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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.41 São Paulo dez. 2015

https://doi.org/10.5935/2175-3520.20150017 

ARTIGOS

 

Arqueologia dos significados sociais atribuídos ao trabalho do coordenador pedagógico: uma construção sócio-histórica

 

The arqueology of the social meanings given to the pedagogical coordinator's work: a social-historical production

 

Arqueología de los significados sociales atribuídos al trabajo de coordinador pedagógico: un cercamiento socio-histórico

 

 

Cristiane de Sousa Moura TeixeiraI; Maria Vilani Cosme de CarvalhoII

ICentro de Ciências da Educação, Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Piauí. cristianeteixeira@ufpi.edu.br
IICentro de Ciências da Educação, Departamento de Fundamentos da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação Universidade Federal do Piauí

 

 


RESUMO

Atualmente a coordenação pedagógica é um trabalho que tem como especificidade a articulação dos processos de formação contínua de professores no âmbito da escola. Entende-se que esse é um movimento histórico-social de constituição da profissão e de como esta é significada socialmente. Diante dessa realidade, o objetivo deste artigo é discutir a gênese e o desenvolvimento deste significado produzido socialmente. Ressalta-se que para se compreender esse movimento é necessário retornar à história de como esse profissional deixou de ser inspetor e se tornou coordenador pedagógico. Foram identificados três momentos do movimento histórico-social dessa profissão, a saber: da ação de velar os mais jovens à coordenação das diretrizes e normas determinadas pelo órgão administrador da escola; da coordenação das diretrizes e normas determinadas pelo órgão central à fiscalização do trabalho do professor; e, por fim, da fiscalização do trabalho do professor à articulação dos processos de formação contínua na escola. As ideias aqui desenvolvidas conduzem para a compreensão de que o atual significado para esta profissão resulta de múltiplas determinações, entre as quais destaca-se: a realidade histórica-social e cultural em que a profissão surge e se desenvolve; as demandas inerentes ao contexto de escolarização; as reformas educacionais; as condições objetivas e subjetivas em que o trabalho do coordenador pedagógico acontece.

Palavras-chave: coordenador pedagógico; formação contínua; significado e sentido.


ABSTRACT

Currently the pedagogical coordination is a work that has as specificity the articulation of the processes of continuous training of teachers in the school setting. We have understood that this is a historical-social movement of establishment of the profession and how it is socially defined. Before such reality, the objective of this article is to discuss the genesis and the development of this meaning produced socially. To understand this movement it is necessary went back to History to know how this professional went from a supervisor to a pedagogical coordinator. Three moments of the historical-social movement of this profession were identified: the action of ensuring the youngest people to the coordination of the guidelines and rules determined by the administrative body of the school.; the coordination of the guidelines and rules determined by the central body to the supervisory of the teacher's work; and, finally, the supervisory of the teacher's work to the articulation of the processes of continuous training at school. The ideas developed here lead us to understand that the current meaning for this profession has multiple determinations as results which we underscore: the historical-social and cultural where the profession is arisen and developed; the demands inherent to the context of schooling; the educational reforms; the objective and subjective conditions where the pedagogical coordinator's work is held.

Keywords: pedagogical coordination; continuing training; meaning and sense.


RESUMEN

Actualmente La coordinación pedagógica es una labor centrada en la articulación de la formación continua del profesorado en el ámbito escolar. Entendemos que este es un movimiento socio-histórico sobre cómo se constituye la profesión y de cómo se entiende socialmente. Ante esta realidad, el propósito de este artículo es discutir la génesis y el desarrollo de esta actividad, socialmente producida. Hacemos hincapié en que para entender este movimiento debemos volver la vista atrás y regresar a la historia de cómo este profesional dejó de ser inspector y se convirtió en coordinador pedagógico. Tres etapas del movimiento histórico-social de esta profesión fueron destacadas: una, la acción para asegurar que los más jóvenes tomen parte activa en los procesos de coordinación de determinadas directrices y normas para los órgano de gobierno de la escuela; otra, la coordinación de determinadas directrices y normas por parte del cuerpo central sobre la supervisión del trabajo de los profesores; y, por último, la inspección del trabajo docente para la articulación de los procesos de educación continua en la escuela. Las ideas desarrolladas aquí llevan a la conclusión de que el significado actual de esta profesión es el resultado de múltiples factores, entre los cuales: la realidad histórico-social y cultural en la que la profesión surge y se desarrolla; las exigencias inherentes al contexto de la escuela; la reforma educativa; las condiciones objetivas y subjetivas en las que ocurre el trabajo del coordinador pedagógico.

Palabras clave: coordinación pedagógica; la formación continua; sentido y dirección.


 

 

No atual momento histórico, o trabalho dos coordenadores pedagógicos é significado socialmente como trabalho educativo que, por meio de ações pedagógicas, articula processos de formação contínua no âmbito da escola. Nesse sentido, é importante explicar como se compreende o significado que vem sendo desenvolvido e compartilhado por meio de pesquisas e, quiçá, pelos próprios profissionais que desenvolvem essa profissão, assim como, também importa, delinear o movimento histórico social que vem produzindo essa profissão.

O trabalho dos coordenadores pedagógicos, assim como dos demais profissionais, consiste em atividade mediada pelas determinações sociais, políticas e econômicas em que essa profissão se insere, bem como pelo modo como os profissionais que a desenvolvem a significam. Isso indica a necessidade de analisar o processo histórico-social de constituição da profissão de coordenador pedagógico, uma vez que a compreensão dos significados que hoje são constituídos sobre o trabalho desse profissional segue determinado movimento histórico, social e cultural.

Para isso, este artigo está organizado da seguinte forma: inicialmente, apresenta-se e explica-se o significado que hoje vem sendo produzido para o trabalho dos coordenadores pedagógicos e,em seguida, delineiam-se os três momentos que evidenciam a gênese e o processo de desenvolvimento de como a profissão vem se constituindo, bem como o seu significado social. O primeiro momento, da ação de velar os mais jovens à coordenação das diretrizes e normas determinadas pelo órgão administrador da escola; o segundo momento, da coordenação das diretrizes e normas determinadas pelo órgão central à fiscalização do trabalho do professor; e, por fim, o terceiro momento, da fiscalização do trabalho do professor à articulação dos processos de formação contínua na escola.

