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Psicologia da Educação
versão On-line ISSN 2175-3520
Psicol. educ. no.35 São Paulo dez. 2012
RESENHA
Resgate de uma dívida social da educação1
Maria Leila Alves
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo mleila@terra.com.br
A publicação em pauta organizada pela pesquisadora Laurinda Ramalho de Almeida traz como introdução o texto escrito por ela, "A pesquisa sobre a afetividade, aprendizagem e educação de jovens e adultos: explicitando por que, para que e como". Seguem-se os seis capítulos que compõem a obra, todos eles escritos por mestres e doutores formados no Programa de Estudos Pós-graduados de Educação: Psicologia da Educação da PUC-SP, baseados nos relatórios das pesquisas que realizaram, orientados pela professora Laurinda, organizadora do livro. Vera Maria Nigro de Souza Placco, na Apresentação da obra, atribui a ela a intenção de "apresentar uma categoria de análise diferente daquelas que os estudos têm apresentado: a dimensão afetiva, com base na teoria de desenvolvimento de Henri Wallon".
Os demais artigos que compõem os capítulos, na ordem em que se apresentam, são: "Professores da educação de jovens e adultos construindo trajetórias de sucesso: um estudo a partir da psicogenética de Henri Wallon" escrito por Admilson Aparecido Tenório Fernandes, texto no qual o autor, diante do referencial teórico assumido por ele, procura demonstrar que "no processo ensino-aprendizagem a integração cognitivo-afetiva-motora está sempre presente", e que o conhecimento é o objeto desse processo. Seu estudo termina com a significativa afirmação, que mostra seu compromisso com a qualidade social do ensino: "pode-se concluir que quando se considera o aluno como indivíduo concreto, o professor aceita-o como digno de valor e capaz de aprender, canaliza a afetividade a serviço do conhecimento e tem melhores condições de promover um ensino de qualidade e uma efetiva aprendizagem".
"Professores iniciantes na educação de jovens e adultos: emoções e sentimentos envolvidos na atuação" da autoria de Andrea Jamil Paiva Mollica é o segundo capítulo do livro. A autora lembra em seu texto que atuar como professor do EJA é "um trabalho diferente do trabalho no ensino regular, porque, basicamente, se ensinam jovens e adultos que geralmente têm vivências marcadas pelo sofrimento" e, com essa preocupação, busca compreender quais são as emoções do professor que trabalha pela primeira vez com a EJA e as situações provocadoras com as quais pode conviver.
Vera Lúcia Antonio Azevedo, buscando a compreensão das condições concretas da vida do aluno que o afastam da escola, escreve o texto seguinte "Sentimentos na atuação docente: um estudo com professores de matemática do EJA", terceiro capítulo deste livro, em que entrevista professores da rede pública e da rede particular, para captar os sentimentos envolvidos na atuação de professores que, embora experientes em outros segmentos de ensino, passam a atuar na EJA.
No quarto capítulo, Admilson Aparecido Tenório Fernandes em "O medo da matemática: um estudo com alunos de educação de jovens e adultos", que tem como referência sua pesquisa de Mestrado, estuda redações de alunos constatando a existência de dois tipos de professores de matemática: o professor motivador da aprendizagem e o professor bloqueador da aprendizagem.
"Os sentimentos vividos em sala de aula por alunos do EJA", escrito por Angela Márcia Zago Giglio, é o quinto capítulo do livro. A partir das percepções de alunos do EJA, a autora procurou elucidar em que situações esses sentiam medo no ambiente escolar, uma vez que esse sentimento transparecia em sala de aula. Afirma ela: "Ao longo da pesquisa que se aprofundou até o doutorado, ficou claro que as faces que o medo assume são, na maioria das vezes, dissimuladoras. [...] O medo de sentir-se fracassado - para grande parte dos alunos parece ser insuportável...".
No sexto e último capítulo "A voz do aluno de educação de jovens e adultos: mudanças pessoais e suas razões", Shirley Costa Ferrari, ouvindo o aluno, busca indicadores para contribuir para a ampliação dos estudos sobre o EJA. Suas reflexões versam sobre "um melhor atendimento das necessidades de conhecimento do aluno, que lhe permita sentir-se menos excluído de seu meio social".
