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Imaginário
versão impressa ISSN 1413-666X
Imaginario v.11 n.11 São Paulo dez. 2005
PART I
Construindo a educomunicação: relatos de experiências do Projeto Educom.rádio
Building up Educomunication: experiences in Educom.radio Projetc
Alessandra Campos*,I; Izabel Leão** , II; Lara Deppe***; Nina Nazario****
I Senac de São Paulo
II NCE-ECA/USP
RESUMO
O Projeto Educom.rádio - a educomunicação pelas ondas do rádio, teve como objetivo promover o resgate da cidadania pela educomunicação. Os relatos apresentados destacam situações vividas nas escolas municipais de São Paulo, em que, por meio da linguagem radiofônica, professores e estudantes produziram programas de rádio, experimentando o trabalho em grupo, o exercício da cidadania e a quebra de hierarquias na comunidade escolar. O referencial teórico do projeto é a educomunicação, uma proposta que vai além da educação para o uso dos meios de comunicação, objetivando uma análise crítica da mídia e, sobretudo, a criação de ecossistemas comunicativos abertos, democráticos e participativos. Concluiu-se que o uso da linguagem radiofônica proporciona o resgate da oralidade dos alunos e da sua auto-estima, despertando maior interesse dos envolvidos em participar das decisões da comunidade escolar e em trabalhar em conjunto com professores e coordenação. Ao fim do projeto, formaram-se educomunicadores, pessoas comprometidas com o fortalecimento dos ecossistemas comunicativos, sensibilizadas para uma gestão democrática na escola, e com respeito às diferenças.
Palavras-chaves: Educomunicação, Participação, Resgate da oralidade e auto-estima, Ecossistemas comunicativos.
ABSTRACT
The Educom.radio Project had as main goal the promotion of citizenship throughout educomunication. The stories presented in this article took place in public schools of São Paulo, where, by means of the radio, teachers and students exercised the production of radio programs, as well as work in groups, citizenship and break through hierarchy of school community. The theory underlying the project refers to the educomunication as a proposal that goes beyond the education for the use of the medias, objectifying a critical analysis of the media and, over all, the exercise of opened “communicative ecosystem”, meant to be democratic and inclusive. As a conclusion, the article points at the importance of the radio for rescuing students orality and self esteem, creating bigger interest in participating of school’s community decisions and working together with teachers and school principals. By the end of the project, there were lot’s of educomunicators, people whose compromise to strengthen the bonds inside an “communicative ecosystem” is committed with a democratic management of the school and the respect of differences in society.
Keywords: Educomunication, Student participation, Rescuing orality and self esteem, “Communicative ecosystem”.
Introdução (Izabel Leão)
Acreditar que poderíamos reinventar a educação foi o combustível principal que moveu durante três anos e meio (segundo semestre de 2001 a fim de 2004), todos os sábados, das 8 da manhã às 17 horas, uma equipe de aproximadamente 1.100 pessoas, a enveredarem-se pelos distantes bairros da cidade de São Paulo, cruzando regiões carentes, perdendo-se entre as vielas, muitas vezes levando duas horas para chegar às escolas públicas municipais, a fim de construir, com a comunidade escolar a educomunicação.
Foi assim que o Projeto Educom.rádio – a educomunicação pelas ondas do rádio aconteceu nas 455 Escolas de Ensino Fundamental da rede de escolas da Secretaria Municipal de Educação. O curso foi dividido em três módulos, com carga horária de 36 horas cada. De seis em seis meses, um número crescente de cursistas selecionados (alunos, professores e membros da comunidade) reunia-se para 12 encontros de oito horas, realizado em uma das escolas participantes – chamada de escola-pólo, e, para os íntimos,simplesmetne de “pólo”. Embora fosse um curso de extensão universitária, que iria certificar professores e funcionários, num total de 13 professores por escola, o Educom.rádio abriu espaço para dez alunos e dois membros da comunidade, acreditando que um ecossistema comunicacional constitui-se pela participação igualitária de toda a comunidade escolar.
Na verdade, o criador do projeto e coordenador do NCE – Núcleo de Comunicação e Educação da ECA/USP é o Prof. Ismar de Oliveira Soares, quem costuma afirmar que, para a Educomunicação ocorrer nos espaços educativos, é necessária, sobretudo, a criação de “ecossistemas comunicativos”, que cuidem da saúde e do bom fluxo das relações entre as pessoas e os grupos humanos, bem como do acesso de todos ao uso adequado das tecnologias da informação:
“Para tanto, os estudos apontam para a necessidade de se promover uma verdadeira “gestão da comunicação em espaços educativos”. Em outras palavras, a comunicação precisa ser planejada, administrada e avaliada, permanentemente. Ainda que complexa e abrangente em sua concepção, a Educomunicação deve ser introduzida nos espaços educativos com base nas condições específicas que caracterizam os diferentes ambientes, e, especialmente a partir das alianças possíveis de serem feitas entre os agentes sociais que atuam em determinado espaço educativo. No caso, o ecossistema comunicativo estará sempre, e necessariamente, em construção. Seu aperfeiçoamento depende da forma como o tema é introduzido. É importante, por exemplo, no início, evitar rejeições e conflitos com os educadores e agentes sociais que defendem concepções mais tradicionais de relações humanas nos espaços educativos. Para tanto, é interessante começar a partir dos pontos de consenso, como a necessidade de melhorar as habilidades de professores e alunos no manejo das tecnologias da informação.” (SOARES, 2005)
O Projeto Educom.rádio foi desenvolvido mediante uma parceria entre o Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – NCE/ECA-USP e a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, bem como envolveu na capacitação mais de 11 mil pessoas em torno do
“resgate da cidadania pela educomunicação, que se ampara em conceitos como ‘práticas colaborativas’, ‘cultura de solidariedade’ e ‘diversidade cultural’. Como fio condutor, usou a linguagem radiofônica, propiciadora do resgate da oralidade do aluno e de sua auto-estima.” (LAGO e ALVES, 2005).
