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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. v.16 n.13 São Paulo dez. 2008

 

PONTOS DE VISTA E REFLEXÕES

 

O significado de escola

 

 

Douglas Santos*

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

 

 


RESUMO

O artigo tem por origem e objetivo sistematizar os fundamentos que permitiram as discussões do processo de reordenamento da Secretaria de Educação do Estado do Amapá, no período entre 1999 e 2001. Deixando de lado os limites e dificuldades que tendem a fazer parte das relações entre os centros de pesquisa acadêmicas e a “máquina de estado”, o autor procura sistematizar sua experiência pessoal como coordenador de uma equipe de profissionais vinculados ao Instituto de Estudos Especiais (IEE) da PUC-SP e que se dispuseram a trabalhar como assessores do Governo Capiberibe e da materialização de seu PDSA (Plano de Desenvolvimento Sustentável do Amapá). Assim, o artigo se entrega a explicitar o desenvolvimento conceitual que deu sentido ao debate e à proposta curricular que materializou todo o trabalho.

Palavras-chave: Escola, Ensino-aprendizagem, Lógica, Linguagem, Alfabetização, Cartografia.


ABSTRACT

The paper aims to systematize the principles that enabled the discussions about the reorganization process of the Education Department of the State of >Amapá, in the period between 1999 and 2001. Leaving aside the limits and difficulties that tend to be present in the relationship between academic research centers and the “machinery of the state”, the author attempts to systematize his personal experience as the coordinator of a team of professionals from Instituto de Estudos Especiais (IEE – Institute for Special Studies) of PUC-SP (the Catholic University of São Paulo) who accepted to work as advisors of the Capiberibe Government and of the materialization of his PDSA (Plan for the Sustainable Development of Amapá). Therefore, the paper explains the conceptual development that gave meaning to the debate and to the curricular proposal that materialized the entire work.

Keywords: School, Teaching and learning, Logic, Language, Literacy, Cartography.


 

 

"Depois do almoço, Tertuliano Máximo Afonso participou, com a maior parte de seus colegas, numa reunião que havia sido convocada pelo director a fim de ser analisada a última proposta de actualização pedagógica emanada do ministério, das mil e tantas que fazem da vida dos infelizes docentes uma tormentosa viagem a Marte através de uma interminável chuva de ameaçadores asteróides que, com demasiada freqüência, acertam em cheio o alvo” (Saramago, in O Homem Duplicado, pg. 45)

 

Explicações preliminares

O presente texto nasceu com o dobro do tamanho com o que está sendo aqui apresentado e, espremido entre a necessidade de ser um artigo que fizesse as vezes de relatório, acabou por se tornar uma ferramenta para meus cursos de prática de ensino no curso de Especialização em Ensino de Geografia da PUC-SP.

Para que assim fosse e, agora, acabasse tomando a forma com que está sendo apresentado há, obviamente, uma história que justifique.

Este texto nasceu para tentar sistematizar um trabalho que coordenei, por três anos, em nome da PUC-SP junto à Secretaria de Educação do Estado do Amapá. Eu, Maira Alvarenga, Maurício Homma, Edson Martins, Iara Nordi Castellani e Denise Blanes, organizados no interior do Instituto de Estudos Especiais (IEE) participamos de um grande projeto cujo objetivo seria o reordenamento da Secretaria, tanto do ponto de vista administrativo quanto na definição de sua prática pedagógica.

Os anos de 1999 a 2001 nos absorveram completamente nesse emaranhado de dilemas e discussões e, quando escrevi a primeira versão deste texto, o objetivo foi registrar os principais temas que, estimulados pelos professores do Amapá, foram alvos de nossas reflexões e base para a elaboração das propostas curriculares que ali foram geradas.

Agora, para que possa ser publicado, retirei as referências diretas aos debates acontecidos no Amapá e procurei construir uma ordem dos itens que pudesse fazer algum sentido para os que lá não estiveram trabalhando conosco.

Espero que, de alguma maneira, a atual versão faça algum sentido e possa servir para que outras pessoas, interessem-se por discutir o sentido da escola e dos saberes escolares no interior do processo de realização da sociedade a que pertencemos. Claro, para além de tudo está aqui uma ontologia. É assim que lá discutimos, é assim que tentei manter o espírito deste texto.

Por fim, quero agradecer aos meus companheiros diretos e que tiveram a coragem de participar de um projeto como este e deixar aqui explicitado a minha dívida impagável com os professores do Amapá. Lá aprendi a construir outra vida para mim.

