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Psicologia: ciência e profissão
versão impressa ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. v.9 n.2 Brasília 1989
Com o que, de fato, a terapia comportamental trabalha? - Um depoimento pessoal de um terapeuta comportamental*
Harald W. Lettner, Ph.D.
Professor da Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC/RJ e Diretor do Instituto de Psicoterapia Comportamental Clínica Médica e Psicológica Ltda.
A terapia comportamental (T.C.) tem como objetivo bem claramente definido o de resolver (ou pelo menos tentar resolver) qualquer problemática psicológica que um indivíduo possa estar experimentando e de (re) instituir um funcionamento psicologicamente adequado e, portanto, satisfatório para este indivíduo. Como veremos mais adiante, isso NÃO significa um tratamento "sintomatológico" ou "mecanicista" uma vez que esta abordagem é baseada no modelo sócio-psicológico que elimina o conceito de "doença subjacente" e, portanto, também de sintomas, através dos quais esta doença se manifestaria mas SIM um tratamento das queixas apresentadas além dos macanismos psicológicos funcionalmente envolvidos no desenvolvimento e na manutenção desta problemática. Isto, obviamente, necessita de um entendimento geral e específico do cliente em termos de seu funcionamento atual (principalmente os fatores de manutenção da problemática) e da história de vida que resultou no quadro atual.
O 1° passo, então, na T.C. é de se alcançar um entendimento (o que é o contrário de uma posição mecanicista), através de uma análise funcional dos fatores:
Aqui, S significa estímulo, o que é qualquer evento ou acontecimento externo ou interno capaz de desencadear determinada resposta (R). Raramente esta ligação (S-R) é direta na realidade isto só acontece nos reflexos. O resto do comportamento tem um fator intermediário O organismo; aqui entram fatores como predisposição neuro-fisiológicas (por exemplo, hiper-reatividade do sistema nervoso, etc), predisposições pessoais (por exemplo, neuroticismo, introversão extroversão, etc.), experiências passadas, educação, moral, religião, etc, que funcionam como um "filtro" influenciando a percepção do estímulo e a seleção da resposta específica a ser emitida. A resposta R sempre consiste de três níveis diferentes: C = o nível cognitivo que compreende todos os eventos mentais como, por exemplo, pensamentos, idéias, impulsos, desejos, etc.; A= o nível das respostas do sistema nervoso autônomo como, por exemplo, taquicardia, tensão muscular, tremor, sudorese, etc; e M= o nível das respostas motoras, tudo que a pessoa realmente faz. E, finalmente, cons = as conseqüências de determinada reação (C,A e M) que podem ser externas e/ou internas como, por exemplo, alívio, crítica ou aprovação por outros, culpa, etc.
Nesta análise funcional o terapeuta se comporta como um detetive formulando hipóteses a respeito da problemática, submetendo-as a verificações, inicialmente através da lógica de entrevista, com o objetivo de gradualmente aumentar a confiabilidade de suas suposições a respeito do funcionamento do cliente (ao contrário do psicólogo tradicional que tira as suas conclusões de entrevistas e testes questionáveis sem expor essas suposições à qualquer verificação). Em outras palavras, trata-se de uma tentativa de aplicar o modelo experimental ao processo de obtenção de entendimento da problemática do cliente com a finalidade de fornecer: 1) insight para o cliente (que não é suficiente para resolver os problemas mas, sim, motiva-o para se desempenhar no tratamento em si) e 2) conhecimento dos fatores envolvidos principalmente na manutenção da problemática, para servir como base para o planejamento da intervenção terapêutica, que é, portanto, desenvolvida individualmente "à medida" para cada cliente e sua problemática. Esta avaliação (que demora normalmente em torno de quatro consultas) tem, então, como objetivo desenvolver uma formulação dbs problemas, ou seja: a) uma definição operacional da problemática, b) identificação objetiva dos fatores do desenvolvimento e principalmente da manutenção da problemática, c) indicações terapêuticas diretas e d) o seu prognóstico.
O terapeuta, nesse contato inicial com o cliente, já tenta desenvolver um relacionamento com ele, mas o relacionamento terapêutico em si, como 2° passo, (no sentido de ser uma interação entre duas pessoas mais favorável à produção dos objetivos terapêuticos) se desenvolve baseado na formulação que indica diretamente o tipo de interação mais apropriada. Embora a T.C. sempre exija verificação empírica ou experimental (que quase não existe nesta área), a maioria dos terapeutas comportamentais usa procedimentos de desenvolvimento de relacionamentos interpessoais (sejam eles Rogerianos ou de qualquer outro tipo). Estamos atualmente, na PUC/RJ, executando a primeira tentativa de operacionalização dos fatores favoráveis a um relacionamento terapêutico e sua verificação, com o objetivo de criar uma base mais objetiva para esta área. Os primeiros resultados estão sendo publicados na revista "Estudos em Psicologia", da PUCCAMP. Basicamente o terapeuta desenvolve um relacionamento único com cada cliente; formas padronizadas de interação, como por exemplo, ser empático e caloroso com cada indivíduo, significam ignorar diferenças individuais, certamente inapropriado e podem, sob certas condições, até prejudicar o cliente.
