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Psicologia da Educação
versão impressa ISSN 1414-6975
Psicol. educ. no.36 São Paulo jun. 2013
ARTIGOS
Representações sociais de professores sobre indisciplina no ensino médio e técnico1
Teachers' social representations of indiscipline in high school and technical education
Representaciones sociales de profesores sobre indisciplina en la educación técnica y secundaria
Kátia Hatsue EndoI; Elizabeth Piemonte ConstantinoII
IUniversidade Estadual Paulista. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP Campus de Assis) katiaendo@bol.com.br
IIUniversidade Estadual Paulista. Professora do Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP Campus de Assis). bethpie@assis.unesp.br
RESUMO
O objetivo do presente estudo foi identificar as representações sociais de professores sobre indisciplina em sala de aula. Adotamos a teoria das Representações Sociais como referencial teórico. Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais semiestruturadas. Os participantes foram três professores do ensino técnico, três do ensino médio e três de ambos os ensinos, totalizando nove docentes de uma Escola Técnica Estadual (ETEC) do interior paulista, pertencente ao Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza. Utilizando a análise de conteúdo, definimos três eixos temáticos: causas atribuídas à indisciplina, alternativas para lidar com a questão e concepção de indisciplina, para os quais caracterizamos categorias, em que obtivemos a frequência de respostas. Na análise dos resultados, podemos indicar que a representação social da indisciplina parece estar objetivada, principalmente, nas questões individuais dos alunos. Os professores relataram diferentes causas da indisciplina para os ensinos médio e técnico. Foram indicadas algumas diferenças na maneira de lidar com o aluno adolescente e adulto e entre as causas e as alternativas para lidar com a indisciplina. As representações sociais dos professores sobre a indisciplina ancoraram-se, em sua maioria, num referencial tradicional, associado à responsabilização do aluno e da família.
Palavras-chave: indisciplina; representações sociais; professores.
ABSTRACT
The objective of this research was to identify teachers' social representation of indiscipline in the classroom. We adopted as theoretical referential the Social Representation theory. The data was collected through semi structured interviews. The subjects were three High School teachers, three technical education teachers and three that work on both types, with a total of nine teachers from a State Technical School (ETEC) in the interior of São Paulo state, which is part of the Paula Souza State Center of Technological Education. During the content analysis, we devised the three following thematic axes: causes of indiscipline, alternatives on how to deal with the problem and the concept of indiscipline, all of which we organized in categories that made possible to obtain the frequency of answers. During the data analysis, we can indicate that the social representation of indiscipline is centered on the individual issues of the students. Teachers reported different causes of indiscipline in high school and technical education. Differences between the treatment of adults and adolescents were noted, as well as the causes and alternatives to deal with indiscipline. The teachers' social representation on indiscipline were based mostly on traditional grounds, associated to the student and family responsibility.
Keywords: indiscipline; social representations; teachers.
RESUMEN
El objetivo de este estudio fue identificar las representaciones sociales de profesores sobre indisciplina en el aula. Adoptamos la teoría de las Representaciones Sociales como referencia teórica. Los datos fueron colectados por medio de entrevistas individuales semi-estructuradas. Los participantes fueron tres profesores de la educación técnica, tres de la secundaria y tres de ambos, totalizando nueve docentes de una Escuela Técnica Estadal (ETEC) del interior del estado de Sao Paulo, pertenecientes al Centro Estadal de Educación Tecnológica Paula Souza. Utilizando el análisis de contenido, definimos tres ejes temáticos: causas atribuidas a la indisciplina, alternativas para trabajarse con la cuestión y concepción de indisciplina, para los cuales caracterizamos categorías, en las cuales obtuvimos la frecuencia de respuestas. En el análisis de los resultados, pudimos indicar que la representación social de la indisciplina parece estar objetivada, principalmente, en las cuestiones individuales de los alumnos. Los profesores relataran diferentes causas de la indisciplina para la educación secundaria y técnica. Fueron indicadas algunas diferencias en la manera de trabajar con el alumno adolescente y adulto, y entre las causas y las alternativas para trabajar la indisciplina. Las representaciones sociales de los profesores sobre la indisciplina tienen su anclaje, en su mayor parte, en un referencial tradicional, asociado a la responsabilidad del alumno y de la familia.
Palabras clave: indisciplina; representaciones sociales; profesores.
O presente trabalho é decorrente de pesquisa de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UNESP, Campus de Assis. Definimos como objetivo geral da pesquisa identificar as representações sociais sobre indisciplina em sala de aula na perspectiva de professores que atuam no ensino médio, técnico e em ambos, a partir do referencial da teoria das Representações Sociais. Mais especificamente, propomos comparar as representações desses grupos de professores.
Segundo Moscovici (2000/2004), as representações dão uma forma definitiva para objetos, pessoas ou acontecimentos e encontram determinadas categorias, colocadas gradualmente como modelos, partilhados por um grupo de pessoas. Para o autor, todas as interações humanas, entre pessoas ou grupos, implicam representações, ou seja, a representação social é "uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos2" (Moscovici, 1961/1978, p. 26). As representações sociais são conhecimentos ou "teorias do senso comum" sobre a realidade. Conhecimentos que são construídos em práticas sociais e marcados pelo meio social no qual foram construídos e reconstruídos nas mais diversas interações de seus agentes entre si e desses com as instituições e a cultura que os envolvem (Menin, 2000).
