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Revista da ABOP
versão impressa ISSN 1414-8889
Rev. ABOP v.2 n.2 Porto Alegre 1998
Re-opção de curso e maturidade vocacional
Mauro MagalhãesI 1; Andrea RedivoII 2
I Universidade Luterana do Brasil
II Universidade Luterana do Brasil - Núcleo de Orientação Educacional
RESUMO
Entrevistaram-se seis homens e seis mulheres, com idades entre 17 e 21 anos, que solicitaram re-opção de curso universitário ao Núcleo de Orientação Educacional (NOE) da ULBRA, sobre a experiência de re-opção vocacional. As entrevistas semi-estruturadas abordaram as motivações da re-opção, o comportamento exploratório vocacional, projetos de vida e processos de tomada de decisão. A análise dos depoimentos destacou as seguintes categorias: desejo de cursar uma universidade, dificuldade nas disciplinas, mercado de trabalho e rentabilidade, continuidade aos negócios da família, decepção com o curso, e incerteza em relação à re-opção. A interpretação dos resultados mostrou que a re-opção de curso universitário, assim como a primeira opção efetuada, foram processos decisórios caracterizados pela imaturidade, de acordo com os critérios de Super (1983). A re-opção não foi acompanhada por progressos em maturidade vocacional.
Palavras-chave: Re-opção vocacional, Maturidade vocacional, Tomada de decisão.
ABSTRACT
This study interviewed six men and six women, ranging in age from 18 to 21, about the experience of vocational re-option. All of them requested re-option of university course to the Center of Educational Guidance (NOE) of ULBRA. The semi-structured interviews approached the motivations of the re-option, the vocational exploratory behavior, life projects and decision-making. The analysis of the reports highlighted the following categories: the desire to study at university, academic difficulties, labor market and profitability, continuity to the business of the family, deception with the course, and uncertainty in relation to the re-option. The interpretation of the results showed that the re-option of university course, as well as the first made option, were characterized by vocational immaturity, according to Super (1983). The re-option was not accompanied by an increase in vocational maturity.
Keywords: Vocational re-option, Vocational maturity, Decision-making.
Introdução
A escolha profissional é um processo ansiogênico, no qual o adolescente encontra-se diante das responsabilidades que passa a assumir na definição do seu futuro como cidadão. O padrão de socialização atual, isto é, as práticas educativas vigentes na família e no sistema de ensino, não o prepara para tomar decisões, não o exercita para examinar os valores, interesses e aptidões que caracterizam sua individualidade, por outro lado, também não oportuniza uma exploração sistemática e reflexiva do mundo do trabalho na sua complexidade e em suas vicissitudes. O adolescente acaba por fazer opções insatisfatórias devido à carência de um projeto de vida, utilizando fantasias e um baixo senso de realidade. Neste contexto, o Núcleo de Orientação Educacional da ULBRA recebe semestralmente uma média de 300 alunos solicitantes de re-opção de curso universitário, levando em consideração os últimos três anos de atividade do NOE (Silva, 1998), representando um número significativo de estudantes que buscam adaptação à vida acadêmica e a construção de um projeto profissional.
Em vista do descrito acima, observa-se a necessidade de investigar o processo de re-opção de curso a fim de identificar as variáveis relevantes a nível pessoal, institucional e sócio-econômico, que o influenciam e contextualizam. O presente trabalho investigou o processo de re-opção de curso em estudantes que procuraram o Núcleo de Orientação Educacional da ULBRA. Investigou como se processa esta mudança do ponto de vista dos sujeitos que a experienciam, a fim de fornecer subsídios para o delineamento de intervenções baseadas numa compreensão mais precisa deste fenômeno.
1. 1 Maturidade Vocacional
Os modelos de desenvolvimento vocacional consideram este um processo que se estende da infância até a velhice. Este desenvolvimento implica numa seqüência de tarefas que o indivíduo deve desincumbir-se, e a maneira como o faz, revela sua maturidade vocacional (Pelletier, Noiseux & Bujold, 1982).
Segundo Super (1963), a maturidade vocacional significa a compatibilização adequada entre a idade cronológica do sujeito, a etapa de desenvolvimento vocacional em que se encontra, e os comportamentos adotados para cumprir as tarefas evolutivas, características desta etapa. O indivíduo pode utilizar comportamentos adequados ou não às tarefas que deve superar. As atitudes e habilidades cognitivas que o sujeito dispõe para o enfrentamento das tarefas de desenvolvimento vocacional são os indicativos essenciais da maturidade vocacional.
