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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)
versão On-line ISSN 1413-6295
Cad. psicanal. vol.40 no.39 Rio de Jeneiro jul./dez. 2018
ARTIGOS
Os bebês não esquecem nada - e menos ainda a violência que sofrem excesso de traumas quotidianos em todas as culturas
Babies do not forget - anything less the violence they suffer Too many daily traumas in all cultures
Marie Rose MoroI, II, III*; Rahmeth RadjackII, III**
IUniversité Paris Descartes - França
IIMaternité de Port Royal BB-Mat. - França
IIIHospital Cochin, AP-HP - França
RESUMO
Em toda parte as crianças são consideradas preciosas e busca-se protegê-las e encontrar a melhor maneira de fazer com que possam crescer harmoniosamente. No entanto, em toda parte fazem-nas sofrer traumas no dia a dia. Analisaremos num primeiro momento os grandes trabalhos em antropologia, psicologia e psicanálise sobre as interações dos bebês com seus pais. Mostraremos a seguir como fazemos sofrer às crianças violências no quotidiano, tanto em diferentes lugares do mundo como também no exílio, e defenderemos um acolhimento atencioso, dedicado e transcultural em nossos consultórios e na vida.
Palavras-chave: bebês, transcultural, interações pais-bebês, violências, tratamento acolhedor.
ABSTRACT
Everywhere children are considered precious and we try to protect them and find the right way to grow them harmoniously. Yet everywhere, they are subjected to traumas on a daily basis. We will first analyze the major works in anthropology and psychology and psychoanalysis on the interactions between babies and their parents. We will then show how children are subjected to everyday violence in different parts of the world and in exile, and we will advocate for caring and transcultural care for children in our consultations and in life.
Keywords: babies, transcultural, parent-baby interactions, violence, to take good care of.
Estar grávida, cuidar de bebês, tornar-se pais, é, desde sempre e em toda parte, uma atividade que mobiliza os seres em sua intimidade, mas também em suas afiliações, o casal, a família, a sociedade. Cuidar de bebês então varia muito de um país a outro, de uma cultura a outra. Em alguns lugares, as pessoas gostam de olhar os bebês, de falar com eles, mas eles são pouco tocados e manuseados, como na França. Em outros lugares, as pessoas preferem carregá-los no colo, tocá-los, porém, por outro lado, olham-nos menos e menos ainda falam com eles, quando são pequenos. Não existe uma maneira boa e uma maneira má de o fazer, os bebês estão bem quando seus pais estão bem e se sentem bons pais em seu ambiente, em sua cultura, e aos seus próprios olhos. Portanto, é importante não "patologizar" aquilo que não conhecemos, mas, ao contrário, é importante que nos familiarizemos com esses diferentes estilos de interação para apoiar os pais, de onde quer que venham, em sua maneira de fazer e, portanto, de ser bons pais, à maneira deles, quando temos que nos ocupar de pais e de bebês que chegam do mundo inteiro, como é o caso em nossas sociedades europeias cosmopolitas.
Como haveremos de compreender como é tornar-se pais em situação de migração? Várias pesquisas nos ajudam a pensar os efeitos da diversidade cultural, mas também os efeitos que a migração pode ter sobre os pais ou futuros pais. Vamos ver alguns dados de pesquisa e suas consequências para a clínica e o acompanhamento desses pais e de seus bebês em nossos consultórios e em nossos locais de acolhimento.
Alguns dados de pesquisa
A partir de pesquisas antropológicas importantes a respeito das maneiras de cuidar bem de bebês no mundo todo (LALLEMAND, 1981; LALLEMAND et al., 1981; RABAIN-JAMIN, 1989) e a respeito das migrações e suas consequências quanto à transmissão de técnicas de maternagem, desenvolveram-se muitos trabalhos específicos sobre os bebês de famílias migrantes nos países onde são acolhidos. Distinguiremos três séries de trabalhos importantes a propósito do bebê.