Para atender a esse universo de cursistas, o NCE, paralelamente, formou 200 profissionais das mais diversas áreas do conhecimento (comunicação, educação, filosofia, letras, psicologia, veterinária, biologia etc.) em educomunicação, os quais desenvolveram nas escolas as funções de articulação, assistente de coordenação e mediação.1 Em consonância com os princípios do projeto, toda essa equipe reunia-se uma vez por semana para discutir os conceitos da educomunicação e sua aplicabilidade, assim como partilhar as alegrias e os problemas enfrentados e planejar, baseando-se na experiência vivida e na teoria pedagógica, as ações do sábado seguinte.2
As atividades aos sábados, para os professores e membros da comunidade, distribuíam-se em palestras e debates, ministradas por professores da USP e profissionais da área, sobre temas como linguagens da comunicação, pluralidade cultural, meios de comunicação e mediações, práticas educomunicativas, entre outras. Enquanto isso, os estudantes desenvolviam os mesmos temas em atividades diferentes com a ajuda da equipe do NCE. No período da tarde, aconteciam oficinas de produção radiofônica, e outras linguagens, como o vídeo e o jornal mural, que lhe serviam de contraponto.
Cabia à Secretaria Municipal de Educação, por meio das coordenadorias de educação das subprefeituras da cidade, entregar às escolas um equipamento de rádio de baixa freqüência, que não tinha caráter de rádio comunitária, mas sim escolar. “O objetivo era que, após cursarem o Educom.rádio, recebessem a rádio no ambiente escolar, que passaria a ser gerenciada pelo conjunto de professores, alunos, funcionários e comunidade. Este equipamento configura uma rádio de caráter restrito, operando em faixa específica do dial.” (LAGO e ALVES, 2005).
Durante esses anos de práticas educomunicativas nas escolas da rede pública de São Paulo, ficou claro, para os membros do NCE, que a educomunicação é muito mais do que educação para o uso dos meios de comunicação. Ela também objetiva a análise crítica da mídia e, sobretudo, a criação de ecossistemas comunicativos abertos, democráticos e participativos. Pretende-se, assim, uma reapropriação dos espaços educativos pela comunidade escolar, entendida como alunos, professores, pais, funcionários etc., na medida em que ampliam suas formas de expressão por meio de novas formas de linguagem e do uso das tecnologias.
Como revela o supervisor geral do NCE, Ismar de Oliveira Soares, coordenador do Projeto Educom.rádio e docente da USP,
“a educomunicação é um conjunto de ações inerentes ao planejamento, à implementação e à avaliação dos processos, programas e produtos destinados a criar e fortalecer ecossistemas comunicativos em espaços educativos presenciais ou virtuais, assim como melhorar o coeficiente comunicativo das ações educativas, incluindo as relacionadas ao uso dos recursos da informação no processo de aprendizagem.” (SOARES, 2003).
O que o autor propõe é uma revisão dos paradigmas da educação à luz da educomunicação, o que significa perguntar: Como a comunicação está inserida no espaço educativo? Como está sendo garantida a expressão de professores, alunos e membros da comunidade? Como os recursos tecnológicos fazem parte do cotidiano dos processos de ensino e aprendizagem? Para tanto, é necessário promover um planejamento educomunicativo, assistido ou assessorado por um especialista no novo campo, o qual denominamos educomunicador.
É esse profissional, um agente cultural especialista em educação e comunicação, que será capaz de criar, de dar vida e sentido à tecnologia. Sua missão é a de gestar os processos comunicacionais: fazer nascer e gerenciar projetos e produtos na área da comunicação, dentro do espaço de educação formal e não formal. No caso do Educom.rádio, é garantir que a rádio criada na escola seja o espaço de múltiplas vozes.
A seguir, relatos de experiências vividas por três educomunicadoras que desempenharam os papéis de mediação e articulação no Projeto Educom.rádio, em diferentes épocas e escolas, mostrando a visão particular delas no contexto educomunicacional.
Processos educomunicativos mudam comportamentos de alunos:
(Alessandra Campos – Mediadora de fevereiro de 2003 a julho de 2004)
– Todos em círculo... Muito bem!
Silêncio por alguns instantes.
– Bom, agora que estão todos acomodados... Olho no olho, daremos início às nossas atividades!!!
– Hoje, teremos o dia todo para falarmos sobre nós!!!
O grupo reagiu com surpresa. Que história é essa de virmos fazer um curso de rádio e ficar falando “baboseiras” a nosso respeito? Um integrante do grupo então manifestou-se:
– Pensei que esse curso poderia ser tudo, menos esse bate-papo que está rolando!
Nesse momento, eu e minha companheira de mediação, Cláudia Barros, questionamos ao resto do grupo o que eles esperavam do Educom.rádio.
A resposta veio de imediato:
– Não é um curso de radialista? Não vamos aprender a trabalhar no rádio?
Perguntamos a toda a equipe se aquela experiência estava sendo boa – a possibilidade de falar de si. Todos afirmaram que sim e, espontaneamente, começaram a falar sobre as sensações daquele momento. Aos poucos, sugerimos nossa ferramenta de trabalho– um gravador.
