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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)
versão On-line ISSN 1413-6295
Cad. psicanal. vol.36 no.31 Rio de Jeneiro dez. 2014
RESENHA
O Ser no gerúndio, corpo e sensibilidade na Psicanálise
The gerund Being, body and sensibility in Psyhoanalysis
ROZENTHAL, Eduardo. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2014, 230 p.
Denise Cabral de Oliveira*
Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro - CPRJ - Brasil
O psicanalista inglês Adam Phillips escreveu, em 2002, em sua introdução a uma nova tradução inglesa de vários escritos de Freud sobre a técnica psicanalítica (entre 1910 e 1937): "Freud escritor triunfa onde Freud médico vacila. É uma peça maravilhosa de ambição extravagante inventar uma forma de cura e, em seguida sugerir que onde ela falha revelam-se não os limites do tratamento, mas os limites da própria vida." Lembrei-me desta colocação ao ler O Ser no gerúndio,livro de ambição (teórica, clínica) e de exposição de limites.
Uma das definições dadas por Eduardo Rozenthal a suas pesquisas é a da fundamentação filosófica de uma clínica da imanência. Outra é a da busca de uma compreensão exclusivamente psicanalítica do corpo, definido como potência de criação da subjetividade e atualizado no encontro psicanalítico. Vários outros temas (as subjetividades contemporâneas, a natureza eminentemente social do inconsciente, a sensibilidade como trabalho psíquico do analista) estão presentes em O Ser no gerúndio. Trata-se, pois, de texto denso, articulador, criativo. Seu autor é psicanalista com formação acadêmica ampla, mestre em Teoria Psicanalítica pela UFRJ e doutor em Saúde Coletiva pelo IMS-UERJ. Não é pouca coisa, em potência e em ato! Como acadêmico, prossegue sendopsicanalista e seu interesse central é a teoria da clínica.
Rozenthal tem o dom da clareza, em meio ao árduo trabalho teórico que empreende e que nos expõe. Pois seu passeio pela filosofia é extenso, embora Foucault, Deleuze e Leibniz sejam os autores básicos de sua empreitada. Mas há Heráclito, Platão, Descartes, Espinoza, Pierre Lévy em sua caixa de ferramentas. Do lado da psicanálise, o texto freudiano é sua base principal, enfrentada com espírito crítico e epistemológico. O desenvolvimento lacaniano da constituição do psiquismo é também essencial para o autor. Na elaboração do corpo em psicanálise, Serge Leclaire é sua referência essencial. Mas há Daniel Stern, Ferenczi, Pierre Fédida (e referências não exploradas a Winnicott). Portanto, O ser no gerúndioé, de início, uma aula profunda de alguns autores seminais, com o objetivo de propor uma teorização da clínica psicanalítica atual.
O livro é composto por cinco estudos de amplitude e grande consistência teórica. O primeiro deles, De que corpo trata a psicanálise,é movido pela preocupação do autor com o "avanço insidioso dos medicamentos psiquiátricos sobre as análises", gerando a urgência de uma descrição eminentemente psicanalítica do corpo, de modo a "determinar a modalidade de sofrimento corporal que pode, de fato e de direito, ser tratado em análise". Ocorreu-me, no início desta leitura, a complexidade dos temas da medicalização e do diagnóstico psiquiátrico, da diferenciação dos quadros sintomáticos, dos usos benéficos ou indiscriminados de psicotrópicos, sua indicação necessária ou negligente, sentindo que a visão de Rozenthal em relação à medicação psiquiátrica era de fato radical e, de certa forma, generalizante. Outro pressuposto é colocado, o de que a análise visa "dilatar nossa capacidade criativa de obter prazer", definida como "resistência subjetiva", no sentido foucaultiano, aos dispositivos sociais do poder que produzem corpos dóceis ou submetem as subjetividades. Redescrição, sem dúvida, ou revisão da fórmula de Freud de 1937, em Análise terminável e interminável: "A análise deve instaurar as condições psicológicas mais favoráveis às funções do Eu; feito isto, sua tarefa estaria cumprida". O que não significa almejar uma "normalidade esquemática" nem uma isenção de paixões, dissera Freud, mas maior liberdade e consciência razoável de seus conflitos, na balança dos princípios do prazer e da realidade.