Bebês que deixam suas mães inseguras, e mães que sentem falta das comadres
Encontramos uma primeira série de trabalhos, dentre os quais ressaltamos a pesquisa preciosa de Rabain e Wornham (1990) que analisou as práticas de cuidados aos bebês de mães migrantes vindas da África Ocidental. Entre as vinte e seis mães migrantes entrevistadas, cerca de 10% eram soninkê, 8% eram bambara, 3% wolof, 3% toucouleur, 3% manding e 1% diola. A técnica de pesquisa consistia em observações e entrevistas em domicílio. As autoras, antropóloga e pediatra, constatam imediatamente que a mãe migrante está submetida a exigências contraditórias que podem explicar um certo número de incertezas e inquietações: "a mãe é colocada na situação complexa de ter que interiorizar valores da sociedade onde foi acolhida ao mesmo tempo que transmite os valores tradicionais" (Ibid., p. 291). Entre as mulheres entrevistadas, 8 não fizeram nenhum carinho tradicional com as mãos. Entretanto, entre aquelas que o praticam, os autores notam que esse carinho perde pouco a pouco seu caráter ritualizado, sendo feito cada vez mais na intimidade e pela mãe sozinha - tradicionalmente esse carinho é feito pela avó, pela sogra, ou por uma mulher mais velha da família. As pesquisadoras formulam a hipótese de que essas mulheres jovens têm dificuldade para se apropriar de uma técnica cuja aplicação não lhes cabe, tradicionalmente.
Todas as mulheres do estudo carregam seus bebês nas costas dentro de casa, mesmo aquelas que, no exterior, utilizam os apetrechos utilizados no ocidente para carregar os bebês (carrinhos de bebês, "cangurus", etc.). Quinze delas utilizam essas técnicas ocidentais para carregar os bebês de maneira ocasional ou sistemática quando estão fora de casa. Carregar os bebês nas costas em público é considerado perigoso, pois atrai os olhares dos estranhos para a criança e elas temem o olhar invejoso ("o mau olhado").
As quantidades de estimulações corporais se mantêm frequentes ao passo que o tempo de exploração dos objetos é fraco. Por exemplo, para três crianças observadas de maneira mais precisa, o tempo de contato físico por meio do carregar o bebê corresponde a 90% das trocas até os seis meses. Recupera-se então a riqueza das estimulações motoras descritas na literatura antropológica, e observadas em parte na situação migratória para aquelas que preservam as técnicas tradicionais. Para as outras, o avanço da marcha que observamos na África - não é raro ver um bebê andar com 8 meses - não existe mais, ou é menos significativo na França. Esse estudo vai na mesma direção que as nossas observações que mostram que algumas crianças nascidas nessas famílias africanas têm poucos brinquedos à disposição, têm poucos brinquedos preferidos e, até onde sabemos, elas sonham e brincam. São modalidades diferentes de brincadeiras que é importante não interpretar erradamente.
Nesse estudo 69% das mulheres amamentam os bebês até 6 meses, mas a mamadeira é dada como complemento frequentemente e desde muito cedo. O modo de amamentação das mães africanas é diferente do das mães ocidentais, com mamadas à livre demanda, e em resposta a qualquer manifestação do bebê. As mamadas são mais curtas e mais frequentes. A mamadeira é, no entanto, utilizada para responder às inquietações da mãe em relação à sua capacidade de cuidar do bebê sem a ajuda de seu grupo. Não há mais a delegação possível dos cuidados de maternagem, e a mãe se vê em relação dual com seu bebê, o que modifica o equilíbrio geral das trocas e é frequente que isso a deixe intranquila. Ela preferiria estar cercada de outras mulheres para cuidar de seu bebê.
Como é feito o compartilhamento entre a medicina ocidental e a medicina tradicional (através das informações transmitidas, dos cuidados proporcionados às crianças pelos pais, pelos vizinhos, pelos amigos, pelos curandeiros)? Em relação aos cuidados de puericultura, as autoras constatam - o que, aliás, coincide com nossa própria experiência - "que somente os conhecimentos relativos ao uso da mamadeira é que são reconhecidos como tendo sido adquiridos graças ao ensino da Maternidade ou da P.M.I." (RABAIN; WORNHAM, 1990, p. 310). Todo o resto é transmitido pelos pais, pelas outras mulheres que falam a mesma língua... quando estão presentes em torno da família; se não, o que há muitas vezes é a falta e a incerteza.