“A proposta é a seguinte: já que todos se apresentaram, deu para conhecer um pouquinho de cada um, gostos pessoais, histórico de vida, aptidões e afinidades. Então, agora vamos transformar tudo isso num grande caldeirão cultural? Que tal fazermos um programa de rádio que fale sobre esse tema: Pluralidade cultural? Assim, vocês vão exercer a prática radiofônica por intermédio de um novo conhecimento adquirido.”
Mas, afinal, que raio de termo é esse – Pluralidade cultural?
Foi partindo de princípios como esse que demos início ao Educom.rádio, naquele dia. Tínhamos como objetivo propor, por meio da ferramenta rádio, uma nova leitura de mundo partindo dos eixos transversais denominados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e pelas novas Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Com isso, buscávamos aumentar o elo de comunicação entre todos da escola, melhorar a convivência entre alunos e professores, diminuindo, assim, a violência.
Nossa grande meta era propor aos alunos uma nova construção dos conceitos, que, apesar de serem preestabelecidos pela sociedade, estão desgastados pelo tempo. Para tanto, pensamos na mídia como forma de análise crítica desses conceitos. Transformar nossos cursistas em cidadãos mais conscientes capazes de, por si só, promoverem políticas públicas na comunidade em que viviam era nosso grande objetivo.
Lembro-me de que as apresentações dos programas de rádio aconteciam numa euforia só. Era muito interessante acompanhar o processo em seu todo. Professores, alunos e alguns membros da comunidade, compartilhando opiniões sobre um mesmo tema, dando idéias sobre como elaborar o jingle, a vinheta e os próprios programas.
Já na apresentação, eles se soltavam. “Nos integramos superbem com a turma e aprendemos muito”. Essa era uma das frases que mais ouvíamos do grupo.
Ingressei no Educom no primeiro semestre de 2003. Era mediadora do Pólo 10, situado na Região Leste de São Paulo. Inicialmente, tínhamos um grupo formado por integrantes de seis escolas. Dentre elas, a EMEF Capistrano de Abreu, com a qual trabalhei ao longo do semestre e dei meus primeiros passos neste trabalho de mediar diálogos. Essa escola tinha um diferencial que era a participação da diretora no curso, Lúcia3. Ela era uma pessoa disponível e vivia em busca de transformações para a escola, sempre incentivando os alunos e os professores às descobertas de novas propostas. Mesmo assim, acredito que pelo cargo que ocupava, acabava, muitas vezes, monopolizando o diálogo. Mas Lúcia tinha muitas virtudes. Uma delas era reconhecer quando estava errando e, um dia, numa conversa informal na hora do almoço, refletimos sobre a necessidade de os alunos sentirem-se mais à vontade dentro do mesmo grupo em que ela fazia parte.
Pronto, bastou esse toque para que Lúcia buscasse mais e mais a parceria dos meninos na hora das decisões do grupo. Além disso, aos poucos ela foi saindo do papel referencial para atuar como observadora. E assim, o grupo se formou numa hegemonia profissional, se é que podemos dizer assim, embora respeitando as diferenças. Todas as decisões do grupo eram votadas e decididas no coletivo. Todos tinham o direito de se colocar contra a idéia e argumentar seu ponto de vista. No fim, o que era definido pelo grupo saía de um consenso.
Nesse grupo, formado por 12 estudantes e 13 professores, tinham pessoas peculiares. Um deles era o Alexandre4, um menino de 13 anos, muito ativo e “desconcentrado”. Ele tinha uma liderança nata sobre a turma, mas, que insistia em voltar para o lado negativo. Trazer o Alexandre para o grupo foi um grande desafio. Ele sempre levava os cursistas à dispersão. Mas, aos poucos, fomos percebendo o quanto ele era criativo e poderia contribuir com a escola. Logo, professores e alunos dessa equipe começaram a atribuir tarefas para o Alexandre e mostrá-lo o quanto precisavam do trabalho dele para finalizar algum programa ou atividade. E, assim, ele foi se apropriando do espaço de trabalho, dos equipamentos e do grupo em si. Ao término do semestre, Alexandre já estava no papel de mediador. Era ele quem organizava a equipe para as decisões. Outra cursista que cabe fazer comentário chamava-se Kelly5. Também com 13 anos, ela era muito tímida. Comparecia a todos os encontros, mas, sempre ficava no canto, só observando. Nunca falava. De certa forma, isso me incomodava um pouco.
Não forçamos Kelly a nada. Um dia, espontaneamente, ela disse ter vontade de manipular o gravador. Rapidamente, cedemos ao pedido, já que temíamos a possibilidade de ela mudar de idéia. Mostrou muita habilidade nessa tarefa, e foi elogiada pelo grupo por ter feito uma gravação de ótima qualidade. Depois desse dia, Kelly saiu do casulo. Escrevia roteiros, integrou-se com a equipe e vivia fazendo piadinhas com a turma. Quando aconteceu o primeiro Simpósio de Educomunicação promovido pelo NCE/USP, Kelly foi voluntária para o grupo de notícias On-line. Dessa forma, ela, e os outros dois alunos, Pedro6 e Lucas7, tinham como tarefa relatar tudo o que acontecia no evento para o site do projeto.
O Educom propunha promover ecossistemas comunicativos na escola. Refletindo sobre minha experiência, acredito que isso foi o que mais buscamos. Procuramos integrar professores, alunos, comunidade, mediadores, articuladores assistentes e afins ao longo de todo o processo. Os espaços dialógicos proporcionavam tal interação. Apesar de alguns “ruídos” conflituosos, mas, necessários, cumprimos a nossa tarefa.
A paz, invadiu o Eeeeducom...