A formação das representações consiste no movimento de compreender o novo a partir de modelos velhos. Esse movimento acontece por dois processos: a objetivação e a ancoragem. A objetivação refere-se à concretização de um conceito e sua transformação em uma imagem. Objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, reproduzir um conceito em uma imagem. Suponhamos que as palavras não falem sobre "nada", somos obrigados a associá-las a algo, a encontrar equivalentes não verbais para elas. A ancoragem faz referência à classificação, no sentido de dar nome a alguma coisa, rotular algo com um nome conhecido, colocando-o numa determinada categoria (Moscovici, 2000/2004).
Pesquisas que se fundamentaram na teoria das Representações Sociais têm utilizado diferentes correntes para analisar a questão da indisciplina no contexto escolar, dentre elas as que empregaram análise de conteúdo das representações e as que destacaram aspectos estruturais das mesmas.
Belém (2008), interessada numa análise estrutural, investigou as representações sociais de alunos e professores do ensino médio sobre indisciplina escolar. Analisou as causas e as consequências atribuídas pelos sujeitos à indisciplina, buscando compreender em que se ancoram as representações, como são objetivadas e quais as práticas dos sujeitos para lidar com a indisciplina. A pesquisa foi realizada com 251 alunos e 30 professores de duas escolas públicas e duas particulares da cidade do Recife. Um questionário de associação livre foi respondido por todos, e quatro participantes foram entrevistados, sendo duas professoras e dois alunos. Os dados foram analisados com os softwares EVOC e ALCESTE. A representação social construída pelo grupo configurou a indisciplina como a demonstração de comportamentos indesejados de alunos, em sua maioria, motivados por características pessoais (desinteresse, idade, má educação). A indisciplina foi objetivada em comportamentos como a desatenção, conversas, bagunças, e também na figura do adolescente. Essa representação, ancorada numa ideia de controle social, se concretizou na escola por meio do controle que a disciplina proporciona, assim, práticas punitivas foram privilegiadas. Alguns sujeitos visualizaram a indisciplina como uma forma de responder a uma postura inadequada do professor. Nessa perspectiva, práticas mais relacionadas a uma relação de amizade entre professor e aluno foram consideradas.
Pereira (2008) investigou as representações sociais de professores e alunos sobre a indisciplina na escola, visando destacar a formação do professor e os processos de avaliação; definir a indisciplina, caracterizar os processos de ensino e aprendizagem; cartografar as representações sociais na prática dos professores e dos alunos sobre a indisciplina. A pesquisa utilizou um paradigma qualitativo, por meio de entrevistas com 12 professores(as) e 12 alunos(as), concluindo que a indisciplina na escola vem ocorrendo em função das condições sociais nas quais as pessoas estão submetidas, o que pode interferir na relação professor-aluno, causando desdobramentos no processo educativo. Objetivou ainda oferecer subsídios para a compreensão das condições sociais e a importância da relação família/ escola e professor/aluno para lidar com a indisciplina no cotidiano escolar.
O estudo de Souza (2005) teve o propósito de identificar a representação dos professores em início de carreira sobre a indisciplina em sala de aula. Ela desenvolveu um estudo de natureza quantitativa/ qualitativa, a partir da aplicação de um questionário para 85 professores, em início de carreira, na Rede Municipal de Ensino de Presidente Prudente. A partir das respostas ao questionário e por meio da análise de conteúdo, os resultados sugeriram que os docentes estavam orientados por diferentes perspectivas, das quais se destacaram três: a didático-pedagógica, a ético-moral e a individualista psicologizante. Os professores apontaram de forma contraditória as causas e as saídas para o problema da indisciplina: as primeiras foram associadas ao aluno e as segundas ao professor e à sua competência pedagógica.
Paula (2005) investigou as representações sociais acerca da indisciplina escolar e suas implicações para a prática pedagógica da escola. De modo mais específico, procurou analisar os tipos de intervenção adotados pelas professoras e pela escola, diante da indisciplina. Por meio da observação direta de turmas de 2ª série de uma escola pública de Uberlândia, da análise de um documento no qual constavam os registros das ocorrências disciplinares da escola e de entrevistas realizadas com as professoras, a supervisora, a vice-diretora e a diretora, verificou que a indisciplina foi representada, principalmente, como algo vinculado à figura do aluno e à sua educação familiar. Outras formas de representação de indisciplina estavam vinculadas à postura metodológica do professor, à falta de apoio pedagógico da própria instituição escolar e à falta de apoio do governo. As intervenções adotadas pelas professoras compreenderam dois tipos de ações: por um lado, ameaças e atitudes como repreensão oral, como por exemplo, deixar o aluno sem recreio ou colocá-lo para fora da sala, encaminhamento do discente para a supervisora, ou, por outro lado, uma intervenção em parceria com a família do aluno.
Oliveira (2002) pesquisou a representação social de professores acerca da indisciplina escolar nas quatro primeiras séries do ensino fundamental da rede estadual da cidade de Cáceres - MT. Utilizando questionário para a coleta de dados e análise de conteúdo, verificou que as representações desses professores se configuraram da seguinte forma: as expressões "agressividade, violência com os colegas, briga e falta de respeito" como elementos do núcleo central3 e, "falta de limites, não obediência às normas, bagunça e rebeldia" seguidos por "agressão ao professor" como elementos periféricos da representação social. As medidas, que a escola poderia tomar para lidar com a questão, foram sugeridas pelos professores em três níveis: relacionadas à família; relacionadas à aproximação com os alunos e relacionadas à realização de atividades variadas.
