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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.6 n.1 Brasília  1986

 

Formação e atuação em Psicologia Organizacional*

 

 

José Carlos Zanelli

Professor do Depto. de Psicologia da Universidade Brás Cubas, de Mogi das Cruzes.E.S.P.

 

 

Malvezzi (1979, p.126), após investigar as atividades dos psicólogos profissionais de recursos humanos na Grande São Paulo, afirma que os psicólogos "não possuem modelos referenciais de organização que lhes forneçam uma visão dos processos organizacionais". Isto porque, entre outras coisas, as próprias escolas de Psicologia não demonstram preocupação maior pelos efeitos do seu produto no meio histórico-social. Além disto, lembremo-nos da organização como realidade complexa que é, uma rede intrincada de variáveis, de difícil apreensão. Tudo contribui para tornar os psicólogos, em sua maioria, agentes de manutenção do status quo, reprodutores de objetivos técnicos, sem poder de intervenção nos processos decisórios organizacionais.

Fala-se, de alguns anos para cá, em uma crise de identidade do psicólogo, quer atue em pesquisa, em consultório, no magistério, ou em instituições. Isto é particularmente verdadeiro para a Psicologia Organizacional, conforme constata-se em um texto intitulado Psicologia organizacional: qual é o papel desta comissão? do Jornal do CRP-06 (janeiro de 1984, p.4): "A área organizacional é, com certeza, a menos definida em termos de Psicologia. Até há pouco tempo, a atuação do psicólogo nas empresas era vista como essencial apenas e tão somente na seleção de pessoal. Hoje, esta área de atuação está sendo ampliada e, nesta fase de transição, ainda resta muito espaço a ser conquistado, tanto na busca de espaços específicos dos psicólogos, quanto naqueles compartilhados com outras categorias profissionais".

Se considerarmos o objeto de trabalho da atuação em Psicologia Organizacional como as relações entre as condições de ajustamento da organização em seu ambiente, das relações de interdependência de seus subsistemas e os fatores que determinam tais relações — isto tudo no que concerne especificamente aos recursos humanos — talvez possamos vislumbrar indícios das causas da falta de definição do papel dos psicólogos organizacionais.

Os psicólogos têm atuado, como parece se configurar, no nível superficial da realidade das organizações e não se preocupam, em profundidade, com o processo organizacional, como algo multideterminado. As noções de causalidade e determinação dos eventos são precariamente enfatizadas, como se aplicações tópicas ao processo organizacional gerassem, de fato, transformações eficientes e duradouras. Esta falta de clareza, sobre o seu objeto de trabalho, para o próprio profissional, revela implicações contundentes para a sua formação e também para com a forma de perceber a sua atuação.

Voltemos nossos olhos para as escolas (faculdades) de Psicologia. As disciplinas ministradas sob as denominações de Psicologia Industrial, Psicologia Organizacional ou Psicologia do Trabalho, possuem um conteúdo acentuadamente técnico. Salvo exceções, ensina-se o como fazer, sem questionar-se o por que fazer. Visam transmitir ao aluno formas de prestação de serviços muito mais dirigidas para indivíduos isolados do que para os processos organizacionais.

Reflitamos sobre alguns aspectos relacionados com a composição dos currículos das escolas de Psicologia. Uma análise dos currículos dos cursos de Psicologia, realizada em 1982 pela Comissão de Ensino do Conselho Regional de Psicologia — 6ª Região, revelou que existe uma marcada desproporção, não favorável à Psicologia Organizacional, entre a quantidade de disciplinas voltadas, direta ou indiretamente, para a preparação dos alunos ao exercício profissional nas organizações e as disciplinas dirigidas para a Psicologia Clínica. Em decorrência, e supondo-se que o modelo clínico tem sido, em geral, calcado na perspectiva de análise individual de problemas, aos alunos ocorrerá a generalização de tais procedimentos para a empresa. Cabe ainda ressaltar a falta, nos currículos, de disciplinas relacionadas com a Administração e a Economia, como exemplos, que poderiam fornecer subsídios complementares à formação dos alunos, facilitando-lhes a interação com outras categorias que atuam no contexto das organizações, além de facilitar a compreensão das múltiplas nuanças do processo organizacional. Nas palavras de Mello (1975, p.60): "os cursos ganharam uma unidimensionalidade compacta, de maneira que não apenas formam psicólogos clínicos, mas transformam os alunos, graças ao conteúdo predominante das disciplinas, em psicólogos clínicos" (grifos no original).

Se, do lado da empresa, existe uma indefinição quanto à prescrição do papel do psicólogo (Malvezzi, 1979, p. 117) que é, em contrapartida, igualmente assumida pelo profissional, também é inegável, sem dúvida, a importância do subsistema comportamental ou psicosocial nas organizações. Trata-se de um subsistema complexo e difuso, e influi em todos os subsistemas, sendo, ao mesmo tempo, causal e instrumental das tarefas organizacionais (Souza, 1975, p. XIV). Novamente recorrendo a Mello (1975, p. 51): "Em resumo, parece-nos que compete aos próprios psicólogos a disputa dos cargos que as empresas, muitas vezes, entregam a elementos com menores qualificações, e é nesse sentido que uma formação profissional mais bem cuidada e um interesse por esse tipo de trabalho, criado durante o curso de graduação dos psicólogos, podem favorecer o desenvolvimento da Psicologia Aplicada ao Trabalho".

Face ao exposto até aqui, talvez possa ser resumida a problemática em torno de uma tríade:

1. A indefinição do papel dos psicólogos organizacionais e o caráter técnico de suas contribuições:

2. A falta de prescrição para o papel dos psicólogos por parte da organização e um bloqueio quanto à sua participação nos processos decisórios;

3. A falta, na prática educacional, de um enfoque característico da Psicologia Organizacional que, efetivamente, permita aos alunos uma melhor compreensão dos processos organizacionais, e assim, talvez, lhes facilite apreender as oportunidades de intervenção.

A escola representa, nesta análise, importância crucial, por ser o elemento de potencial detonador rumo às transformações desejadas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Comissão de Ensino do Conselho Regional de Psicologia — 6ª Região. Análise dos currículos do curso de Psicologia. São Paulo, 1982. Mimeografado.        [ Links ]

Comissão de Psicologia Organizacional do Conselho Regional de Psicologia — 6ª Região. Psicologia Organizacional: qual é o papel desta comissão? Jornal do CRP-06, janeiro de 1984, p. 4.        [ Links ]

MALVEZZI, S. O papel dos psicólogos profissionais de recursos humanos: um estudo na Grande São Paulo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1979. Dissertação de mestrado.        [ Links ]

MELLO, Sylvia Leser de. Psicologia e profissão em São Paulo, São Paulo: Atica, 1975.        [ Links ]

 

 

* Este artigo faz parte da tese de mestrado apresentada pelo autor ao Instituto Metodista de Ensino Superior de São Bernardo do Campo.