo que rodantes, têm dificuldades de se engajar em parcerias fixas - nos dois terreiros que observei mais de perto não identifiquei adés em parceria fixa.
Ainda que não tenha podido explorar em profundidade esse aspecto, há correlação entre estigmatização dos homens efeminados e implicações com o cuidado de si e a prevenção do HIV/Aids. Sobre isso, é exemplar o caso de Mary, jovem travesti carioca, descrito em Rios (2003b). Negra, transgênero, pobre, estigmatizada na família e na escola, desempregada. Uma sinergia de opressões que, em minha interpretação, rebate na adesão às medidas de prevenção do HIV. Ela tinha dificuldade de encontrar um parceiro fixo e frequentava o Parque do Aterro do Flamengo em busca de sexo casual. Questionada sobre o não uso do preservativo nessas interações, respondeu: "Se morrer, já fui tarde!"
Do mesmo modo, esse arranjo de sexualidade-gênero pode levar os homens com práticas homossexuais, que se concebem e são concebidos como okós (machos, comedores, heterossexuais), a não se perceberem como suscetíveis ao HIV, e, portanto, prescindindo do uso do preservativo. Ainda é corrente, dentro e fora dos terreiros, o ideário que entende Aids como coisa de bicha (efeminado). Essa estruturação pode comprometer a saúde sexual dos homens e também a das mulheres, que também se relacionam sexualmente com os okós.
Considerações Finais
Iniciei meu percurso neste artigo apontando elementos que, do ponto de vista epidemiológico, sinalizam a vulnerabilidade da população HSH jovens em relação à epidemia do HIV/Aids. Também apresentei análises que mostram que são os HSH jovens que mais sabem sobre HIV e modos de se prevenir. Questionei o que faz com que eles não usem camisinha, se estão tão bem informados. Busquei pela resposta no candomblé, no qual, sabidamente, encontraria jovens com práticas homossexuais, mas também busquei a organização das homossexualidades (e heterossexualidades) em outros contextos que formam o mosaico cultural (sexual) brasileiro, de modo mesmo a dimensionar melhor meus achados no candomblé do Rio de Janeiro. Ao longo do processo, deparei com três importantes achados que me permitem responder a minha questão inicial: o que faz com que os HSH jovens deixem de praticar o sexo mais seguro?
O primeiro achado apresenta como o sistema de gênero articula cenas sociais e/ou sexuais que tornam os homens femininos mais suscetíveis à estigmatização e, em minha interpretação, mais vulneráveis à infecção pelo HIV. Observei que, no candomblé e nos outros contextos de investigação e análise, embora a feminilidade seja elemento para organizar a inteligibilidade das homossexualidades, sobretudo das parcerias sexuais, em todos os momentos que elementos corporais de feminilidade são agenciados pelos homens, eles parecem se tornar fatores de desprestígio.
Chama especial atenção o modo como adés são estigmatizados, na medida em que ostentam elementos de feminilidade no cotidiano. Os homens pintosos têm dificuldade de se engajar em parcerias sexuais fixas e de assumir posições centrais de mediação entre o terreiro e o mundo nos terreiros quetos (portanto, de obter status na hierarquia religiosa). Só ganham destaque em terreiros que, no campo religioso e na academia, são preconceituosamente considerados degenerados e de tradicionalidade duvidosa. A questão da feminilidade na constituição e na apreensão dos estilos de ser homem é tão forte que consegue demarcar toda a dinâmica de um campo religioso, depreciando comunidades e nações (Rios, 2012a).
O segundo achado apresenta como o sistema etário funciona, organizando as parcerias. Ele é presente desde a infância, orientando a formação de parcerias ocasionais, em que os mais novos ensinam aos mais velhos as artes do sexo. Essas interações sexuais podem criar o caminho para o HIV transitar, chegando até as crianças e adolescentes, como revelam os dados epidemiológicos que falam de um crescimento de casos de Aids em especial na faixa entre 13 e 25 anos.
Mutatis mutandis, as relações etárias continuam operantes na organização do desejo sexual e das parcerias ao longo das outras etapas da vida. Ao fazer interagir HSH jovens com HSH adultos jovens e adultos, ela carrega consigo saber e renda econômica, com implicações naquilo que é descrito pelos jovens como a influência do mais velho sobre o mais novo: as relações de poder pautadas nos significados das idades.
O confronto da cena ursina com a cena dos terreiros permitiu perceber que as marcações de diferenças de idade na constituição de parcerias sexuais e amorosas também chegam ao contexto da maturidade e velhice. Além do mais, as personagens papai e filhote atualizam os sentidos desigualadores relacionados com a juventude e a adultez. Utilizando essa interpretação para ler as parcerias afetivas dentro do terreiro, percebi que elas não eram marcadas por grandes diferenças nos atributos corporais (gestualidade, sotaque e adereços) classificados como de masculinidade e de feminilidade; entretanto, eram-no pelos sentidos de adultez (maturidade, saber, estabilidade profissional e financeira, poder, autonomia) e juventude (imaturidade, em processo de aprendizado, dependência financeira e afetiva). Isso me levou a pensar em uma perigosa proximidade e/ou interseção entre os sistemas de gênero e etário (com implicações econômicas), que tendem a se intercambiar e se reforçar mutuamente.