1. 1. 1 Dimensões da maturidade vocacional na teoria de D. E. Super
Super (1983) definiu as dimensões da maturidade vocacional, a saber: capacidade de planejamento e exploração, ambas atitudinais e não-cognitivas; informação, tomada de decisão e orientação à realidade, as duas primeiras notoriamente cognitivas e a última uma combinação de ambos os tipos de fatores. Estas dimensões serão examinadas separadamente a seguir.
a) Planejamento:
De acordo com Super (1983), a autonomia é o primeiro componente da capacidade de planejamento, pois o ato de planejar ocorre se as pessoas acreditam que possuem controle sobre suas carreiras. O segundo componente da capacidade de planejamento é a perspectiva temporal, onde ocorre uma reflexão acerca do passado e uma antecipação do futuro. A auto-avaliação é o terceiro componente, onde ocorre uma análise das condições favoráveis e desfavoráveis.
b) Comportamento exploratório vocacional
O comportamento exploratório vocacional (Jordaan, 1963), é considerado um dos fatores fundamentais para a maturação vocacional. Trata-se de atividade formadora e transformadora do autoconceito pessoal em face das tarefas de desenvolvimento presentes em todos os estágios de vida. A exploração ocorre particularmente nos períodos antecedente e conseqüente à entrada em um novo estágio de vida, após a emergência da necessidade de escolhas e antes de algum comportamento efetivo. A presença ou não do comportamento exploratório vocacional irá diferenciar as escolhas racionais e conscientemente refletidas daquelas impulsivas ou dependentes, sendo estas últimas a conseqüência de uma exploração insuficiente. Jordaan (1963) define o comportamento exploratório vocacional como:
"as atividades mentais ou físicas empreendidas com o maior ou menor propósito consciente, ou expectativa de prover informações sobre o próprio sujeito ou ambiente, ou de verificar ou encontrar uma base para conclusões ou hipóteses que auxiliem em escolher, preparar, assumir, ajustar-se, ou progredir numa ocupação. (p.59)
c) Informação:
A informação sobre o mundo do trabalho e as opções oferecidas é um dos pré-requisitos para o que Super (1983) denominou prontidão para tomada de decisões vocacionais.
d) Tomada de decisão:
A habilidade de tomada de decisões é decorrente da avaliação das possibilidades, das conseqüências possíveis das decisões e da probabilidade segundo a qual essas conseqüências podem produzir-se. Inclui também um sistema de avaliação que deve estimar a desejabilidade destas conseqüências.
e) Orientação à realidade:
A última dimensão de maturidade relaciona-se à orientação para a realidade. Consiste em auto-conhecimento, realismo em auto-avaliação e avaliação situacional. Busca-se a compatibilização dos interesses, valores e aptidões com o campo de trabalho e outros papéis vitais.
O desenvolvimento do autoconceito é um aspecto da dimensão de orientação para a realidade. O autoconceito começa a formar-se na infância, e na adolescência é elaborado e clarificado na busca de sua tradução em termos vocacionais, entrando em jogo as aspirações, preferências e valores de trabalho. No modelo de Super (1963), a preferência vocacional expressa o tipo de pessoa que se pensa ser. O sujeito implementa seu autoconceito quando assume determinada ocupação e atinge a realização de seu autoconceito quando estabelece-se ocupacionalmente.
Outros fatores pessoais, tais como o nível sócio-econômico, e fatores mesológicos tais como as relações de oferta e procura de emprego, a cultura e os recursos educativos, também são variáveis relevantes na escolha profissional.
1. 1. 2 Tarefas do desenvolvimento vocacional e maturidade de escolha
O modelo operatório de ativação do desenvolvimento de Peletier, Noiseux e Bujold (1982) baseando-se na teoria de Super (1963), define a seqüência de tarefas que o indivíduo deve superar para desenvolver-se no plano vocacional e adquirir competência para tomada de decisões. As tarefas do desenvolvimento vocacional são denominadas exploração, cristalização, especificação e realização. Nesta ordem, o desenvolvimento envolve essencialmente as seguintes tarefas: a exploração de si mesmo (formação de autoconceito) e de alternativas ocupacionais (pesquisa de informações); a clarificação progressiva de um autoconceito e a delimitação de áreas de interesse (cristalização); a ponderação de probabilidades e desejos de realização e o estabelecimento de prioridades de valores enquanto critérios de escolha (especificação); e finalmente a escolha e o planejamento de uma carreira (realização).
A tarefa de exploração significa a busca de informações sobre o ambiente e sobre si mesmo em termos de aptidões, interesses e valores. O sujeito deve usar sua criatividade para experienciar possibilidades ocupacionais na imaginação, pesquisar alternativas e perceber o mundo do trabalho sob uma diversidade de pontos de vista (Pelletier, Noiseux & Bujold, 1982).
A partir das informações obtidas durante a exploração ocorre gradualmente um processo de síntese denominado cristalização, que organiza em categorias os elementos de informação relativos a si mesmo e às ocupações. Portanto, este processo de categorização, deve ser aplicado tanto às informações sobre o mundo do trabalho, quanto às percepções do eu (Pelletier, Noiseux & Bujold, 1982).