(Lara Deppe – articuladora do Pólo 6, da 4a a 6a fase, e do Pólo 1, durante a 7a fase)
Se as pessoas envolvidas neste relato algum dia o lerem, por favor, não esqueçam que o faço com a melhor das intenções, a de compartilhar uma experiência extremamente enriquecedora, algo que marcou meu entendimento do que foi o Educom.rádio. Claro, como em qualquer projeto, nem todos os momentos foram igualmente gratificantes (alguns, inclusive, frutos de minha própria inexperiência), mas se há alguma coisa da qual me orgulho é que ele prezava pela formação do seu próprio quadro. Pois era lá, no raro contato entre universidade e escolas públicas, que pessoas das mais diversas origens, mas com o sonho de uma sociedade melhor, vivenciavam e reinterpretavam a teoria. A Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio “Prof. Linneu Prestes”, com seus alunos, corpo docente, coordenação, funcionários e comunidade, foi uma das que me propiciou isto.
Nessa quinta fase do Pólo 6 (primeiro semestre de 2004), a equipe havia combinado que os mediadores trabalhariam com o mesmo grupo durante os 12 sábados do projeto, e a EMEF Linneu Prestes acabou ficando com dois mediadores, a Nalú e o Ivan. Desde o início, a relação foi tensa e cheia de conflitos, cujo estopim foi um estudante da outra escola, que ao responder à pergunta do porquê a Linneu Prestes não ter conseguido fazer um programa de rádio, apontou o dedo para a coordenadora e disse que ela era o problema da escola. Obviamente, a senhora saiu transtornada da sala de aula e, só com muita conversa nossa e da representante da subprefeitura, bem como força de vontade sua, continuou no projeto, pois era uma pessoa persistente, como nos contaria mais tarde. Como articuladora, minha função não era exatamente desenvolver as atividades com os cursistas, e sim auxiliar os mediadores no que fosse preciso; pelo menos era assim que eu me via. No entanto, estava claro que uma ajuda extra seria mais do que bem-vinda.
Mas o que estava exatamente acontecendo com aquela escola? Na sala estavam reunidos adolescentes divididos em vários grupinhos (os bons alunos, os alunos-problema etc.), que, quando não brigavam entre si, revoltavam-se contra os adultos. Fora isso, a presença marcante da coordenadora, que, apoiada pelos professores, agia de acordo com sua função na escola: de autoridade. Ora! Se o Educom previa a criação participativa de uma rádio na escola, uma das teclas nas quais sempre insistíamos era que esta não devia ficar a mando de uma ou outra autoridade, seja ela jovem ou adulta. Como conseqüência, tentávamos sempre perceber a maneira como os sujeitos apropriavam-se de seus respectivos papéis (e aqui me refiro, inclusive, o de ser adolescente nos dias de hoje), assim como mexer nessa estrutura, a fim de garantir que a rádio fosse um espaço democrático, no discurso e na prática. O estopim aconteceu justamente porque o menino colocara o dedo na ferida: não havia interesse na execução do programa de rádio porque estudantes e educadores não se entendiam. Mas ninguém deve-se enganar achando que esta era uma particularidade da Linneu Prestes. A diferença aqui é que a situação foi rapidamente deflagrada, enquanto, em boa parte das escolas, ela permanecia velada.
Dado o pontapé inicial, os sábados sucederam-se caóticos, tanto que separamos a Linneu Prestes da outra escola porque o foco dos trabalhos sempre recaía nos seus problemas. E caóticos, por quê? Simples, ninguém dialogava! Quando abríamos a roda para propor uma atividade, os estudantes não paravam de fofocar, de sair e entrar em sala, de fazer piadinhas e sair no braço no meio da roda (eles realmente se levantavam de seus lugares e partiam para a briga em seu interior); os adultos, por sua vez, ou os mandavam calar a boca, puxando-os pelos braços para apartar brigas (o que adiantava, digamos, por uns cinco minutos), ou desistiam e assistiam estarrecidos à zona, enquanto os mediadores plantavam bananeiras e davam cambalhotas para que uma ou outra atividade despertasse o interesse de todos. Por fim, o que é talvez o maior dos sintomas, o programa de rádio em conjunto era boicotado. Salvo uma ou outra exceção, os estudantes recusavam-se a fazê-lo com os professores.
Descrito o cotidiano, o que quero mesmo é contar sobre um desses sábados ensandecidos, quando demos todos um pequeno passo. Como sempre, separamos a escola em grupos, tomando o cuidado de deixar professores e alunos em cada um deles. Do grupo por mim mediado, não havia jeito de sair programa de rádio. Os estudantes não queriam nem saber: ignoravam os esforços, meus e dos professores, de chamá-los para colaborar e continuavam com sua cantoria de pagode. Mediante a insistência, um deles levantou e dirigiu-se a um mapa na parede: “Aqui? É a África! Aqui? É a América!” – gritou, ironizando, e continuou: “eu nunca vou ser professor na vida, porque professor é uma profissão de merda!” Enquanto eu imaginava, olhando a cena, como sair daquela fria, uma das professoras presentes, bendita, soltou uma gargalhada que o fez titubear. E quanto mais ele continuava, mais ela ria e concordava, até que ele parou e voltou para a roda. A situação acalmou, mas os estudantes continuaram ignorando os apelos dos professores e fizeram seu próprio programa de rádio com pagode.