Rozenthal privilegia as formulações freudianas a partir da introdução do conceito de narcisismo, em 1914 e defende que a especificidade psicanalítica do corpo apenas ocorre nos textos dos anos 20, com a introdução da dualidade entre pulsões de vida e de morte, das noções de Isso e de angústia automática, que postulam um registro corporal pertencente e intrínseco à subjetividade, superando o que seria uma redução biologista anterior. A novidade possibilitada por estes conceitos é o que o autor denomina um processo de subjetivação de cunho imanente. Na metapsicologia de 1915, o contexto teórico seria o da transcendência, sob a perspectiva ontológica (e não epistemológica ou teológica), em que o sujeito não é o titular das condições potenciais de sua constituição. Mas as circunstâncias dos processos de subjetivação imanentes referem-se ao encontro intersubjetivo, que Rozenthal distingue do que seria a alteridade, como agente distinto, vista como fundamento universal transcendente da subjetividade. E o autor utilizará o conceito de "encontro" ao longo de seus capítulos, definindo-o como "o núcleo das relações sociais de poder" e atribuindo-lhe a "potência" de autoconstituição do sujeito. Seguindo ainda Foucault, dessa definição resulta que "no interior dos encontros, a subjetividade seria capaz de resistência pela via do processo imanente de subjetivação". Introduzindo conceitos de Lacan e já passando ao interior do processo analítico, Rozenthal valoriza o contraste entre as noções de diferença relativa (entre semelhantes simétricos), contida na experiência clínica indutora de um processo de subjetivação de caráter transcendente, e diferença pura, que implica "a constituição das subjetividades de analisante e analista em suas respectivas singularidades". Essa centralidade do encontro não teria sido destacada por Freud, no interior dos enunciados da primeira tópica, deixando de fora o corpo e restringindo-se ao "contexto da alma do analisante considerada em seus atributos representativos". Assim, a leitura imanente do corpo exclusivo à subjetividade (e não redutível ao corpo físico, ou biológico na linguagem do autor) - ou "o sofrimento associado a tal dimensão corporal" - torna-se a questão da clínica analítica. A pulsão, antes definida como um "não-lugar" (entre o psíquico e o somático), agora é "corpo e alma" ao mesmo tempo, distinção que define, então, "modos da subjetividade" diversos: um "modo representativo" e um "modo corporal". Mas a pressão das modalidades sintomáticas é que tornara imprescindível incorporar a dimensão do corpo à subjetividade. Rozenthal lista a psicose, os compulsivos, "certas classes de perversos" e também "alguns momentos cruciais das análises dos neuróticos", sem analisar estes diagnósticos, mas englobando-os no que seriam patologias diretamente ligadas à força pulsional.
É a temporalidade do gerúndio, e não do futuro, o que define o processo imanente. Gerúndio exemplificado como diferença pura, mudança constante, processo necessariamente inacabado de subjetivação ou movimento constante de subjetividade. "Tornar-se aquilo que se é" é a descrição dada dos objetivos da análise, que "intenciona aproximar-nos de uma concepção da subjetividade cuja instabilidade é a própria estrutura". Sem isso, acrescentaríamos, não haveria possibilidade de se cogitar em análise, que implica na possibilidade de mudança psíquica concreta. "O gerúndio aponta, então, para o tempo não cronológico da mudança ou para a força constante da perpétua mobilidade", propõe Rozenthal. E a exposição e discussão da noção de "corpo erógeno", de Serge Leclaire, soma-se à descrição da condição potencial do processo imanente de subjetivação. Aqui, Rozenthal retorna aos quadros sintomáticos que o interessam - a psicose e o que denomina "compulsões graves" - que define como os da "dominância do organismo sobre o corpo erógeno", reproduzindo, talvez, o que já haviam afirmado os teóricos da psicossomática. É o acolhimento do corpo erógeno o eixo central da clínica destes sujeitos. Ao mesmo tempo, há outras formulações: um ambiente transferencial seguro para o gozo (que é desregulado, "inexorável", imposto pela cultura atual, na formulação do autor) do analisante, o acolhimento da pulsão de morte, um campo transferencial eminentemente afetivo, a amplificação da potência da escuta analítica para além do "recurso interpretativo". Concluindo, além de sua compreensão teórica e de sua análise pessoal, "o que está na berlinda hoje é a sensibilidade clínica do analista."
