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Imaginário
versão impressa ISSN 1413-666X
Imaginario v.11 n.11 São Paulo dez. 2005
PART I
Juventude, música e ancestralidade na comunidade jongueira do Tamandaré - Guaratinguetá/SP
Youth, music and ancestrality in jongo community in Tamandaré – Guaratinguetá/SP
Carolina dos Santos Bezerra Perez*
CICE - Centro de Estudos do Imaginário, Cultura e Educação da FE-USP
RESUMO
O presente artigo apresenta algumas reflexões que se embasam na convivência e na reciprocidade estabelecida durante os dois anos de pesquisa realizada na comunidade jongueira do Tamandaré em Guaratinguetá - São Paulo, para a realização da minha dissertação de mestrado defendida em julho de 2005 na Faculdade de Educação da USP. Destarte, por meio de acompanhamento processual, de pesquisa antropológica e de cunho etnográfico, observei a participação dos jovens existentes no grupo de jongo da comunidade, bem como os diferentes modos e estilos de transmissão dos saberes desta, compreendendo como se realiza a iniciação das gerações mais novas pelas gerações mais velhas ao universo daquela cultura. Os procedimentos metodológicos em campo partiram da observação, do registro fotográfico, das entrevistas semi-estruturadas em profundidade e da captação do som no contexto das apresentações. Assim sendo, pretendo compartilhar, por meio dessa escrita, os conhecimentos apreendidos ao poder pesquisar a relação de transmissão e aprendizagem do jongo, em uma comunidade que há diversas gerações, cultivam uma ancestralidade e uma concepção educacional extra-escolar que comunga do aprender-com-o-outro, fazendo, criando e recriando, herdeiros de uma tradição que inicia os seus jovens pela força da palavra, da oralidade e da memória, levando-os a sentir, na própria pele e na própria carne, por meio de todos os seus sentidos, a forte carga existencial que espelha e forja as suas próprias essências (MERLEAU-PONTY, 1994), tornando-se influências fundamentais na trajetória desses jovens, na constituição dos seus processos identitários.
Palavras-chaves: Juventude, Música, Dança, Cultura popular, Identidades juvenis, Arte-educação, Antropologia do imaginário, Educação e cultura, Jongo, Ancestralidade, Afro-descendentes, Afro-brasileiro, Cultura bantu.
ABSTRACT
This article presents some reflections based on the living together and the reciprocity established in a two-year research about the Jongo’s community in Tamandaré- Guaratinguetá/São Paulo. Through processual observation, anthropological research and ethnographic tendency, I have observed in this community the young people’s performance, and the many different ways and styles of teaching the younger generations. The methodological procedures used in this study were based on observation, photographic register, interviews and sound captation in the performance context. In this way, this article presents the knowledge acquired in this experience of teaching and learning in a community, which keeps the educational tradition for ages, cultivating an extra-school educational concept, which adopts the learn-with-another-person methodology, creating and recreating heirs to a tradition that initiates the young people through the word power, orality and memory, making them feel, through their own senses, a strong existential burden which reflects and changes their essences, becoming fundamental influences in the identity formation process.
Keywords: Youth, Music, Dance, Popular culture, Youth identity, Art-education, Imaginary anthropology, Education and culture, Jongo, Ancestrality, African-descendents, African-Brazilian, Bantu culture.
As reflexões apresentadas no presente artigo surgiram da minha trajetória e experiência como educadora de jovens e adultos e como Coordenadora Pedagógica do Núcleo de Consciência Negra na USP. Posteriormente, aliando a minha trajetória prática aos estudos teóricos do CICE1 – Centro de Estudos do Imaginário, Cultura e Educação da Faculdade de Educação da USP, essas reflexões transformaram-se em tema para a minha pesquisa de mestrado2.
Desde a Iniciação Científica, quando tive a oportunidade de participar dos projetos temático e integrado de pesquisa: Juventude e Escolarização e Juventude e Escolarização (Fase 2): Produção de Conhecimentos, Processos Sociais e Políticas Públicas (FAPESP e CNPq), sob orientação da Professora Doutora Marilia Pontes Sposito e do Professor Doutor Sérgio Haddad, que o tema “juventude, imaginário e educação” me acompanha.
Dentre as diversas experiências sobre juventude, identidades, cultura e imaginário, destacam-se, primeiramente, as experiências no II Estágio de Vivência Educacional em Cuba realizado em 1998, quando tive contato e pesquisei sobre o imaginário e o ideário da revolução e sua influência no processo de formação identitária da Juventude Cubana3; depois, temos as experiências no desenvolvimento de projetos pedagógicos (Diversidade na Universidade/Ministério da Educação e Políticas da Cor/Fundação Ford), com ênfasenas questões étnico-raciais e de atenção para com as trajetórias escolares de jovens negros e afro-descendentes.
As práticas simbólicas educativas vivenciadas nesses espaços, habitados por mim como educadora, forneceram-me pistas para pensar a importância dos elementos constitutivos de um universo cultural que se encontrava muito distante do universo escolar formal, com fortes elementos da cultura hegemônica. Nas pausas e silêncios dos educandos vislumbro a força e a presença da ancestralidade a nortear-lhes os caminhos da memória e da oralidade para a impressão da suas próprias vidas e palavras no papel.
A fim de aprofundar-me no universo sociocultural e simbólico desses jovens por meio do contato com os mitos que emergem nas narrativas e nas histórias de vida da comunidade da qual são partes, para além das análises sobre a condição juvenil que ainda focam o jovem como tema de pesquisa quando este se apresenta como “problema social”, como tão bem apontou ABRAMO (1997), apresento neste artigo, alguns aspectos por mim observados em campo após uma convivência de dois anos com a comunidade jongueira do Tamandaré em Guaratinguetá - SP, muito mais para colocar em foco a relevância de estudos sobre outras juventudes4, do que para que essas reflexões sejam tomadas como dados finais de uma pesquisa de mestrado.
A complexidade do tema exige-nos, além da humildade intelectual de que trata (Morin, 1996), um respeito e uma assunção para com uma “ciência” oral, ancestral que se pauta no saber do coração (ORTIZ-OSÉS, 1995).
A importância de estudos como este se apresenta de grande relevância no atual momento histórico, no qual se inter-relacionam as discussões que têm como foco a temática étnico-racial, como a implantação da Lei do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e as Políticas para Promoção da Igualdade Racial, principalmente no que se refere à compreensão de tradições que apresentam em seu cerne uma dimensão pedagógica permeada pelo aprendizado coletivo e comunal perpassado por uma base metodológica que prima pela simplicidade, pela memória e pela oralidade.
O jongo e a comunidade do Tamandaré em Guaratinguetá - SP
“Os escravos não podiam se comunicar com ninguém, eles não tinham liberdade. Então, quando eles entravam na senzala é que eles iam participar um com o outro. Então, no meio eles faziam a roda de jongo e, ali, cada um cantava o jongo falando o que queria falar, pela canção. Daí, um entendia o que tinha que ser feito. Às vezes o que se passou no dia, o que ia acontecer. Então, um avisava o outro. E, era por meio de ponto de jongo que eram comunicadas as coisas.”
Maria José Martins de Oliveira, 75 anos. Dona Mazé.