Chegado o momento de avaliação dos programas, particularmente importante no Educom.Rádio, por ser quando a dificuldade de comunicação (tão clara neste dia) pode ser colocada em discurso e, conseqüentemente, tornar-se objeto (e não filtro ou mediação) do diálogo, logo, uma das professoras pronunciou-se: “Sabe o que não gostei de hoje?”, disse quase em lágrimas, “é que fui excluída do programa de rádio. Vocês, estudantes, não me deixaram participar, eu fiquei muito magoada com isso”. O testemunho não veio precedido de nenhum discurso sobre a profissão, sobre cidadania, sobre nada. Ele veio pessoal, carregado de emoção, da parte de alguém que se sentiu marginal a um processo que gostaria de ter vivido. Neste momento, as máscaras caíram, e as pessoas ali presentes começaram a conversar sobre suas dificuldades, seus conflitos, como concluiu tão bem um dos estudantes: “hoje eu gostei de saber que os professores também têm medo, e que não é só a gente que tem medo”. Nós, mediadores, nem precisamos intervir, pois a conversa era respeitosa, com todos esperando a vez para falar, realmente ouvindo e fazendo suas as palavras do outro. O diálogo fluiu tão bem que ninguém saía e entrava na sala, estendendo-se por 30 minutos depois do horário, e interrompida por nós com grande surpresa geral. Ali estava um grupo que, pela primeira vez, em dez sábados estava gostando de se entender, de se “educomunicar”. Ao término, a mediadora Nalú cantava sua própria versão de Gilberto Gil: “a paz, invadiu o Eeeducom...”
Depois desse sábado, restavam apenas mais dois ou três, e a equipe tinha consciência de que não havia concluído os trabalhos. Pelo contrário, a sementinha tinha começado a germinar, mas ainda precisava de muito ar, água e terra para vingar. No sábado seguinte, as brigas e tal continuaram, mas as atividades começavam a tomar rumos inesperados, como quando um estudante (um dos em liberdade assistida) comparou a nossa discussão sobre a relação professor/estudante com o que a psicóloga falava sobre sua relação com a mãe, posto que um bom início para superar suas dificuldades seria mãe e filho começarem a se referir um ao outro por nomes carinhosos, em vez de “vagabundo”, “pilantra”, “puta” etc. De fato (depois a professora desencadeadora do episódio descrito anteriormente me contou), aquele estudante a estava cumprimentando na escola, e de maneira não agressiva.
Lembro-me que, durante o Educom.rádio, gostava muito de discutir sobre a constituição dos grupos com que trabalhávamos. Porque éramos estrangeiros no meio de pessoas que, unidas ou não, tinham algo que lhes permanecia como referência: a escola. O desafio era trabalhar com esses jovens e educadores de maneira que eles começassem a se enxergar como um grupo perante um objetivo em comum, a rádio em sua escola. E as atividades dos sábados visavam construir e fortalecer essas relações. No último dia da quinta fase, contudo, percebi uma outra faceta do projeto, pois, pela primeira vez durante todo o semestre, a escola Linneu Prestes inteirinha reuniu-se para fazer um programa de rádio que homenageasse a equipe do Educom, em especial aos mediadores, Nalú e Ivan. Descobri, naquele momento, que uma das características de qualquer grupo é o seu dinamismo e que, por vezes, sua coesão depende mais de algo que lhe é exterior e que lhe dê nome.
Percebo, agora, que esta foi uma das maiores vantagens do Educom.rádio nas escolas públicas de São Paulo: levar um olhar distanciado de suas realidades, um olhar capaz de conferir um outro significado às estruturas viciadas do ensino, mesmo quando lhes oferecendo oposição. Não era à toa que, muitas vezes, tal distanciamento era visto com desconfiança, sobretudo por aqueles professores que não se acostumavam com nossa metodologia ou maneira de lidar com os adolescentes. Contudo, foi esse mesmo distanciamento que possibilitou que os cursistas da EMEF Linneu Prestes encontrassem um tema que valesse o esforço coletivo para a produção de um programa de rádio, ultrapassando as barreiras engessadas de sua escola. Afinal, talvez sem perceber, o que eles homenagearam foi a sua própria condição de grupo, nomeada 11 sábados antes, quando alguém de fora pediu-lhes que dispusessem as cadeiras em roda e sentassem.
Se me cabe um gesto um pouco mais pessoal neste relato, gostaria de agradecer a insistência e a força da coordenadora da EMEF Linneu Prestes que, ao permanecer no Educom, deu-nos a oportunidade deste momento vivido; à representante da subprefeitura de Santo Amaro que nos auxiliou nos momentos difíceis; aos professores, funcionários e comunidade pela sua paciência, interesse e colaboração, mesmo quando achavam que as discussões não levavam a nada; e aos estudantes, que legais e chatos como só eles conseguem ser, fizeram de sábados cansativos uma saudade gostosa.
Tecendo redes de comunicação:
(Nina Nazario – Mediadora do Pólo 10, São Miguel Paulista, agosto de 2003 a julho de 2004)
Passei um ano acordando às 5h30 da manhã, todo sábado, para atravessar São Paulo, saindo da Zona Oeste (Butantã) para chegar à Leste, no Distrito de São Miguel Paulista. Apesar do sono e da cara amassada, sinto saudade dessa época. Como mediadora do Pólo 11, e com minha equipe de trabalho, pude vivenciar algumas experiências muito significativas ao longo desse período.