Reafirmamos a importância que tem esse conjunto de estudos no sentido de introduzir os educadores e demais interessados em educação escolar na realidade da EJA, oferecendo alternativas de ação, com vistas ao resgate da dívida social que nosso Estado e nosso País têm para com os analfabetos em geral e, em particular, para com os trabalhadores que cursam a EJA.
Há algumas décadas, políticas públicas comprometidas com o resgate dessa dívida social têm se empenhado, sem conseguir a correlação de forças exigida em uma sociedade de classes, para reduzir os dados alarmantes com os quais convive o Brasil2. Examinando o desenho estatístico dos dados e os estudos ligados à história da educação brasileira, colocamo-nos diante das contradições geradas pelo capitalismo selvagem em que estamos mergulhados: contradições que relativizam o poder de transformação da educação escolar, o que nos leva a aceitar a constatação freireana de que, embora a educação seja fundamental para a formação crítica dos cidadãos, a escola sozinha não transforma a sociedade, como também não é possível a sociedade se transformar sem ela.
E é exatamente isto que nos revela a leitura das pesquisas presentes neste livro, renovando nossas esperanças de que é possível mudar a realidade social, pela mudança da escola..
A inserção dos educadores progressistas no universo da educação de jovens e adultos vem de longe, concretizada em diversas tentativas válidas, mas insuficientes para implementar políticas públicas para garantir em nosso Estado a qualidade social do ensino noturno, que, a duras penas, tinha sido conquistado pelo aluno trabalhador.
Nos tempos de hoje, a educação de jovens e adultos toma outras formas de organização e de luta pela sua qualidade social, como também tomam outras formas as abordagens em busca de um ensino significativo para o aluno, voltado à flexibilização do currículo formal, antes tão enciclopédico, tão bancário e tão pouco produtivo em grande parte das escolas.
As abordagens de pesquisa, aqui tratadas, que por sua vez conduzem a outras abordagens de ensino na educação de jovens e adultos, sempre inspirados na teoria walloniana, que privilegia a dimensão afetiva, sem descuidar da cognitiva, significa, no nosso modo de entender, encarar a globalização massificante, na busca de atenuar seus efeitos. E o que significa isso, numa área marcada por uma história de insucessos, senão a construção de uma nova hegemonia?
O acesso a uma educação básica completa em um curso regular, que a estrutura do poder negou aos alunos trabalhadores, nos permite, com a relativa autonomia que a educação escolar pode contar, procurar outros caminhos para atuar no novo modo de funcionamento da educação de jovens e adultos - EJA.
Nesse sentido, os caminhos que se nos apresentam nesta obra, como explicita a pesquisadora Vera Maria Nigro de Souza Placco, são "diretrizes para um processo de ensino-aprendizagem de melhor qualidade"; são aquelas que promovem rupturas conceituais que levam à aquisição do pensamento crítico que, por sua vez, nos conduzem à construção de uma prática social transformadora.
Dispus-me a escrever esta resenha, considerando que, junto com a organizadora deste livro, tive a alegria e a honra de participar de projetos em defesa do ensino regular noturno na década de 1980 e acompanhar mais recentemente os estudos e pesquisas de autores que têm artigos nesta publicação, participando de suas bancas de qualificação e de defesa.
Nós, os educadores progressistas, temos muito a ganhar lendo, compreendendo e divulgando este tão importante estudo da área de Psicologia educacional.
1 Este texto é uma resenha do livro: L. R. Almeida (Org.). (2012). Afetividade, aprendizagem e educação de jovens e adultos: relatos de pesquisa na perspectiva de Henri Wallon. São Paulo: Edições Loyola.
2 Um estudo divulgado pelo MEC em 2010 mostra que o Brasil contava com em torno de 16 milhões de analfabetos, metade desse número concentrado em menos de 10% dos municípios do País. Esse estudo realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP indica que aproximadamente oito milhões desses analfabetos se concentram em 586 cidades brasileiras, com as maiores taxas aparecendo nas capitais. Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP, disponível em: http://notícias.terra.com.br/interna/0,,OI110852-EI994,00.html