(Jongueira do Tamandaré5)
Desde o período colonial, há relatos e registros de cronistas, pesquisadores e folcloristas sobre os chamados “batuques brasileiros” (DIAS, 2001). Dentre essas manifestações musicais (“os batuques”), o jongo é apenas uma das expressões que faz parte dessa complexa e rica diversidade ancestral que os negros escravizados deixaram-nos como o seu legado. Cada uma dessas manifestações, embora tenham características similares, apresentam-nos uma concepção de mundo, de homem, de cosmos que tem em sua essência, em sua filosofia, os sentidos e as ações que organizam a relação de todos pertencentes àquela comunidade, àquele grupo, com o mundo.
Existem poucos estudos sobre o jongo. Um dos que se tornaram referência é o da pesquisadora folclorista, Maria de Lourdes Borges Ribeiro (1984), que estudou o jongo pelo período de dez anos, na primeira metade do século passado, organizando, de forma sucinta, algumas documentações que nos relatam impressões e descrições sobre o ritual.
O jongo é uma manifestação cultural que compreende o canto e a dança circular acompanhado pela percussão dos tambores. Tem suas origens nas senzalas das fazendas produtoras de cana-de-açúcar e posteriormente de café. É uma forma de comunicação em que negros bantu-angoleses, por meio dos pontos6 enigmáticos, criaram uma expressão poética e complexa de resistência, um espaço para exercitarem a sua socialidade7 em meio à situação de cativeiro.
Após a abolição da escravatura, os descendentes dos negros escravizados, submetidos a uma total desatenção, tanto por parte dos seus ex-senhores que começavam a utilizar em suas terras como mão-de-obra os imigrantes vindos da Europa e Ásia, como por parte do Estado que, historicamente, vem se eximindo da sua responsabilidade social para com essa população nas esferas onde deveria ter uma atuação mínima para garantir: educação, saúde, moradia e trabalho a esses grupos.
Destarte, o bairro do Tamandaré em Guaratinguetá - SP constituiu-se como uma espécie de quilombo urbano, nas palavras do músico e etnomusicólogo Paulo Dias, diretor da Associação Cultural Cachuera! Que, há mais de dez anos, vem realizando pesquisas e registros na comunidade, até mesmo, o vídeo Feiticeiros da Palavra em parceria com a Rede Cultura de Televisão, emissora pública do Estado de São Paulo.
Embora a comunidade não esteja em um contexto rural, as pessoas que lá vivem ou participam do jongo não são menos quilombolas por isso, haja vista as características preservadas na arte do jongo que mantêm as mesmas raízes daquele realizado em comunidades remanescentes de quilombolas, em muitos casos até os mesmos pontos, ou pontos com as mesmas imagens inspiradas no contexto rural que, outrora, habitavam.
A comunidade jongueira reside no Bairro do Tamandaré, localizando-se próximo à Rodoviária de Guaratinguetá e ao centro da cidade; portanto, sua localização geográfica é mais central que propriamente periférica, demonstrando uma segregação muito mais simbólica do que espacial.
É considerado pela cidade e pelos moradores locais como um bairro de periferia por concentrar uma população pobre, com baixa escolaridade, um grande número de desempregados, uma grande concentração de população negra e afro-descendente, além dos altos índices de criminalidade e violência.
Na entrevista8 com uma das jovens, Aline Damásio, de 19 anos, é explicitado o que representa o bairro do Tamandaré na cidade:
“Porque tem essa coisa, ah, é, eu estou precisando de empregada doméstica. Ah! Dá uma passada na rua Tamandaré e pergunta se ninguém está precisando, saca? é ali que fica, ali é a concentração dos desempregados, dos analfabetos, dos traficantes, das prostitutas. De fato, tem essa concentração de periferia, não é só isso, mas é o estereótipo da cidade.”
Os estereótipos e os preconceitos da sociedade impedem a todos de ver e perceber a riqueza e a dignidade de uma comunidade que, há séculos, vem resistindo com a sua força e o seu canto, presenteando-nos com a sua sabedoria, a sua “ciência” que se reflete, dentre outros aspectos, na sua prática simbólica educativa a qual apresenta como principais características a função da música e do canto como linguagem educativa e simbólica que ensina e constrói sentidos; a força da palavra como realizadora e potencializadora da criação e da relação com o mundo; o ensinar e o aprender coletivos, cotidianos e existenciais, pautados na carga vivencial e no exemplo da labuta diária para a sobrevivência; o pólo matrial e feminino, complementar ao patriarcal e ao masculino.
As características anteriormente apresentadas foram, por mim, observadas após as articulações necessárias entre teoria e campo, destarte as constelações simbólicas (DURAND, 1997) que vi emergir em campo foram conduzindo a minha percepção em meio às questões existenciais que se corporificavam na narrativa dos mitos da comunidade e na sua dinâmica cotidiana. Portanto, para as interpretações que realizo na minha narrativa, ancorei-me nos autores vinculados a Escola ou Círculo de Eranos9 desde os seus iniciadores até os mais contemporâneos como Gilbert Durand, Ortiz-Osés, Hillman, e Ferreira Santos.
Convergindo para uma compreensão da totalidade, das dimensões micro e macro, da complexidade das relações na comunidade, ircunscrevi esses aspectos e analisei-os para a tentativa de compreender a tradição e o porquê de ela persistir da forma como vem sendo realizada.
Aponto, portanto, possibilidades de interpretação sobre a condição existencial e ontológica do homem, no âmbito antropológico, exercitando um outro olhar, evidenciando, com base nas observações da dinâmica cotidiana da comunidade, as práticas iniciáticas à “Cultura” (mundo simbólico), por meio da “cultura” (no sentido agrário e hermesiano10 de cultivo) das várias “culturas” (de grupos sociais num determinado espaço-tempo), como explicitado por Ferreira Santos (2004), valendo-se da arte do jongo em que o “desate dos pontos” nos conduz ao coração das imagens e dos símbolos que se articulam nas narrativas cantadas pela comunidade, que é seu patrimônio histórico-cultural mais valioso.
O estudo desse patrimônio, da memória e das narrativas, aliado ao repertório cultural cotidiano das pessoas na comunidade do Tamandaré, conduziu-me ao cerne da relação entre o “Puer” e o “Senex”, isto é, o jovem e o ancião, na recondução dos sentidos aos sentidos mais profundos, pela ativação da memória e do lembrar que conduz ao autoconhecimento e ao conhecimento de seu papel na comunidade, e ao mesmo tempo, no mundo.
Para lembrar-se, tem que ter memória; para ser jongueiro, além da memória, é preciso “dom”, como tão bem nos esclareceu Togo, um velho jongueiro. Nem todos nascem com esse “dom”, mas a sua semente está em todos, e enquanto os “pontos” forem cantados e não esquecidos, encantando as pessoas, continuarão “ad infinitum” (Mircea Eliade) na reatualização constante da vida, do próprio ser.
Os sentidos, portanto, emergem na relação recursiva11 entre a natureza e a cultura, o vivido e o intuído, a afetividade e a razão, o instinto e a civilização. Na comunidade do Tamandaré, essas dimensões estão perpassadas pelos símbolos que surgem à superfície e se reatualizam, cotidianamente.
Destarte, dentre as diversas constelações simbólicas que surgem à superfície por meio da reatualização dos mitos, nas considerações apresentadas ressaltarei dois deles relacionados à comunidade: o mito da grande-mãe e o do “puer-senex”, que se relacionam àqueles pares de opostos que se complementam.
