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PsicoUSF

versão impressa ISSN 1413-8271

PsicoUSF v.6 n.1 Itatiba jun. 2001

 

ARTIGOS

 

Um estudo correlacional entre habilidades sociais e traços de personalidade

 

A correlational study of social skills to personality traits

 

 

José Maurício Haas Bueno*, 1; Sandra Maria da Silva Sales Oliveira**; José Carlos da Silva Oliveira***

 

 


RESUMO

Este trabalho teve como objetivo o desenvolvimento de um estudo correlacional entre habilidades sociais e traços de personalidade segundo o modelo dos cinco grandes fatores. Foram sujeitos da pesquisa 189 estudantes universitários, de ambos os sexos (41 homens e 148 mulheres), de 18 a 59 anos (média 26,3 anos), primeiro-anistas dos cursos de Letras, História, Psicologia, Pedagogia e Biologia. Foram aplicados o Inventário de Habilidades Sociais, que informa sobre (a) enfrentamento com risco, (b) auto-afirmação na expressão de afeto positivo, (c) conversação e desenvoltura social, (d) auto-exposição a desconhecidos e a situações novas e (e) auto-controle da agressividade a situações aversivas; e um Inventário de Personalidade que informa sobre os cinco grandes fatores: extroversão, socialização, escrupulosidade, neuroticismo e abertura para novas experiências. Encontrou-se que a variância de enfrentamento com risco pode ser explicada principalmente por extroversão e abertura para novas experiências; auto-afirmação na expressão de afetos positivos, por socialização e equilíbrio emocional; conversação e desenvoltura social, pelo conjunto equilibrado de todas os cinco grandes fatores, exceto escrupulosidade; auto-exposição a desconhecidos e a situações novas, por extroversão e equilíbrio emocional; e auto-controle da agressividade por socialização.

Palavras-chave: Social skills, Personality traits, Modelo dos cinco grandes fatores.


ABSTRACT

The purpose of this study was to investigate de correlation of social skills to personality traits by the big five factors model. The Ss were 189 undergraduates, 41 men and 148 women, from 18 to 59 ys. old (mean 26,3 ys. old), freshmen of the Literature, History, Psychology, Pedagogy, and Biology courses. The instruments were the Social Skills Inventory, which informs about (a) confront with risk, (b) self-affirmation on the positive affect expression, (c) conversation and social easiness, (d) self-exposure to strangers and new situations, and (e) self-control of aggressiveness in aversive situations; and an Personality Inventory which informs about the big five factors: extraversion, agreeableness, conscientiousness, neuroticism and openness. The confront with risk variance was explained by the extraversion and openness; self-affirmation on the positive affect expression, by agreeableness and emotional balance; conversation and social nimbleness, by the equality in all personality factors; self-exposure to strangers and new situations, by extraversion and emotional balance, and self-control of aggressiveness in aversive situations, by agreeableness.

Keywords: Habilidades social, Traços de personalidade, Big five factors model.


 

 

Introdução

As habilidades sociais se constituíram como uma área dentro da Psicologia, na década de 60, na Inglaterra, tomando por base estudos relacionados à Psicologia Social e do Trabalho (Argyle & Kendon, 1967) que disseminaram o termo habilidades sociais. Contudo, as décadas de 60 e 70 são marcadas por estudos relacionados à assertividade e ao treinamento assertivo, uma área tida por muitos como precursora do que viria a se desenvolver a partir da década de 80 e firmar-se na de 90 como treinamento de habilidades sociais (THS), um campo de investigação e de aplicação do conhecimento psicológico sobre o desempenho social.

O treinamento assertivo se constitui num método para tratar ansiedade e facilitar “a expressão adequada de qualquer emoção que não a ansiedade em relação a outra pessoa” (Wolpe, 1976, p.98). Foi criticado, no entanto, por enfatizar a expressão de sentimentos negativos, argumentando-se que muitos sentimentos positivos também poderiam encontrar-se bloqueados neuroticamente, necessitando de expressão emocional (Lazarus, 1977). Por outro lado, o treinamento de habilidades sociais (THS) se constitui numa abordagem mais ampla que o treinamento assertivo, por aplicar-se a qualquer dificuldade de natureza interpessoal, como habilidades de comunicação, resolução de problemas, de cooperação, enquanto que o segundo tem se restringido às dificuldades de expressão de sentimentos e afirmação de direitos em função da ansiedade.