 

SIGNIFICADOS SOCIAIS DO TRABALHO DO COORDENADOR PEDAGÓGICO: GÊNESE E CONSTITUIÇÃO

Inicialmente, importa esclarecer duas ideias básicas que orientam o desenvolvimento das ideias contidas neste artigo. A primeira diz respeito ao uso do termo significado social e a segunda ao conceito atribuído à coordenação pedagógica. Assim, o termo significados sociais encontra-se filiado às ideias desenvolvidas por Vigotski (1934/2009) acerca do processo de significação que comporta os significados e os sentidos sobre determinado fenômeno. Ressalte-se que Vigotski (1934/2009) compreende significado e sentido como unidade dialética. No entanto, embora haja o risco de dicotomizar a relação dialética que há entre significado e sentido, as ideias aqui desenvolvidas visam discutir como o trabalho do coordenador pedagógico vem sendo significado historicamente. Ou seja, discutir a gênese e o processo de desenvolvimento do significado social do trabalho do coordenador pedagógico.

Para Vigotski (1934/2009), toda atividade humana é significada, o que leva a entender que a atividade laboral desenvolvida pelos coordenadores pedagógicos tem significados que são produzidos historicamente e compartilhados socialmente. São os significados que possibilitam nossa comunicação e socialização das experiências.

Para esse autor, o processo de significação envolve a compreensão da relação entre pensamento e palavra, uma vez que o significado consiste na unidade de análise que nos permite compreender a relação dialética entre o pensamento e a palavra. Assim, o significado pode ser compreendido como produção histórica e social que tem os conteúdos instituídos e compartilhados pelos sujeitos. Sendo produção histórica, os significados têm movimento e se transformam.

Enquanto o significado refere-se aos conteúdos instituídos, mais fixos, compartilhados, que são apropriados pelos sujeitos, configurados a partir de suas próprias subjetividades. O sentido é uma construção pessoal, "[...] é a soma de todos os fatos psicológicos que ele desperta em nossa consciência" (Vigotski, 1934/2009, p. 465). O sentido "é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada". É algo novo produzido na relação dialética entre o sujeito e o mundo, portanto, o sentido resulta de produção histórica. É uma dimensão subjetiva da realidade. Pois, para o psicólogo soviético, todo fenômeno psicológico tem início no âmbito social e se transforma em aspecto individual.

Assim, embora Vigotski (1934/2009) atribua estabilidade ao "significado", isto não implica sua imutabilidade. Mas, ao contrário, para o autor os significados desenvolvem-se e modificam-se, pois são caracterizados por um processo formativo dinâmico, modificando-se historicamente. Isso dá a entender que atualmente o significado social do trabalho do coordenador pedagógico que é compartilhado é uma produção social e resulta de movimento histórico.

No que diz respeito à segunda ideia básica apontada acima, é oportuno esclarecer que,neste artigo, o trabalho do coordenador pedagógico é compreendido como: trabalho educativo que, por meio de ações pedagógicas, articula processos de formação contínua no âmbito da escola. Esse é um significado social que vem sendo produzido e compartilhado no meio acadêmico por meio de pesquisas e publicações tais como: Christov (2002), Placco (2006), Fernandes(2008), André e Dias (2010), Placco, Souza e Almeida (2011), Placco, Souza e Almeida (2012) entre outros.

Por trabalho educativo, entende-se determinado tipo de atividade humana que tem como especificidade o desenvolvimento cultural que possibilita o desenvolvimento humano geral. Nesse sentido, torna-se relevante destacar que, para Saviani (1994, p. 11),

A natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele produzida sobre base da natureza biofísica. Consequentemente, o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente.

Assim, entende-se que o trabalho educativo é responsável por desenvolver no ser humano uma segunda natureza, que não lhe é dada ao nascer, mas que precisa ser constituída por meio de determinado tipo de trabalho, o educativo. O segundo aspecto que envolve o significado social de coordenação pedagógica é o de ação pedagógica. Isto é, além de ser um trabalho educativo, realiza-se por meio de ações pedagógicas. Significa que o trabalho educativo que o coordenador pedagógico realiza tem caráter pedagógico, o qual consiste, necessariamente, na formulação de objetivos sociopolíticos e na criação de estratégias que viabilizam modos de organizar o processo educativo visando determinada direção planejada. Libâneo (2004, p. 153) esclarece que ação pedagógica não se refere "[...] apenas ao 'como se faz', mas, principalmente, ao 'por que se faz', orientando o trabalho educativo para as finalidades sociais e políticas almejadas pelo grupo de educadores". Portanto, ação educativa, para ser pedagógica, precisa ser orientada por objetivos que seguem determinada direção expressa pelas finalidades sociais e políticas que são desejadas pelos educadores.

E, por fim, vale esclarecer formação contínua. Antes, é interessante deixar clara a opção pelo termo contínua e não continuada, e, para isso, importa o argumento linguístico indicado por Liberali (2006). De acordo com a autora, a educação continuada se encontra no particípio passado, evidenciado pela desinência ada, o que confere ao termo a ideia de ação acabada. Já o termo formação contínua reforça a ideia de progressão e não de ação finalizada.

Feito o esclarecimento da opção pelo termo formação contínua, em contraposição ao termo formação continuada, pode-se, então, explicar que neste artigo, formação contínua é compreendida como processo educativo realizado dentro e fora da jornada de trabalho dos educadores, e que possibilita, por meio da articulação entre os conhecimentos teórico-práticos, elaborar a crítica das ações pedagógicas instituídas, e assim, criar condições para produzir nova direção educativa.

Diante dessas explicações iniciais, passa-se, então a explicar como os coordenadores pedagógicos se tornaram os profissionais que, no âmbito da escola, são responsáveis pela articulação dos processos de formação contínua de professores.

A história dessa profissão é formada por fatos e acontecimentos que evidenciam movimento que segue direção de inspetor a supervisor escolar e de supervisor a coordenador pedagógico. Esse movimento resulta de processo dialético que é mediado pelas determinações histórico-sociais e culturais, bem como pelas políticas educacionais implantadas. Ou seja, o coordenador pedagógico tem sua origem na figura do inspetor que, ao longo da história da educação brasileira, recebeu diferentes denominações - Prefeito Geral de Estudos, Comissário, por exemplo -, e quando passou a fazer parte da estrutura organizacional da escola, como fiscal do trabalho do professor, surgiu o supervisor escolar. Na busca de superar o trabalho caracterizado pela fiscalização foi se tornando coordenador pedagógico.