Para os cuidados, a eficiência dos hospitais e da Proteção Materno-Infantil é em geral reconhecida. Podem ser encontradas diversas atitudes em relação às práticas terapêuticas tradicionais: uma associação possível das duas modalidades - por exemplo, as crianças tomam remédios e, paralelamente, são preparadas para elas infusões com folhas (por exemplo canicem nos Soninké), utilizadas para beber ou para banhos. Outras vezes, há uma seleção das indicações - para um resfriado, ou febre, ou diarréia, um médico é consultado; para o choro frequente ou para a agitação noturna a referência será buscada na tradição, porque se infere a visão de djinné (espíritos muçulmanos) ou de domm (feiticeiros antropófagos para os Wolof)... Outras vezes, vemos uma associação de diferentes esquemas de interpretação - a feitiçaria, por exemplo - esquema interpretativo tradicional evocado com frequência - pode se associar a uma outra causa: "diz-se que a criança pode pegar banalmente uma doença como o sarampo, mas se a isso se junta a ação de pessoas desejando o mal, a doença será mais forte" (RABAIN; WORNHAM, 1990, p. 313). O recurso à viagem à África "para se tratar" não está excluído quando a terapêutica ocidental não consegue trazer soluções satisfatórias ou quando subsistem dúvidas sobre a origem da doença. Os autores citam, também, um trabalho de Payne que mostra a importância das hospitalizações que parecem injustificadas do ponto de vista médico nos migrantes na França. Além dos aspectos sociais, as autoras propõem outra hipótese para explicar a importância dessas hospitalizações: o hospital aparece aos olhos das famílias como equivalente a uma comunidade terapêutica. O grupo é muito importante para cuidar e tratar. Assim, a adoção do sistema ocidental de cuidados não parece modificar o sistema tradicional subjacente de interpretação da doença "que faz dela a expressão de um distúrbio que atinge o grupo familiar como um todo" (RABAIN; WORNHAM, 1990, p. 316).
Outros pesquisadores, como Bril e Zack (1989) tentam destacar as transformações das práticas de maternagem nas mulheres bambara vindas para a França, a partir de uma série de entrevistas com as mães e de um estudo etológico comparativo (bebês de famílias francesas e de famílias do Mali vivendo na França e outras no Mali). Esses pesquisadores utilizam o conceito de "nicho de desenvolvimento" de Super e Harkness (1986). Esse conceito designa os ambientes sucessivos (humanos e materiais) que permitem os cuidados e as aprendizagens adaptados para cada criança numa dada cultura. Para Super e Harkness cada cultura modela os métodos que permitirão que as crianças adquiram as competências intelectuais e sociais, o saber, a perícia que valoriza. O nicho de desenvolvimento seria o resultante de três sub-sistemas que interagem entre si: o ambiente físico e social no qual a criança vive, os métodos de puericultura e as representações do desenvolvimento de que dispõem os adultos cuidadores. A partir do registro de filmes vídeográficos as pesquisadoras conduziram uma primeira série de cinco observações nas casas de famílias bambara imigradas na região de Paris. Em comparação com as observações feitas no Mali, elas destacam algumas diferenças: uma estruturação diferente do espaço - o espaço reduzido e a ausência de vida comunitária dificultam a vida familiar e social das mulheres imigradas. A estrutura familiar nuclear produz solidão acentuada da mãe que, além disso, deve renunciar às suas atividades econômicas tradicionais no ambiente rural. A aprendizagem do controle esfincteriano da criança se faz muito mais tarde. No Mali, a criança já deve ter esse controle quando começa a andar; aqui, só quando entra na escola. O desmame se faz em torno de onze meses, portanto, mais cedo que no Mali, porém tardio para o modelo francês. Por outro lado, todas as crianças têm a experiência da mamadeira.
Em especial, esses autores mostram que as representações tradicionais da criança e do seu desenvolvimento são perturbadas pela confrontação com os profissionais médico-sociais, que são muitas vezes seus únicos interlocutores, que ignoram - ou, pior ainda - negam essas representações, e desconhecem frequentemente a especificidade dos modos de maternagem das mulheres migrantes. Isso chega a tal ponto que "essas mulheres jovens têm dificuldade para reconstituir sozinhas representações da criança que possam lhes permitir efetuar uma síntese entre os dois sistemas de pensamento" (SUPER; HARKNESS, 1986, p. 37).