As mãos femininas e iniciadoras das mães-pretas
“Se a gente levar em consideração, por exemplo, a atuação da mulher negra, a chamada “mãe-preta”, que o branco quer adotar como exemplo do negro integrado, que aceitou a democracia etc. e tal, ela, na realidade, tem um papel importantíssimo como sujeito, suposto saber nas bases mesmo da formação da cultura brasileira, na medida em que ela passa, ao aleitar as crianças brancas e ao falar o seu português (com todo um acento de Kinbundo, de Ambundo, enfim, das línguas africanas), é ela que vai passar para o brasileiro, de um modo geral, esse tipo de pronúncia, um modo de ser, de sentir e de pensar.” (GONZALES, 1994: 385)
Ao estender e ao aprofundar o estudo da prática simbólica e educativa no jongo, compreendi a forma como o imaginário, os sentidos e a ética da comunidade constroem uma socialidade e uma maneira muito própria daquela comunidade organizar-se, relacionar-se entre si e intervir no mundo.
A maneira como os ensinamentos são vivenciados e apreendidos permite que a passagem de uma geração para a outra seja realizada acompanhada das narrativas míticas e simbólicas que dão a coesão ao grupo:
“A ênfase incide, então muito mais sobre o que une do que sobre o que separa. Não se trata mais da história que construo, contratualmente associado a outros indivíduos racionais, mas de um mito do qual participo.” (MAFFESOLI, 1987: 15)
Essa coesão não se elabora somente com base nos discursos racionais e ideológicos, é uma coesão que perpassa um sentimento e pertença, um sentido de afetividade, de compartilhar sentimentos, dores, amores e trocas.
Esse pertencimento é a herança que lhes foi legada, o patrimônio ancestral do qual são herdeiros. São as formas que aprenderam com seus avós, bisavós e tataravós a ver o mundo e dar uma significação à existência.
O fio condutor da ancestralidade são os mitos, as narrativas de símbolos e imagens que dão significação à vida, ao mundo. Por isso é preciso respeitar esses saberes que continuam pelas gerações.
Compreendemos por mito as narrativas, as histórias e os pontos que dão sentidos e constelam as imagens e símbolos da presente comunidade, por terem em seu cerne uma dimensão profundamente sagrada e existencial. Os detentores desses conhecimentos e saberes são os guardiões (jongueiros velhos) que iniciam apenas àqueles que são da comunidade (descendentes) e que se fizerem por merecer esses ensinamentos, ao compreender e respeitar a tradição e a sua dimensão sagrada.
Assim, a compreensão que temos de mito difere do sentido em que usualmente é utilizado como uma estória falsa, como narrativa difundida para plasmar conceitos e imagens errôneas, para minimizar as diferenças e conflitos ou, então, justificá-los como algo “natural”:
“O mito é aqui compreendido como a narrativa dinâmica de imagens e símbolos que orientam a ação na articulação do passado (arché) e do presente em direção ao futuro.” (FERREIRA SANTOS, 2003: 33)
Colocando a importância do “mito vivo”, Mircea Eliade nos elucida como a compreensão sobre o mito se transformou no decorrer do século XX, contrastando com o estudo do mito no século anterior e evidencia a forma como:
“Em vez de tratar, como seus predecessores, o mito na acepção usual do termo, i. e., como ‘fábula’, ‘invenção’, ‘ficção’, eles o aceitaram tal qual era compreendido pelas sociedades arcaicas, onde o mito designa, ao contrário, uma ‘história verdadeira’ e, ademais, extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar e significativo.” (ELIADE, 2002: 7).
No ensejo por compreender a estrutura e a função dos mitos na comunidade pesquisada, debrucei-me sobre o imaginário da comunidade.
Nas pesquisas e nos relatos, percebo que se trata de descendentes de negros bantu. Nas obras do Pe. Placide Tempels: “La Philosophie Bantoue” (1961) e de Aléxis Kagame (1976): “La philosophie Bantu Comparée”, na época Professor da Universidade Nacional de Ruanda, encontrei reflexões sobre o pensamento Bantu.
Embora, principalmente na obra do Padre Tempels, os seus motivos para compreender a filosofia bantu tenha como intuito a cristianização dos negros, motivo pelo qual, até mesmo Kagame em sua obra revisita alguns termos, a descrição e a forma como estruturam o pensamento bantu nessas obras fornece-nos pistas importantes.
Algumas estruturações dos termos seguem a seguinte organização: A lógica formal bantu, a existência e a preexistência para os bantus, a concepção de tempo, a criteriologia, a psicologia e a ontologia bantu, dentre outros.
Captei, em campo, aspectos dessa filosofia e dessa concepção de mundo de forma viva e dinâmica na comunidade pesquisada. Portanto, embora em ambas as obras os termos de classificação e comparação com a filosofia bantu seja pautado na filosofia ocidental, utilizo-me desses escritos, guardando as devidas proporções e relativizando os critérios de comparação.
A concepção de vida para os bantu está centrada na idéia de força e energia vitais (mundu). Essa energia está presente em todos os seres do universo. A essência da vida consiste em trabalhar para o acúmulo e o aumento da sua força, da sua intensidade.
Existe uma interação entre as forças dos seres, das quais elas também são influenciáveis entre si. Quando algo ou alguém é acometido por uma doença, esse fato é visto como diminuição da força vital. Os antepassados, os que já se foram, também a têm e emprestam-na para os seus descendentes que se mantêm encarnados.
Todo conhecimento para os bantus é transmitido por meio da sua tradição oral que se mantém viva e dinâmica, é exatamente por isso que a construção das palavras, a essência da língua bantu está profundamente relacionada à sua filosofia, à sua cosmogonia, à forma como organizam o seu mundo, já que nomear os seres é dar existência a eles, é dar sentido a sua função no mundo, a palavra para os grupos tradicionais apresentam estatuto progenitor (SANTOS, 2003).
Desse modo, o cerne da compreensão de cosmos e da filosofia bantu vão sendo reatualizados na presente comunidade por meio dos pontos, do poder de realização da palavra que materializa os sentimentos e as vontades, bem como pelos elos sempre mantidos com os antepassados. O poder da palavra por meio da conjunção da intenção, da força e do canto repetido por todos em coro nas rodas de jongo expande em energia vital que transforma dor em alegria nas festas anuais realizadas na comunidade, em contexto ritual, por ocasião das festas juninas: Santo Antônio, São João e São Pedro:
“O jongo é um divertimento, o jongo é uma alegria, o jongo é uma oração que chama a atenção do povo. É pra tirá a dor que a gente traz por dentro da gente, a mágoa que a gente sente, que a gente sente muita mágoa, a gente fica muito burrecido com o que acontece. Mas de você entrá na roda de jongo, se você puxa aqueles ponto sagrado, ninguém mais sente dor. Querem cantá, querem batê palma, querem mostrá o quê que é o jongo. O jongo é uma bença, o jongo é uma alegria pra todos, eu quero que todos fique ciente que o jongo não é coisa ruim, o jongo é a alegria, é a paz, é a felicidade a todos. E a todos vocês um grande ‘axé’”12.
Há diferentes tipos de pontos usados para cada ocasião e para o momento próprio da performance13, do ritual. A saudação da abertura do jongo é um ponto, o desafio que acontece é um ponto, assim como as canções para divertir. Dessa forma, pude relatar alguns tipos de pontos próprios para cada ocasião, observados em campo e pesquisados em diferentes relatos.