Para se compreender esse movimento da profissão coordenador pedagógico, apoiar-se-á em autores que analisam a história dessa profissão em diferentes contextos histórico-sociais. Entre esses autores, destacamos Saviani (2002, 2010), porque, ao analisar a história dessa profissão, remonta às primeiras comunidades para explicar que, embora ainda não houvesse escolas, a função supervisora já existia como ação de velar o comportamento dos novatos da comunidade escolar. No segundo momento do movimento histórico dessa profissão, tomar-se-á por referencial os estudos de Nogueira (2000), Medina (2002), Arroyo, Diniz, Garcia, Oliveira & Viana (1982) e outros. E,para compreender o terceiro momento do movimento histórico dessa profissão, ou seja, como o supervisor escolar se tornou coordenador pedagógico, outros autores serão de fundamental importância, entre eles: Christov (2002), Placco (2006), André & Dias (2010), Placcoet al. (2011, 2012) e outros.

 

DO VELAR OS MAIS JOVENS À COORDENAÇÃO DAS NORMAS DO ÓRGÃO ADMINISTRADOR

Considerando o movimento histórico delineado por Saviani (2002), a ação de supervisionar tem sua trajetória iniciada desde as comunidades mais remotas. Isso porque lá já existia ação educativa. Mas alerta-se que não se está se referindo aqui à educação como escolarização e nem à supervisão como prática profissional. A ação educativa dessas comunidades coincide com a própria vida, ou seja, realizar as atividades próprias da comunidade consistia não apenas em garantir a sobrevivência, mas também em educar-se. A educação era realizada mediante a participação direta das gerações nas atividades da comunidade, e cabia aos adultos a vigilância no sentido de proteger e de orientar, fosse por meio de exemplos ou por meio de palavras. Nisso consistia a supervisão das práticas sociais.

De acordo com Saviani (1994), o contexto medieval tem como elemento novo o surgimento da escola, o que torna a educação daquele período diferenciada em relação à Antiguidade. Pois, entre as civilizações antigas os estudos estavam voltados para o sagrado e para os diversos ofícios especializados e com o surgimento das escolas seculares. (Durante certo tempo na Idade Média, o ensino era privilégio dos clérigos e ocorria nas escolas monacais (nos mosteiros), com o surgimento da burguesia é que passa a existir a necessidade de escola que atendesse às exigências dessa classe em ascensão econômica), essas passam a atender aos interesses da vida prática da burguesia.

Entretanto, a escola apresentava estrutura simples e era limitada à relação entre o mestre e os seus discípulos. À primeira vista, parece, então, que não há a função (termo usado por Saviani, 2002) supervisora, porém o que a história, por meio das ideias de Saviani (1994, 2002), revela é que não somente existia a função supervisora com contornos mais definidos. Isto é, o que antes era velar para garantir determinado comportamento, agora passou a ser controle, conformação, fiscalização e mesmo coerção.

Entre a Antiguidade e a Idade Média evidencia-se o movimento no modo de significar a Supervisão. Se, na Antiguidade, supervisionar significava velar para garantir o controle de determinado comportamento, na Idade Média, com o surgimento da escola, a supervisão passou a significar controle e fiscalização, agregada à atividade do professor. Pois, a existência da escola presume regras que devem ser seguidas e, portanto, era preciso garantir que essas, de fato, fossem obedecidas e seguidas, daí o significado social de controle e de fiscalização.

Refletindo sobre as palavras velar e controlar, chega-se às seguintes definições: velar, de acordo com Ferreira (2001), significa estar alerta, vigiar; já controle, é dominar ou, ainda, é "[...] fiscalização exercida sobre atividade de pessoas, órgãos, etc., para que não se desviem das normas preestabelecidas" (Ferreira, 2001, p. 183). Disso, considera-se que pelo fato de a escola ser instituída, a ação de velar o comportamento já não é suficiente e, portanto, passa a ser necessário o controle desse comportamento, no caso dos discentes, já que, nesse momento, o controlador é o próprio professor. Assim, o significado social de supervisão muda em razão das novas demandas que surgem no contexto da escolarização.

A modernidade inaugura a generalização da escola, já que passa a existir a exigência de que a cultura intelectual seja disseminada. É nesse contexto que Saviani (2002) explica que a função de supervisor passa também a ser acompanhada da ideia de supervisor educacional. No Brasil, a educação desenvolvida pelos jesuítas evidenciou a ideia de supervisão educacional no Plano Geral dos Jesuítas, em 1570. Esse documento descrevia o Prefeito Geral de Estudos, aquele que, como assistente do reitor, auxiliava-o "na boa ordenação dos estudos" e alertava que professores e alunos deveriam obedecê-lo (regra n. 2 do Provincial). Além dessa regra, o autor ainda destaca outras, tais como: o dever do Prefeito Geral de Estudos em organizar os estudos e aulas, visando ao progresso da virtude, a importância de que todo o conteúdo deve ser ministrado e, ainda, a necessidade de ouvir e observar a prática dos professores.

Com a sistematização da educação desenvolvida pelos jesuítas, supervisão passou a significar "boa ordenação dos estudos", na figura do Prefeito Geral de Estudos, dividindo as atividades de professores e as de supervisão e direção, já que ele (Prefeito Geral de Estudos), como assistente do diretor, supervisiona, de modo especial, as atividades dos professores. Saviani (2010, p. 56) explica que no Ratio Studiorum encontra-se a ideia de supervisão educacional, quando afirma que [...] a função supervisora é destacada (abstraída) das demais funções educativas e representada na mente como uma tarefa específica para a qual, em consequência, é destinado um agente, também específico, distinto do Reitor e dos professores, denominado prefeito de estudos.