Antes de analisar os trabalhos específicos de Stork (1986) acerca da comparação entre a maternagem na França, na Índia e no Mali, é necessário expor, muito sucintamente, seu grande estudo de psicologia transcultural a respeito das práticas de cuidados infantis e das interações entre a mãe e seu bebê no contexto da família ampla hindu no Sul da Índia. Sua abordagem foi ditada por uma preocupação de prevenção psicológica desde cedo. De fato, trabalhando em um subúrbio parisiense, ela ficou impressionada pela morbidade importante na primeira infância e pela grande incidência de distúrbios da adolescência que ela relacionou a um mal-estar das sociedades industrializadas e aos riscos da criação das crianças nessas sociedades modernas. Desenvolveu então a ideia de comparar as práticas de maternagem em diferentes culturas. Ela encontra, nesse ponto, as preocupações de Mead (1930, 1963) que tinha "atacado" a sociedade americana e suas práticas de criação de filhos, em nome da comparação dos dados do seu estudo nos Manus. Mead recriminava ao sistema americano a falta de disponibilidade paterna para a criança. Queria mostrar que alguns modos de criação estavam errados, não somente em relação aos fins sociais buscados, mas também, e principalmente, em relação às necessidades das crianças. É principalmente essa última consideração que orienta Stork (1986, 1999). Suas observações implicam um postulado de base - trama das suas observações: "as concepções que os adultos de determinada sociedade fazem a respeito do desenvolvimento e da saúde da criança pequena influenciam seu comportamento e o tipo de cuidados que proporcionam a esta. Os estilos de interações assim determinados, entre os adultos e as crianças pequenas, influenciam o desenvolvimento e a socialização delas" (STORK, 1986, p. 14). Na Índia do Sul, ela adotou uma metodologia "global", estudando o vínculo mãe-criança em seu contexto: estudo dos textos antigos, observação direta das interações entre uma mãe e seu bebê, registro filmado dos cuidados na primeira infância.
Com o mesmo método de microanálise, ela compara as cenas de cuidados de higiene de um bebê em uma família tradicional francesa, numa família soninké vivendo em Paris, e numa família hindu na Índia. Encontra duas diferenças principais: na França as interações mãe-criança são mais distais, isto é, por intermédio da voz e do olhar, sem contato corporal direto. Na Índia, elas são mais proximais, pelo toque e pelas trocas corporais. Além disso, a mãe migrante soninké estimula seu bebê privilegiando maciçamente a manipulação da criança, o que dá ao bebê uma impregnação rítmica desde muito cedo. Observa assim a riqueza dos contatos tácteis e corporais para as mães soninké e seus bebês. As mães soninké pegam no colo, fazem carinho, manipulam, estimulam seus bebês no plano psicomotor, o que tem grande importância para a estruturação psíquica da criança.
Pelo nosso lado, conduzimos estudos clínicos sobre as mães e os bebês em situação transcultural que mostraram a importância da vulnerabilidade nesse período perinatal. Essa fragilidade se expressa tanto na mãe como na criança: depressões e psicoses puerperais, desarmonia das interações mãe-bebê, distúrbios funcionais do bebê, como distúrbios do sono e da alimentação (MORO, 2007, 2010). Mostramos a eficácia das terapias que integram o nível comportamental, afetivo, fantasmático e cultural das interações mãe-bebê e a necessidade de trabalhar sobre o sentido cultural e individual do problema (MORO; NEUMAN; RÉAL, 2008).
Assim, sejam estudos pediátricos, antropológicos ou clínicos, todos mostram a importância de levar em conta as representações culturais dos pais, suas maneiras de pensar as necessidades dos bebês, dos pais e suas maneiras de atuar. Mostram também a importância de reconhecer e apoiar as competências individuais e culturais desses pais e os laços que mantêm com seus laços de afiliação e suas comunidades, para melhor ajudá-los a serem pais e a fazerem crescer seus bebês, de onde quer que eles venham.
O que acontece então em situação de exílio, de viagem ou de miscigenação?
Em suma, a partir desses trabalhos antropológicos, clínicos e linguísticos, nós fomos levadas nesses últimos anos a propor sempre considerar três dimensões para compreender os pais e a criança em situação transcultural (MORO, 2007). São esses três níveis de leitura que nós vamos estudar agora.