Os pontos de demanda ou porfia são cantados para “demandar”, ou seja, quando um jongueiro desafia o outro por meio de enigmas a serem decifrados, que são pensados na hora, por improviso, os temas surgem de acordo com a situação e o momento no qual o ritual se encontra.
Nessas disputas, geralmente, o que se está em jogo é a valorização e a aceitação no grupo, o respeito e reconhecimento da comunidade:
“O desafio é a luta pela soberania no jongo. O homem não admite a superioridade da mulher. Nem o pai a do filho. O dono do jongo é o galo, o senhor do terreiro. Não sei se o desafio teria vindo de Angola, com a dança, ou se a ela aqui se incorporou.” (RIBEIRO, 1984: 46)
Dessa forma, os artifícios utilizados poderia ser tanto “derrubar o outro na fogueira”, como “fazer crescer bananeiras nos quintais”, mostrando uma superioridade até mesmo diante do poder da natureza. Com relação à questão geracional, fica-nos claro que, das rodas de jongo, as crianças e os jovens não participavam, e os jongueiros velhos eram os “donos do terreiro”. O terreiro é o local onde se realizam as rodas de jongo.
Esses relatos são presentes em diversas comunidades, e as imagens desses tipos de feitos são muito presentes no imaginário da comunidade. Os mais jovens mantêm-se com uma postura contraditória e antagônica que termina por se complementar: afirmam que nunca viram tal fenômeno acontecendo, mas, ao mesmo tempo, repetem as histórias que ouviram, narram acontecimentos e vivências pessoais muito peculiares que fazem alusão a essas forças e não se atrevem a cantar um ponto em uma roda de jongo sem antes saravar14 a todos e pedir permissão aos mais velhos.
Observe dois trechos da mesma entrevista respondida por Hebert José de Oliveira Santos, 24 anos, neto da Dona Mazé:
“‘Eu tinha medo’ por causa da demanda. Minha avó falou que era perigoso, podia acontecer qualquer coisa caso eu não soubes se cantar outro ponto pra pessoa, ‘mas eu não tive medo, não’, fui lá e cantei mesmo sabendo que eu não sabia o bastante para demandar com a pessoa. (...)
Ah, não, ‘se tem uma coisa que eu não acredito é nisso’, os antigo fala, mas eu não acredito não, poder pra pessoa jogar outra na fogueira, fazer uma rolar, eu acho que não, sei lá, eu não acredito nisso não15.”
A participação das mulheres e das crianças na roda de jongo era praticamente inexistente. Somente as jongueiras mais velhas casadas e com filhos iam para a roda se fossem levadas pelos maridos. Dona Mazé afirma que a primeira vez que foi em uma roda de jongo tinha mais de 30 anos e já havia se separado.
Com o passar dos anos, a entrada das mulheres foi aumentando em virtude das transformações nas relações sociais, econômicas e culturais; conseqüentemente, as crianças e os jovens também foram chegando. Essas mudanças influenciaram as demandas, que vêm se tornando cada vez mais escassas, tanto na comunidade pesquisada como entre outras também. Dona Mazé elucida-nos sobre as atitudes que toma quando a demanda começa na roda de jongo:
“Demandá eles demanda. Mas em jongo, não tem muita demanda não, viu, a gente corta.
Porquê?
Ah não, demanda não presta. Eu mesmo chego mesmo e falo, ói, se for pra dançar jongo é dançar jongo, demanda agora nóis vamo embora e vocês vão ficar aí com essa demanda. Não sai disso, um canta uma coisa, outro canta outra, outro canta outra, ah, que isso!”16
A presença cada vez mais constante das mulheres vem se tornando um elemento importante nas comunidades jongueiras em razão do papel de iniciadoras das gerações mais jovens, intervenção das mãos femininas, iniciadoras e educadoras, reatualizando a forte associação, pela cosmogonia bantu, de ligação com a mãe-terra e de atenção aos seus ensinamentos. Vão propor a paz à contenda, cantar o seu cotidiano à vida, ao trabalho, à saudade dos que se foram, ao amor: “Berram meus filhos E, também, berram meus netos E com todo esse berreiro Eu não troco meu lar em guerra Pela paz do mundo inteiro Me valei-me pai, oh, me valei-me Me valei-me, meu pai Oxalá Ajudai-me, pai, oh, ajudai-me Ajudai-me a minha cruz eu carregar” (Dona Tó) Nesse ponto, por meio dessa simplicidade no falar, é que muitas imagens do jongo emergem. Simplicidade e força são os elementos que se encontram nesses versos. Dona Antônia canta a importância da família, do estar junto, da continuidade na descendência. Ela não troca esse lar em guerra pela paz do mundo inteiro. Seus filhos, seus netos berram, e, nesse grito, sinto o ritmo da pulsação do seu coração, imagem dessa grande-mãe, que acolhe, protege e alimenta. A presença dessas grandes mães transforma-nos. Os mais jovens relatam que uma das imagens mais fortes que têm das suas avós é quando cozinhavam e cantavam seus pontos, os quais eram aprendidos pelos netos que batucavam na madeira da mesa. Todos os jovens afirmam que as suas avós foram os seus mestres.
As batidas eram percutidas com a mão, marcando o ritmo do ponto. É por isso que Klauss afirma que o jongo não se aprende, vive-se. Essa força ancestral que liga os fios da trajetória individual de cada pessoa com os fios de toda a coletividade da comunidade.
“Desde o seu nascimento, o ser humano conhece não só por si, para si, em função de si, mas, também, pela sua família, pela sua tribo, pela sua cultura, pela sua sociedade, para elas, em função delas.” (MORIN, 2001: 21)
Ao olhar para aquelas mulheres, mães, negras, nutridoras, grandiosas doadoras de vida, vislumbrei a forte presença das chamadas mães-pretas. Não no caráter pejorativo que, muitas vezes, se acoplou a essa imagem, mas sim das grandes mães africanas, que cuidam, alimentam e protegem seus filhos. As próprias mulheres da comunidade chamam-se de mãe-preta.
Observei que a participação mais ativa das mulheres no jongo despertou de forma mais visível as imagens primordiais das grandes-mães, que se reflete, inclusive, por meio das suas influências em toda a cultura brasileira.
Gilberto Freyre (1966) já nos apresentou suas considerações sobre essa influência, analisando o papel das escravas e amas de leite que alimentavam os brancos, bem como sua importância como educadoras e iniciadoras à cultura, já que eram elas que os criavam e os ensinavam, desde os diminutivos carinhosos, até nas características próprias das relações afetuais.
As suas análises foram alvo de muitas críticas, em que muitas delas foram fundamentadas no questionamento sobre a sua obra enaltecer a formação brasileira como se esta tivesse se desenvolvido de forma harmônica e equilibrada, constituindo o chamado “mito da democracia racial”. A palavra mito, no presente contexto, no sentido de mentira, falsidade e má-fé.
Dessa forma, essas críticas revelam a tensão existente entre uma elite aristocrata branca que se nutre de negras escravizadas que vertem o próprio sangue para alimentar uma sociedade racista, oligárquica e patriarcal, que, em vez de valorizar as suas mães, como doadoras de vida e enaltecê-las, as humilham, as agridem e violentam.