Segundo Pelletier e colaboradores (1982), após a cristalização, inicia-se o processo de especificação, no qual, o indivíduo irá comprometer-se com uma preferência ocupacional. Deverá conhecer de maneira mais objetiva esta ocupação e suas possibilidades de realizar metas vocacionais. Suas informações deverão ser mais exatas, mais diversificadas e melhor assimiladas.
A consideração dos valores é uma das tarefas essenciais para o processo de especificação, e no decorrer de todo processo de decisão. A partir da identificação dos valores e necessidades a pessoa percebe por que e em função de quê age. O indivíduo deve ordenar suas necessidades e valores a fim de clarear seus interesses e facilitar sua escolha entre diversas ocupações.
O cumprimento da tarefa de especificação define uma interseção entre os valores individuais e as possibilidades do meio. As tarefas de exploração e cristalização não exigem um comprometimento total da pessoa. No entanto, ao nível das tarefas de especificação é que as preferências vocacionais culminam na escolha de uma ocupação específica. Este “é um período em que as possibilidades de realização da auto-representação devem ser consideradas e avaliadas não apenas sob o ângulo das exigências externas, mas sobretudo, segundo critérios internos e organísmicos, como as necessidades e valores internalizados” (Pelletier, Noiseux & Bujold, 1982, p. 194). A especificação é uma tarefa difícil, pois implica critérios de desejabilidade e probabilidade de concretização de projetos, isto é, ponderar necessidades pessoais e limites da realidade. Portanto, a fim de especificar uma preferência com maturidade, o indivíduo deve ter obtido informações relativas aos seus valores, necessidades e aspirações, e também sobre as vicissitudes do mundo do trabalho, as alternativas possíveis, probabilidades, riscos implicados em certas decisões, etc. Uma das características desta etapa é que o indivíduo sente-se mais comprometido, há um conhecimento mais específico e os planos a realizar são mais precisos (Pelletier, Noiseux & Bujold, 1982).
A última tarefa de desenvolvimento vocacional é a realização. Esta tarefa, não implica somente a expressão de uma preferência, mas também ações, isto é, o indivíduo irá finalmente engajar-se em um curso de estudos ou em seu primeiro emprego na ocupação escolhida. Por outro lado, ele deve ter presente a necessidade de planejamento e considerar os recursos e meios disponíveis para atingir objetivos, antecipando dificuldades e iniciativas a serem tomadas no futuro (Pelletier, Noiseux & Bujold, 1982).
Conclui-se que para realizar uma escolha com maturidade faz-se necessário um tempo de exploração, um tempo de cristalização, outro de especificação e, finalmente, um período de realização. Cada etapa desta seqüência obriga o sujeito a recorrer às habilidades, atitudes e conhecimentos particulares (Pelletier, Noiseux & Bujold, 1982).
1. 2 Indecisão Vocacional
Os sujeitos indecisos vocacionalmente caracterizam-se pela pouca motivação e iniciativa para explorar alternativas ocupacionais, tomam decisões impulsivas e baseadas numa estratégia de tentativa e erro, e possuem uma perspectiva temporal restrita ao presente com dificuldades para imaginar o futuro. Tendem a estabelecer relações interpessoais de dependência com excessiva necessidade de aprovação social, sendo influenciados pelas expectativas de outras pessoas. Sendo assim, possuem dificuldades para formular autoconceitos independentes e relacioná-los com potencialidades ocupacionais, isto é, traduzi-los vocacionalmente (Magalhães, 1995).
Lassance, Grocks, e Francisco (1993) investigaram a opção profissional de uma amostra de 65 estudantes universitários e encontraram determinantes verbalizados de escolha que revelaram um comportamento exploratório insuficiente. Demonstraram falta de informação tanto acerca de si mesmo quanto ao mundo do trabalho e das profissões em geral. As escolhas foram feitas dentre as profissões que puderam observar no meio mais imediato (amigos, familiares), ou a partir dos estereótipos veiculados pelos meios de comunicação, revelando um comportamento exploratório bastante pobre.
Harren (1979) descreveu três estilos de tomada de decisão: o racional, o intuitivo, e o dependente. O estilo racional caracteriza-se pela compreensão das relações meios-fim nas etapas de um processo de decisão, pela antecipação de problemas e busca de soluções e recursos; o sujeito almeja tomar decisões lógicas. O estilo intuitivo caracteriza-se pelo uso da fantasia; o sujeito confia nos seus sentimentos e estados emocionais como base para decisões, o estilo dependente projeta sua responsabilidade de decisão em outros de seu contexto social, sofre demasiada influência externa e tem necessidade de aprovação. É esperado que sujeitos que confiam num estilo racional progredirão mais prontamente do que indivíduos que empregam um estilo intuitivo ou dependente.