O ser, o sentido e o fazer
Fazendo um desvio por outros lugares, temos experimentado o fato de que as maneiras pela qual a gente representa para si o bebê, sua mãe, seu pai, os laços que ele desenvolve com o mundo, seu ser mesmo, são múltiplas e profundamente ligadas às representações culturais que nos orientam. Essas representações ontológicas são berços que pré-existem à realidade mesma da criança ou da mãe e permitem justamente a emergência dos seres e das funções que assumem em determinado lugar. Como toda representação coletiva, essas imagens que estão lá em nossas cabeças e em nossas expectativas, antes mesmo da chegada do bebê real ou da construção da mãe, são em geral estruturantes. No que diz respeito ao bebê, essas representações ontológicas constituem um verdadeiro berço que prepara sua chegada e permite pensá-lo e acolhê-lo sem sequer o conhecer. Ele é acolhido como um ser da categoria "bebê". A maneira pela qual pensamos um bebê é constituída, no plano individual, como mostrou Lebovici, (1983), por exemplo, pelo bebê real, imaginário e fantasmático. O bebê tal como o observamos, mas antes, tal como o percebemos, como o investimos (LEBOVICI, 1961), como o imaginamos, e tal como ele aparece em nossas fantasias construídas na infância sobre matérias transgeracionais. Mas esses ingredientes individuais e familiares se apoiam sobre representações coletivas, as representações ontológicas do bebê e daqueles que o conduzem e o cercam.
Em situação de migração vão coexistir à volta da mãe várias representações ontológicas do bebê, do que é uma mãe ou do que é um pai: aquela trazida pelos pais, representação transmitida pelas gerações anteriores na qual a mãe se inscreve, e aquela do país de acolhimento que os pais conhecem mais ou menos, mas que impregna o conjunto dos atos que são feitos para e em torno dos bebês tanto quanto da maternidade, nos lugares de atendimento, nos ambulatórios da Proteção Materno Infantil, nos lugares de acolhimento e de lazer, nas mídias e mais tarde na escola.
Um segundo nível é aquele do sentido que dou ao que acontece com o bebê no dia a dia, mas em especial aos percalços e às dificuldades dele. Que sentido eu dou ao sem-sentido que é a doença? (ZEMPLENI, 1983). Deixando claro que se trata de sentido e não de causa (Ibid.). A causa é do campo dos técnicos e dos especialistas, mas não esgota o sentido que lhe é dado por aquele que vive esse acontecimento (NATHAN, 1986). Uma criança fica doente repetidamente, o médico diz que ela pegou infecções virais, essa é a causa que eu compreendo perfeitamente, mas se estou preocupada com essa criança, ou se a criança suporta mal essas doenças repetitivas, se está esgotada, não se alimenta mais, ou se mostra triste, então vou buscar um outro sentido. Por que eu não consigo proteger essa criança? Por que essa criança não sabe se defender? Por que é ela que está sempre doente, e não seu irmão ou seu amigo? E essa busca de sentido é tanto mais importante porque aquilo que acontece com minha criança é difícil de ser nomeado ou compreendido. Se eu, sua mãe, me sinto em dificuldade, ou até me sinto responsável ou culpada, busco ainda mais um sentido. Como esse bebê de oito meses que chora todas as tardes ao cair da noite, e que nesses momentos é muito difícil de ser consolado. A mamãe soninkê do Mali, vinda de uma pequena aldeia na região de Khayes, mas vivendo na França há mais de dez anos, adota inicialmente as teorias daqui. Diz-se a ela que não há nada orgânico, mas que se trata de angústias vesperais clássicas dos bebês, e que basta acalmá-lo pela presença de sua mãe. Essas angústias lhe são apresentadas como passageiras e sem causa. Mas o bebê está chorando cada dia mais, ela diz. Ela vai então buscar em sua memória e entre as