Com a expulsão dos jesuítas, tem-se a extinção do sistema de ensino implantado por eles e a implantação das aulas régias criadas por ocasião da reforma do Marquês de Pombal. Entretanto, a função supervisora, que antes ficava concentrada na figura do Prefeito Geral de Estudos, ficou, então, evidenciada nas ações do Comissário, que também era Diretor Geral de Estudos e também designado para o levantamento do estado das escolas. Saviani (2002) explica que, naquele contexto, a supervisão envolvia ao mesmo tempo os aspectos políticos e administrativos (direção e inspeção).

No contexto da Reforma de Pombal, outro significado social foi produzido para a supervisão, uma vez que o Prefeito Geral de Estudos deu lugar ao Comissário, que passou a responder pelas questões políticas e administrativas da escola. Nessa nova configuração, a supervisão significava inspecionar as atividades escolares, ao mesmo tempo que também administrava a escola.

Com o advento da lei de 15 de outubro de 1827, tem-se a organização autônoma da instrução pública e a instauração de Método de Ensino Mútuo. De acordo com esse método, o professor é, ao mesmo tempo, o que ensina e o que supervisiona, portanto, assume as funções de docência e de supervisão acerca das atividades dos monitores e da aprendizagem dos alunos. Mais uma vez, percebemos que os professores assumem duas funções: a de ensinar e a de supervisionar, mas há diferença desse momento para aquele já descrito (por ocasião do surgimento da escola). Nesse segundo momento,o professor desenvolve supervisão diferenciada, já que ele conta com o auxílio dos monitores. Sua supervisão é das ações dos monitores e não de todos os alunos. Portanto, supervisionar, nesse momento histórico, significava inspecionar as atividades desenvolvidas pelos monitores e, assim, acompanhar a aprendizagem dos alunos.

No final do período Monárquico, as reformas educacionais realizadas convergiam para a organização de um Sistema Nacional de Educação, o que implicava a necessidade da criação de órgãos centrais e intermediários para a formulação de diretrizes e normas pedagógicas. Ou seja, organização administrativa e pedagógica e organização das escolas na forma de grupos escolares. É nessa realidade que vemos aflorar a ideia de coordenação dessas atividades como parte das atividades de supervisão no espaço da escola. Ou seja, a supervisão passou a ser significada como elo entre os órgãos centrais e a escola, o que significa que, com a criação do Sistema Nacional de Educação, supervisionar é coordenar a implantação das diretrizes e normas elaboradas pelos órgãos administrativos.

É nesse momento que se percebe o surgimento da ideia de que a supervisão pode se inserir como parte da estrutura e da organização da escola. Esse fato se consolida com a organização do Sistema Nacional de Educação, pois aqui emerge a necessidade de intermediador entre os órgãos que administram os grupos escolares e os profissionais que nesses grupos atuam. Entende-se que nesse momento começou a ser desenhado o coordenador pedagógico, que no futuro passará a ser aquele que, como membro efetivo da escola, orienta, coordena e inspeciona as diretrizes e as normas pedagógicas que são elaboradas pelos órgãos centrais da administração escolar. Aqui, demarca-se o início do segundo momento da coordenação pedagógica.

 

DA COORDENAÇÃO DAS NORMAS À FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO DO PROFESSOR

Outro momento que caracteriza o movimento dialético de constituição do trabalho do coordenador pedagógico é quando começa a se forjar o fiscalizador do trabalho do professor. O início desse movimento foi marcado pela criação do curso de Pedagogia, na década de 1930, porque nele surgiu o técnico em educação. Porém, os fatos ocorridos na década anterior foram de suma importância para que esse curso fosse criado e, assim, surgissem os especialistas, entre eles, o supervisor escolar que, recentemente, tornou-se o coordenador pedagógico.

A década de 1920 teve como aspecto marcante, o surgimento dos "profissionais da educação" e o aparecimento dos técnicos em educação, como resultado do Movimento dos Pioneiros da Escola Nova. O surgimento dessas duas categorias profissionais fez emergir a separação entre a dimensão administrativa e a dimensão pedagógica da escola e, consequentemente, isso foi condição para surgir a figura do supervisor, distinto do inspetor e do diretor. Isso pode ser percebido na Reforma de Francisco Campos, em 1931, na qual já havia a ideia de supervisor, embora com algumas indefinições, sobretudo, no que diz respeito à inspeção. Porém, embora a Reforma considerasse necessário o acompanhamento pedagógico, esse era atribuído ao inspetor escolar, "[...] e se reduziam na prática aos aspectos administrativos e de mera fiscalização, não se colocando a necessidade de que este acompanhamento do processo pedagógico fosse feito por um agente específico no interior da unidade escolar" (Saviani, 2002, p. 30).

Sobre a distinção entre inspetor, diretor, supervisor e coordenador pedagógico Saviani (2002, p. 26) assim explica:

[...] Com efeito, na divisão do trabalho nas escolas, como assinala Nereide Saviani, cabe ao diretor a 'parte administrativa', ficando o supervisor com a 'parte técnica' (Saviani, 1981, pp. 56-7). E é quando se quer emprestar à figura do inspetor um papel predominantemente de orientação pedagógica e de estímulo à competência técnica, em lugar da fiscalização para detectar falhas e aplicar punições, que esse profissional passa a ser chamado supervisor. É este o caso do Estado de São Paulo, onde se reserva o nome de supervisor ao agente educativo que desempenha as funções antes atribuídas ao inspetor, denominando-se coordenador pedagógico ao supervisor que atua nas unidades escolares.

Portanto, a função de coordenador pedagógico tem origem na função de inspetor, que era desempenhada pelo Prefeito Geral de Estudos e não na de supervisor, a qual passa a ser o elo entre a supervisão escolar e a coordenação pedagógica. Ou seja, quando se torna mais interessante a orientação pedagógica do que a fiscalização para detecção de falhas e aplicação de punições é que o inspetor se torna supervisor; e é quando esse profissional se encontra inserido no ambiente escolar que ele recebe o nome de coordenador pedagógico. Nisso se explica a origem do coordenador pedagógico, mas também sintetiza o movimento que engendrou esse profissional.

A criação do curso de Pedagogia ocorreu em momento propício para a ocorrência de fatos na área educacional, já que Reformas da Instrução Pública iniciadas na década de 1920 ocorriam e isso, por sua vez, impulsionou a profissionalização dos professores formados pelas Escolas Normais, dos diretores, dos inspetores escolares e de outros especialistas da escola. Além disso, destacam-se as mudanças sociais e econômicas do Pós-Guerra, isto é, as condições de vida e os componentes sociais se alteram, provocando nova estruturação de classes sociais. Isso significa que houve ascensão da burguesia industrial, gerando duas novas classes sociais nos centros urbanos: o setor médio da população e o proletariado urbano (Brzezinski, 2004).