1. 3 O ingresso na Universidade
Conforme Lassance (1997), ao ingressar na universidade os sujeitos estão envolvidos pelo entusiasmo da vitória de passar no vestibular, não importando o curso, pois mesmo que entrando em segunda opção, estão na universidade, e isto se torna mais importante que a própria escolha. Após uma fase de entusiasmo, ocorre em muitos casos a decepção com o curso, com os professores, com a instituição. Neste momento há um repensar da escolha realizada, e a re-opção de curso é uma das alternativas encontradas pelo aluno na busca de adaptação à vida universitária e do resgate de seus projetos vocacionais.
No estudo de Lassance, Gocks e Francisco (1993), o prestígio de cursar uma universidade é muitas vezes vivenciado como mais relevante do que a escolha propriamente dita, o passar no vestibular é visto como uma promoção pessoal em si mesmo. "A entrada na universidade adquire um caráter de tarefa evolutiva por si só, em detrimento à tarefa característica da adolescência relativa a escolha de uma profissão ou uma profissionalização". (p.12) Por vezes o adolescente responde a uma exigência familiar e escolhe pela facilidade de ingresso, geralmente em profissões para as quais não tem uma preferência segura e sobre a qual pouco conhecimento possui. Além disto, impõe-se a necessidade de acompanhar o seu grupo de pares, de não ficar alheio ou "para trás" em comparação aos demais. Freqüentar uma universidade, prolongar o período de estudo e a entrada no mercado de trabalho, faz com que a separação do ambiente familiar seja adiada, assim como a aquisição da autonomia. Deste modo, ocorre um prolongamento da adolescência, pois a independência inclui a assunção de uma profissão, requisito essencial para a entrada na vida adulta.
Os jovens anseiam por assumir o papel de cidadão adulto e "dono do seu nariz", isto é, querem tomar suas próprias decisões, porém sabemos que nunca foram estimulados a tomar decisões com autonomia, e, por outro lado, vivemos numa época em que as decisões sobre a carreira são cada vez mais freqüentes e necessárias; pois as variações no contexto sócio-econômico e tecnológico de nossa civilização aceleram-se constantemente, exigindo contínuas adaptações.
Em contraste, a maioria dos jovens valoriza uma colocação estável no mundo profissional. Observa-se que a procura pelo curso de Direito, por exemplo, está geralmente atrelada ao desejo de adquirir uma vaga no funcionalismo público. Numa era de incertezas é preciso adquirir tolerância à ambigüidade, ter abertura a experiências novas e aprender a assumir riscos, porém, tal como observou Lassance (1997) a cultura acadêmica dominante entre os estudantes secundaristas e universitários alimenta a expectativa de que tudo deve ser dito e ensinado, todas as respostas devem ser definitivas, isto é, a concretude da prática profissional deve ser previsível e controlada a priori nos bancos escolares. Estas expectativas irrealistas são o resultado da debilitação das capacidades criativas, exploratórias, de articulação de conceitos e de insight durante a trajetória escolar dos jovens.
1. 4 Declaração do problema
Esta pesquisa investigou a re-opção de curso na perspectiva subjetiva dos sujeitos que a efetuam. Especificamente, objetivou examinar diferenças em estilos de escolha e maturidade vocacional entre a primeira opção e a re-opção de curso universitário. Entende-se por primeira opção o processo decisório que trouxe o aluno para o curso no qual está matriculado. Entende-se por re-opção o processo decisório que motiva o aluno a solicitar transferência para outro curso universitário. Os objetivos são definidos em três proposições: 1) identificar núcleos contextuais e pessoais enquanto fatores virtuais de re-opção de curso; 2) verificar se ocorrem alterações no estilo de tomada de decisão na re-opção de curso em relação a primeira opção efetuada; 3) verificar variações em maturidade vocacional em alunos re-optantes.
Método
2. 1 Sujeitos
Os sujeitos desta pesquisa foram 12 alunos, 6 homens e 6 mulheres, com idades entre 17 e 21 anos, que solicitaram re-opção de curso junto ao Núcleo de Orientação Educacional da ULBRA.
2. 2 Instrumento
O instrumento constituiu-se num roteiro tópico para entrevistas individuais (anexo 1). A estrutura do roteiro baseou-se no protocolo utilizado por Magalhães (1995), pois este se mostrou adequado para a identificação de dimensões de maturidade vocacional e estilos de escolha. O protocolo formal da entrevista (anexo A) constituiu-se de perguntas-chave que abordaram os temas focalizados pela pesquisa. As questões foram enumeradas em uma ordem ideal. Na prática, as primeiras perguntas iniciaram uma conversa informal que propiciou uma narrativa espontânea por parte do entrevistado. As intervenções do pesquisador foram feitas oportunamente, respeitando o encadeamento do discurso dos sujeitos. O diálogo da entrevista não foi restrito ao roteiro pré-estabelecido, mas expandiu-se conforme o fluxo do discurso dos sujeitos.