teorias culturais ouvidas por ela quando estava em seu país, e vai encontrar várias teorias etiológicas (as teorias que dão sentido ZEMPLENI, 1983), dentre as quais uma que vai lhe permitir dar um verdadeiro sentido ao que acontece com seu bebê, sendo que ela nunca tinha sido confrontada com isso em relação aos seus irmãos e irmãs, eles também já nascidos na França. Ela se lembrou que na aldeia não se deixava sair os bebês no cair da noite, nem mesmo levados nas costas de suas mães. Era dito que os bebês, sendo seres frágeis, poderiam ser atacados pelos espíritos que vivem à volta dos humanos, os djinne. Essa teoria etiológica cultural permitiu à mãe dar um sentido dela àquilo que acontecia com seu filho, e consequentemente, a partir disso, ela encontrou uma maneira de acalmar e proteger o bebê dos djinne que o ameaçavam. Todas as culturas colocam à disposição dos seus membros teorias etiológicas mutantes, muitas vezes compostas daqui e dali a partir de teorias que são reelaboradas por todos os acontecimentos e as contribuições múltiplas de um contexto dado. Essas teorias etiológicas são específicas de um momento e de um lugar, transmitem-se e se transformam de uma geração a outra, e são universais no sentido em que cada cultura favorece sua emergência. Todas as sociedades constroem essas teorias etiológicas, mas algumas, como a nossa, consideram que ela está fazendo ciência, e que as outras sociedades, especialmente aquelas do sul, se satisfazem com crenças. A ciência, é claro, contribui também para a construção de teorias etiológicas provisórias, da mesma maneira que as tradições, os ritos, os mitos ou as religiões. Nas nossas sociedades, as mídias também contribuem para construir teorias que dão sentido ao que acontece com os nossos filhos. Essas teorias etiológicas seguem depois para a subjetividade dos seres que as alimentam com seu próprio imaginário e com suas fantasias. Esse sentido é então uma alquimia que é ainda mais importante respeitar uma vez que pertence à pessoa, de quem ela é própria, visto que a retira do reservatório comum. Esse sentido ajuda a compreender e a cuidar.
Ao ser e ao sentido acrescenta-se o fazer. Como fazer quando uma criança chora, sabendo que uma criança vem do além, do mundo dos ancestrais, e que se ela está chorando seja talvez porque os ancestrais estão descontentes com a maneira como os estamos tratando? Eis uma situação na qual o ser e o sentido estão explicitados, mas resta o fazer. Qual é o estatuto da palavra? Deve-se calar ou falar? O que faz a eficácia simbólica ou real de uma palavra ou de um ato? Será que os bebês compreendem o sentido do que lhes dizemos, ou somente a intenção, o ritmo, a prosódia da palavra que lhes é dirigida? E, consequentemente, deve-se falar com eles ou somente segurá-los no colo e estimulá-los? O que fazer quando um bebê está doente, não se alimenta mais, quando seu desenvolvimento se interrompe? As questões do fazer vão ser muito importantes para a vida cotidiana e também para os cuidados, na medida em que nada é evidente quando se trata do fazer. Há mil e uma maneiras de fazer e essas maneiras são coerentes com a maneira de pensar e dar um sentido ao que acontece com os bebês, por exemplo. É por isso, aliás, que isso é tão importante e que os conselhos que tentariam impor às mães migrantes uma maneira diferente de fazer não funcionam, porque estão em contradição com a maneira delas de pensar os bebês. Às vezes provocam dúvidas e até culpabilidade, sem conseguir modificar o fazer. Esse fazer deve ser antes de tudo reconhecido e valorizado, e, depois, podem acontecer negociações entre as diferentes maneiras de fazer, nos dispositivos de acolhimento e de cuidados que disponibilizamos a essas famílias migrantes (BAUBET; MORO, 2013).