No Capítulo 2, O controle da diferença e a diferença sem controle na obra de Freud, Rozenthal empreende uma análise crítica da teoria freudiana enquanto permeada pelo "monopólio da representação, pela hegemonia da identidade e pela Filosofia do Sujeito", o que define a ocorrência de "um autêntico recalque conceitual da diferença pura pelo pensamento ocidental". Na psicanálise, essa diferença se expressa pela força, ou afeto, impassível de representação psíquica. Capítulo densamente filosófico, que se estende sobre a distinção entre a diferença relativa à representação, que define a primeira tópica freudiana para o autor e a diferença pura, que define o primado do afeto que sustenta a "compreensão da subjetividade como processo imanente de diferenciação da força do corpo erógeno", a partir da concepção da pulsão de morte enquanto força que não investe nenhuma representação. Rozenthal discorda (do que afirma Derrida) que Freud tenha superado suas postulações iniciais, não tendo este efetivado uma "ruptura definitiva com a representação moderna". Mas a mudança na noção freudiana de angústia, que passa a incluir a modalidade do "afeto desgarrado" (angústia automática), que seria o "simulacro (platônico) psicanalítico", o leva de volta às situações clínicas da psicose, da compulsão e das "situações-limite presentes em toda e qualquer análise".
No Capítulo 3, O Ser no gerúndio: sobre Freud e Foucault, o autor empreende um diálogo intensivo de Foucault com a psicanálise de Freud e Lacan para esclarecer "a variação da importância atribuída aos encontros entre sujeitos para a constituição e o funcionamento da subjetividade ao longo do trabalho de Freud". As tópicas freudianas são articuladas aos conceitos foucaultianos de cuidado de si e de saber de si, este ligado à "soberania do eu em psicanálise" e, mais uma vez, ao primado da representação e da prática interpretativa no contexto analítico. É a esta psicanálise, segundo Rozenthal, que a crítica de Foucault se dirige. Mas as práticas de subjetivação chamadas imanentes, possibilitadas pela segunda tópica, relacionam-se ao "cuidado de si", pois estão baseadas na "interpretação infinita e das forças". O autor conclui: "Freud e Foucault se encontram nos enunciados de que não existe o sujeito, havendo tão somente um ser que só pode serdito no gerúndio. (...) Se levarmos em conta os enunciados de Freud nos anos vinte, podemos afirmar que, para ambos os pensadores, a subjetividade não apresenta nenhuma espécie de ancoragem, não havendo fixidez subjetiva quer associada a uma origem universal, quer apontando para qualquer modalidade de finalidade a-histórica do sujeito. Anos-luz afastada do Ser, enquanto essência imutável, a subjetividade não existe propriamente, senão insiste na temporalidade do gerúndio, como potência e processo de diferenciação."