2. 3 Procedimentos
2. 3. 1 Coleta de dados
As entrevistas foram realizadas com a colaboração do Núcleo de Orientação Educacional (NOE) da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), que concedeu a listagem dos alunos que solicitaram re-opção de curso. O primeiro contato com os sujeitos foi telefônico, no qual explicou-se o objetivo da investigação e, caso o aluno aceitasse participar, era marcada a entrevista. As entrevistas foram realizadas na ULBRA, em sala apropriada, com duração média de 60 minutos. As entrevistas foram gravadas em fitas de audio e transcritas em sua linguagem original.
2. 3. 2 Análise dos dados
Os dados foram tratados através do método de análise de conteúdo de acordo com Bardin (1979). O tema foi a unidade de registro escolhida. Fazer uma análise temática consiste em descobrir os "núcleos de sentido" que compõem a comunicação e cuja presença ou freqüência de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido. (Bardin, 1979, p.105) As narrativas transcritas na linguagem original dos entrevistados foram submetidas ao recorte de suas unidades temáticas. A categorização das unidades temáticas produziu categorias temáticas. A articulação das categorias temáticas gerou argumentos interpretativos direcionados aos objetivos da pesquisa. O tratamento inferencial realizado buscou as condições de produção das narrativas em termos dos fatores antecedentes e conseqüentes às mensagens do texto. Isto é, a partir das estruturas semânticas, inferiram-se as estruturas psicológicas ou sociológicas das mensagens.
Apresentação dos Resultados
A análise do conteúdo dos depoimentos produziu as seguintes categorias temáticas: 1) desejo de cursar uma universidade; 2) dificuldade nas disciplinas; 3) mercado de trabalho e rentabilidade; 4) continuidade aos negócios da família; 5) decepção com o curso; 6) incerteza em relação à re-opção.
3.1 Desejo de Cursar uma Universidade
Os sujeitos relataram que é fundamental cursar uma universidade. O ingresso em um curso superior é visto como uma busca de crescimento pessoal, outras vezes é uma resposta às exigências familiares, e também considerado uma “continuidade natural dos estudos”. O desejo de freqüentar um curso superior é acompanhado de expectativas de independência, status, e facilidade com relação à empregabilidade. Os sujeitos relataram que com o término do curso superior esperam melhorar o seu padrão de vida, o que possibilitará a satisfação das necessidades de lazer e consumo, assim como de independência e auto-realização.
“Acho fundamental cursar uma universidade. Sou muito ambiciosa, quero estar sempre estudando; acredito que só assim garantirei meu lugar no mercado de trabalho”. (SF10: Matriculado em Biologia, re-optou por Processamento de Dados).
“É muito importante o curso universitário em todos os aspectos. É uma segurança hoje em dia que as pessoas tem na hora de procurar um bom emprego, com um salário razoável que é tão difícil encontrar. Tem a opção de fazer concursos e garantir seus empregos, algo estável devido ao momento que passa o Brasil”. (SF4: Matriculado em Enfermagem, re-optou por Fisioterapia).
“Sem uma formação jamais serei alguém. Toda a minha família fez um curso superior e isto é um valor importante para nós”. (SM8: Matriculado em Direito, re-optou por Psicologia).
“Acho fundamental para o desenvolvimento. Não penso em parar de estudar, mesmo não gostando do curso vou tentar outro até me encontrar”. (SF9: Matriculado em Engenharia de Plásticos, re-optou por Pedagogia).
3.2 Dificuldade nas Disciplinas
O fato de não conseguir acompanhar os conteúdos das aulas foi considerado um fator determinante para trocar o curso.
“... Comecei a pensar em outro curso nas aulas de anatomia, não consegui acompanhar a turma” (SF7: Matriculado em Enfermagem, re-optou por Administração).
“Achei as aulas de matemática muito complicadas, então resolvi analisar o currículo do curso, vi que era pura matemática, então comecei a pensar em outro curso” (SF9: Matriculado em Engenharia de Plásticos, re-optou por Pedagogia).
“Nas aulas do Direito há muitos seminários para apresentar, ficava super ansiosa, sou muito tímida e envergonhada, era terrível”. (SF6: Matriculada em Direito, reptou por Engenharia Elétrica).
3.3 Mercado de Trabalho e Rentabilidade
Os sujeitos mostraram-se preocupados com o padrão de vida no futuro, e valorizaram, em suas escolhas, a inserção no mercado e o retorno financeiro.