Somente depois de ter desenvoldido a formulação (como definida acima) da problemática, o terapeuta parte, como 3° passo, para o planejamento das intervenções terapêuticas necessárias para resolver o problema. Este "programa" terapêutico é individualmente desenvolvido "sob medida" para cada indivíduo e sua problemática (o que é o contrário de uma postura mecanicista). Dependendo dos fatores do desenvolvimento e da manutenção identificados na avaliação, junto com os seus mecanismos de interligação funcional, o terapeuta comportamental pode atuar numa série de áreas (através de uma metodologia vasta e a cada ano maior), das quais apresentarei as mais importantes. A seqüência da apresentação é muito mais de ordem didática do que terapêutica e segue o esquema da análise funcional apresentada:
Áreas de atuação
1) O: predisposições neurofisiológicas (por exemplo, hipótese de Lader e Wing), neuroticismo, introversão extroversão, efeitos do passado (não o passado em si), da educação e de experiências anteriores, regras e crenças errôneas moralistas e religiosas, etc.
2) ligações S-R: condicionamento clássico, discriminação, abstração, generalização, etc.
3) R:
a) C-respostas cognitivas: pensamentos, idéias, impulsos, desejos, etc.
b) A-respostas autonômicas: taquicardia, palpitações, produção de suco gástrico, alterações de pressão sangüínea, tremor, sudorese, tensão muscular, etc.
c) C+A: as respostas cognitivas e autonômicas juntas compreendem as emoções, sentimentos e afetos.
d) M-respostas motoras: os comportamentos específicos que o indivíduo emite.
4) ligações R-cons.: contingências de reforço e punição, extinção, ganho secundário, eficácia relativa do comportamento na sua atuação sobre o ambiente, valor relativo do reforço e do reforçador, etc.
5) resistências: nem todas as dificuldades no processo terapêutico devem ser atribuídas a uma resistência do cliente, muito pelo contrário, na realidade a maior parte tem que ser atribuída a erros no entendimento (e portanto no tratamento) do terapeuta. Ainda assim podem ocorrer resistências verdeiras que são analisadas e trabalhadas dentro dos princípios dos ganhos secundários.
6) modelação-imitação: aprendizagem vicária aonde o terapeuta(e/ou seus ajudantes) funciona como modelo de forma apropriada para cada indivíduo.
7) fatores ambientais no nível de S e/ou cons.: por exemplo, situação familiar, trabalho, atitude ou atuação erradas de pessoas próximas.
8) registros: durante a avaliação e a terapia são mantidos registros quantitativos e qualitativos para obter novas informações, verificar as suposições do terapeuta e para controlar eficácia da intervenção
Durante esse processo terapêutico, o cliente aprende gradualmente a dominar e modificar o seu funcionamento, se tornando cada vez mais independente do terapeuta e das suas orientações. Com esta forma de atuação, alcançam as porcentagens de sucesso terapêutico mais altas (em torno de 85 95%), em relativamente pouco tempo (entre poucas semanas e mais ou menos um ano e meio), sem "substituição de sintomas" e com uma duração dos efeitos terapêuticos a longo prazo(já existem trabalhos de acompanhamento durante quase 20 anos).
Afinal, trata-se de uma abordagem terapêutica mundialmente reconhecida como uma das mais importantes na psicologia atual, que merece, aqui no Brasil, sem dúvida pelo menos melhor ensino de seus princípos e métodos, com o objetivo de eliminar esses preconceitos que existem por causa de tanta falta de conhecimentos corretos a seu respeito.
BIBLIOGRAFIA
LETTNER H. Avaliação, Formulação e Planejamento Comportamental, Estudo de um Caso. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 32(1), 1983. [ Links ]
LETTNER H. O modelo experimental na avaliação clínica. Jornal Brasileiro de Psiquiatria 34 (1), 1985. [ Links ]
LETTNER H. e RANGE B. - Manual de Psicoterapia Comportamental. São Paulo, Manole, 1988. [ Links ]
LETTNER H. O relacionamento terapêutico em terapia comportamental uma tentativa de operacionalização. Estudos em Psicologia, Campinas: PUCCAMP. (no prelo) [ Links ]
RIMM D.C. e MASTERS J.C. - Terapia Comportamental. São Paulo, Manole, 1983. [ Links ]
* Este artigo é um resumo de uma palestra apresentada no Congresso da SBPC, em São Paulo, em julho de 1988.