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Psicologia: ciência e profissão
versão impressa ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. v.1 n.1 Brasília jan. 1981
Psicologia do trânsito; o que é e para que serve
Reinier J.A. Rozestraten
FFCL Ribeirão Preto USP
COMENTÁRIO
A Psicologia do Trânsito surgiu como consequência de numerosas pesquisas em dezenas de institutos, laboratórios e centros de pesquisa nas últimas duas décadas. Podemos definí-la como o estudo científico do comportamento dos participantes do trânsito, entendendo-se por trânsito o conjunto de deslocamentos dentro de um sistema regulamentado.
Este tipo de Psicologia estuda portanto o comportamento dos pedestres - de todas as idades -, do motorista amador e profissional, do motoqueiro, do ciclista, dos passageiros e do motorista de coletivos, e num sentido mais largo ainda, de todos os participantes do tráfego aéreo, marítimo, fluvial e ferroviário. De modo geral, no entanto, a Psicologia do Trânsito se restringe ao comportamento dos usuários das rodovias e das redes viárias urbanas.
Este comportamento, aparentemente simples, é na realidade bastante complexo. Ele pode incluir processo de atenção, de detecção, de diferenciação e de percepção, a tomada e o processamento de informações, a memória a curto e a longo prazo, a aprendizagem e o conhecimento de normas e de símbolos, a motivação, a tomada de decisões bem como uma série de automatismos percepto-motores, de manobras rápidas e umacapacidade de reagir prontamente ao feedback, a previsão de situações em curvas, em cruzamentos e em lombadas, e também, uma série de atitudes em relação aos outros usuários, aos inspetores, às normas de segurança, ao limite de velocidade, etc. Uma análise detalhada da tarefa do condutor de veículos revela uma infinidade de fatores, cada um dos quais pode ser importante para evitar um acidente, merecendo portanto ser assunto de um estudo aprofundado.
A metodologia não difere essencialmente daquela usada nas outras áreas de Psicologia: ao lado de muitos estudos experimentais, realizados em laboratórios, tem sido desenvolvidos numerosos estudos observacionais feitos nas rodovias e nos cruzamentos urbanos, alem de análises pormenorizadas dos casos de acidentes. Entre o método de observação em situação real e o experimento no laboratório está o método que usa simuladores, estes últimos variando do mais simples ao mais sofisticado. Tem sido também utilizados em pesquisas, carros equipados com todos os registradores possíveis de movimentos e modificações fisiológicas durante a direção do veículo. Um primeiro carro deste tipo foi introduzido na França por G.Michaut, no Laboratoire de Psychologie de la Conduite de ONSER, em Montlhery, onde tive o prazer de estagiar durante um ano.
Como é óbvio, a Psicologia do Trânsito se relaciona com quase todas as áreas especializadas da Psicologia: desde a psicofísica e psicofisiologia até à teoria de decisão e os processos cognitivos, procurando explicações na teoria do condicionamento operante e na teoria psicanalítica. Interessa-se por psicologia do desenvolvimento e por psicologia gerontológica e se relaciona com a psicologia da motivação e da aprendizagem, com a psicopedagogia e com a psicologia social. O comportamento no trânsito é algo que compreende as reações de todas as pessoas que se movimentam, independente de sua idade, condição socio-econômica, nível de instrução, sexo ou profissão. É um campo que envolve grande complexidade de fatores, e por isto mesmo não muito fácil de ser estudado.
Além de estar ligado às diversas àreas da Psicologia, este campo requer também contatos com a engenharia de estradas e de veículos, com a medicina do trabalho, com a estatística, a física (um carro é uma massa em movimento), a ergonomia,a sociologia, a psicopedagogia e mesmo com o direito e com a criminologia.
A resposta à pergunta "para que serve" é um pouco mais complexa- Em primeiro lugar, serve para conhecer toda a gamma de comportamentos neste tipo de situações, comportamentos individuais e sociais, contribuindo para um melhor conhecimento do homem. Em segundo lugar, o estudo dos diversos fatores perceptivos, cognitivos e de reação podem contribuir para melhorar por um lado a situação da estrada e da sinalização rodoviária e urbana, e por outro lado pode aperfeiçoar os veículos, permitindo maior visibilidade, melhor feedback e colocação mais eficiente dos comandos. Como consequência, a Psicologia do Transito pode contribuir para diminuir a enorme quantidade de acidentes nas estradas. Em terceiro lugar, ela pode dar as diretrizes educacionais, sugerindo recursos mais eficientes para o ensino; dirigir é aparentemente simples mas um pequeno erro pode ter consequências seríssimas. Que tipos de ensinamentos podem contribuir para poupar mais vidas? A Psicologia do Trânsito oferece subsídios para garantir a todo ser humano condições de maior segurança no trânsito, diminuindo os riscos de acidentes e as ameaças de perder a vida.