Acredito que essas considerações sejam pertinentes para frisar os aspectos simbólicos escolhidos para a realização dessa análise que visa compreender as imagens das grandes-mães por suas características arquetípicas, remetendo-nos às imagens primordiais que emergem das relações oriundas do homem primitivo17 e das culturas primitivas com o mundo:
“Em todas as épocas, portanto, e em todas as culturas os homens imaginaram uma Grande-mãe, uma mulher materna para a qual regressam os desejos da humanidade. A grande-mãe é seguramente a entidade religiosa e psicológica mais universal.” (DURAND, 1997: 235)
Destarte, o nível arquetipal18 é mais antigo e profundo do que o nível ideológico e político, em que as simbolizações se travestem em caracterizações caricatas, estilizadas e preconceituosas, convertendo-se em estereótipo a serviço de tal ou qual ideologia.
Debrucei-me, portanto, no reino das grandes-mães e no modo como essas imagens reatualizam-se no jongo, seja por meio da terra-mãe, a mãe-África, ou das grandes-mães das águas, compreendendo que tanto o elemento terra, como o elemento água, comportam no seu cerne a imagem do ciclo: da origem da vida ou da sua finitude. De onde viemos e para onde vamos, no retorno ou na entrega a essa origem por meio da morte, seja à mãe-terra ou à mãe das águas.
A maternidade da terra está relacionada a diferentes teofanias, como nos aponta Eliade:
“Uma das primeiras teofanias da Terra, como tal, enquanto sobretudo camada telúrica e profundidade ctônica, foi a sua “maternidade”, a sua inesgotável capacidade de dar frutos. Antes de ser considerada Deusa-Mãe, divindade da fertilidade, a Terra impôs-se diretamente como mãe Tellus Mater.” (ELIADE, 1993: 199)
A força e a presença dessas mães emergem nas rodas de jongo, também por meio da letra dos pontos. Todos os filhos clamam por ela, e o canto espalha-se pelo vento como se fora uma canção de dormir, embalando a todos:
“Mãe-preta, mãe-preta, mãe-preta
Onde és que estás agora
Tua morada é tão longe
É bem pertinho de Angola”
A morada da mãe-preta, no caso, está bem pertinho de Angola, terra natal que evoca a imagem da aldeia querida, do local de onde foram trazidos os antepassados e para onde regressou a mãe, “onde és que estás agora?”, perguntam os seus filhos.
A presença dessas grandes mães é recente no jongo, e está fazendo história. A força e a vitalidade da Dona Mazé contagia a todos, assim como a da Tia Fia, Dona Tó e suas filhas. Todas mães, geradoras de vida, transbordantes de fertilidade que não negam colo, pão e alimento à ninguém.
Nascer, crescer, envelhecer e morrer na roda da vida e nas rodas de jongo
“Saravá jongueiro velho
Que veio para ensinar Que Deus dê a proteção pra jongueiro novo
Pro jongo não se acabar Pro jongo não se acabar
Que Deus dê a proteção pra jongueiro novo
Pro jongo não se acabar”(Jefferson Alves de Oliveira.
(Jefinho) - jongueiro jovem da comunidade do Tamandaré)
O ponto do Jefinho é um marco na comunidade. Com base nesses pontos e no seu papel na história da comunidade jongueira do Tamandaré, os jovens e as crianças foram chegando e participando das rodas de jongo.
A importância do ponto cantado por Jefinho reside no processo vivenciado e observado por ele, que acabou culminando no ponto que saúda os jongueiros velhos e pede licença para que os novos também participem e “entoem” seus pontos. Não há qualquer sentido na decifração estéril do ponto, sem esse componente vivencial do contexto, sem menção à personalidade eternamente jovem de Jefinho, atualmente, nos seus 39 anos:
“Eu nunca escrevi a letra desse ponto, do jongueiro velho, não escrevi, eu fiquei imaginando, cantando ponto no meu serviço, tava trabalhando e fiquei imaginando, eu vou cantar um ponto, um dia eu vou cantar um ponto, pedindo uma licença pra aquele povo antigo lá deixar a gente entrar, cara. Eu já tinha 20 anos já, não era mais criança, já era homem. Então vou ter que cantar um ponto pra poder entrar na roda de jongo, porque eu sou novo, então a importância do ponto é essa aí19.”
A afirmação de Jefinho de que era homem e o desejo de participar da roda com os mais velhos aponta-nos a tensão que existia, e ainda existe, entre as gerações. O relato do Jefinho é de fundamental importância para adentrarmos o ponto central da dimensão do ser jovem na comunidade, bem como os possíveis desdobramentos da tensão geracional que emerge na relação entre o “puer” e o “senex”.
Pelo aprofundamento nessa outra lógica e nos sentidos dados pela comunidade às suas questões existenciais e específicas, surgia a necessidade de ampliar os sentidos das próprias palavras, e também, principalmente, adentrar aos sentidos dados às palavras e denominações pela própria comunidade.
Convivendo e entrevistando as pessoas na comunidade, observei que o sentido de ser jovem nesta é bem diferente do compartilhado pelas teorias na área da educação. Destarte, a delimitação etária não será o que circunscreverá uma pessoa na categorização de ser jovem ou não, e, sim, as características arquetípicas do “puer” presentes nas pessoas, independentemente da idade.
“(...) o ‘puer aeternus’ é aquela estrutura da consciência e padrão de comportamento que (a) recusa e combate o ‘senex’ - o tempo, o trabalho, a ordem, os limites, o aprendizado, a história, a continuidade, a sobrevivência e a durabilidade - e que (b) é compelido por um falicismo a investigar, buscar, viajar, caçar, pesquisar, transgredir todos os limites. É um espírito incansável que não ‘tem’ lar na terra, está sempre vindo de algum lugar ou indo para algum lugar, em trânsito.” (HILLMAN, 1981: 74)
Existem imagens, atitudes e posturas que se constelam no imaginário por meio da figura do ser jovem; por exemplo, a capacidade que têm de insurgir-se contra o instituído para a afirmação do novo, como observamos no relato do Jefinho:
“O ponto do jongueiro velho foi o seguinte, eu fiquei imaginando o ponto na minha cabeça, todo mundo tá lá cantando o ponto, eu não entendi porque eu não podia, porque o Kaká que é filho da Dona Tó, que já é falecido já, ele era muito amigo meu, a gente era cola demais, a mãe dele era jongueira, meu avô era jongueiro, porque que eu não posso cantar um ponto. A gente parava o tambú, cantava um ponto antigo lá deles, um ponto de louvação, que não ia mexer com ninguém, não precisava tocar uma demanda nada, aí eles olhavam meio feio pra gente, o Totonho, a Dona Mazé, a Tia Fia, o marido da Dona Mazé, os mais antigos. Até o meu avô ele olhava assim pra mim: oh, esse cara, aí, esse moleque, aí eu achava estranho aquilo, porque quê eu não posso se meu avô é, porque que o Kaká não pode, a mãe dele é jongueira, uma jongueira respeitada, aqui, porque que ele não pode cantar, eu sempre tive isso na cabeça, esse negócio de juntar, juntar todo mundo, juntar o novo, juntar o velho20.”
A postura de contestação do jovem pode suscitar diferentes estratégias de adaptação àquela situação. Mesmo sendo descendentes de jongueiros, os mais jovens não podiam participar das rodas, a tradição comporta no seu cerne certas prerrogativas que ora precisam ser respeitadas, ora precisam ser transformadas. Jefinho, valorizando uma postura de conciliação dos contrários, busca juntar todo mundo, juntar o novo, juntar o velho.