No capítulo 4, No corpo a corpo da análise: uma Psicanálise das pequenas percepções, Rozenthal parte de impressões sobre o que seriam os padecimentos que buscam os consultórios dos psicanalistas na atualidade, com interesse específico nos jovens, tecendo um panorama que, mesmo com as advertências de não valoração comparativa e da necessidade imperativa da "interdisciplinaridade", me pareceu mesclar concepções psiquiátricas contemporâneas e definições de "riscos" ou "excessos" com teor não antropológico ou mesmo sociológico, mas psicologizante e importado de análises já saturadas da "pós-modernidade" (como a que insiste numa "crise generalizada de valores"). Não creio, por exemplo, que Richard Sennett tenha analisado a "pós-modernidade" em seu A corrosão do caráter, mas sim, especificamente, as mudanças na estrutura do trabalho e da carreira profissional para a formação do que ele denomina caráter, e que poderíamos incluir como um dos aspectos da identidade e da ação social. Rozenthal atribui aos "movimentos histórico-sociais de grande envergadura" do mundo da modernidade a concepção freudiana final de um psiquismo como mudança constante, reiterando: "Considerada finalmente como um processo de diferenciação contínua da força insuscetível de representação psíquica, a gramática da subjetividade viria a ser conjugada no gerúndio." Várias definições e fatores são apontados como etiologias de um desequilíbrio do "excesso" e do "banimento da castração do horizonte psíquico", com a angústia decorrente: a roda-viva do consumismo (origem da enorme difusão da compulsão contemporânea), a abundância de objetos tecnocientíficos. Rozenthal menciona, em oposição à neurose propriamente dita do passado, a compulsão como "passagem ao ato" ("patologias do ato") como mal-estar típico da atualidade, caracterizado pela "insuficiência do ato de desejar", tal como definido no passado. Ele afirma a incipiência simbólica e a pouca propensão dos analisantes de hoje a se submeterem à regra fundamental freudiana, dado seu "contexto sociopsíquico". Propõe, assim, a partir de todo o embasamento teórico de seu texto, que "a via indireta da interpretação deverá recuar para abrir espaço para práticas analíticas que possam prescindir da mediação linguageira. O analista deverá ser capaz de associar o uso da interpretação a manejos que incidam de maneira imediata sobre os empecilhos à produção do inconsciente. Sem visar primeiramente o desejo e seus sintomas, tais procedimentos atingirão, em cheio, a capacidade desejante." Rozenthal reconhece que esse espaço já está aberto, com a criatividade clínica dos psicanalistas. Seu pleito é pela teorização e, para isso, desenvolve a noção de "sensibilidade" do analista, que incidirá "de forma imediata sobre as forças do corpo na iminência de diferenciação" e também no "acolhimento da parcela da potência corporal não passível de diferenciar-se". A escuta e a interpretação seriam moduladas e suplementadas pelo que é definido como "pequenas percepções" por Leibniz, conceito somado às formulações de "percepção amodal" e "afetos de vitalidade", criadas por Daniel Stern a partir de seus estudos com bebês, e à concepção de A Coisa(das Ding) por Freud.
A vinheta clínica do livro está exposta em seu último capítulo, Eu, Pedro F., 20 anos, drogado...: interpretação e sensibilidade, para o autor uma análise típica da atualidade, em que ele aplica as elaborações conceituais dos capítulos precedentes. O analista tradicional é, então, cotejado à ação necessária de "abertura do espaço transferencial ao gozo do analisante", a partir da sensibilidade e do corpo afetado do analista. No decurso do trabalho analítico, Pedro passa "a ser quem efetivamente era". Trata-se, embora não explicitamente mencionado, de um rapaz em processo de saída da adolescência, em que o analista vê "um quadro grave de compulsão ou de adição", pelo uso de drogas ilícitas. Pareceu-me algo enfática a caracterização como "adição" ("noitadas turbinadas pelas drogas") de um uso, mesmo intensificado, de substâncias (maconha e LSD) proibidas por lei, parecendo mais definidoras outras fontes de sofrimento mencionadas (certa atitude "paranoide" no trabalho, uma angústia em relação ao desempenho profissional e ao reconhecimento social). Assim como me pareceu um pouco negativa a descrição de Pedro, estudante desinteressado