Essa nova realidade exigiu da escola nova função social, que está firmada nos ideais da Pedagogia Nova. De acordo com Brzezinski (2004, p. 27), cabia à escola a função de "transformar a sociedade", já que a escolarização passou a ser compreendida como "instrumento decisivo de aceleração histórica". Disso resulta a necessidade do técnico que, nesse caso,é o pedagogo generalista. Conforme Saviani (2002, p. 28) explica:

[...] A categoria "técnicos de educação" tinha aí, um sentido genérico. Em verdade, os cursos de Pedagogia formavam pedagogos, e estes eram os técnicos ou especialistas em educação. O significado de "técnicos da educação" coincidia, então com o "pedagogo generalista", e assim permaneceu até o final da fase acima referida, isto é, até os anos 60.

Foi com a reformulação do curso de Pedagogia, por meio do Parecer n. 252/1969, que a formação do pedagogo passou a acontecer por meio das habilitações, substituindo assim os técnicos em educação, que, na verdade, era o "pedagogo generalista", por pedagogo especialista, mediante a habilitação que escolhia no curso de formação. Entre os especialistas, destaca-se o supervisor escolar, que se tornou coordenador pedagógico no momento atual.

Na ânsia de instalar a eficiência no ambiente escolar, a "Pedagogia Tecnicista" apareceu como aquela que permite racionalizar o ensino; mas, para isso, era necessário profissional especialista. As habilitações atendiam a esse anseio.

O curso de Pedagogia foi, então, organizado na forma de habilitações, que, após um núcleo comum centrado nas disciplinas de fundamentos da educação, ministradas de forma bastante sumária, deveriam garantir sua formação diversificada numa formação específica da ação educativa. Foram previstas quatro habilitações [...], a saber: administração, inspeção, supervisão e orientação. (Saviani, 2002, p. 29)

Essa mudança ocorreu no momento em que o ideário da Pedagogia Tecnicista estava em voga. Sobre isso, Saviani (2010, p. 382) explica que a "pedagogia tecnicista buscou planejar a educação de modo que a dotasse de organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência". Nisso se justifica a importância e a necessidade do especialista, em razão de que o parcelamento do trabalho pedagógico, por meio da especialização das funções, garantiria a eficiência almejada.

Como especialista, o supervisor visa atender ao sonho do tecnicismo, qual seja, garantir a eficiência dos meios e a eficácia dos resultados, para isso, tem o currículo e as técnicas de ensino como objeto constante de monitoramento das atividades didático-pedagógicas da escola. Conforme explica Arroyo et al. (1982, pp. 108-109), quando aborda a supervisão no contexto da Pedagogia Tecnicista: "a função de supervisor se justificava como coordenador e controlador dos novos conteúdos curriculares em função do novo papel da escola na manutenção da estabilidade política e econômica". A supervisão escolar, nesse contexto, controla, evita desvios da atividade pedagógica e oferece a direção do sucesso escolar, como explica Rangel (2002).

As mudanças que ocorreram a partir da década de 1920 têm implicação na supervisão, pois passou a existir preocupação com a formação do profissional que deveria desempenhar tal função. Além disso, a supervisão, mais uma vez, significava controle. Entretanto, aqui o controle se volta para as atividades pedagógicas, para que essas não se desviem do propósito almejado pelo modelo tecnicista de educação. Era preciso que o supervisor assumisse os objetivos desse modelo de ensino. Para tanto, a formação do especialista sob a vertente tecnicista era indispensável, já que a escola tem a função de transformar a sociedade.

Para Nogueira (2000), o especialista em supervisão se instalou no ambiente escolar em contexto marcado por política educacional determinada pelas questões econômicas e políticas, o que significa que a educação e, por conseguinte, a supervisão, eram assuntos merecedores de atenção especial. Ou seja, esse especialista começou suas atividades na escola a partir de 1960, por determinação do convênio assinado entre Brasil e Estados Unidos da América (EUA), e que ficou conhecido como Ministério da Educação e Cultura - United StatesAgency for International Development (MEC-USAID). De tal convênio resultou o Programa Americano Brasileiro de Assistência ao Ensino Elementar (PABAEE), o qual era apontado como a grande novidade educacional, e foi como parte dele que a supervisão escolar se instalou nas escolas brasileiras.

Ao analisar a história da supervisão escolar no Brasil, Arroyo et al. (1982, pp. 108-109) consideram que o PABAEE definia a função social e política da escola e do supervisor escolar. A escola foi definida como o "[...] centro irradiador de modernidade e o supervisor o líder do processo, [...] [e ambos têm] a função de garantir a estabilidade política e econômica". Daí a importância e a necessidade do supervisor escolar. Isto é, uma vez que o PABAEE consistia em Programa de Cooperação e Aliança para o Progresso de Países Subdesenvolvidos, era sua função ser potencializador dos recursos humanos pouco incrementados.

Desse modo, o especialista em supervisão escolar foi concebido como parte do processo de dependência política e econômica integrada ao projeto militarista-tecnocrático de controle do povo e da nação. Como parte desse projeto, ao supervisor não cabia elaborar e desenvolver estratégias, conforme a sua vontade, mas, sim, seguir o determinado nos objetivos que o PABAEE se propunha a desenvolver, entre os quais destacamos:

[...] Introduzir e demonstrar, a educadores brasileiros, métodos e técnicas utilizados na educação primária, promovendo a análise, aplicação e adaptação dos mesmos, a fim de atender às necessidades comunitárias em relação à educação, por meio de estímulos à iniciativa do professor no sentido de contínuo crescimento e aperfeiçoamento [...]. Criar, demonstrar e adaptar material didático e equipamento, com base na análise de recursos disponíveis no Brasil e em outros países, no campo da educação primária. (Paiva & Paixão, 2006, p. 43)

É importante destacar que esses objetivos seriam alcançados mediante as ações desenvolvidas pelo supervisor. Nas palavras de Medina (2002, p. 13), «[...] as ideias do PABAEE, contidas em seus objetivos aqui destacados, foram transmitidas para a equipe de supervisores e, consequentemente, aos professores das escolas". Outra ideia importante inerente aos objetivos acima diz respeito ao caráter inovador e moderno que se queria implantar na educação brasileira, via implantação da supervisão nas escolas, mas que, na verdade, era revelador da função técnica desvinculada de compromisso político que esse profissional deveria desempenhar. De acordo com Nogueira (2000), o contexto socioeconômico, o modo como o especialista em supervisão é inserido na escola brasileira, bem como a sua formação permitem entender porque esse profissional seguiu pela direção de reprodutor do sistema e, consequentemente, tornou-se fiscal do trabalho do professor.