Em minha “estréia” no Educom, não pude deixar de notar o Pedro8, um garoto que se destacou no grupo. Em nosso primeiro encontro, demonstrou ser um jovem muito agitado. Falava muito, em momentos inapropriados, atrapalhando a comunicação no grupo. Nesse dia, pedimos para que os estudantes se organizassem em subgrupos e discutissem como eles gostariam que fosse a rádio da escola deles – quem produziria os programas? Qual seriam os temas abordados? Que estilos musicais constariam na seleção? Como eles imaginavam que seria a aceitação dessa rádio no grupo escolar – poderiam contar com o apoio da coordenação? Na hora das apresentações, o Pedro representou sua escola. Num discurso confuso, ficou repetindo que a rádio deveria tocar todo tipo de música, para atender a todos os gostos. Parecia estar reproduzindo um discurso decorado, não falava com propriedade sobre a questão. Em outros momentos do encontro, demonstrou ser nervoso e disperso. Em uma dinâmica que exigia uma integração do grupo – vários alunos deveriam tentar levantar um dos mediadores do chão usando apenas uma das mãos –, levou a atividade na brincadeira e, assim como vários de seus colegas, ficou mais preocupado com a sua diversão do que em interagir com o grupo para que o objetivo fosse atingido.
A equipe, ao perceber o comportamento de Pedro, preocupou-se em ajudá-lo a aprender a ouvir mais, a ser menos impulsivo, a ter mais tolerância, a levá-lo à reflexão, características necessárias a um educomunicador para que esse agente possa ajudar a formar ecossistemas comunicativos, zelando pelo bom fluxo de informações entre a pessoas e pela qualidade das relações humanas. Durante o projeto, Pedro foi se sensibilizando ao trabalho em grupo e teve muita ajuda de uma colega de escola, a Maria, uma adolescente mais velha do que ele, muito responsável, crítica e inteligente. Ela o ajudou a desempenhar seu papel no grupo, incentivando-o tanto nas reflexões quanto nas ações. Com o desenrolar do projeto, Maria foi se tornando uma mediadora de seu grupo, ajudando a dirimir conflitos pessoais, mantendo o foco de trabalho, cobrando o envolvimento de todos.
De início, Maria destacou-se pelas suas participações, posicionando-se com firmeza e mostrando ser uma garota atenta e engajada com as propostas do projeto. Como exemplo disso, podemos citar o momento no qual foi solicitado aos estudantes e aos professores que traçassem um diagnóstico da qualidade das relações de comunicação em sua escola. Maria representou seu grupo declarando abertamente que a direção de sua escola não apoiava as iniciativas dos alunos, o desenvolvimento de seus projetos, o que os deixava indignados e tristes.
Seu desabafo foi visto com alegria pela nossa equipe, pois mostrou que os alunos estavam se apropriando do projeto, ao compreender a importância de se posicionarem e de exercerem o poder da palavra. A atitude de Maria explicitou o desejo do grupo de estudantes de ser incluído na tomada de decisões da comunidade escolar. No entanto, o fato chegou aos ouvidos da direção, e o caso gerou uma série de repercussões dentro da escola, que quis repreender a estudante e considerou “mentirosa” tal afirmativa.
Com a mediação de professores e alunos que defenderam Maria, e também o apoio de nossa equipe, o grupo continuou participando do projeto e conseguiu esclarecer a situação com a coordenação. Foi possível compreender que o desabafo sinalizava algumas deficiências na comunicação e na democratização das relações dentro da escola, e que o projeto Educom.rádio buscava justamente incentivar todo o grupo escolar a procurar soluções para seus problemas. Coordenação, alunos e docentes tinham essa responsabilidade.
Enquanto a firmeza de posicionamentos da Maria parecia ser uma característica importante para o seu grupo de colegas, ela também despertava um comportamento muito autoritário. No começo do projeto demonstrou ter pouca paciência com os alunos mais novos, reclamando da sua bagunça e da falta de comprometimento. Não foram raras as reclamações a respeito do Pedro, e foi preciso muita atenção da equipe de mediadores e do articulador para incentivar um entendimento no grupo. Além disso, Maria também era rotulada, tanto por professores quanto por alunos, como a “porta-voz” dos estudantes, o que lhe conferia sempre o poder da palavra, alimentando o silêncio das outras pessoas. Esse “monopólio da palavra” precisou ser quebrado, pois não condizia com a proposta pedagógica do projeto, ao reforçar continuamente uma idéia, não se abre espaço para a compreensão do outro e para a sua aceitação.
Conforme a proposta do projeto foi sendo esclarecida e incorporada, a divisão de tarefas passou a acontecer, as habilidades foram reconhecidas e tanto Maria quanto seus colegas compreenderam que seria muito mais proveitoso e prazeroso trabalhar em equipe. Perto da finalização do projeto, o grupo de estudantes parecia entrosado e muito à vontade, o que se refletiu nas boas produções radiofônicas, críticas, com assuntos pertinentes à realidade escolar e de boa qualidade técnica. Maria aprendeu a dar voz às outras pessoas. Pedro terminou o projeto muito mais centrado, responsável e consciente de seu papel. Ganhei de presente dele uma faixa para cabelo, na qual ele escreveu uma mensagem carinhosa de despedida.
Nas atividades de produção radiofônica, os estudantes demonstravam sempre uma boa disposição. Porém, quando o trabalho deveria ser feito em conjunto com os professores, muitas vezes reclamavam, solicitando que pudessem trabalhar separadamente. Esse fato pôde ser observado principalmente no início do projeto, evidenciando a falta de comunicação entre os estudantes e os professores/a coordenação. Ao acompanhar o grupo de uma escola ao longo do semestre, ouvi reclamações dos dois lados: estudantes irritados, pois demandavam mais atenção dos professores e aceitação de suas idéias, e professores cansados da falta de comprometimento dos alunos, taxando-os de bagunceiros, pouco engajados e alienados. Em vez de conversarem entre si, recorriam aos mediadores para expressar suas angústias e, ao mesmo tempo, tirar de suas costas a responsabilidade pela falta de comunicação.