e de certa forma paralisado por seu conflito de passagem à vida adulta autônoma, como alguém que "acredita no que a comunicação midiática lhe promete, ou seja, que o mundo foi construído para o uso e o abuso de jovens como ele". Afinal, não é esta a crença dos adolescentes de classes sociais favorecidas, ou de jovens adultos que não ultrapassam essa etapa? As características dos pais de Pedro são parte óbvia de seu conflito, embora Rozenthal desculpe-se pela descrição esquemática destas. Há uma sedução materna ameaçadora e um pai que não olha para seu filho, "deflacionando a função paterna". O analista passa a desempenhá-la, virtualmente e este parece fator essencial na construção do vinculo transferencial apresentado. Pedro passa a ser quem é, um rapaz de 20 anos, e não mais a criança com quem se parecia ou o adolescente que era, de fato e de direito, com conflitos inconscientes de identificação e gozo. Mas as Letras que escolhera estudar podem ter tido algum papel em suas fantasias, não mencionado... Rozenthal deixa-nos em dúvida sobre se crê que entre ele e Pedro criaram-se jogos de linguagem impulsionadores e não estáticos e repetitivos (como as interpretações "pré-fabricadas" criticadas no livro) ou apenas afetos erógenos circulantes.
A argumentação por vezes complexa e reiterada da démarche clínica exposta evocou-me os percalços detetivescos, deliciosamente narrados no conto A cartaroubadade Edgar Allan Poe. Embora o chefe de polícia, o Sr. G., com seu método rigoroso e ambicioso, adote medidas de investigação que são "as melhores de sua espécie, conduzidas com absoluta perfeição", estas são "inaplicáveis ao caso e ao homem". Desde o começo, Auguste Dupin, que age com a sensibilidade criativa que resolve o caso, deixando inteiramente de lado a ortodoxia, soube que os recursos altamente engenhosos eram um "leito de Procusto" para o chefe de polícia. Assim vi Eduardo Rozenthal, em seu texto, algumas vezes obrigado a essa limitação, sem expandir sua rede de referências e encontrar em outros vocabulários e sensibilidades caminhos já percorridos e propostas de teorizações sobre a questão clínica que o interessa. Cito, dentro dos limites de minha experiência, Donald Winnicott, em sua formulação da provisão ambiental, do espaço potencial, da mente e do psiquessoma, em seus conceitos de retraimento e regressão à dependência (e não regressão no plano erótico e/ou objetal), na formulação da "capacidade de estar só na presença do outro", que também faz paralelo entre os momentos iniciais da constituição psíquica e processos ocorridos na experiência da análise. Também se debruçam sobre o que Rozenthal conceitua como "sensibilidade", Daniel Stern em O momento presente na psicoterapia e na vida cotidiana, assim como este e seus parceiros nas publicações do Boston Process of Change Study Group. Thomas Ogden em Subjects of analysis, entre outros ensaios, com seus conceitos do "terceiro analítico" e de "ação interpretativa"; o próprio Lacan, com sua redefinição da interpretação e sua proposta do "ato analítico", voltado ao simbólico através do Real, Radmila Zygouris, que distanciou-se da ortodoxia lacaniana e teoriza sua longa experiência clínica e os sujeitos contemporâneos em análise. Todos são autores que já não estão preocupados com a ortodoxia, que poderia ser a kleiniana (teria sido a freudiana, com sua oferta de chá e cobertor aos pacientes, com seu empréstimo de dinheiro ao Homem dos lobos, com sua relação de amizade/cumplicidade com Marie Bonaparte?). Eles não estão preocupados com a interpretação como análise de representações, mas também avançaram na pesquisa das sutilezas da sensibilidade da escuta e da presença corpórea do analista, de seu "ser" na sessão e no resultado da interação intersubjetiva que evidentemente se processa (queiramos ou não admiti-la, e como quer que a denominemos ou limitemos). Todos esses autores se voltam para o "acolhimento da força pura" ou das "vivências de profunda angústia", mesmo se não as conceberem como "compulsão avassaladora" que, às vezes, me pareceu essencializada na teoria por Rozenthal, sem os contornos teóricos da singularidade dos sujeitos envolvidos e das experiências clínicas dinâmicas, históricas. Sua vinheta clínica, por outro lado, é empírica, viva, ressalta o valor pragmático da teoria e não sua valoração universalizante.