A necessidade da comunicação entre o jovem e o velho aparece como fator fundamental na trajetória do Jefinho; falar o “dialeto” dos mais velhos, ter a preocupação de que eles entendam o que o outro está querendo comunicar para que haja um diálogo, é condição basal para a troca e o aprendizado entre as diferentes gerações.
A lembrança com relação às suas origens faz com que todos se recordem que ele pertence à tradição, que é neto do Dito Prudente, jongueiro respeitado que tem história no jongo. Esse sentimento remete-se à pertença, à participação na comunidade e ao caráter comunal das relações. Nesse processo, o ponto foi tomando corpo, constituindo-se carne e verbo:
“O ponto foi vindo na cabeça, logo eu comecei a pensar eu vou falar: Saravá jongueiro velho, que saravá é o salve na língua da umbanda ou saravá e tal, salve rapaziada. Eu vou falar: Saravá jongueiro velho, já tô puxando a sardinha pro lado deles, e depois o que eu vou falar? Que veio pra ensinar, por que eles vieram aqui pra ensinar pra gente, parece que eles não gostam muito de ensinar, não, eles querem fazer o ponto lá, o jongo deles lá, eles não querem ensinar, a gente que aprenda sozinho, mais eu vou dar uma puxada: Saravá Jongueiro Velho/Que veio para ensinar. Aí agora eu vou fazer a parte que é pra gente, os novo e vou jogar Deus no meio, Porque Deus é maior que todo mundo aqui, tá. Então eu vou falar: Saravá Jongueiro Velho, Que veio para ensinar e que Deus dê a proteção pro jongueiro novo, Pro jongo não se acabar, essa foi a letra. Aí eles ouviram aquilo e: Nossa, o cara saravou a gente e tá, os jongueiros velhos e pediu pra Deus dar proteção pra eles, os jongueiros novo ali, que é pro jongo não acabar, sabe que é verdade! Puxa, e se a gente morre, e se morre a Tia Zé, e se morre, como morreu vários jongueiros velhos, já, e os filhos deles estão indo embora, quem que vai continuar o jongo?”
O saravá, a saudação aos jongueiros evidencia o respeito com o qual Jefinho se referiu aos mais velhos, aos seus ancestrais, as suas raízes. Quando os apresenta como aqueles que vieram para ensinar, estabelece uma relação de reciprocidade: vieram para ensinar e nós (jongueiros novos) somos aqueles que querem aprender, para continuar com o jongo, pra que ele não se acabe.
Mesmo que os mais velhos não queiram ensinar e não se importem que os jovens aprendam sozinhos, a mensagem e a intenção do ponto reverte a questão colocando-os como aqueles que vieram para ensinar, tanto por serem mais velhos e experientes, como pela responsabilidade na continuidade do jongo: e se todos morressem e os mais jovens não aprendessem? O conhecimento iria com eles.
Sendo iniciadores da cultura, são responsáveis pela sua continuidade. O sentido do humano e o desenvolvimento da humanidade por meio dos séculos só foram possíveis de se perpetuarem a partir do momento que os homens não precisaram reinventar, a cada geração, o fogo, e passaram a ensinar a arte da sua fabricação. Logo, mesmo que os jongueiros mais velhos não desejassem ensinar, essa era a missão deles para a qual o ponto alertava.
“Aí, depois disso aí, acabou, até esse ponto do Vai durumir, criança/Vai durumir, não cantaram mais, pararam de cantar. (...). Eu acredito que foi até Deus que tocou no coração deles, deixa a molecada cara, vocês vão embora um dia, e aí como é que vai ser?”
A possibilidade de criar laços significativos gera a cumplicidade e o carinho. Ao se colocar no lugar do outro, os jongueiros velhos puderam compreender que já foram novos e passaram pelos mesmos medos, receios e angústias dos mais jovens, principalmente àqueles que se relacionam à aceitação pela comunidade e a de si próprios.
A menção a Deus tocar o coração dos jongueiros mais velhos expressa a ativação desse saber do coração, “o religar do co-razón”21, razão outra que “anima” o racionalismo, ou seja, o “sinn aisthesis”, a sensibilidade”. (SANTOS, 2003: 67)
Somente uma intervenção divina possibilita a transformação e a energização dos conteúdos guardados dentro do coração; essa razão do coração ensina e recoloca-nos em nosso caminho, em nossa missão. Tocar o coração além da dimensão do toque, no ato de aproximar-se do seu âmago, evidencia a metáfora também possível de tocá-lo como a um instrumento. O saber do coração apresenta-se e deixa-se praticar.
A percepção da finitude do tempo, além de suscitar várias estratégias de lidar com essa sentença irrevogável, possibilita a abertura para o novo e para as raízes que se projetam na sua existência.
Essas raízes alimentam os novos frutos na continuidade dos projetos que outrora foram começados pelo “senex” e não tiveram tempo para serem concluídos, necessitando de um outro “pro-jectum” existencial que garanta uma continuidade, seja na mensagem de vida e de força que os jongueiros velhos deixam pelo seu exemplo, seja nos pontos que serão deixados para que os jovens continuem cantando e esse canto mantenham-nos vivos.
Portanto, a pergunta “Vocês vão embora um dia, e aí como é que vai ser?” materializa as questões existenciais mais prementes de continuação desse “pro-jectum”, que, muito mais do que um projeto individual, constitui-se como um projeto coletivo e comunitário, também. A responsabilidade mútua e recíproca entre todos.
Não é por outro motivo que Jefinho frisa que os pontos são de todos. Sendo eles a memória e a história oral viva da comunidade, as imagens e as narrativas míticas que os compõem são o patrimônio cultural mais importante que têm e que se encontram registrados dentro de si, na memória de todos os jongueiros, que articuladas entre si recontam a vida coletiva, complementando-se:
“O jongo é da comunidade, o jongo nunca vai ser de uma pessoa só, nunca vai ser, por isso que já é uma festa da comunidade, o jongo nunca vai ser do Jefinho22.”
Outra constatação interessante refere-se ao fato do sentido de ser jovem e ser velho na comunidade. Todas as falas, nas quais Jefinho se referia a um outro jongueiro muito apegado à tradição e que adentrou ao círculo dos jongueiros já com certa idade, evidenciava o fato de ele ser do grupo dos jongueiros velhos, aqueles que olhavam feio quando os jovens se aproximavam para cantar. Qual não foi a minha surpresa, ao descobrir que ele se encontrava nos seus 46 anos, sendo, praticamente, contemporâneo ao Jefinho com 39 anos, atualmente.
Apenas sete anos de diferença separam um do outro. Portanto, quando Jefinho tinha 20 anos o outro jongueiro tinha apenas 27, e era, no entanto, já referido como velho. Dessa forma, observo que as características do “puer” e do “senex” são o que orientam as aproximações geracionais na comunidade, ou seja quem é jovem e quem é velho, como pudemos notar na fala da Aline de 19 anos, ao se referir à sua avó (Tia Fia) com 82 anos, na resposta a minha pergunta sobre o que é ser jovem:
“É ser igual a minha avó quê, tipo, ela bebe, dança, com aquela idade, sabe, e você percebe que já tem até uma dificuldade para andar, corcunda e dança e ri, eu acho que aquilo é ser jovem, porque às vezes eu tô com tanta coisa para fazer e eu tô mal-humorada e alguém me fala alguma coisa e eu... Não vejo a minha avó fazer isso, (...) mais essa questão de ser receptiva, de estar sempre sorrindo, de olhar para uma pessoa que fala: Aí, Tia Fia, acabei de deixar meu filho no camburão, ele está sendo levado para a FEBEM, e a minha avó: não, mais vai dar certo, você vai ver, daqui uns dias ele está aí.23”
É essa alegria, essa vivacidade, a fé na vida que é a essência do ser jovem, mesmo passando por todas as dificuldades da vida e convivendo com as dores e os dramas humanos, cotidianamente na comunidade, Tia Fia não perdeu a sua juventude.