“Pensei em um curso mais prático... que ofereça bastante alternativas de emprego”. (SM5: Matriculado em Ciências Contábeis, re-optou por Engenharia Civil).
“Pensei em fisioterapia por ser uma profissão de melhor renda e tenho a possibilidade de ser autônomo”. (SF4: Matriculado em Enfermagem, re-optou por Fisioterapia).
“Meus pais são professores, temos uma vida bastante simples... não quero passar trabalho assim como eles. O baixo salário fez eu repensar o curso que escolhi”. (SF10: Matriculado em Biologia, re-optou por Processamento de Dados).
“Penso em garantir o meu lado financeiro... quero continuar morando na fazenda do meu pai e te uma profissão paralela ao cultivo de arroz”. (SM2: Matriculado em Engenharia Agrícola, re-optou por Engenharia Civil).
Este último excerto articula-se com a próxima categoria.
3.4 Continuidade aos Negócios da Família
O anseio por um mercado de trabalho promissor e facilitado, levou alguns a escolher por atividades já realizadas pela família, onde possam dar continuidade e investir no crescimento dos empreendimentos de familiares.
“Escolhi a civil, pois é o curso que se aproxima mais da minha empresa e dos meus pais... com ela tenho mais chances de trabalhar na área aproveitando a minha prática e o meu conhecimento do dia-a-dia”. (SM5: Matriculado em Ciências Contábeis, re-optou por Engenharia Civil).
“Meu pai me convidou para trabalhar com ele na nossa empresa de manutenção de motores. Sabe que me envolvi tanto com o trabalho, com a tecnologia e com os resultados... hoje me imagino trabalhando no lugar do meu pai, fazendo cálculo... melhorando a qualidade do serviço...” (SF6: Matriculado e, Direito, re-optou por Engenharia Elétrica).
“Tenho planos para dar continuidade ao cultivo do meu pai e penso em ter outra profissão nas intersafras. Só a agricultura está difícil de ter um bom nível de vida”. (SM2: Matriculado em Engenharia Agrícola, re-optou por Engenharia Civil).
3.5 Decepção com o Curso
A decepção com o curso escolhido foi freqüentemente alegada como motivo de re-opção. A re-opção traz expectativas quanto a desenvolver novas capacidades pessoais tais como o espírito empreendedor, a criatividade, “flexibilidade”, espírito de equipe, entre outras. Neste sentido, o caráter teórico das disciplinas iniciais é referido como algo decepcionante, pois os entrevistados esperavam atividades práticas relacionadas à profissão.
“Me decepcionei com o direito. Estou como nojo. Não há incentivo à criação, ao pensamento, é só decorar os códigos. Estava cursando o 3º semestre, era só reproduzir, estava me achando muito alienado. Pensei que fosse bem diferente Acho que com a psicologia, usarei o meu senso crítico”. (SM8: Matriculado em Direito, re-optou por Psicologia).
“Pensei que a engenharia agrícola fosse como a agronomia. Agora vejo que não é. Achei o curso muito demorado e caro. Quero um curso mais prático...” (SM5: Matriculado em Engenharia Agrícola, re-optou por Engenharia Civil).
“Pensei que a psicologia fosse um curso mais prático. Na verdade tenho uma idéia bem diferente e errada do curso”. (SF11: Matriculado em Psicologia, re-optou por Ciências Contábeis).
“Comecei a pensar que eu não quero passar as noites tirando plantão, fazendo tudo o que for preciso pelos pacientes, mas na verdade sempre sendo mandada por médico que terá sempre a última palavra”. (SF4: Matriculado em Enfermagem, re-optou por Fisioterapia).
3.6 Incerteza em relação à re-opção
Os sujeitos referiram-se à re-opção como uma nova tentativa e consideraram a possibilidade de trocar novamente de curso.
“Só terei certeza que seguirei meu curso quando fizer mais disciplinas específicas... A princípio vou tentar”. (SF9: Matriculado em Engenharia de Plásticos, re-optou por Pedagogia).
“Total ou muita certeza ainda não. Acredito que só terei certeza quando realizar estágios na área, só com a prática terei certeza absoluta do que quero”. (SF1: Matriculado em Fonoaudiologia, re-optou por Fisioterapia).
“Não tenho condições de avaliar, penso que só saberei quando estiver cursando”. (SF4: Matriculado em Enfermagem, re-optou por Fisioterapia).
“Penso que teria que obter mais informações sobre o curso. Tenho uma grande expectativa com o curso, espero não me decepcionar desta vez”. (SF3: Matriculado em Pedagogia, re-optou por Letras).