 

O ensinar e o aprender

Centrar a razão de ser da escola no processo de ensino-aprendizagem requer bem mais que a simples aceitação de uma tradição, envolve uma opção de ordem política e, por decorrência, não se refere ao ensinar e ao aprender como atos isentos de uma explicitação, isto é, onde deliberações políticas são feitas como se assim não fossem, deixando, aparentemente para o acaso, as mudanças qualitativas que os debates entre professores têm mostrado como necessárias.

Assim, mais que oferecer a pura e simples oportunidade de freqüentar uma escola, a manutenção do sistema exige de todos nós algumas relações de cunho axiomático. A primeira se refere ao próprio significado do aprender, justamente porque, diferentemente da tradição que o chamado senso-comum consolidou, algumas correntes de reflexão sobre a aprendizagem iniciam suas reflexões negando a sua existência ou possibilidade. Não vale a pena, aqui, levantar bibliografias, mas o princípio de todo o embate está na afirmação de que a aprendizagem é algo que se realiza de fato1.

Em outra oportunidade iniciei um texto sobre o assunto (Santos; 1995) apontando alguns questionamentos aparentemente simples que, resumidamente, poderiam ser apresentados da seguinte forma: se o professor imagina que ensina, deve-se considerar a possibilidade de que ele imagina que sabe. Em uma relação tão simples algumas interrogações podem ser feitas. Por exemplo: como sabemos que sabemos? Se não sabemos o como sabemos, então como sabemos que ensinamos? E se temos dúvidas em relação a isso, então como sabemos que o aluno aprendeu? E assim por diante.

Assim, depois de afirmar que o conhecimento é um fato e que nos cabe a construção da reflexão capaz de desvendar os processos que permitem sua realização, o segundo passo é afirmar que não é possível mantermos um posicionamento linear nesse processo, isto é, não está pressuposto aqui que o que o educando aprende é o que o educador tem a intenção de ensinar. Tampouco está pressuposto que o educador seja, efetivamente, um professor e, portanto, que o aprendiz seja necessariamente um aluno da escola regular.

A idéia central é identificar o processo de aprendizagem como re-ordenamento das estruturas de significação (num jogo contraditório entre ordenações subjetivas e objetivas) provocado pela condição de negatividade inerente ao viver, inclusive, humano. Em outras palavras, o que se quer afirmar é que o ato de viver, na medida em que exige a superação (e, portanto, a negação) do status quo, se expressa enquanto humanização do homem, na medida em que superar significa, neste caso, reordenar o conjunto de significados já disponível em cada um dos sujeitos.

O axioma poderia ser elaborado da seguinte maneira: o que já se sabe nada mais é que a condição prévia de nova superação e, portanto, cada novo saber se apresenta como um reposicionamento do sujeito diante dos novos desafios inerentes ao próprio viver.

A compreensão de tal axioma, no contexto em que foi debatido e criado, exige, ainda, que:

a. Identifiquemos que o ato de aprender não pressupõe nenhum tipo de ordenamento moral, ético ou científico apriorístico. Aprendemos a andar, falar, escrever, amar e trabalhar, mas tais aprendizagens não eliminam a possibilidade de desenvolvermos as habilidades de matar, caluniar, destruir e tudo o mais que possa ser considerado, num dado momento e lugar, como valores negativos.

b. Reconheçamos que aprendemos quando estamos sozinhos ou, simplesmente, conversando com amigos (e o fazemos, também, quando estamos na escola) e tudo isso acontece independentemente de querermos ou não e, como já foi dito, nada indica, aprioristicamente, que o que aprendemos é o que se adequa melhor à superação das contradições que, a cada momento da vida, temos de enfrentar.

c. Identifiquemos que muitas são as determinações em jogo e uma parte considerável delas não tem como ser controlada por qualquer um que assuma a responsabilidade de ser educador (sejam os pais, professores, o Estado, a mídia, o psicanalista ou os amigos). Trata-se, portanto, de assumir o princípio da aprendizagem como a realização efetiva de uma contradição e a idéia de educador como co-partícipe no jogo de negatividades.

d. Concluamos que é por isso que não há ensinar sem aprender, mesmo que nós – os educadores – não saibamos nunca o que, exatamente, foi aprendido por aquele que tentamos ensinar (o que é mais perceptível para nos é que participar desse processo é sempre re-ordenador dos saberes que já possuímos e, independentemente de nossos desejos, dispor-se a ensinar não se desvincula nunca da condição de sermos, sempre, aprendizes).

Visto por tais ângulos, o que se procura é evidenciar a prática (e, dentro dela, a perplexidade) cotidiana do educador sob dois aspectos elementares:

• Identificar o fato de uma mesma ação escolar resultar em infinitas aprendizagens, sendo que uma grande parte delas é, normalmente, desprezada e negada enquanto tal.