Verifica-se que o estudo, acima referido, embora tenha focalizado as representações sociais de professores a respeito da indisciplina, dessa forma aproximando-se da atual pesquisa, priorizou os aspectos estruturais do objeto. Este, entretanto, não é o caso da presente investigação, que se propôs a utilizar uma abordagem qualitativa do objeto, mediante a análise de conteúdo de Bardin (2009), conforme detalharemos mais adiante.
MÉTODO
Os participantes
A amostra de participantes foi constituída de três grupos de professores: Grupo I - professores que atuavam no ensino médio; Grupo II - professores que atuavam no ensino técnico; e Grupo III - professores que atuavam em ambos os tipos de ensino, de uma Escola Técnica Estadual (ETEC).
Os entrevistados totalizaram nove (9) professores, sendo sete do sexo feminino e dois do sexo masculino. Eles estavam na faixa etária entre 26 e 57 anos, com prevalência de 39 a 50 anos de idade. A Figura 1, a seguir, apresenta uma caracterização mais detalhada dos participantes:
A escola
A Escola Técnica Estadual (ETEC), onde realizamos esse estudo, pertence ao CEETEPS - Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza - uma autarquia do Governo do Estado de São Paulo.
Em 2011, a instituição oferecia o ensino médio e cursos técnicos em agropecuária, agroindústria, agrimensura, análise e produção de açúcar e álcool, administração e hospedagem.
No período matutino, a escola mantinha o ensino médio com 1ª, 2ª e 3ª séries, duas turmas de cada, portanto, seis salas, totalizando uma média de 230 alunos com faixa etária entre 14 e 18 anos.
No período vespertino, os cursos técnicos eram em agropecuária e agroindústria, com duas salas de cada curso. O total de alunos era de aproximadamente 90 estudantes, a maioria com faixa etária entre 15 a 18 anos. Alguns alunos eram adultos que tinham filhos, trabalhavam ou procuravam emprego.
No período noturno, a escola mantinha o curso técnico em administração, em agroindústria, em hospedagem, em agrimensura, e em análise e produção de açúcar e álcool, totalizando uma média de 160 alunos com uma faixa etária mais variada. Alguns eram jovens adultos, ou adultos com mais de quarenta anos, que trabalhavam, tinham filhos; outros ainda cursavam o ensino médio. Assim, o número total de alunos na escola era em média de 450 estudantes, e alguns cursavam o ensino médio de manhã e o técnico à tarde ou à noite.
O ensino médio é obrigatório, e, geralmente, as aulas são teóricas, realizadas no ambiente de sala de aula, com conteúdos direcionados para a formação geral do estudante, como Língua Portuguesa e Literatura, Matemática, História, Geografia, Química, Física, Biologia, Educação Física e Artes. Já no ensino técnico, os alunos podiam optar por um curso, desde que tivessem cursando a 2ª ou 3ª série ou então concluído o ensino médio ou estivessem cursando a 2ª ou 3ª série do ensino médio. Nos cursos técnicos, as aulas eram teóricas e práticas, com assuntos direcionados à habilitação profissional. Assim, os alunos realizavam as atividades práticas em laboratórios, na fazenda da escola, por meio de visitas a empresas - enfim, atividades mais diversificadas, que diminuíam a rotina da sala de aula.
Instrumento e procedimentos
Para a coleta de dados, foi utilizada a entrevista individual semiestruturada. As entrevistas foram realizadas na instituição escolar, no período entre setembro e outubro de 2011, e foram gravadas com autorização dos participantes. Para tanto, foi seguido um roteiro constituído de um levantamento de dados para a caracterização pessoal dos participantes e questões sobre indisciplina em sala de aula, organizadas a partir de três eixos: causas da indisciplina, alternativas para lidar com a indisciplina em sala de aula e concepção de indisciplina.
Esse roteiro serviu-nos de auxílio para as entrevistas; entretanto, procuramos deixar os entrevistados à vontade para responder as questões.
Antes da realização das entrevistas, explicamos aos participantes os objetivos da pesquisa, com o cuidado de tentar estabelecer uma relação de empatia com os entrevistados, apresentando a pesquisa e esclarecendo sobre a desvinculação da pesquisa com a escola, além de explicar acerca do compromisso ético de sigilo referente à não identificação dos participantes e do respeito à decisão de participar ou não da pesquisa.
Os dados coletados foram analisados por meio da análise de conteúdo, definida por Bardin (2009) como:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (p. 44)
Assim, a organização da análise foi realizada segundo as etapas definidas por Bardin (2009): pré-análise; exploração do material ou codificação; tratamento dos resultados obtidos e interpretação.