O modelo de formação desenvolvido para esses profissionais estava em consonância com o pensamento pedagógico predominante naquele momento, o qual deixava clara a intenção em privilegiar os aspectos metodológicos inerentes à prática pedagógica em detrimento dos valores da educação. Isso evidencia que a formação do supervisor escolar era pautada pelo pensamento tecnicista, compreendido como o uso da técnica (recursos ou meios para realização do trabalho) descontextualizada.

No entender de Rangel (2002), nessa perspectiva de formação, são exigidas determinadas habilidades para o supervisor escolar, entre as quais destaca-se: domínio dos conhecimentos técnicos e relações humanas, capacidade para pensar e agir com inteligência, equilíbrio, liderança e autoridade. Por isso, conforme Rangel (2002, p. 71), nesse momento, "[...] sonha-se com a supervisão que acompanha, controla, avalia e direciona as atividades da escola, evitando desvios na direção do seu sucesso". Disso, afirma-se que a supervisão escolar é significada como especialidade pedagógica responsável pelo controle do currículo e do processo didático.

Durante as décadas de 1960 e 1970, os órgãos centrais de educação esperavam que o supervisor escolar atuasse de acordo com o que lhe era atribuído, ou seja, servir ao propósito de fiscalizar e controlar as atividades desenvolvidas pelos professores, por meio da ação de coordenar e de controlar os conteúdos curriculares. Entretanto, com as mudanças políticas desencadeadas durante a década de 1980, a sociedade e, por sua vez, a escola e seus profissionais passaram a refletir sobre o seu papel social.

A realidade que nesse momento passou a se configurar foi o confronto entre professores e supervisores. De acordo com Silva Jr. (2006, p. 94), "[...] de ameaçador, o supervisor passou a ameaçado". Essa situação foi resultado do cerco que se formou em volta dos supervisores, conforme explica o autor: "[...] cerco teórico-político nas universidades que propunham a extinção de seu [dos supervisores] processo de formação e cerco prático-político nos movimentos de massa do professorado que não conseguia ver no supervisor um companheiro comum de jornada" (Silva, Jr., 2006, p. 94).

Ao tratar desse momento histórico vivido pelos supervisores escolares, Medina (2002) explica que o modelo de supervisão escolar implantado no país punha o professor em situação de exploração quanto aos seus direitos e expropriado de seu saber, o que o desmoralizava em sua prática. Essa constatação foi ganhando força na forma de denúncia nos fóruns sobre educação e no próprio espaço da escola, tornando a relação entre professores e supervisores cada vez mais conflituosa.

A autora ainda destaca que, diante da situação ameaçadora em que se viu, o supervisor escolar não soube reagir e já não se reconhecia nas atribuições antes desempenhadas, mas, também, não soube ou não conseguiu construir, naquele momento histórico, novas ações para o seu fazer na escola, o que fez com que ele, na ânsia de justificar sua permanência na escola, passasse a desenvolver atividades burocráticas junto às secretarias e direção da escola.

Essa situação vivida pelos supervisores escolares coincidiu com o momento histórico de abertura política. Momento em que a sociedade brasileira era questionada e, por sua vez, a escola e seus profissionais também se veem questionados no seu papel social. Foi nesse contexto de movimentação política e social que os questionamentos sobre a escola e seus profissionais e, de modo particular, sobre o trabalho do supervisor escolar, ganharam voz. Essas vozes ressoaram nos Encontros Nacionais de Supervisores Escolares (ENSEs), conforme explica Arroyo, et al. (1982, p. 23):

[...]. A figura do supervisor como representante do poder, guardião de conteúdos e metodologias preestabelecidas, dificilmente terá lugar num projeto que exige criatividade e inovação. Em primeiro lugar, o supervisor terá que conquistar sua autonomia e exercer sua criatividade; em segundo lugar, ou simultaneamente, permitir, estimular e organizar a criatividade e a autonomia dos professores e dos estudantes.

Durante o período que vigorou os ENSEs, o discurso veiculado era do supervisor-educador, que passou a ser a postura requerida pela categoria e reforçada no VII ENSE, ocorrido em 1984. Entretanto, o que se percebe é a contradição entre se perceber agente de transformação da realidade social então vigente e, ao mesmo tempo, reconhecer que mantém prática social a serviço de um sistema de controle, em vista de maior eficácia política-administrativa, mesmo contra a sua vontade (Nogueira, 2000).

Durante os anos de 1980 e 1990 muitas mudanças marcaram não apenas o fim da década, mas também o início de novo século. Durante esse período muitas mudanças aconteceram e afetaram significativamente a escola e seus profissionais. No final da década de 1980, mudanças sociais, políticas e econômicas ocorreram de modo a produzir novo cenário social. Ou seja, o fim da Ditadura Militar e, sem ela, ocorreu a implantação de mecanismos que possibilitaram a participação popular e a democratização das decisões e na escola e das relações de trabalho. Em relação a isso, Fernandes (2008), ao discutir sobre a implantação da função de coordenador pedagógico no Estado de São Paulo durante a reforma educacional, "Escola de Cara Nova", da década de 1990, que implantou a figura do Professor Coordenador Pedagógico(PCP), explica que naquele momento surgiram as discussões sobre democratização do ensino, superação do fracasso escolar, autonomia das escolas e possibilidades de gestão democrática da escola, etc.

É então a partir da implantação da figura do professor coordenador pedagógico por meio da reforma "Escola de Cara Nova" no Estado de São Paulo que fica delimitado como o início do terceiro momento.