A dúvida e a falta
Eis-nos então diante de uma situação na qual as representações do que é uma mãe e um bebê, um pai, avós, ou irmãos e irmãs, são múltiplas, assim como as maneiras de dar um sentido ao que acontece. A mãe e os familiares têm então à sua disposição duas fontes pelo menos, a daqui e aquela de lá, que deveriam ter o mesmo estatuto na medida em que emanam da universalidade psíquica e da história dessa família. No entanto, na prática, o que vem do país de origem é frequentemente desvalorizado pelo olhar que a sociedade de acolhimento lança sobre o país de origem: eles não sabem, eles são menos desenvolvidos que nós, eles ainda não alcançaram esse saber... apagando completamente então a ideia segundo a qual o que é precioso e estruturante para uma pessoa é o que ela escolheu e o que faz sentido para ela. Se eu busco apagar o que lhe pertence, em nome de um "pretenso conhecimento", eu coloco o outro em posição de inferioridade e reduzo seus próprios recursos e competências. Tanto mais que o exílio fragiliza a transmissão e a coerência das teorias e da maneira de fazer da família, que não pode mais se apoiar em ninguém, ou muito pouco, para continuar a fazer viver os mitos, os ritos, as imagens, os pensamentos culturais. A viagem e a distância fragilizam essa transmissão viva e em movimento das maneiras de pensar e de fazer em torno do bebê. E os próprios motivos da viagem também. Talvez eu tenha migrado justamente para colocar uma distância entre mim e minha mãe, e todas as suas recomendações. No entanto, diante do sem-sentido que é uma criança que não se desenvolve como as outras, e que não se comunica, pode surgir a necessidade de se apoiar sobre outras teorias que não são aquelas do país de origem, especialmente se elas não funcionam. A dúvida se instala por conta do desamparo, e se insinua também pelo fato da migração e da distância tomada em relação a essas lógicas culturais iniciais que são confrontadas com aquelas que percebo do mundo daqui.
Se aceitamos a ideia de que as crianças devem ser carregadas no colo, fabricadas, pensadas em referência a um laço estruturante aos pais, à família, à sociedade, então aparece imediatamente a ideia de uma fabricação dos pais, de uma sustentação necessária e de uma representação da parentalidade como um assunto não só de sentimentos e desejos, mas também de estrutura. Examinemos a necessidade da prevenção desde muito cedo para os bebês e as crianças pequenas em relação à violência e ao trauma, qualquer que seja a origem dessas crianças e os lugares onde elas nascem.
Os bebês não esquecem nada, menos ainda a violência que eles sofrem
Poderíamos enumerar algumas alegações desordenadas veiculadas pelo senso comum, mas também pela literatura científica: as crianças pequenas não se dão conta daquilo que vivem, elas esquecem facilmente à medida que crescem, transformam tudo em brincadeira, seriam pouco sensíveis à dor... E muitos outros argumentos que, em certos períodos uns e outros se esforçam para demonstrar: as crianças pequenas não registram traços mnêmicos, esquecem progressivamente, uma vez que não têm metacognição suficiente ou, ainda, elas não têm representação suficiente da morte e portanto não têm medo da morte. Elas pensariam a morte como transitória, e, portanto, não fariam a ligação entre o acontecimento violento e a morte real e brutal... Os trabalhos se apoiam por vezes sobre dados parcialmente verdadeiros, como aqueles relativos à linguagem, à memória ou às representações, todos sendo processos de desenvolvimento que se estruturam com a idade, mas a consequência inferida, em si mesma, não é correta. Os bebês percebem direta e indiretamente os traumas, uma quantidade de estudos atuais o comprovam (MOUCHENIK et al., 2012) e eles sofrem as consequências em sua infância. Esses traços são, aliás, tão fortes que se inscrevem como qualquer outro processo que tenha lugar na linha de desenvolvimento, no presente e no futuro desse ser sensível, perceptivo e ativo, mas também no futuro dessa criança, depois no adolescente e no futuro adulto. Pode-se até propor a hipótese, mas isso é mais aleatório, de que esse trauma, ou às vezes essa série de traumas, vai modificar a percepção que a criança tem de seu passado, de sua história, por mais breve que esta seja. O bebê é uma pessoa, esse ainda é um lema revolucionário.