Mediadores e articulador desempenhavam essa tarefa, colocando professores e alunos em contato, bem como propiciando o diálogo entre as partes. Nossa equipe não trazia soluções, nem devia defender nenhum dos lados. Nosso papel era trazer à tona os conflitos e mediá-los, de maneira que cada grupo compreendesse que a implantação da rádio na escola exigia não apenas a chegada dos equipamentos, mas principalmente uma enorme articulação entre os agentes escolares, a fim de garantir a continuidade do projeto. Sem diálogo entre as partes envolvidas, nada poderia acontecer.
Um exemplo desse conflito aconteceu entre a professora Inês e o grupo de estudantes. Muito inteligente e cheia de boas intenções, Inês realmente queria que o projeto desse certo em sua escola. Porém, mostrava-se como uma profissional autoritária, acreditando sempre na superioridade de suas idéias e querendo impô-las aos demais. Falava muito e ouvia muito pouco. Em decorência disso, em vários encontros, esse grupo não conseguiu terminar suas produções radiofônicas, e mesmo quando essas eram finalizadas, não eram ouvidas com satisfação, pois não representavam um produto de boa qualidade, segundo o grupo. Foram vários os embates entre a Inês e os estudantes e professores. De início, nunca se chegava a um consenso, e nenhuma parte cedia em suas demandas. Aos poucos, com a ajuda dos mediadores, com o reforço dos princípios do projeto e com a vontade de vencer o desafio, bem como produzir programas radiofônicos que realmente representassem o grupo, foi verificado um entendimento maior entre os componentes.
Por outro lado, houve casos em que professores e alunos alcançaram um bom entrosamento desde o início do projeto, o que propiciou o refinamento do trabalho em grupo. Em uma das escolas, EMEF Pedro Leite Cordeiro, professores e estudantes ajudavam-se, criando livremente e expondo suas idéias, fazendo o levantamento da pauta democraticamente e dividindo tarefas na execução das atividades. Esse grupo elaborou um jingle muito criativo e melódico. Utilizando um teclado, alunos e professores gravaram as vozes, combinando-as com os sons do sintetizador, além de sonoplastias que eles próprios improvisaram (como o som de um bode, uma vez que a escola tem a palavra Cordeiro no nome). Havia um representante da comunidade participando desse grupo, o João, que esteve envolvido em todos os momentos do projeto. Carismático e demonstrando ter um bom relacionamento com estudantes e professores, João incentivava e divulgava o trabalho dos estudantes. Um ano após o término do projeto em sua comunidade, João foi convidado a participar do Simpósio de Educomunicação, realizado pelo NCE em cada um dos pólos atendidos pelo projeto Educom.rádio. Ele compareceu ao evento com uma fita contendo as gravações produzidas pelo grupo, além de narrar em plenária as novidades a respeito do andamento do projeto em sua escola.
Outro aspecto interessante do projeto foi o incentivo à criatividade. Aliando o trabalho em equipe com a abordagem dos conteúdos discutidos ao longo dos encontros – significado da educomunicação, o papel das mídias nas escolas, protagonismo juvenil etc. – estudantes e professores deveriam achar soluções criativas para a produção de programas radiofônicos de gêneros diversificados. Variando de um programa feito sem palavras, contendo apenas sons, até a radionovela ou o noticiário, os grupos puderam explorar as diferentes modalidades radiofônicas, brincando com a criação dos jingles, spots, vinhetas e introduzindo o humor e diversos efeitos sonoros em suas produções. Estudantes criaram um jingle usando o som do violão, ao fundo, cantando uma música inventada por eles, que divulgava PART I esotéricos como incenso e bolas de cristal. Professores e alunos basearam-se em uma crônica de Fernando Sabino para compor uma radionovela sobre uma festa de crianças caótica, incorporando os personagens da história com muita personalidade, transmitindo o teor engraçado da narrativa por meio da entonação da voz, dos diálogos criados e do acompanhamento musical. Talentos foram revelados – a voz mais melódica, a narração mais expressiva, o cantor mais espontâneo – e muita diversão proporcionada. Ao término das gravações, uma salva de palmas do grupo e para o grupo, simbolizando o término de mais um sábado de aprendizado e transformações de idéias e de atitudes.
Conclusão
Percebemos nos três relatos um ponto em comum: a equipe do projeto trouxe aos agentes escolares a concepção de ecossistema comunicativo e, ao mesmo tempo, cobrou desses grupos um movimento de transformação, de ampliação da comunicação entre os componentes da comunidade escolar, o que refletiu diretamente na qualidade das relações estabelecidas.
Claro está que, ao longo do Projeto Educom.rádio, cada escola e cada participante teve um ritmo próprio de desenvolvimento, e as experiências relatadas foram as que mais chamaram a atenção por serem as mais visíveis ou extremas. Mas acreditamos que os encontros aos sábados propiciaram experiências em grupo e transformações conceituais e de comportamento de grande parte dos cursistas. Pelo menos, formaram-se educomunicadores, pessoas comprometidas com o fortalecimento dos ecossistemas comunicativos e que serão responsáveis pela multiplicação dos princípios da educomunicação no âmbito escolar, como também em outros espaços de convivência.
A energia trocada entre esses atores é a comunicação – é ela que proporciona a interação entre as pessoas e destas com o seu meio, produzindo (nele) modificações que, por sua vez, também modificam os outros que estão ao seu redor. Acreditamos que, para o nosso ecossistema comunicativo manter-se saudável e sustentável, é preciso que cada um de seus atores sinta-se responsável pelo fluxo de energia, buscando e abrindo canais para comunicar, ou seja – “partilhar, pôr em comum”.