Por conseguinte, outra observação importante é que a idade não é o fator principal para tornar-se jongueiro. Togo também frisou que para ser jongueiro não depende da idade, ele próprio com 15 anos já era jongueiro. Ao perguntar para ele se tem idade para ser jongueiro, respondeu-me: “Qualquer idade, até sete anos, depende de saber fazer ponto, entender ponto24”.
A compreensão e o entendimento com relação ao sentido dos pontos é o principal. Conhecer o universo sociocultural e simbólico no qual se vive, onde se realizam as festas e as rodas de jongo.
Além disso, tem que conhecer as regras do alinhamento, do encadeamento dos pontos para poder desatá-los e desamarrá-los, saber formular os enigmas apreendendo os significados ocultos e profundos de sua decifração. Mas tudo isso de nada adianta se a pessoa não tiver dom, não tiver tomado a água da fonte fresca da memória.
É no bojo dessa discussão sobre os opostos, os pares que se complementam, que se evidencia a relação entre as diferentes gerações, entre o jovem e o velho. A complexidade admite em sua essência pontos de contato e articulações entre as diferentes polaridades.
Há uma complexidade inerente que comporta as diferenças, as identidades constituídas nesse trajeto pessoal e coletivo. Os aspectos físicos, biológicos, sociais, culturais e psíquicos de cada etapa de vida não são possíveis de serem analisados de formas estanques, separadas, como cortes que não têm segmento ou articulações entre si: são constituídas no “complexus = o que é tecido em conjunto” (MORIN, 1996).
Desse modo, as relações entre o novo e o velho são marcadas por complementaridades e trocas, e também por tensão e conflito.
Na comunidade do Tamandaré não é diferente. Os jongueiros mais velhos chamam pela tradição e aborrecem-se quando as regras começam a ser mudadas. Os mais jovens crêem e não crêem no poder e na força da palavra acreditam, mas não acreditam que alguns jongueiros tem o dom de fazer crescer bananeiras nos quintais, mesmo assim, desejam participar de tudo aquilo.
Relações de poder instauram-se. O jovem tem apreço em opor-se ao que se encontra dado, enquanto os mais velhos querem fazer prevalecer sua autoridade e conhecimento, exigindo respeito.
Essas relações são decorrentes da própria relação intensional25 (Ferreira Santos, 2000) estabelecida entre o “puer” e o “senex”, ou seja, a própria relação existente entre o velho e o novo, o instituído e o instituinte e a complementaridade e tensão destes opostos que dão fluência, cadência à própria vida na renovação cíclica das gerações.
A referência a “puer” e “senex” relaciona-se às polaridades que se complementam: o velho e o novo. O “puer” é tomado por uma espécie de nostalgia de algo que ele ainda não viveu. Na relação pedagógica entre o mestre e o discípulo, relaciona-se à forma como: “Ao contato com o mestre, o discípulo reconcilia-se com a vida; ao contato com o discípulo, o mestre reconcilia-se com a morte”. (GUSDORF, 1967: 251). É também relacionado à atitude que polariza o par “puer-senex”, envolvendo um aprendizado da dissemetria existente em todo par (CARVALHO, 2000).
Essa conciliação com a vida e com a morte que acontece na relação entre mestre e discípulo é percebida na comunidade quando os mais jovens lançam-se ao terreiro para cantar a primeira vez um ponto na roda. Nesse gesto, lançam-se à vida. Por outro lado, os jongueiros velhos querem prepará-los, querem que aprendam e, ao ensinar, reconciliam-se com a morte. Ao mesmo tempo a temem, não querem perder o trono que têm no terreiro; mostram nos pontos que estão vivos, fortes e que ainda são donos do terreiro:
“Gavião penacho
Não abaixa na campanha
Nesse terreiro Galo velho não apanha
Te firma, te firma
Não bambeia, não bambeia”
Percebemos, nesse ponto, a constelação de imagens nas quais figuram os símbolos relacionados ao pai, à autoridade, à disputa no universo masculino do terreiro, nos quais prevalecem a verticalidade, o cimo da cabeça (penacho, a crista do galo), a conotar a soberania dos mais velhos e o desafio lançado, avisando que “galo velho não apanha”.
Observamos que há uma busca e uma expressão das identidades nas rodas de jongo que se somam à necessidade de reconhecimento, em que o novo se complementa com o velho, no resgate da memória, da história, dos mitos, colocando em evidência a tradição e as raízes culturais na busca do que é próprio, na regularidade cíclica da renovação, da recriação e da reapropriação.
Esse reconhecimento desejado pelos jovens torna-se significativo quando parte de sua própria comunidade, do círculo de pessoas que integram o seu universo sociocultural e simbólico valorizam os pontos que fazem, a sua forma de cantar e tocar o tambor.
Diante dessas questões, uma dimensão apresenta-se: como as diferentes ações da sociedade civil e do Estado podem atuar, conjuntamente, a essas comunidades de forma recíproca e dialógica? Como lidar com o preconceito? Como possibilitar que esses jovens cresçam com o reconhecimento e a valorização por eles tão esperada, tanto vindo dos seus, da sua comunidade, como também da sociedade em seu todo?
A formulação de leis e políticas públicas e sociais tem sido um dos principais caminhos apontados por pesquisadores, estudiosos, movimentos sociais como o movimento negro e de mulheres, que há séculos observam a mesma situação de marginalização a que vêm sendo submetidos os afro-descendentes no Brasil.
A custa de muita luta e resistência, diversas iniciativas que vão desde a implementação de sistemas de cotas para negros em algumas universidades públicas, políticas de inclusão racial e ações afirmativas em educação, até o aparecimento mais vigoroso de pesquisas sobre as questões étnico-raciais, reitera-se a importância crucial do negro e seus descendentes na formação cultural da sociedade brasileira.
As atuações do Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional – IPHAN em transformar o jongo em patrimônio imaterial e a aprovação da Lei no. 10.639, promulgada em janeiro de 2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da temática de História e Cultura Afro-brasileira e Africana no currículo oficial de escolas públicas e privadas da educação básica, constituem-se em ações de valor, embora as mudanças “no papel” não garantam mudanças de atitudes.