Como já chamei a atenção, a marcação econômica aparecia subordinada ao sistema etário, não ao de classe. A maior parte das parcerias que investiguei no candomblé era marcada por desigualdades econômicas, mas não por diferenças de classe social. A diferença estava em que os mais velhos já haviam se estabelecido sociofinanceiramente, enquanto os mais jovens muitas vezes ainda não tinham sequer emprego.
Em minha interpretação, quando o feminino, dito por aspectos corporais, como gestualidade, sotaque e adereços, não pode operar, as categorias etárias assumem a dimensão de principais desigualadores, associando-se às, e/ou reforçando as, disposições atitudinais de gênero (autonomia/dependência).
Nesse contexto, no qual, por meio das categorias etárias, se fala de gênero, configura-se meu terceiro achado: o amor romântico. Expresso e constituído pelo par salvador e mocinho, o amor atravessa e alinhava as outras diferenças. Quando essas personagens se configuram em uma narrativa, o amor aparece como de difícil escapatória, tendendo a tornar fixas as parcerias, reforçar as assimetrias e fazer sair do cardápio sexual as barreiras de látex, mesmo quando os envolvidos no casal suspeitam e/ou sabem que o parceiro tem outros parceiros sexuais eventuais.
Mas as categorias analisadas só podem ser percebidas no processo mesmo de as pessoas constituírem cenas e enredos. Assim, a segunda linha de apresentação dos resultados e das discussões buscou voltar para as cenas narradas, depois de conquistar melhor entendimento das categorias nativas, para aprofundar a compreensão do modo como as estruturas conceptuais atuam nas e por meio das pessoas e situações como cultura na prática (Sahlins, 1990), constituindo contextos de vulnerabilidade ao HIV.
Posso dizer que os dados epidemiológicos, ao desvelarem as tendências da epidemia de Aids, mostram as marcas (HSH jovens) no corpo social de certos processos opressivos de sexualidade, que, ao desigualar as pessoas, as vulnerabilizam. No entanto, é a análise nos moldes da economia política (Lancaster, 1999; Parker, 2000; Rubin, 1993), realizada anteriormente, que permite que o pesquisador se acerque das dinâmicas da opressão (relacionados com gênero, idade e amor) propriamente ditas, ao interpretar posições e valores, significados e sentidos, considerando conjunturas e dinâmicas específicas. Atividade que envolve a construção de uma compreensão sintética dos contextos e das suscetibilidades que eles criam.
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Endereço para correspondência:
Luís Felipe Rios
Rua Felix de Brito Melo, 258, Apto. 305
Boa Viagem, Recife, PE, Brasil 51020-260
E-mail: lfelipe.rios@gmail.com
Recebido: 18/06/2012
1ª revisão: 24/10/2012
2ª revisão: 13/12/2012
Aceite final: 27/02/2013
1 Este trabalho contou com apoio de diferentes fontes, às quais quero declarar meus agradecimentos: Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ); VI Programa Interinstitucional em Metodologia de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva do Núcleo de Estudos de População (NEPO) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Programa Gênero, Reprodução, Ação e Liderança (GRAL) da Fundação Carlos Chagas (FCC); Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processos 402235/2010-0 e 303056/2011-8.
2 Comunidade de homens com práticas homossexuais surgida nos EUA e que cresce no Brasil (Trindade, 2004). A comunidade ursina tem alguns marcadores que a torna singular se comparada com outras comunidades de HSH. Idealmente, sua principal marcação é se opor à estética gay dos homens praticantes de fisioculturismo e "bem-cuidados". A figura do animal urso apresenta "em exagero" o que caracteriza o modelo ideal estético que se espera dos homens: corpulentos, peludos e masculinos.
3 A primeira vez em que utilizar um termo nativo, este estará seguido de uma tradução ou nota explicativa. Não obstante, vez por outra, para que haja entendimento, o leitor precisará voltar no texto para relembrar o significado das categorias.
4 Quarenta anos de idade, formação educacional. Os nomes de todos os interlocutores e terreiros são fictícios para conservar o anonimato.
5 Tive a chance de investigar esses candomblés com mais cuidado em Recife (Rios, 1997, 2011). Muito assemelhado ao terreiro estudado por Fry (1982) em Belém, esses terreiros vêm sendo, desde Landes (1967), preteridos pela academia, que, juntando-se às políticas identitárias do discurso nativo (ou ajudando a constituí-las), coloca-os como pouco tradicionais ou mesmo degenerados.
6 No contexto em estudo, fechação e pinta se referem a performances femininas realizadas por homens. A primeira tende a ser usada para referência a um ato proposital, enquanto a segunda usualmente se refere a uma conduta não intencional.
7 Reproduzo a própria dinâmica do MSN, no qual as palavras são escritas, na maior parte das vezes, em minúsculo, e a pontuação vai se fazendo pelo envio das sentenças, na minha transcrição sinalizadas pelo sinal barra (/).
8 A crença é de que, no processo de criação da pessoa/corpo, Oxalá (orixá que modela o corpo) usa diferentes elementos naturais associados aos orixás. A preponderância de dado elemento vai associar a pessoa a certo orixá, de quem herda características corporais e de personalidade (Rios, 2010).