A análise categorial foi escolhida dentre o conjunto das técnicas de análise de conteúdo. Essa técnica é a mais antiga e a mais utilizada, a qual "pretende tomar em consideração a totalidade de um 'texto', passando-o pelo crivo da classificação e do recenseamento, segundo a frequência de presença (ou de ausência) de itens de sentido" (Bardin, 2009, p. 38-39).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da definição das categorias, os dados obtidos foram apresentados em tabelas; o número de respostas não corresponde ao número de sujeitos da pesquisa, mas, sim, às respostas múltiplas de cada professor às questões formuladas. O material foi lido novamente para registrar a frequência das respostas em cada categoria (Souza, 2005).
Eixo: causas da indisciplina em sala de aula
Duas categorias para as causas da indisciplina foram definidas, como mostra a Tabela 1, a seguir:
A primeira categoria, Causas atribuídas a um conjunto de fatores isolados, incluiu várias causas, sem mencionar o contexto social; assim, elas pareciam estar isoladas e focalizadas no aluno, na família e no professor, por exemplo:
[...] causas de conflitos interiores, idade, adolescência. (P6, ensino técnico).
A gente pegava e vinha para a escola e tinha que tirar nota para passar de ano, os pais cobravam isso também, acho que não tem mais hoje essa cobrança do pai, são poucos os pais que fazem isso hoje, inclusive aqui onde repete bastante alunos, então é complicado. [...] Família é a primeira coisa, né? (P2, ensino médio)
Porque eu acho que o educador, ele tem que acompanhar a evolução do aluno, ele tem que ser dinâmico, ele tem que ser criativo. (P6, ensino técnico)
No total dos três grupos, as Causas atribuídas a um conjunto de fatores isolados obtiveram 17 respostas (o aluno com sete respostas, a família com seis, e o professor com quatro, totalizando 17 respostas).
Percebe-se que a representação dos professores sobre a indisciplina parece estar fortemente atrelada às causas atribuídas a um conjunto de fatores individuais, principalmente direcionadas ao aluno, sua família e aos professores, o que pode apontar para um elemento essencial da representação, ou seja, a ideia mais importante, que inclui aspectos dos alunos, suas famílias e os professores.
A segunda categoria, Causas atribuídas a um conjunto de fatores sociais, incluiu as causas em que os professores consideraram o contexto social nas respostas, sendo direcionadas à família, à política, à falta de perspectiva de vida, à escola e à sociedade, por exemplo:
Eu acredito que seja o principal fator, é o social. Quando a gente fala de social, envolve muita coisa, envolve a política, envolve a família [...] (P1, ensino médio)
Eu acho que não é só indisciplina, é o desinteresse, é a falta de perspectiva de vida. (P1, ensino médio)
Não é culpa de uma instituição só. Não é culpa só da escola. (P8, ambos os ensinos)
Não é culpa só da sociedade. Eu acho que é um conjunto. (P8, ambos os ensinos)
Nos três grupos, as Causas atribuídas a um conjunto de fatores sociais apareceram seis vezes (a família com duas respostas; a política, a falta de perspectiva de vida; a escola e a sociedade com uma resposta cada, totalizando seis). Tais respostas demonstraram que os professores reconheceram a influência desses vários fatores sobre a indisciplina em sala de aula, o que não exclui totalmente o contexto social em que se constitui a indisciplina, mas ainda não a considera como um processo que se constitui nas relações sociais que caracterizam o cotidiano escolar.
Ao comparar os três grupos de professores, percebe-se que a categoria das causas atribuídas a um conjunto de fatores isolados apareceu em todos os grupos. O Grupo II (ensino técnico) foi o único em que não apareceram respostas na categoria das causas atribuídas a um conjunto de fatores sociais, ou seja, nesse grupo, as causas relacionadas ao contexto social não foram consideradas.
Comparando os dados obtidos em relação às diferenças citadas pelos professores sobre as causas da indisciplina no ensino médio e técnico, tal como expõe a Tabela 2, verifica-se que algumas diferenças foram apontadas.
Observa-se que nos três grupos as categorias com frequências maiores foram a Características do aluno e Características do ensino, o que pode indicar uma visão individualizante e também mostrar a importância dos diferentes tipos de ensino para a representação dos professores sobre a indisciplina.