A essas consequências diretas do acontecimento traumático vão se juntar as consequências indiretas, isto é, as consequências dos traumas parentais ou coletivos sobre as crianças. De fato, as crianças, e especialmente as crianças pequenas, têm necessidade da ajuda de seus pais ou de substitutos para viver, para sobreviver e para crescer. Para além da ajuda do grupo que as apoia - ou é suposto que o faça - elas são dependentes de seus pais e de todos esses tutores do desenvolvimento (BAUBET et al., 2003). Ora, pais traumatizados e um grupo desestruturado por acontecimentos coletivos esquecem suas crianças, ou, pelo menos, podem estar preocupados demais com suas próprias dores, seus lutos, suas perdas e seus temores, para se preocuparem de maneira adaptada e eficaz com suas crianças, suas necessidades, suas vulnerabilidades. Os pais devem sobreviver fisicamente e psiquicamente para poder cuidar de suas crianças, e em especial, de suas crianças pequenas, que nem sempre sabem reclamar ajuda, ou mesmo não a reclamam com a linguagem dos adultos. Elas o dizem à sua maneira, com um balbucio traumático que não é reconhecido como tal. Por exemplo, elas param de brincar ou de sonhar, mas ninguém percebe isso nessas circunstâncias, ou ainda, elas vão repetir de maneira traumática a mesma brincadeira que imita o acontecimento traumático ao qual a criança fica fixada. E esse "falso brincar" tranquiliza os adultos, os pais ou cuidadores: "A criança está bem, ela está brincando!". Na realidade, ela repete o trauma e suas vivências afetivas num cenário circular que se retroalimenta. Aos traumas se associam então a falta, a negligência, ou a desolação branca, que não é espetacular, mas que é degradante. É preciso então identificar esse nada, esse vazio defensivo, que congela os processos de desenvolvimento e hipoteca seu futuro.
Seja para as crianças bem pequenas ou depois para as maiores, a violência feita às crianças deixa rastros indeléveis em seu sistema de crenças. Engendra uma dúvida e, às vezes, a uma perda na confiança fundamental na vida.
Esse trabalho compete à psiquiatria da infância mais inicial, mas há também o trabalho do conjunto da sociedade. A prevenção da violência e dos traumas das crianças e dos rastros que deixam dentro delas cabe a todos, pais, professores, educadores, como já propunha Winnicott depois da Segunda Guerra Mundial. Essa prevenção consiste em proteger as crianças e ajudá-las a reconstituir seus sistemas de pensamento mesmo depois dos mais terríveis acontecimentos. Reencontramos assim o projeto de Devereux que era o de "constituir uma psicologia da criança, livre de qualquer estereótipo, isto é, uma ciência verdadeira que nos permita criar crianças capazes de edificar um mundo melhor do que esse que recebem de nós" (DEVEREUX, 1970, p. 142). Belo projeto coletivo...
Todos esses modos de fazer com as crianças e os adolescentes estão ligados à nossa maneira de concebê-los, de perceber suas necessidades, e de pensar o lugar da violência em seu cotidiano, em sua educação ou em seus cuidados. Ninguém exerce a violência de uma mesma maneira ou no mesmo domínio, mas esse exercício da violência dirigido ao corpo e ao ser das crianças deve ser reconhecido para ser combatido. Essa violência é inútil e supérflua; no entanto, ela é universal.
Em toda parte se diz que amamos as crianças... então, não as violentemos. Por que não tomar como objetivo primeiro, individual e coletivo, que cada criança seja feliz lá onde ela está? Falta-nos, sem dúvida, capacidade de utopia e de sonho. É uma pena, porque esse sonho seria realizável...
Assim, para construir um mundo melhor é importante prevenir essa violência fundamental feita às crianças, de onde quer que elas venham.
Referências
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Sites
www.clinique-transculturelle.org
www.maisondesolenn.fr
www.marierosemoro.fr
Artigo recebido em: 13/08/2018
Aprovado para publicação em: 21/08/2018
Endereço para correspondência
Marie Rose Moro
E-mail: marierosemoro@aphp.fr
Rahmeth Radjack
E-mail: rahmeth.radjack@aphp.fr
*Professora de psiquiatria infantil e de adolescentes/Université Paris Descartes, doutora em medicina e em ciências humanas, psicanalista (IPA). Diretora da equipe de pedopsiquiatria perinatal da Maternité de Port Royal BB-Mat. Chefe do serviço da Maison de Sollen, Maison des Adolescents do Hospital Cochin, AP-HP, Paris, França. www.maisondesolenn.fr, Diretora da revista transcultural www.revuelautre.com
**Psiquiatra de crianças e adolescentes, responsável pela equipe de pedopsiquiatria perinatal da Maternité de Port Royal BB-Mat e do ambulatório, Maison de Sollenn, Maison des Adolescents do Hospital Cochin, AP-HP, Paris, França.