É dessa maneira que o Projeto Educom.rádio vem contribuir conceitualmente para o debate já multiplicado no ambiente escolar. Posto que cabe a professores, funcionários e equipe diretiva da escola proporcionar um espaço de participação, no qual os estudantes, pais e moradores do entorno sintam-se responsáveis pela educação ali experienciada, somente destruindo os muros simbólicos da escola para esses outros sujeitos é que serão formadas pessoas que se sintam e se comprometam como participantes ativos da vida em sociedade. Afinal, é da experiência vivida de gestar, de decidir, de participar, de ouvir e de falar que os jovens de hoje estarão, no futuro, conscientes de seu papel enquanto cidadãos - ou, como lembra Gadotti, “a escola deve formar para a cidadania e, para isso, ela deve dar o exemplo” (1998: 17). E nada melhor do que a sedução de uma rádio para dar este pontapé inicial.
Marília Franco9, uma das palestrantes do projeto, sempre instigava os professores ao perguntar se eles se davam conta de que podiam utilizar a sedução proporcionada pelas mídias para atuar em sala de aula. O raciocínio era transparente: se televisão, cinema, computador e, no nosso caso, rádio, despertam tanto interesse nos jovens de hoje, por que não se afeiçoar a esses meios a fim de encontrar o canal que sensibilize para o aprendizado? Pois era isso que tentávamos fazer naqueles sábados de Educom.rádio. Buscávamos, por meio da alegria proporcionada durante a produção de um programa de rádio, discutir linguagem radiofônica, meio ambiente e, sim, cidadania, pois os programas deveriam ser frutos de uma concepção coletiva e nunca de uma única pessoa dando ordens.
Em suma, defendemos a educomunicação como um campo integrador, interdiscursivo, que usa o sabor próprio aos meios de comunicação para ensinar gestão democrática, olhar crítico, participação, respeito às diferenças. Podemos dizer que não se trata apenas de educar usando a comunicação como instrumento, mas que ela própria se converte no eixo principal dos processos educativos: educar pela e para a comunicação.
Referencias
ADOTTI, Moacir. “Projeto Político-Pedagógico da Escola Cidadã”. In: Construindo a Escola Cidadã: projeto Político-pedagógico. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, SEED (Série de estudos Educação à Distância), 1998.
LAGO, Claudia & ALVES, Patrícia Horta. “Educom.rádio: uma política pública que pensa a mudança da prática pedagógica”. In: III Seminário Latino-americano de Pesquisa em Comunicação – ALAIC. São Paulo, maio de 2005.
______. “Raízes Educomunicativas: do conceito à prática”. Educom. rádio – Núcleo de Comunicação e Educação ECA / USP. Disponível em: <http://www.educomradio.com.br/cafe/cafe.asp?editoria=TSUPH&cod=1508>, 2004.
SOARES, Ismar de Oliveira. “Caminhos da Educomunicação na América Latina e nos Estados Unidos”. In: SOARES, Ismar de Oliveira (Org). Cadernos de educomunicação 1: caminhos da educomunicação. São Paulo: Editora Salesiana, 2a edição, 2003.
______. “Ecossistemas comunicacionais”. Educom.rádio – Núcleo de Comunicação e Educação ECA / USP. Disponível em: <http://www.educomradio.com.br/cafe/cafe.asp?editoria=TPROF&cod=447>, 2005.
Endereço para correspondência
Alessandra Campos
E e-mail: alecampos60@hotmail.com
Izabel Leão
E-mail: mariaiza@usp.br
Lara Deppe
E-mail: laradeppe@hotmail.com
Nina Nazario
E-mail: nnazario@usp.br
Recebido em 11/03/2005
Aceito em 18/04/2005
* Jornalista pela Faculdade de Ensino Superior dos Grandes Lagos – S. J. Rio Preto. Docente do Programa de Educação para o Trabalho, no Senac de São Paulo.
** Jornalista pela Universidade Estadual de Londrina, coordenadora dos sites do Núcleo de Comunicação e Educação - NCE-ECA/USP.
***Cientista Social pela UNICAMP e Mestre em Saúde Coletiva pela UERJ.
****Bióloga e Mestre em Ecologia pela USP, na área da conservação ambiental e desenvolvimento sustentável.
1 Articulador - diretamente responsável pela condução do trabalho com o grupo de professores. Mediador – profissional que coordenava as atividades com os estudantes e ajudava a promover o diálogo entre professores e alunos. Assistente de Articulação – responsável pelas ações administrativas, estabelecia o contato com a direção das escolas e providenciava os materiais para realização das atividades.
2 O Educom.rádio prezava pela formação continuada de seus membros, os quais, em um movimento dialético entre teoria e prática, eram profissionais em constante processo de aprendizagem. Afinal, conforme nos lembra Gadotti: “o aluno aprende apenas quando se torna sujeito da sua aprendizagem. E para se tornar sujeito da sua aprendizagem, precisa participar das decisões que dizem respeito ao projeto da escola, que faz parte também do projeto de sua vida. (...) Não há educação e aprendizagem sem sujeito da educação e da aprendizagem. A participação pertence à própria natureza do ato pedagógico.” (1998: 17).
3 Os nomes dos cursistas foram trocados para preservarmos suas identidades
4 Os nomes dos cursistas foram trocados para preservarmos suas identidades
5 Os nomes dos cursistas foram trocados para preservarmos suas identidades
6, 7 Os nomes dos cursistas foram trocados para preservarmos suas identidades
8 Os nomes dos cursistas foram trocados para preservarmos suas identidades
9 Textos da Profª Drª Marília Franco, da USP, estão disponíveis no site do Projeto Educom.rádio (www.educomradio.com.br).