Na categoria Características do aluno, os adolescentes que cursam o ensino médio são rotulados pelos professores como indisciplinados e rebeldes, com a simples justificativa de que estão na fase da adolescência. Não se trata de atribuir culpa ao adolescente, mas de considerar o contexto no qual o indivíduo se insere. O mesmo aluno pode ser visto de formas diferentes no ensino médio e técnico, como constatado neste estudo. Isso pode estar relacionado à visão de que a rebeldia é natural ao adolescente, fato que o desqualifica, não permitindo que se visualize o indivíduo, mas, sim, a adolescência estigmatizada. Para ilustrar, são apresentados os exemplos a seguir:
Na adolescência é essa questão da fase mesmo, eles vão passar por essa perturbação que é o natural do crescimento deles. Agora à noite, a grande maioria já passou por isso, já são adultos que têm propósito maior, realmente quer uma profissão. Então, além da faixa etária, é o foco no futuro que o adulto tem, ao invés do adolescente que ele ainda está perdido sem saber o que ele faz. O adulto já tem foco, ele vem aqui já esperando algo, porque ele sabe que ele precisa de algo. A fase dele de brincar, de conversar, de inconsequência já foi, agora ele tem que buscar um ideal na vida dele. (P5, ensino técnico)
É até interessante que parece que não é o mesmo aluno, não é a mesma pessoa que estuda no ensino médio e vai para o técnico. (P6, ensino técnico)
Na categoria Características do ensino, as respostas indicaram diferenças com relação às características de cada tipo de ensino, como a obrigatoriedade do ensino, a presença ou ausência de aulas práticas e o assunto das aulas, conforme os exemplos:
No ensino médio você é obrigado a vir todos os dias, no ensino técnico não, você se matriculou. (P2, ensino médio)
[...] no curso técnico difere porque eles dão essa relaxada, e eles perguntam muito mais numa aula prática do que numa aula teórica. (P6, ensino técnico)
A matéria que ele estuda é diferente, já é para o mercado de trabalho, já é sobre o interesse dele, ele se vê, ele tem sonhos ali, de ser alguém naquela área. (P9, ambos os ensinos)
As aulas práticas e o conteúdo de ensino foram citados entre as causas da indisciplina, pois os cursos técnicos articulam a teoria com a prática, e os assuntos abordados despertam maior interesse nos alunos, por se tratar de aulas mais direcionadas à escolha profissional. Por outro lado, o ensino médio descontextualiza os conteúdos escolares do cotidiano dos alunos, apesar de os documentos curriculares oficiais estabelecerem o contrário. Assim, podemos repensar o modo como o ensino é realizado, na tentativa de elaborar propostas em que as aulas, muitas vezes teóricas e expositivas, possam ser condizentes com a realidade dos alunos, articulando os assuntos escolares ao interesse deles.
Algumas diferenças foram observadas entre os três grupos. O Grupo I (ensino médio) apontou não apenas as características dos alunos, mas também a obrigatoriedade do ensino médio e a possibilidade de escolha no técnico. Isso indica que a obrigatoriedade mostra-se, para esse grupo, como um fator de relevância para a diferença entre a indisciplina no ensino médio e no técnico.
Para os professores, a obrigatoriedade do ensino influencia a indisciplina no ensino médio, pois não são permitidas escolhas para os alunos nesse tipo de ensino, somente os alunos do técnico têm a oportunidade de optar por um direcionamento à área de interesse. Dessa forma, pode-se questionar a forma como o ensino médio acontece nas escolas, pois o aluno é obrigado a manter-se sentado por horas, ouvindo o professor. As aulas são geralmente pouco interessantes, o que pode incentivar a indisciplina em sala de aula. Além disso, como afirmam Piletti e Rossato (2010), os currículos são impostos nacionalmente de forma ampla, vaga e descontextualizada, priorizando muito mais o conteúdo de vestibular, um concurso meritocrático, que exige estudos enciclopédicos, em detrimento de um currículo diversificado e voltado à formação integral do aluno.
No Grupo II (ensino técnico), a categoria de maior porcentagem foi aquela relacionada ao aluno, ou seja, para esse grupo, a diferença entre as causas da indisciplina estaria nos alunos, o que corrobora com os dados da Tabela 1, na qual esse grupo foi o único que não mencionou uma perspectiva social. As respostas mencionaram a diferença de idade entre os alunos do ensino médio e técnico e a mudança de atitude, quando os professores observam o mesmo aluno no ensino médio e no técnico.
E, no Grupo III (ambos os tipos de ensino), muitas respostas foram direcionadas para a semelhança entre a indisciplina no ensino médio e no técnico, significando que eles não veem diferenças entre as causas da indisciplina para ambos os tipos de ensino. Há possibilidade de que tais professores, por ministrarem aulas nos dois tipos de ensino, evitem diferenciar a indisciplina entre um e outro, para que um não seja visto como melhor ou pior que o outro, evitando comparações e rotulações. Assim, talvez os professores tenham evitado afirmar que há diferenças.
A categoria Relações interpessoais apareceu com baixa frequência. Tal categoria refere-se à convivência com os alunos adultos do ensino técnico, pois, no ensino médio, as relações se estabelecem entre alunos da mesma idade e, no ensino técnico, há um convívio entre adolescentes e adultos, que muitas vezes trabalham, têm filhos, são casados. Essas relações interpessoais seriam uma diferença entre as causas da indisciplina, pois a convivência entre alunos adolescentes e adultos pode possibilitar, no ensino técnico, a troca de experiências, ideias e conhecimento, permitindo que um contribua com o desenvolvimento do outro. Tais relações interpessoais comprovam a possibilidade de mudança do adolescente, de acordo com o contexto em que vive, como no exemplo:
No técnico não tem tanta indisciplina, porque também eles estão misturados com alunos maiores, tem alunos do ensino médio, mas também tem alunos que são maiores de idade, geralmente o curso técnico é voltado para quê: os alunos que estão fazendo o 2º ano do ensino médio, que são um nível, são adolescentes ainda, mas no técnico a gente também tem aquelas senhoras, aqueles senhores que procuram oportunidade no mercado de trabalho e estão inseridos no meio. Então fica uma sala que não é homogênea e a gente procura ser homogêneo e indicar para eles "olha, quem é mais velho, procura o adulto para fazer trabalho junto para misturar, mesclar esse conhecimento", porque enquanto o jovem tem a força e vitalidade o adulto que o quê: experiência, ele tem a calma, perseverança. Então, a gente percebe que dá mais certo o curso técnico por esse motivo. (P9, ambos os ensinos)
Eixo: Alternativas para lidar com a indisciplina em sala de aula
Este eixo abrangeu três categorias: Democráticas, Autoritárias e Ambíguas. A categoria Democráticas reuniu atitudes e alternativas que consideraram o diálogo, a participação do aluno e o respeito à sua presença, como, por exemplo, a atitude de conversar com os alunos, a interação entre professor e aluno, ter respeito e amizade.