 

DA FISCALIZAÇÃO À ARTICULAÇÃO DA FORMAÇÃO CONTÍNUA NA ESCOLA

O terceiro momento do movimento histórico-social da profissão de coordenador pedagógico teve início por volta da década de 1990, sobretudo a partir da reforma educacional paulista que cria o Professor Coordenador Pedagógico (PCP).

Fernandes (2008) esclarece que os encaminhamentos que se seguiram nessa década não deram continuidade ao movimento iniciado na década anterior. A Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 1990, trouxe novos direcionamentos para a organização e o financiamento da educação pública dos países pobres. Para Fernandes (2008), houve intensificação da implantação de reformas consoantes com as políticas educacionais internacionais. Cabe destacar que, durante essa década, a educação ganhou centralidade nas decisões políticas e novos documentos e leis foram aprovados: Lei 9.394/1996, Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF e depois foi substituído pelo FUNDEB), Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

Foi nesse contexto que, na segunda metade da década de 1990, o estado de São Paulo realizou a reforma educacional que ficou conhecida como "Escola de Cara Nova" (São Paulo, 1998). Fernandes (2008) explica que, nesse momento histórico da educação e da supervisão, passou a ser desenvolvido amplo projeto de reforma educacional que atingiu professores e alunos do Ensino Fundamental e Médio. Foi no bojo dessa reforma que ocorreu, em 1996, a implantação da função Professor Coordenador Pedagógico (PCP). Fernandes (2008, p. 17) esclarece que, de acordo com os documentos oficiais que compunham os elementos normativos da "Escola de Cara Nova", o Professor Coordenador Pedagógico deveria ser o profissional a quem legalmente caberia: "[...] o trabalho de articulação das ações pedagógicas e didáticas realizadas nas escolas e o subsídio ao professor no desenvolvimento das ações docentes, além do trabalho no fortalecimento da relação escola-comunidade e na melhoria do processo ensino-aprendizagem".

A implantação da função de Professor Coordenador Pedagógico nas escolas públicas do estado de São Paulo consistia em referência nacional. A partir de então, publicações e pesquisas começaram a ser desenvolvidas no estado de São Paulo, considerando a função Professor Coordenador Pedagógico e a formação contínua que esse profissional viria a desenvolver na escola, como ação principal da sua atividade laboral.

Foi nesse momento que começou a ser sistematizado novo modo de compreender o trabalho desse profissional que passou a ser denominado coordenador pedagógico. Como tal, já não lhe competia a fiscalização do trabalho professor, mas tornou-se responsável pela articulação dos processos de formação contínua na escola.

Essa nova significação atribuída ao trabalho dos coordenadores pedagógicos vem sendo delineada e construída historicamente, mediada pela realidade em que o trabalho desses profissionais se desenvolveu. A década que se segue à de 1990 evidenciou o desenvolvimento desse significado social produzido acerca do trabalho do coordenador pedagógico. Diversas pesquisas,tais como Araújo (2007), Domingues (2009), Teixeira (2009, 2014) e Mundim (2011), discutem o trabalho do coordenador, considerando-o como o profissional que, no âmbito da escola, é articulador de processos formativos junto aos professores. Entende-se que o desenvolvimento desse profissional sob essa perspectiva envolve não apenas o interesse do profissional em realizar tal atividade, mas envolve, sobretudo, condições objetivas e subjetivas, entre as quais destacamos: recursos materiais pedagógicos, estrutura organizacional da escola que possibilite o desenvolvimento de trabalho orientado para a formação contínua de professores, o reconhecimento da secretaria de educação quanto a essa especificidade do trabalho do coordenador pedagógico, processo formativo para coordenadores que o possibilite desenvolver-se como formador (Teixeira, 2009).

A importância do trabalho do coordenador pedagógico na formação contínua de professores se dá, em razão de, ao articular processos de formação na escola, os resultados desse trabalho incidirem diretamente no processo de ensino e de aprendizagem. O desempenho desse trabalho no âmbito da escola exige do profissional da coordenação pedagógica o planejamento, o acompanhamento da execução do processo didático pedagógico da instituição. Para Geglio (2006, p. 116), a formação contínua é conferida ao coordenador pedagógico em razão de ele se encontrar em condição de articulador do processo de ensino-aprendizagem, já que ele está "ao mesmo tempo dentro e fora do contexto imediato do ensino, que possui uma visão ampla do processo pedagógico da escola, do conjunto do trabalho realizado pelos professores".

Nesse sentido, considera-se importante o processo de formação contínua acontecer na própria escola, embora ela não consista no único espaço para a formação contínua de professores. Ou seja, a formação, como continuidade no preparo e no desenvolvimento do profissional da educação, ocorre sob as diferentes formas e nos diferentes espaços, como: a participação em cursos, em congressos, em seminários, em estudos individuais, entre outros. Mas, a realização dessa formação no próprio espaço da escola adquire importância no sentido de que os profissionais têm a possibilidade de coletivamente discutirem o processo de ensino aprendizagem, tendo por base as próprias demandas da escola.

A formação contínua desenvolvida no próprio local de trabalho dos professores evidencia a escola não apenas como local de trabalho, mas, também, e ao mesmo tempo, local de formação que considera a produção de conhecimentos e de saberes, já que essa produção emerge mediante a articulação crítica entre os conhecimentos teóricos e os conhecimentos práticos.

Não se pode deixar de ressaltar que a realidade vivida pelos coordenadores pedagógicos nas escolas públicas brasileiras nem sempre é favorável ao desenvolvimento de trabalho especificamente formativo. Franco (2008) relata bem essa realidade, quando considera que os coordenadores pedagógicos vivenciam realidade caracterizada pela urgência da prática, oprimidos pelas carências de formação inicial, uma vez que, segundo a autora,muitos coordenadores pedagógicos do estado de São Paulo não têm formação específica para atuar como coordenador pedagógico. E, ainda, ausência de projeto que articule a dinâmica pedagógica da escola. A autora ressalta, ainda, que a estrutura material e física da escola é também precária, o que muitas vezes resulta em ações improvisadas, além dos profissionais gastarem muito tempo com atividades burocráticas, organizando eventos e festas, e nesse intenso movimento que se constrói nas urgências diárias, o coordenador pedagógico não consegue perceber mudanças significativas ou mesmo organizar o seu trabalho visando ao processo de mudança necessária para a escola onde trabalha.