Vários trabalhos publicados relatam a utilização do treinamento de habilidades sociais com sucesso no tratamento de diversos tipos de pacientes psiquiátricos (Argyle & Trower, 1974; Rice & Chaplin, 1979; Spencer, Gillespie & Ekisa, 1983; Wallace & Liberman, 1985; Schreuder, 1987), alcoolistas (Oei & Jackson, 1980), com desordem de personalidade evitativa (Stravisnky, Grey & Elie, 1987; Stravisnky, Lesage, Marcouiller & Elie, 1989) e depressão (Jackson, Moss & Solinski, 1985); além de programas para o desenvolvimento da auto-estima de crianças (Bockoven & Morse, 1986), e na reeducação social com presidiários (Valliant & Antonowicz, 1991).

Outros trabalhos investigam a relação das habilidades sociais com diversos critérios do mundo real. Pesquisas com crianças, por exemplo, mostraram que aquelas que possuem baixos níveis de compreensão interpessoal e auto-percepção de competência tendem a ser percebidas como problemáticas por seus pais (Kurdek & Krile, 1983), e que as habilidades sociais têm grande importância na adaptação e no desempenho escolar (Togasaki & Sakano, 1997; Carlyon, 1997).

Nos estudos com adultos, relatam-se várias diferenças nas habilidades sociais entre gêneros, como por exemplo, que as mulheres apresentam níveis de sociabilidade mais altos que os homens, e tendem a ser percebidas como mais atrativas fisicamente (Hidalgo et al, 1999; Margalit & Eysenck, 1990; Saranson, Saranson, Hacker & Basham, 1985). Além disso, várias características de personalidade aparecem envolvidas nas habilidades sociais. As desordens de personalidade tendem a comprometê-las (Penn e cols., 1999; Petti, 1999), enquanto que as características positivas, como auto-estima, tendem a estar presentes em sujeitos mais expressivos e com tato social, fazendo com que tenham mais credibilidade com os outros do que os sujeitos com ansiedade-social (Riggio, Throckmorton & DePaola, 1990; Riggio, Tucker & Throckmorton, 1987). De uma forma geral, foi encontrado que a competência social é capaz de prever o nível de felicidade que o indivíduo encontrará na vida (Argyle & Lu, 1990).

No Brasil, poucos trabalhos foram realizados nessa área e se concentram principalmente no estudo das habilidades sociais de estudantes de Psicologia ( Del Prete, Del Prete & Barreto, 1999; Del Prete, Del Prete & Correia,1992), de professores (Del Prette, Del Prette, Garcia, Silva & Puntel, 1998) e de menores de rua (Campos, Del Prette & Del Prette, 2000). Além disso, um instrumento, o Inventário de Habilidades Sociais (Del Prette, Del Prette e Barreto, 1998), utilizado neste trabalho, foi desenvolvido para avaliar cinco fatores das habilidades sociais. O Fator 1, enfrentamento com risco, retrata situações interpessoais de afirmação de direitos e de auto-estima, mesmo diante do risco potencial de reação indesejável por parte do interlocutor. Expressa o conceito de assertividade. O Fator 2, auto-afirmação na expressão de afetos positivos, reúne itens em que ocorre a expressão de afeto positivo e afirmação da auto-estima, com risco mínimo de reação indesejável por parte do interlocutor. A conversação e desenvoltura social, expressa pelo Fator 3, envolve situações sociais neutras, com risco mínimo de reação indesejável, demandando conhecimento das normas sociais de relacionamento cotidiano para conversação. Situações que envolvem a abordagem a pessoas desconhecidas constituem a auto-exposição a desconhecidos ou a situações novas, abordadas no Fator 4. Finalmente, no Fator 5, autocontrole da agressividade a situações aversivas, refere-se ao controle da raiva e da agressividade em situações de estimulações aversivas por parte do interlocutor.