A categoria Autoritárias reuniu atitudes e alternativas que desconsideram a presença e participação do aluno, tais quais, por exemplo, as ações de colocar o aluno para fora da sala de aula ou de mandar para a diretoria, gritar, fazer ocorrência, posturas rígidas por parte do professor, chamar os pais, entre outras.
A categoria Ambíguas incluiu atitudes e alternativas que demonstraram uma mistura de ações autoritárias e democráticas, como, por exemplo, chamar a atenção, aumentar o tom de voz, pouco diálogo com o aluno, ter interação com os alunos e ao mesmo tempo uma postura rígida, pedir silêncio.
A Tabela 3 mostra a frequência de respostas relativas às atitudes para lidar com a indisciplina que os professores observam nos colegas docentes:
Os três grupos apontaram para Atitudes autoritárias como categoria de maior frequência. Porém, algumas diferenças entre os grupos apareceram. Os Grupos I (ensino médio) e III (ambos os ensinos) apresentaram atitudes autoritárias bastante significativas, sendo que as atitudes democráticas nem sequer foram indicadas. O Grupo II (ensino técnico) foi o único que apresentou atitudes democráticas, mas as atitudes autoritárias apresentaram a mesma frequência. Assim, parece haver uma oscilação entre atitudes autoritárias e democráticas. Dessa forma, o Grupo II parece ter atitudes um pouco mais democráticas, quando comparado com os demais.
No Grupo I (ensino médio), os professores não souberam comparar as atitudes da maioria dos professores do ensino médio e técnico para lidar com a indisciplina. No Grupo II (ensino técnico), duas professoras responderam que há diferença para lidar com a indisciplina, pois a maioria dos professores do ensino médio coloca o aluno para fora da sala de aula, sendo assim, de acordo com nossa categorização, as atitudes seriam mais autoritárias. Apenas uma professora desse grupo afirmou que não há diferença entre a forma de lidar com a indisciplina em um ou outro tipo de ensino. No Grupo III, duas professoras responderam que há diferença, pois, no ensino médio, a maioria dos professores coloca o aluno para fora da sala de aula, grita, faz ocorrência, encaminha para a direção, ou seja, seriam atitudes mais autoritárias. No ensino técnico, as atitudes seriam, por exemplo, chamar a atenção, considerada ambígua, dependendo do contexto em que o professor lida com os alunos.
De modo geral, os professores entrevistados percebem que a maioria de seus colegas docentes lida com a indisciplina por meio de atitudes autoritárias, como colocar o aluno para fora da sala de aula, mandar para a coordenação e gritar. As atitudes democráticas foram pouco mencionadas, como aconselhar ou tentar dialogar com o aluno e a atitude do professor de ajudar o aluno. As atitudes ambíguas também foram pouco apontadas.
Entretanto, quando questionados sobre o que eles próprios fazem para lidar com a indisciplina, ou seja, o ponto de vista deles sobre sua própria prática, as respostas mostraram atitudes autoritárias, democráticas e ambíguas, com proporções próximas, isto é, não houve uma tendência mais acentuada. Isso parece revelar que, do ponto de vista dos professores sobre eles mesmos, há uma oscilação entre atitudes autoritárias e uma maneira mais democrática de agir diante da indisciplina, indicando um movimento de ações ora numa tendência ora noutra. A Tabela 4, a seguir, expõe esses dados:
Dentre as Atitudes ambíguas foram mencionadas: chamar a atenção e falar para o aluno sair da sala para refletir e, em seguida, voltar. As Atitudes autoritárias foram: colocar o aluno para fora da sala de aula, fazer ocorrência, mandar o aluno para a diretoria, exigir atenção, chamar os pais, postura rígida do professor, gritar. Por fim, nas Atitudes democráticas foram apresentadas: ter interação com os alunos, conversar com os alunos.
Nas respostas sobre as atitudes dos próprios professores para lidar com a indisciplina em cada tipo de ensino, apenas os professores do Grupo III (ambos os ensinos) puderam responder. Uma professora afirmou que lida com a indisciplina da mesma maneira em ambos os ensinos. Mas, duas professoras responderam que a maneira de lidar seria diferente. Para uma entrevistada, a conversa seria diferente, já que o público era diferente. Para a outra professora, no ensino médio, as atitudes seriam: chamar a atenção, fazer ocorrência, falar com os pais, encaminhar para a direção, ou seja, atitudes mais autoritárias. No ensino técnico, seriam evitar chamar a atenção em público, conversar com o aluno à parte. Talvez essas atitudes diferentes para lidar com um ou outro tipo de ensino possam ser explicadas pelo fato de que os adultos podem reclamar ou questionar a postura do professor, pois seria uma relação entre iguais, professor e aluno adultos. Tal possibilidade não seria oferecida aos adolescentes, pois o discurso do adolescente geralmente é desqualificado pelo adulto. A diferença na maneira de falar com o aluno adolescente e adulto pode estar relacionada a uma concepção estigmatizada e naturalizada do adolescente, como afirmam Aguiar, Bock e Ozella (2001). A visão de que a rebeldia é natural ao adolescente acaba por desqualificá-lo, por utilizar uma concepção abstrata e universal de adolescência.