“No decorrer do curso é que vou ter certeza absoluta. Não cheguei a ver o currículo. Acho que vou gostar. Meu pai já falou algumas coisas e pela convivência com ele, tenho muitas expectativas”. (SF6: Matriculado em Direito, re-optou por Engenharia Elétrica).
“Vou cursar algumas disciplinas, se não gostar eu troco... “. (SF7: Matriculado em Enfermagem, re-optou por Administração).
“Como eu te falei foi por eliminatória. Não sei bem o por que da escolha, só sei que quero estudar. Penso que o curso de engenharia seja mais prático e rápido”. (Matriculado em Ciências Contábeis e re-optou por Engenharia Civil).
“Olha posso te dizer que foi uma insatisfação geral, foram várias as causas, só não sei dizer bem, ainda estou confuso” (SM2: Matriculado em Engenharia Agrícola, re-optou por Engenharia Civil).
Discussão dos Resultados
O conjunto das narrativas mostra que não houveram diferenças significativas nos aspectos de maturidade vocacional entre os processos de opção e re-opção de curso. Ambos constituíram-se em tentativas de encontrar um ideal profissional pouco discriminado e explorado em sua facticidade. Observou-se na totalidade dos entrevistados uma carência de conhecimentos específicos em relação às profissões escolhidas, tanto na primeira escolha quanto na re-opção. A categoria "incerteza em relação à re-opção" mostra que, embora insatisfeitos com a primeira escolha e com desejo de mudar, os sujeitos não engajaram-se em atividades exploratórias que possibilitassem a formulação de critérios mais elaborados de escolha; observa-se uma atitude passiva e de espera. Ou seja, os sujeitos revelaram a expectativa de que a definição se processe naturalmente no decorrer do curso e da carreira.
Deste modo, observou-se que a grande maioria dos sujeitos entrevistados não relataram terem buscado informações específicas sobre as atividades de trabalho relativas às profissões de interesse. A re-opção ocorreu sem o mínimo de informações tanto acerca de si
próprio, quanto acerca do mundo do trabalho. As re-escolhas foram feitas entre as profissões que, na percepção dos entrevistados, supostamente podem oportunizar um retorno financeiro mais imediato, revelando um comportamento exploratório pobre.
A carência de comportamentos exploratórios levou os sujeitos a tomarem decisões impulsivas e baseadas numa estratégia de tentativa e erro. Portanto, mostraram pouco compromisso com a implementação da nova opção.
Os sujeitos evitaram o aprofundamento das disciplinas com as quais tiveram dificuldades. Não fizeram uma exploração e análise da relevância destes conteúdos para a prática profissional concreta e consideraram estas disciplinas como fatores críticos na determinação da adequação da sua escolha. Portanto, houveram desistências precipitadas e sem subsídios bem fundamentados. A dificuldade em uma disciplina torna-se elemento decisivo para a re-opção de curso, revelando a fragilidade da decisão.
A re-opção, assim como a primeira opção, caracterizou-se pela imaturidade, de acordo com os critérios de Super (1963). Os sujeitos não descreveram atividades exploratórias com o intuito de verificar suas expectativas quanto a nova opção. Os critérios adotados para a nova escolha basearam-se em desejos de gratificação financeira e empregabilidade garantidas, seja através de
uma suposta facilidade oferecida pela profissão, seja pela continuidade dos negócios da família. Observou-se a ansiedade por obter resultados imediatos e a ausência de uma atitude reflexiva necessária ao teste da realidade, à hierarquização de valores e ao planejamento.
Sabe-se que uma escolha madura é resultante de um autoconceito vocacional fundamentado na exploração do si-mesmo, e de um planejamento suficiente que beneficie as aptidões, interesses e valores do sujeito na relação com o meio; porém, os depoimentos não revelaram indicativos deste processo. Sendo assim, os entrevistados percebiam suas re-escolhas apenas como uma nova tentativa e não como a realização de um projeto.
O processo de re-opção de curso ocorreu a partir de uma atitude passiva e sem antecipação. Isto é, não há um envolvimento efetivo na nova tarefa de escolha, há pouca motivação e iniciativa de exploração. Os sujeitos não mostraram clareza de seus objetivos e seus valores. Pode-se afirmar que revelaram um baixo contato com a realidade e uma visão superficial do mercado de trabalho.
Observou-se o desejo de obter formação universitária, em adquirir conhecimento e qualificação, porém, os sujeitos justificaram tal desejo a partir de necessidades de emprego, remuneração e status, com uma visão superficial da carreira, pois pareceram não avaliar a diversidade de fatores envolvidos. Não houve discriminação e hierarquização dos interesses, valores e habilidades. A exploração de alternativas ocupacionais foi pobre, ocorreu apenas mais um ensaio de escolha sem um verdadeiro comprometimento, e portanto sem a antecipação das conseqüências possíveis. Sendo assim, os sujeitos não apresentaram as habilidades e as atitudes inerentes à maturidade vocacional e às respectivas tarefas de exploração, cristalização, especificação e realização, que não foram adequadamente desenvolvidas.