Supõe-se que tais habilidades sociais e traços de personalidade se influenciem mutuamente, isto é, traços específicos de personalidade devem facilitar determinadas formas de expressão social e dificultar outras, assim como a forma peculiar do sujeito se comportar socialmente, as gratificações e frustrações que obtém a partir do contato com outras pessoas, também devem influenciar a organização de sua personalidade. A compreensão das concomitâncias peculiares existentes entre essas duas variáveis poderia ser de grande valia em programas de seleção, desenvolvimento, treinamento e aconselhamento psicológicos. O modelo dos cinco grandes fatores de personalidade, por ser bastante simples e abrangente, pareceu-nos o mais adequado para explorar relações entre traços de personalidade e habilidades sociais.

Esse modelo surgiu empiricamente, com base em análises de instrumentos tradicionais (como o 16PF, o MMPI, as escalas de personalidade de Comrey, entre outros) isolados ou em conjunto, cujas soluções fatoriais apontavam sempre para os mesmos cinco fatores, independentemente da teoria em que seus respectivos autores se basearam para desenvolvê-los. Só a partir de então é que começaram a surgir instrumentos especialmente construídos para avaliação da personalidade dentro do modelo dos cinco grandes fatores. O NEO-PI-R (Costa & McCrae, 1992), pode ser citado como o principal instrumento utilizado para essa medida no mundo e, no Brasil, Hutz e colaboradores (1998) identificaram 64 marcadores de traços com bons resultados de fidedignidade e validade fatorial.

O Modelo dos Cinco Grandes Fatores descreve os seguintes traços de personalidade: altos escores em extroversão revelam pessoas sociáveis, ativas, falantes, otimistas e afetuosas; enquanto que baixos escores revelam pessoas que tendem a ser reservadas, sóbrias, indiferentes, independentes e quietas; o fator socialização descreve pessoas que tendem a ser generosas, bondosas, afáveis, prestativas e altruísticas de um lado e pessoas cínicas, não cooperativas e irritáveis, podendo chegar a ser manipuladoras, vingativas e implacáveis, de outro; alta pontuação em escrupulosidade indica comportamentos no sentido da organização, persistência, controle e motivação para alcançar objetivos altruísticos; enquanto que baixas pontuações revelam pessoas que tendem a não ter objetivos claros, não serem confiáveis e serem preguiçosas, negligentes e hedonistas; no fator neuroticismo, indivíduos com escores altos são propensos a sofrimentos psicológicos, podendo apresentar idéias irreais, baixa tolerância à frustração e respostas de coping não adaptativas, enquanto que indivíduos mais equilibrados emocionalmente, apresentam escores mais baixos nesse fator; altos escores no fator Abertura para novas experiências são obtidos por indivíduos curiosos, imaginativos e criativos, que se divertem com novas idéias e valores não convencionais, enquanto que baixos escores são obtidos por indivíduos que tendem a ser convencionais em suas crenças e atitudes, conservadores em suas preferências e menos responsivos emocionalmente.

O objetivo deste trabalho, portanto, é a investigação das correlações existentes entre habilidades sociais e traços de personalidade, partindo-se da hipótese de que as diferentes habilidades sociais podem ser explicadas por diferentes traços de personalidade.

 

Método

Sujeitos:

Foram sujeitos da pesquisa 189 estudantes universitários, de ambos os sexos (41 homens e 148 mulheres), de 18 a 59 anos (M=26,3 anos; DP=9,30), primeiro-anistas dos cursos de Letras, História, Psicologia, Pedagogia e Biologia.

Instrumentos, aplicação e correção

O instrumento para avaliação dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade é uma escala de 64 adjetivos (Hutz e cols., 1998) na qual cada sujeito atribui pontos de 1 a 5, conforme considere que o adjetivo não o descreve adequadamente até que o descreve adequadamente. As pontuações dos fatores podem variar nos seguintes intervalos: extroversão, de 10 a 50 (M=34,87; DP=8,88); socialização, de 16 a 80 (M=64,88; DP=10,28); escrupulosidade, de 14 a 70 (M=53,73; DP=7,63); neuroticismo, de 12 a 60 (M=28,35; DP=6,76); e abertura para novas experiências, de 0 a 12 (M=40,21; DP=7,80).