Após analisar o que os professores fazem para lidar com a indisciplina, pode-se observar, na Tabela 5, o que os professores poderiam fazer em relação à problemática.
Como se vê, os grupos citaram uma frequência significativa para atitudes democráticas. Assim, os professores poderiam agir de forma mais democrática, mas a prática em sala de aula corresponde muito pouco a essa tendência.
Embora as ações que os professores acreditem ser possíveis para lidar com a indisciplina tenham destacado uma tendência democrática, novamente não houve correspondência com a maior parte das respostas sobre as ações da maioria dos professores para lidar com a indisciplina, que foi direcionada para uma tendência autoritária.
A seguir, a Tabela 6 apresenta as categorias sobre as alternativas que os professores mencionaram para lidar com a indisciplina.
Mais uma vez, as alternativas mais citadas foram democráticas, fato que pouco condiz com as atitudes dos professores. Tais alternativas não foram muito além das respostas já mencionadas, os professores não citaram propostas mais abrangentes, que envolvessem políticas educacionais, políticas públicas, formação teórica docente, sociedade, governo, entre outras.
De modo abrangente, pode-se dizer que houve diferenças entre as causas e as alternativas para lidar com a indisciplina, tanto para o ensino médio como para o técnico. As causas da indisciplina foram atribuídas a um conjunto de fatores individuais, principalmente às questões individuais dos alunos. Por outro lado, quanto às alternativas para lidar com a indisciplina, os dados mostraram que as atitudes relatadas pelos entrevistados envolvem um sistema de relações sociais e aspectos didático-pedagógicos, tais como a maior interação entre professor e aluno, assuntos de interesse dos alunos, outro sistema de aulas, acompanhamento e orientação do professor em relação ao aluno.
Eixo: concepção de indisciplina
Três categorias sobre as diferenças entre a indisciplina no ensino médio e técnico foram definidas, como mostra a Tabela 7, a seguir:
As diferenças apontadas estavam relacionadas ao fato de que, no ensino médio, acontecem brigas, muito barulho, muita conversa e brincadeiras. No ensino técnico, a indisciplina seria mais por conversa. As semelhanças indicaram que os alunos indisciplinados no ensino médio também são indisciplinados no ensino técnico, pois eles conversam, fazem brincadeiras inapropriadas, falam alto nos dois tipos de ensino. Indicaram ainda que os alunos indisciplinados no técnico têm a mesma idade dos alunos do ensino médio, então as brincadeiras seriam praticamente as mesmas, tais como conversa, desatenção, atrapalhar a aula, uso de celular.
Por fim, as categorias sobre o que seria disciplina e indisciplina estão na Tabela 8, a seguir:
Os três grupos citaram uma frequência relevante para explicações centradas no aluno, poucas foram as respostas que não mencionaram diretamente o aluno para explicar o tema. Algumas respostas apontaram para o que seria um aluno indisciplinado e não sobre as concepções de indisciplina e disciplina. Isso confirma a representação dos professores sobre a indisciplina, vinculada a uma visão centrada predominantemente em questões relacionadas ao aluno. Nesse sentido, concordamos com Meletti que afirma:
[...] ao identificar em um aluno um traço que o remeta ao rótulo "indisciplinado", passo a considerar que sei tudo a seu respeito, pois o estigma traz consigo todas as suas características: desobediente, insubmisso, desatento, desrespeitoso, desestruturado, tem dificuldades para aprender... Tudo passa a ser explicado, justificado, compreendido a partir do estigma e de sua generalização. Ocorre a coisificação e a desumanização do aluno que passa a ser reconhecido apenas por meio de seu rótulo. (2010, p. 92)
Segundo a autora, se a questão é considerada como inerente ao aluno, "a solução não passa pela ação pedagógica", o que torna tudo mais cômodo, já que se mantém a "isenção do cotidiano escolar" e a "desresponsabilização do pedagógico no que se refere aos problemas educacionais" (idem, p. 93).
A maioria dos professores realizou pouca ou nenhuma leitura sobre a questão da indisciplina, apenas duas professoras afirmaram ler mais sobre o assunto. Os cursos, capacitações, palestras também foram pouco mencionados. A reflexão sobre o tema geralmente é individual, sem compartilhar com outros professores. Apenas uma professora respondeu que discute mais atentamente sobre a indisciplina com outros professores. Assim, para a maioria dos docentes, o conhecimento sobre o assunto decorre da prática cotidiana e da experiência em sala de aula.
Esses dados corroboram com a pesquisa de Schicotti (2005), ao afirmar que "Com relação às práticas, podemos dizer que não há um respaldo teórico que as oriente" (p. 5). Pode-se apontar que o professor, um dos principais interessados no tema da indisciplina, não tem acesso à produção teórica acadêmica. Nota-se que as representações sociais dos professores entrevistados sobre a indisciplina ancoram-se em um referencial tradicional, talvez construído pela experiência cotidiana em sala de aula, assim como aponta o estudo de Souza (2005). Na presente pesquisa, assim como para essa última autora, a visão tradicional concebe a indisciplina associada à atribuição da responsabilidade ao aluno e à família.