No trecho do parecer elaborado sobre a Lei no. 10.639, que teve como um dos seus relatores a Professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, observei a importância que os estudos de expressões como o jongo têm para a releitura, a reconstrução e a resignificação da história e contribuição dos negros no Brasil:
“Em História da África, tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria e discriminações que atingem o continente, nos tópicos pertinentes se fará articuladamente com a história dos afrodescendentes no Brasil e serão abordados temas relativos: - ao papel dos anciãos e dos griots como guardiãos da memória histórica; - à história da ancestralidade e religiosidade africana (...) - às civilizações e organizações políticas pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbabwe; - ao tráfico e à escravidão do ponto de vista dos escravizados; (...)- às relações entre as culturas e as histórias dos povos do continente africano e os da diáspora; - à formação compulsória da diáspora, vida e existência cultural e histórica dos africanos e seus descendentes fora da África.26”
A possibilidade de mudar a ótica da concepção histórica sobre os negros e a preocupação com a sua existência cultural e simbólica evidenciam a oportunidade de ouvirmos o que eles têm para dizer, e aprendermos com eles, valorizando o seu universo sociocultural e simbólico, o seu sentimento com relação ao sagrado, a forma de iniciação dos mais jovens no universo jongueiro, assim como a sua memória, os seus cantos, os seus rituais e os seus mitos, enfim, toda a herança cultural e a riqueza do seu imaginário.
Compreendendo a importância de toda a sociedade recontar a sua história e nela incluir os relatos, as visões de mundo e a voz daqueles que embora excluídos da “história oficial” também participaram da construção desse país, não podemos nos desobrigar com relação à situação em que se encontram essas comunidades: total marginalidade e abandono do poder público. Problemas de legalização de terras, de criminalidade, de tráfico de drogas, de baixa escolaridade e desemprego.
Não podemos, portanto, nos calar diante do aniquilamento de uma cultura e de toda a riqueza e multiplicidade de sentidos que ela nos trás e que nos ensina muito sobre nós mesmos, ao nos apresentar cosmogonias e sentidos existenciais presentes na nossa ancestralidade africana. Consiste em patrimônio cultural desse país, tanto dos brancos como dos negros.
Artigo dedicado ao Oruan
Que sentiu o batuque do tambor desde o meu ventre...
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Endereço para correspondência
Carolina dos Santos Bezerra Perez
R. José Ernani Neves, 610 - Jardim Monterrey
86038-400 Londrina, PR
Tel.: (43) 33369233. Fax: (43) 33714338.
Celular: (43) 99354312
E-mail: carolsb@usp.br ou carolina@uel.br
Recebido em 16/01/2005
Aceito em 25/02/2005
* Pedagoga e Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Pesquisadora do CICE - Centro de Estudos do Imaginário, Cultura e Educação da FE-USP. Professora de educação básica das redes de ensino estadual e municipal de São Paulo. Mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo.
1 Vincula-se ao Groupement de Recherches Européennes Coordonnées – Centres de Recherches sur l’Imaginaire cujo fundador foi o Prof. Gilbert Durand em 1966, e atual diretor, Prof. Michel Maffesoli, pertencendo ao CNRS – Centre National de la Recherche Scientifique/France.
2 BEZERRA PEREZ, Carolina dos Santos. Juventude, música e ancestralidade no jongo: som e sentidos no processo identitário. São Paulo, FEUSP, 2005. (Dissertação de mestrado). Orientador: Prof. Dr. Marcos Ferreira Santos.
3 Ver artigo publicado em BEZERRA, Carolina dos Santos. Identidades Latinoamericanas: Cubanidade & Cultura. In: FERREIRA SANTOS, Marcos. (org). Imagens de Cuba: A esperança na esquina do mundo. São Paulo: Zouk, 2002.
4 Conceito utilizado por Dayrell (2001) e Sposito (1997 e 1999), que enfatiza a necessidade de se reconhecer a diversidade social e cultural entre os jovens, atentando ao fato de que essa vivência do que se denomina como juventude não ocorre de forma homogênea, e sim plural.
5 Encarte do VIII Encontro de Jongueiros, Guaratinguetá/SP: 21 e 22 de novembro de 2003.
6 São as frases, os versos, as palavras cantados pelos jongueiros e repetidos por todos os presentes no momento em que se realizam as rodas de jongo, o ritual, instante em que se desenvolve a performance.
7 Termo utilizado por Maffesoli (1987), que difere do conceito de sociabilidade da sociologia, pela necessidade em evidenciar o caráter afetual presente na dimensão social cotidiana dos microgrupos, tribos e comunidades.
8Entrevista realizada em 11/11/2004.
9 Iniciado por R. Otto e C.G. Jung, reuniu pesquisadores em Ascona (Suíça) de 1933 a 1988, ampliando as considerações paradigmáticas sobre a produção do conhecimento humano em uma perspectiva antropológica e simbólica. Veja-se a este respeito, as publicações Eranos Jahrbuch que vêm sendo traduzidas ao inglês (pela Campbell Foundation) e ao espanhol (pelo Editorial Anthropos, de Barcelona).
10 Alusão a Hermes, deus do panteão mítico grego, psicopompo. Tem asas nos pés que o conduzem de um lugar a outro, assim como no seu elmo e no caduceu que porta. É o deus mensageiro, um dos seus principais atributos é o poder de transmitir os recados, o que precisa ser dito, o que precisa ser conhecido.
11 Partindo do pensamento complexo de Edgar Morin, a recursividade pressupõe que se abandona um tipo de explicação linear a favor de um tipo de explicação em movimento, circular, em que se vai das partes para o todo, do todo para as partes, para tentar compreender o fenômeno. (Morin, 1996:142)
12 Depoimento realizado em 22 de setembro de 2003 no VIII Encontro de Jongueiros em Guaratinguetá-SP. Gravação disponível no Acervo da Associação Cultural Cachuera!
13 A partir de um estudo etnomusicológico, a performance trata de atividades musicais, seus ensejos e suas funções dentro de uma comunidade ou grupo social maior, adotando uma perspectiva processual do acontecimento cultural que extrapola os aspectos meramente sonoros. (Oliveira Pinto, 2001).
14 Saudação ou reverência utilizada pelos jongueiros para louvar, enaltecer ou pedir licença para a realização da roda de jongo e dos cantos. Pessoas, seres, objetos e entidades podem ser saravados, assim como um espaço simbólico, caminho ou o mundo inteiro.
15 Hebert José de Oliveira Santos. Entrevista realizada em 12 de setembro de 2004, Guaratinguetá-SP.
16 Entrevista realizada em 10 de setembro de 2004, Guaratinguetá-SP.
17 O termo primitivo, nesse contexto, não é sinônimo de brutal, incivilizado, bárbaro ou inculto, refere-se, portanto a um ser originário e suas relações primeiras com o mundo, a fonte da origem da simbolização que o homem criou a partir da observação das relações biológicas e sociais, culminando no surgimento da cultura.
18 Jung, na esteira da psicanálise, viu igualmente bem que todo o pensamento repousa em imagens gerais, os arquétipos, “esquemas ou potencialidades funcionais” que “determinam inconscientemente o pensamento”. (Jung, 1950 apud Durand, 1997: 30).
19 Jefferson Alves de Oliveira (Jefinho), 39 anos. Entrevista realizada em 29 de setembro de 2004. Guaratinguetá-SP.
20 Jefferson Alves de Oliveira. (Jefinho), 39 anos. Entrevista realizada em 29 de setembro de 2004, Guaratinguetá-SP. (1995).
21 Conceito desenvolvido por Andrés Ortiz-Osés
22 Idem.
23 Entrevista realizada em 11/11/2004.
24 Entrevista realizada em 11/09/2004.
25 Realçando o caráter tensional entre os pólos da existência humana: as intimações do meio cósmico e social (imanência do mundo concreto) e as pulsões subjetivas (possibilidade de transcendência em recursividade. (apud Ferreira Santos, 2000: 60).
26 Parecer 003/2004 do Conselho Nacional de Educação.