Como medida dos cinco fatores de habilidades sociais, foi utilizado o Inventário de Habilidades Sociais (Del, Prette, Del Prette & Barreto, 1998), composto de 31 itens. O sujeito atribui pontos de 0 a 4, conforme considere os comportamentos descritos como nunca ou raramente presentes até sempre ou quase sempre presentes, respectivamente. A pontuação do fator enfrentamento com risco pode variar de 0 a 44 (M=23,08; DP=7,55); da auto-afirmação na expressão de afeto positivo, de 0 a 28 (M=19,25; DP=3,89); da conversação e desenvoltura social, de 0 a 28 (M=17,73; DP=4,43); da auto-exposição a desconhecidos ou a situações novas, de 0 a 12 (M=7,41; DP=2,66); e da auto-controle da agressividade a situações aversivas, de 0 a 12 (M=6,92; DP=1,88).

Ambos os inventários foram aplicados coletivamente, em sala de aula, seguindo os padrões éticos. Os escores em cada habilidade social e traço de personalidade, foram obtidos somando-se as pontuações atribuídas pelos sujeitos aos itens que compõem cada fator.

 

Resultados

Inicialmente, foram realizadas análises de variância e correlacionais das habilidades sociais. Encontraram-se diferenças estatisticamente significativas entre gêneros nas habilidades de enfrentamento com risco (F=4,281; p=0,040) e auto-afirmação na expressão de afetos positivos (F=5,078; p=,025). Para a primeira, encontrou-se média mais elevada para o sexo masculino (M=25,22; DP= 7,40) do que para o feminino (M=22,49; DP= 7,51); e para a segunda, o inverso, média mais elevada para o sexo feminino (M=19,58; DP=3,84) do que para o masculino (M=18,05; DP=3,90). A análise correlacional entre habilidades sociais e idade não evidenciou qualquer resultado estatisticamente significativo, sugerindo que as habilidades sociais não se desenvolvem ou melhoram com a idade.

Foram realizadas outras análises correlacionais entre traços de personalidade de per si, habilidades sociais entre si e entre todas as variáveis. Os resultados são apresentados separadamente, em três conjuntos.

Tabela 1. Coeficientes de Correlação Pearson entre as Características de Personalidade

** Correlações significativas no nível de 0.01 (2-tailed).
*Correlações significativas no nível de 0.05 (2-tailed).

Como pode ser observado na Tabela 1, extroversão apresentou alta correlação negativa com neuroticismo e positiva com abertura para novas experiências; socialização e escrupulosidade, além de apresentarem altas correlações positivas entre si, também se correlacionaram positivamente com abertura para novas experiências e negativamente com neuroticismo; este último não apresentou correlação estatisticamente significativa apenas com abertura para novas experiências que, por sua vez, apresentou altas correlações positivas com escrupulosidade, socialização e extroversão.

A Tabela 2 apresenta as correlações entre os componentes das habilidades sociais:

Tabela 2. Coeficientes de Correlação Pearson entre os fatores de Habilidades Sociais

** Correlações significativas no nível de 0.01 (2-tailed).
* Correlações significativas no nível de 0.05 (2-tailed).

A Tabela 2 mostra que o enfrentamento com risco apresentou-se altamente correlacionado com auto-afirmação na expressão de afetos positivos e correlações mais baixas, mas também estatisticamente significativas, com conversação e desenvoltura social e auto-exposição a desconhecidos ou a situações novas. A auto-afirmação na expressão de afetos positivos não se correlacionou significativamente com qualquer outra habilidade social, exceto com a anterior, podendo-se entender que o enfrentamento com risco compreende a maior parte das habilidades da auto-afirmação na expressão de afetos positivos, mas não o contrário. O fator conversação e desenvoltura social correlacionou-se com as habilidades de auto-exposição a desconhecidos ou a situações novas e auto-controle da agressividade a situações aversivas, demandando tanto a capacidade de se expor, quanto o controle da agressividade. O auto-controle da agressividade a situações aversivas correlacionou-se apenas com a conversação e desenvoltura social, e em nível muito baixo.

Por fim, a Tabela 3, com as correlações entre os componentes das habilidades sociais e traços de personalidade completam os 3 conjuntos de análises anteriormente referidos.