Percebe-se também que, como no trabalho de Belém (2008), a teoria dos professores parece ancorar-se ainda numa visão naturalista, por entender a adolescência como uma fase da natureza humana. Tal ideia pode estar relacionada às teorias psicológicas marcadas pelo determinismo biológico, que apresentam uma concepção naturalista e universal do adolescente, visão preconceituosa da adolescência que pressupõe uma etapa de crise e turbulência preexistente no adolescente (Aguiar, Bock & Ozella, 2001).
Os relatos dos professores podem também ancorar-se na visão da mídia, pois, segundo a pesquisa de Machado Júnior (2011), as notícias sobre violência e indisciplina escolar tiveram apresentação predominante de acontecimentos nos quais os alunos foram apontados como autores de ações de violência. Tal atribuição de culpa possivelmente está associada à concepção disciplinar de educação, cuja visão concebe a necessidade de desenraizar do aluno sua parte má da natureza humana, ou seja, a disciplina e as regras devem corrigir os desvios dos alunos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As representações sociais são importantes na vida cotidiana para que seja possível enfrentar, administrar e compreender o mundo à nossa volta. Elas guiam o modo de nomear e definir os diferentes contextos da realidade diária (Jodelet, 2001). Assim, pesquisar as representações de professores sobre a indisciplina em sala de aula permite visualizar como os docentes interpretam o fenômeno, tomam decisões e posicionam-se diante da indisciplina.
A partir desta investigação, pudemos descrever e analisar um saber que diz algo sobre o estado de uma realidade, a indisciplina em sala de aula, pois segundo Jodelet (2001), as pessoas constroem teorias apoiadas nos dados de que dispõem.
Para ela, o saber ingênuo não deve ser considerado como inválido, falso ou enviesado, pois se trata de um outro conhecimento, diferente da ciência, que é apropriado à ação sobre o mundo.
De modo geral, as representações sociais dos professores sobre a indisciplina ancoram-se, em sua maior parte, num referencial tradicional, que concebe a indisciplina associada à atribuição da responsabilidade ao aluno e à família, estando de acordo com os resultados obtidos por Oliveira (2002), Souza (2005) e Belém (2008). Assim, a representação social da indisciplina parece estar objetivada na figura do aluno, da família e do professor, mas, principalmente, atrelada às questões individuais dos alunos.
Quando se comparam as causas da indisciplina apontadas pelos professores, a maioria deles indicou haver diferenças entre um e outro, principalmente para aqueles que atuavam ou no médio ou no técnico. Tais diferenças foram relativas à faixa etária, à obrigatoriedade do ensino médio, aos conteúdos específicos de cada um, à relação teoria e prática e às relações interpessoais em cada contexto de ensino.
Com relação à diferença de faixa etária, os adolescentes que cursam o ensino médio são rotulados como indisciplinados e rebeldes, com a simples justificativa de que estão na fase da adolescência. Não se trata de atribuir culpa ao adolescente, mas considerar o contexto no qual o indivíduo se insere. Isso pode estar relacionado à visão de que a rebeldia é natural ao adolescente, fato que o desqualifica, não permitindo que se visualize o indivíduo, mas sim, a adolescência estigmatizada (Aguiar, Bock & Ozella, 2001).
Para os professores, a obrigatoriedade do ensino médio influencia a indisciplina dos alunos, para os quais não são permitidas escolhas. Somente os alunos do técnico têm a oportunidade de optar por um direcionamento de acordo com a área de seu interesse.
Outra diferença entre as causas da indisciplina nos dois tipos de ensino pode ser atribuída à relação teoria e prática. Os cursos técnicos articulam a teoria com a prática, e os assuntos abordados despertam maior interesse, por se tratar de aulas mais direcionadas à escolha profissional (Motta, 2012), o que não se observa muito no ensino médio, cujos conteúdos abordados estão distantes do cotidiano dos alunos.
A partir desses resultados, percebemos que há grande necessidade de possibilitar o acesso aos educadores às informações e às discussões sobre o tema, para que recebam orientações e esclarecimentos sobre as possibilidades de compreender e lidar com a indisciplina. A escola precisa lidar com a questão de forma coletiva, envolvendo todos os atores educacionais, evitando ações isoladas, individuais e fragmentadas.
Para finalizar, reafirmamos o posicionamento de Zechi (2008) no que se refere ao cuidado e atenção para não reduzir o tema a explicações de uma única dimensão, agrupando a problemática da indisciplina em uma causa única e isolada, desconsiderando o contexto em que está inserida, como características sociais, culturais e históricas. Desse modo, é importante reconhecer a complexidade da temática com suas inúmeras variáveis e interferências que abrangem seu entendimento.
REFERÊNCIAS
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1 As autoras agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES - pelo financiamento da pesquisa.
2 A citação está destacada exatamente como apresentado pelo autor.
3 A teoria do núcleo central, de Jean-Claude Abric, enfatiza o aspecto estrutural das representações. Tal teoria propõe que existe um sistema central, constituído pelo núcleo central da representação, mais estável. A parte complementar seria um sistema periférico, com mais flexibilidade entre a realidade concreta e o sistema central (Sá, 1996).