• Demonstrar que a relação escolar não é mais que uma das formas específicas do processo de aprendizagem e que, portanto, nem educador, nem educando, estão efetivamente prontos para o processo, na medida em que este se realiza sob o aspecto de um conjunto complexo de contradições. Assim, como veremos adiante, o processo de ensino-aprendizagem escolar está mediado por discursos relativamente ordenados (o chamado saber científico), mas a ele não se resume e nem mesmo tem nele, ou no seu domínio, seu objetivo final.

 

O símbolo e o pensamento

Um segundo aspecto a se considerar nesse processo é o papel das estruturas simbólicas na constituição e desenvolvimento do ato de pensar. As premissas que, de uma maneira ou de outra, ordenaram nosso debate, podem ser sintetizadas nos seguintes termos:

• O ato do pensar se realiza como simbiose entre subjetividade e objetividade e, portanto, as estruturas simbólicas disponíveis em cada cultura condicionam o pensar, mas não o definem em sua integralidade.

• O princípio de condicionamento, por sua vez, tem o sentido de interdeterminação. O domínio das estruturas simbólicas redefine o processo de ordenação da subjetividade de forma contraditória e, portanto, duplamente negativa. Se for possível identificarmos que uma parte considerável do comportamento humano não é imediatamente mediada pelo pensar sistemático, não é menos verdadeiro que o próprio ato do pensar, ao reordenar e ampliar o jogo de significações disponíveis em cada indivíduo, redefine comportamentos e se torna condição e limite da relação sujeito-objeto e, portanto, do conhecimento.

• A relação sujeito-objeto, por sua vez, deve ser considerada, igualmente, como estruturalmente contraditória e, portanto, como uma unidade de negatividades. Considerou-se que qualquer tipo de separação entre sujeito e objeto não é mais que uma prática de ordem metafísica (isto é, que separa no plano do pensamento o que, de fato, se dá enquanto uma unidade fenomênica).

Tais premissas, no entanto, assim colocadas, dirão pouco sobre o desenvolvimento das discussões e é justamente por isso que o ponto de partida será a categoria alfabetização, e é sobre ela e seus fundamentos epistemológicos que falarei nas próximas páginas.

 

O significado da liguagem

Vamos abrir a discussão realçando o fato de os saberes humanos serem histórica e geograficamente identificáveis, isto é, que os saberes de cada povo e, por derivação de cada indivíduo, vão sendo transformados de acordo com as experiências vividas de cada um deles, independentemente da escala de análise que se queira usar. Dessa maneira, a identidade dos povos (e, reforçando, das individualidades que os compõem) tem relação direta com a espácio-temporalidade em que se constituem.

Dessa maneira, mesmo considerando as diferencialidades individuais ou coletivas, um único fenômeno que nos permite classificar a todos como humanos, sendo, justamente, o fato de todos os povos, independentemente de suas identidades, fazerem uso de estruturas simbólicas ordenadas, isto é, criarem linguagens que se tornam a condição (e, concomitantemente, o limite) das imediatidades e mediatidades do ato humano de viver – a palavra é cultura. Partindo do princípio de que o ato de humanização do humano pode ser identificado como a “natureza tomando consciência de si própria” (RECLUS: 1985 38), o conscientizar-se só é possível na medida em que temos, potencialmente, a capacidade de transformar ato em símbolo e, portanto, articular mentalmente o próprio ato antes de executá-lo (como diria Marx, a diferença entre a melhor abelha e o pior arquiteto é que o segundo é capaz de ordenar – antecipar, planejar – sua ação antes de empreendê-la).

Dessa maneira, concluímos que a diferencialidade (seja entre os povos, seja entre os indivíduos que os compõem) está, entre outros aspectos, na estrutura simbólica e nas variáveis de ordenação utilizadas, e, na medida em que desconhecemos qualquer agrupamento humano que não utilize tais “ferramentas”, possuir uma linguagem é um dos fundamentos da identificação do humano2

Acontece, no entanto, que não nascemos possuidores das estruturas simbólicas que nos permitam a construção da condição de pertencimento à humanidade do humano. Apropriar-se de linguagens faz parte do processo de aprendizagem, tal como já chegamos a conceituar logo nas primeiras páginas desse artigo, e, portanto, é na apropriação do jogo entre simbolismo e significação que se pode, também, identificar o nível de pertencimento de um indivíduo a seu povo. Trata-se de uma contradição de cunho estrutural, na medida em que nos apropriamos do caráter analítico (significado) ao mesmo tempo em que nos apropriamos do caráter sintético (o símbolo, propriamente dito) e, mais que isso, o uso do símbolo, à proporção que as experiências humanas não se repetem, recoloca ininterruptamente seu significado em questão, redimencionando-o, ressignificando-o (Hegel, 1992).