Outro aspecto a ser evidenciado e que revela contradição presente na realidade desse profissional é que, embora o coordenador seja o profissional responsável pela formação contínua no espaço da escola, ele é o que menos tem recebido investimento em termos de políticas de formação, especialmente, formação capaz de lhe oferecer condições de trabalhar como formador. Essa realidade é destacada por Placco et al. (2012), quando ressaltam que a criação da Diretoria de Educação Básica na CAPES elevou o grau de investimento do governo em políticas voltadas para a qualidade do ensino na Educação Básica. No entanto, o coordenador pedagógico, que pode fazer a mediação dos projetos e programas educacionais, não está incluído nesses investimentos.

Para as autoras, isso pode explicar a razão do fracasso de políticas públicas voltadas para a qualidade do ensino na Educação Básica, ou pelo menos, não têm apresentado os resultados esperados. Sob essa ótica, entende-se que cuidar da formação contínua do coordenador pedagógico significa, ao mesmo tempo, investir na formação dos professores e na própria qualidade de ensino da Educação Básica.

Reconhecer que melhorar a qualidade da educação básica com base na melhoria da formação de professores no próprio espaço em que trabalham implica reconhecer a escola como comunidade de aprendizagem, capaz de produzir novas práticas e saberes profissionais, interligando, assim, os processos formativos com a organização da gestão escolar. Implica, também, compreender que as pessoas podem mudar suas práticas quando aprendem com a organização da instituição escola e, por sua vez, quando as pessoas aprendem que a organização da escola também muda (Libâneo, 2004).

A pesquisa realizada por Placco et al. (2011, 2012), publicada na forma de relatório e de artigo em periódico, revela aspectos importantes sobre as condições objetivas em que ocorre o trabalho do coordenador pedagógico. De acordo com os dados produzidos por essa pesquisa, essa profissão é exercida predominantemente por mulheres em faixa etária de 36 a 55 anos, mas que têm, em média, até cinco anos como coordenadora pedagógica. O pouco tempo nessa função não significa pouco tempo na atividade educativa, já que, ao assumir a coordenação, essas profissionais já vivenciaram durante algum tempo a experiência de ser professora.

Outro aspecto identificado na pesquisa de Placco et al. (2011) evidencia, de modo especial, o fato de que a formação contínua de professores não consiste em primazia no trabalho dos coordenadores pedagógicos. Segundo as autoras, isso pode ser explicado, considerando que nem sempre o profissional tem clareza necessária sobre o que é formação contínua e, por isso, realizam ações que nem sempre são específicas da sua função e, ainda, acreditam que a formação contínua necessária é aquela que contempla a dimensão prática da atividade do professor, mesmo correndo o risco de a teoria ficar desprendida e, portanto, a análise da prática ficar reduzida apenas ao aspecto técnico do trabalho.

Diante do exposto, cabe a seguinte reflexão: deposita-se no coordenador pedagógico a expectativa de mudanças qualitativas nas práticas educativas que ocorrem na escola, pelo fato de, no âmbito da escola, seu trabalho se entrelaçar ao trabalho de outros profissionais, o que lhe confere o caráter articulador. Ou seja, seu trabalho permite articular, dialogar com diferentes profissionais que também estão na escola. Entretanto, faltam-lhe condições objetivas e subjetivas que lhe permitam efetivar o resultado esperado. Ou seja, as atribuições estipuladas pela literatura e pelos dispositivos legais - nos estados em que isso já existe - entram em contradição. Desse modo, entende-se que é preciso, planejar e tornar efetiva política de formação contínua também para o coordenador pedagógico. Mas, ressalte-se, formação que o prepare para a especificidade de seu trabalho e não formação que se restrinja à atividade professor. As autoras alertam: "[...] o que garante o empoderamento do coordenador pedagógico é ele saber do que está falando" (Placco et al., 2012, p. 770).

O terceiro momento do movimento histórico social da profissão de coordenador pedagógico evidencia o momento em que, na histórica da educação brasileira, o supervisor escolar se torna coordenador pedagógico. Esse movimento histórico resultou de múltiplas mediações, entre as quais destacamos: a realidade histórica social da educação brasileira, as políticas educacionais desenvolvidas. Entretanto, é importante destacarmos que o processo para se tornar coordenador pedagógico ainda não está concluso, mas em vias de vir a ser, uma vez que, como apontou a pesquisa de Placco et al. (2011), nem sempre a formação contínua consiste no aspecto central do trabalho desse profissional, o que já indica a necessidade de que esses profissionais reflitam sobre o próprio trabalho que realizam na escola.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo,discutiu-se a arqueologia do significado social do trabalho do coordenador pedagógico, conforme retomamos o movimento histórico social e cultural que evidencia a gênese e o desenvolvimento da profissão de coordenador pedagógico.

Do movimento histórico que constituiu o coordenador pedagógico e produziu as significações sobre seu trabalho, foram tecidas as seguintes considerações: a) o trabalho do coordenador pedagógico e suas significações têm história, o que significa afirmar que nem sempre foram da forma como hoje se apresentam, mas tanto o trabalho do coordenador pedagógico como o seu significado foram produzidos historicamente e passaram por mudanças; b) as mudanças não ocorrem como uma linha evolutiva e linear, mas é marcado por continuidades e descontinuidades que provocam transformações. Um exemplo é que o controle nunca deixou de fazer parte do trabalho seja do inspetor, do supervisor escolar ou mesmo do coordenador pedagógico; e, por fim, c) o trabalho e seu significado resultam de múltiplas determinações, entre as quais destaca-se: a realidade histórica, social e cultural em que a profissão surge e se desenvolve; as demandas inerentes ao contexto de escolarização; as reformas educacionais; as condições objetivas e subjetivas em que o trabalho acontece, dentre outras.

O movimento sintetizado nos três momentos históricos delineados indica um processo de vir a ser coordenador pedagógico formador, mas para a efetivação dessa atividade laboral é precípuo uma política de formação para este profissional direcionada para a articulação da formação contínua dos professores no âmbito da escola. Pois, somente nesta direção será possível articular processo de mudança nas práticas educativas da escola tendo como autores os próprios profissionais da escola.

 

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