As incertezas em relação ao futuro do mundo do trabalho e suas constantes mudanças trazem ansiedade e indecisão quanto a melhor opção profissional; os entrevistados mostraram o desejo de obter mais vantagens no mercado competitivo. Os indivíduos buscam garantias que não existem mais e acabam por dar “tiros no escuro” em busca de soluções definitivas num contexto sócio-econômico caracterizado pela efemeridade. Estas "soluções" prematuras caracterizam-se por escolhas impulsivas, conformistas e dependentes. Não há uma estratégia de escolha em termos de atividades exploratórias e definição de critérios de preferência e viabilidade das alternativas de carreira. Ocorre na grande maioria dos casos analisados uma ansiedade de acertar, de encontrar-se. Há uma urgência de "acertar" logo, pois o mundo do trabalho e das ocupações torna-se cada vez mais complexo, instável e competitivo.
A entrada na universidade ocorreu de maneira facilitada, por se tratar de uma instituição privada e a concorrência ser menor, houve uma empolgação em relação a aprovação e pouco envolvimento com a questão ocupacional. No decorrer do curso, onde há um contato direto com a futura atividade profissional é que os alunos se permitem um questionamento, muitas vezes decorrente do baixo rendimento escolar, onde há a sensação de estar no “lugar” errado e que se deve procurar a realização profissional.
O fato de ter uma vaga garantida dentro da universidade, de ter vencido o tabu do vestibular permite ao aluno um repensar. Pode-se argumentar que a ansiedade de ultrapassar esta barreira tão valorizada socialmente, e objeto de preocupações quanto a auto-estima, muitas vezes interfere na clareza dos valores, objetivos e interesses. Somente após a aprovação surge a preocupação com a escolha propriamente dita. Tais fatos podem acarretar em escolhas precipitadas na busca da facilidade de ingresso. Neste sentido, cabe questionar o excessivo direcionamento de nosso sistema de ensino para a aprovação no vestibular, e a ausência de estímulos à reflexão sobre questões de projeto de vida e cidadania.
Referências Bibliográficas
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1 Endereço para correspondência: Ramiro Barcelos 1511/35, POA, RS - Cep 90035-006 E-mail: mauro.m@zaz.com.br.
1 Professor da ULBRA.
2 Psicóloga, Núcleo de Orientação Educacional da ULBRA.
Protocolo de Entrevista
Apresentação da pesquisa: Esta é uma pesquisa sobre o processo de re-opção vocacional. Nós vamos conversar sobre como tu estás vivendo este momento de nova escolha de carreira profissional. A entrevista será gravada em fita cassete. Será mantido sigilo absoluto sobre o teu depoimento. Você gostaria de perguntar alguma coisa?
A & Definição ( decisão versus indecisão)
1) O que o atraiu, que expectativas o levaram a 1ª opção profissional?
2) Que gratificações você esperava obter na sua 1ª escolha e que considerou estar no caminho errado?
3) Desde quando começou a pensar em re-optar?
4) Existiu algum fator crítico, decisivo que o motivou a trocar de curso?
5) Como você fez a nova escolha de curso universitário?
B & Preferências Vocacionais
6) Você saberia dizer o que torna atraente para você esta nova opção? Que expectativas, satisfações e gratificações você deseja obter?
C & Projeto de Vida
7) Como você se imagina no futuro? Quais são seus planos? Qual seria o estilo de vida? Que tipo de rotina você gostaria de ter? Como idealiza o seu ambiente de trabalho? Consegue se imaginar daqui há dez anos?
D & O Compartilhar de Questões e Anseios Vocacionais
8) Você costuma conversar com outras pessoas sobre este assunto?
9) Na sua convivência com o pessoal da sua 1ª opção como você se sentiu? Esta convivência influenciou na sua decisão?
E & Exploração do Autoconceito
10) Que tipo de pessoa você se considera? Você relaciona estas características com a sua escolha de profissão? (Que profissão você não escolheria?)
F & Grau de Certeza
11) Você avaliaria o seu grau de certeza em relação a sua nova decisão: nenhuma, pouca, média, muita ou total?
G & Saliência do Papel Profissional
12) Você considera importante cursar uma faculdade? Por que?
& Sondagem de Tarefa de Desenvolvimento Vocacional
13) Você se considera preparado, ou em condições de fazer esta re-opção com segurança e convicção? O que você poderia fazer para reoptar com mais certeza?
Fechamento: A entrevista prossegue conforme a disponibilidade do sujeito em continuar seu depoimento sobre o tema da pesquisa. Por fim, o pesquisador agradece e encerra a entrevista