Tabela 3. Correlações entre Habilidades Sociais e Características de Personalidade

** Correlações significativas no nível de 0.01 (2-tailed).
* Correlações significativas no nível de 0.05 (2-tailed).

Pode-se observar uma grande quantidade de cor-relações significativas entre as variáveis: as três primeiras habilidades sociais, enfrentamento com risco, auto-afirmação na expressão de afetos positivos e conversação e desenvoltura social apresentaram correlações estatisticamente significativas com todos os traços de personalidade; auto-exposição a desconhecidos ou a situações novas correlacionou-se significa-tivamente apenas com extroversão e neuroticismo; e auto-controle da agressividade a situações aversivas correlacionou-se significativamente com socialização e neuroticismo. Como alguns traços de personalidade também apresen-taram correlações significativas entre si, decidiu-se por proceder a correlações parciais entre as variáveis, controlando os traços de personalidade.

A tabela 4 mostra as correlações parciais entre enfrentamento com risco e traços de personalidade.

Tabela 4 – Coeficientes de Correlação parcial de Pearson entre enfrentamento com risco e traços de personalidade.

** Correlações significativas no nível de 0.01 (2-tailed).
* Correlações significativas no nível de 0.05 (2-tailed).

Quando as correlações com a habilidade de enfrenta-mento com risco foram controladas por cada traço de personalidade, os únicos que continuam apresentando correlações estatisticamente significativas foram extroversão e abertura para novas experiências (Tabela 4). Socialização e escrupulosidade perderam significância estatística quando controladas uma pela outra, ou ambas por abertura para novas experiências; escrupulosidade também perdeu significância quando controlada por neuroticismo; e este último perdeu significância quando controlado por extroversão.

A tabela 5, por sua vez, mostra as correlações parciais entre auto-afirmação na expressão de afetos positivos e traços de personalidade.

Tabela 5. Coeficientes de Correlação parcial entre auto-afirmação na expressão de afetos positivos e traços de personalidade.

** Correlações significativas no nível de 0.01 (2-tailed).
* Correlações significativas no nível de 0.05 (2-tailed).

O fator auto-afirmação na expressão de afetos positivos manteve correlações estatisticamente significativas com os traços de socialização e neuroticismo, mesmo quando essas correlações foram controladas por outras traços de personalidade (Tabela 5). Extroversão perdeu significância quando controlada por neuroticismo; escrupulosidade, quando controlada por socialização; e abertura para novas experiências, quando controlada por socialização ou escrupulosidade.

Os dados da conversação e desenvoltura social correlacionados parcialmente com traços de personalidade são apresentados na tabela 6.

Tabela 6. Coeficientes de Correlação parcial entre conversação e desenvoltura social com traços de personalidade.

A correlação entre a habilidade de conversação e desenvoltura social e o traço de escrupulosidade, perdeu significância estatística quando controlada por socialização ou abertura para novas experiências; os demais traços de personalidade mantiveram correlações estatisticamente significativas mesmo quando controlados uns pelos outros (Tabela 6). A conversação e desenvoltura social, assim, requer um conjunto de traços de personalidade, porém não necessariamente altruísticos.

A auto-exposição a desconhecidos ou a situações novas manteve correlações estatisticamente significativas com os traços de extroversão (r=0,1630; p=0,025) e neuroticismo (r=-0,1833, p=0,012), mesmo quando os traços de personalidade são controlados um pelo outro.

Na tabela 7 são apresentadas as correlações parciais entre auto-controle da agressividade a situações aversivas e traços de personalidade.

Tabela 7. Correlações parciais de o auto-controle da agressividade a situações aversivas.

** Correlações significativas no nível de 0.01 (2-tailed).
* Correlações significativas no nível de 0.05 (2-tailed).

O auto-controle da agressividade a situações aversivas, que inicialmente mostrou-se correlacionado com socialização, escrupulosidade e neuroticismo, manteve correlação significativa apenas com socialização quando os traços de personalidade iniciais foram controlados (Tabela 7).

 

Conclusão

Este estudo analisou as relações existentes entre habilidades sociais e traços de personalidade (pelo modelo dos cinco grandes fatores), encontrando evidências que apóiam pesquisas anteriores em relação à diferenças entre gêneros nas duas primeiras habilidades sociais (Hidalgo et al, 1999; Margalit & Eysenck, 1990; Saranson, Saranson, Hacker & Basham, 1985) e, como previsto, a associação de diferentes traços de personalidade à diferentes habilidades sociais. O enfrentamento com risco correlacionou-se positivamente com extroversão e abertura para novas experiências; a auto-afirmação na expressão de afetos positivos correlacionou-se positivamente com socialização e equilíbrio emocional; a conversação e desenvoltura social mostrou-se relacionada a todos os traços de personalidade, exceto a escrupulosidade; auto-exposição a desconhecidos ou a situações novas correlacionou-se positivamente com extroversão e equilíbrio emocional; e auto-controle da agressividade a situações aversivas correlacionou-se positivamente com socialização.