Senti falta de maior nuance e desenvolvimento de duas palavras, ou conceitos, no livro: escuta e linguagem. Rozenthal já caminhou pela via do pragmatismo linguístico e conhece a concepção de escuta e linguagem como propriedades do organismo, específicas (mentais), mas tão corpóreas quanto quaisquer outras funções do organismo. À primeira, Rozenthal parece preferir a polaridade "atenção flutuante" (para conteúdos inconscientes), definida como insuficiente, versus "sensibilidade" (a abertura para a manifestação do corpo erógeno), e que está adequada aos jovens pacientes, cuja análise move sua pesquisa. Pois não é a escuta corporal e erógena? Assim como a linguagem? Se o psicanalista se enquadra no formalismo da linguagem (o que o autor define como "interpretação", relacionada ao recalque), lidera então um jogo de linguagem restrito e aprisionador, utilizando-se do "suposto saber" para manter uma posição mais que assimétrica, hierárquica. Parece que é isso que Rozenthal critica, sem querer, no entanto, ceder a uma visão neopragmática, em que o sujeito contemporâneo (que não é a-histórico, como também Rozenthal nos demonstra) não é diverso por sua "patologia" diversa, mas pela experiência cultural diversa das narrativas e enredos que constituem a identidade dos sujeitos, das crenças e valores que balizam essa identidade. Dos valores da interioridade do período histórico em que a Psicanálise foi inventada e desenvolvida, os quais ela própria ajudou a moldar, até os valores da exterioridade que caracterizam a cultura hegemônica atual, podemos seguir sem atribuições valorativas (sempre generalizantes e moralistas, portanto ineficazes, como também alerta Rozenthal) em nossa prática que, de fato, pesquisa as consequências destas mudanças em casos singulares e a coexistência de narrativas e modos de ser concomitantes. Como exemplo, o livro da psiquiatra e psicanalista Sylvie Geismar-Wieviorka Les toxicomanies ne sont pas tous incurables(Éditions du Seuil) demonstra a existência de "toxicomanias" (no plural), de adição crônica a drogas (no caso de seu livro, "pesadas" e com forte dependência química, por definição - cocaína e heroína) sob formas diferenciadas e singulares, dentro de quadros psicopatológicos diversos e, pois, com tratamentos diversos (tanto medicamentosos quanto psicanalíticos e familiares).
Em sua escrita bastante freudiana, ao final, diante de um leitor ou interlocutor imaginário, Rozenthal define este como um "analista tradicional", aquele que só interpreta conteúdos supostamente inconscientes objetivados, com uma teoria precária diante da multiplicidade e da intensidade da realidade diante de si, do que está "sendo". A escolha, porém, de não definir essa realidade como linguística (modificando a definição da linguagem representativa ou estruturalista) é uma opção teórica, em meio a outras possíveis. O "analista tradicional" é também aquele que parece não ter tomado conhecimento ou não valorizado a chamada lacaniana de que o inconsciente está "na superfície" - da cadeia significante, mas também de seus significados moventes e dos gestos discursivos que compõem os relatos nas sessões de análise. Nem todas as intervenções clínicas "não tradicionais" são inadvertidas ou eminentemente empiricistas, necessariamente, e podem ter redescrições diferenciadas, em vocabulários mais ou menos ricos. O Ser no gerúndioé contribuição valiosa neste caminho.
Endereço para correspondência
Denise Cabral de Oliveira
E-mail: oliveira.dcco@gmail.com
*Psicanalista, membro efetivo/CPRJ (Rio de Janeiro-RJ-Brasil).