Com base nesses resultados pode-se interpretar algumas relações de interesse para compreensão do psiquismo humano. Pessoas que relataram enfrentar situações com risco de reação indesejável pelo interlocutor, também se descreveram como mais extrovertidas e abertas a novas experiências no inventário de personalidade, parecendo unir facilidade/desejo de exposição (extroversão) com a confiança necessária para readaptação (abertura para novas experiências), caso a reação indesejável implique em mudanças mais profundas. Situações de auto-afirmação na expressão de afetos positivos, com risco mínimo de reação indesejável pelo interlocutor, foram relatadas por pessoas com altos escores em socialização e baixos em neuroticismo, capazes de criar uma impressão favorável de si mesmas, conquistando o interlocutor e evitando áreas de conflito. A conversação e desenvoltura social foi a habilidade que se correlacionou com o maior número de traços de personalidade, mostrando-se a mais complexa entre as habilidades sociais analisadas. De fato, é necessário um conjunto equilibrado de traços de personalidade para iniciar uma conversação, mantê-la interessante e ainda dentro das exigências sociais, porém, não necessariamente este seja um contato altruístico, já que a escrupulosidade foi o único traço que perdeu significância estatística quando controlado por outros traços de personalidade. A auto-exposição a desconhecidos ou a situações novas é característica de pessoas extrovertidas e equilibradas emocionalmente (não neuróticas). Capazes de acreditar em si mesmas, essas pessoas acreditam que serão bem aceitas, ou, no caso não o serem, que pelo menos serão capazes de lidar com adversidades próprias do convívio humano. O auto-controle da agressividade requer principalmente o interesse pelo bem-estar social, conferido pelo traço de socialização; provavelmente, em seu desenvolvimento, tais pessoas tenham aprendido a reconhecer as necessidades de outras pessoas e a priorizar o bem-estar do grupo, muitas vezes, em detrimento do seu próprio.

Curiosamente, o traço de escrupulosidade, que inicialmente se correlacionou com todas as habilidades sociais, exceto com HS4 (auto-exposição a desconhecidos ou a situações novas), não manteve correlações significativas com qualquer habilidade social, quando as correlações foram controladas por outros traços de personalidade. Este, talvez, seja o ponto que mereça outras investigações, pois a escrupulosidade é o traço que garantiria o sentido altruístico das relações sociais e esse resultado indica que habilidades sociais e altruísmo não necessariamente andam juntos. Há que se ressalvar, porém, o fato de escrupulosidade ter apresentado alta correlação com socialização e abertura para novas experiências, podendo o caráter altruístico das relações sociais ter sido expresso indiretamente pela socialização, já que abertura para novas experiências parece estar mais ligada à capacidade de realização das pessoas no traço de escrupulosidade.

Pelos resultados encontrados, este trabalho também apresenta evidências de validade concorrente entre os dois instrumentos. Amplia, em conseqüência, suas utilizações em programas de seleção, desenvolvimento, treinamento e orientação profissional, aconselhamento psicológico, etc., possibilitando interpretações cruzadas das habilidades dos sujeitos e maior abrangência para uma análise psicológica.

 

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Recebido em 13/04/2001
Revisado em 04/06/2001
Aceito em 21/06/2001

 

 

* José Maurício Haas Bueno é Psicólogo e Professor do Curso de Psicologia na Universidade de Pouso Alegre (UNIPA) – MG.
** Sandra Maria da Silva Sales Oliveira é Psicóloga e Professora do Curso de Psicologia na Universidade de Pouso Alegre (UNIPA) – MG.
*** José Carlos da Silva Oliveira é Psicólogo e Professor do Curso de Psicologia na Universidade de Pouso Alegre (UNIPA) – MG.
1 Endereço para correspondência: Rua Alberto Santos Dumont, 89 - Vila Mutton, Itatiba – SP, 13.251 –280. E-mail: jmhbueno@uol.com.br

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