Para que se possa traçar algum exemplo, ainda de forma primária e quase no plano do sensório, iniciemos a identificação do processo de letramento: vale lembrar o comportamento do educando quando confrontado com o desafio de identificar estruturas simbólicas fonéticas na forma dos grafismos desdobrando-se na direção de focar o mesmo esforço na construção de garatujas, desenhos, números, cores, gestos e tudo o mais.

Assim, passo a passo, será possível relacionar o processo de apropriação de estruturas simbólicas com a do desenvolvimento da capacidade de significação e, nesse contexto, com a necessidade da ordenação. Verifica-se, portanto, que mais que a identificação de letras, sílabas ou palavras, o letramento exige o esforço da ordem. Não basta colocar uma letra após a outra – qualquer atitude aleatória nos levará à impossibilidade da construção gráfica das palavras. Mais que isso, também não pode ser aleatório o ato de colocar palavras quando o que se quer é a construção de uma frase e, por fim, a ordem da frase só pode se apresentar como correta quando há uma associação evidente entre a mensagem construída e a mensagem desejada e, assim, a ordem se materializa em “ordenações” escalarmente3 diferenciadas.

O problema, no entanto, não será menor quando nos referirmos à oralidade (cuja ordem tem fortes raízes na aprendizagem extra-escolar) ou a qualquer outro tipo de ordenação simbólica (seja de cunho fonético, gestual ou gráfico). Foi assim que conseguiremos evidenciar que toda linguagem possui uma sintaxe, ou, como veremos a seguir, toda linguagem é a materialidade da ordem do pensar e, por isso mesmo, sua condição e seu limite.

 

Lógica e sintaxe

O exemplo mais clássico da relação se encontra na obra de Aristóteles intitulada “Organon” a qual, segundo seu tradutor para a língua portuguesa (Pinharanda Gomes), trata-se de um “conjunto de seis livros sobre a arte de filosofar, a propedêutica a toda a arte de filosofar. Não é a filosofia propriamente dita, é a arte de exercitar a filosofia” (pág. 10) e assim define o título: Organon,..., que se traduz por órgão, instrumento.Órgão é elemento de aparelho, e nesta acepção Aristóteles inventou o nome: elemento do aparelho analítico, a Analítica, que a escolástica latina batizou com o nome de lógica. O aparelho inclui, além da Analítica, a Gramática e a Retórica” (pág. 09). Em outras palavras, quando nos referimos ao Organon, estamos diante da mais clássica das reflexões sobre o desenvolvimento da estrutura discursiva (Analítica), sua ordenação interna (Gramática) e o significado da mensagem (Retórica)4.

Para continuarmos se faz necessário retomarmos a idéia de que nos apropriamos do símbolo no mesmo processo que nos relacionamos com seu(s) significado(s). Vale acrescentar, no entanto, que não se pode traduzir, aqui, a idéia de significação pela de conceituação. O conceito já é a significação ordenada simbolicamente, mas nem todos os significados que atribuímos a um símbolo podem ser sistematizados imediatamente na forma de um conceito.

Retomemos, feita a lembrança e a ressalva, a idéia de linguagem como estrutura ordenada de símbolos que nos permite construir uma mensagem e, desdobremos daí, por extensão, a possibilidade de todas elas possuírem seu próprio Organon.

Assim, se:

• O processo de construção da cultura é, entre outros aspectos, a construção e a apropriação de linguagens;

• Linguagem &eacte; uma determinada estrutura simbólica cuja ordenação nos permite a construção de mensagens5.

• Então:

• A apropriação desses símbolos é concomitante à apropriação de seus significados;

• O domínio das linguagens é a condição/limite da ordenação do pensamento;

• O uso do símbolo é indutor da ressignificação e, portanto, no limite, de reconceitualização e/ou ressignificação.

A resultante desse conjunto de premissas nos coloca diante do fato de que, ao nos apropriarmos da cultura vigente, apropriamo-nos conjuntamente da estrutura lógica que lhe é subjacente.

Vejamos os comentários de Neil Postman sobre o assunto:

“Se definimos ideologia como um conjunto de suposições, das quais mal temos consciência, mas que ainda assim dirigem nossos esforços para dar forma e consistência ao mundo, então nosso instrumento ideológico mais poderoso é a tecnologia da própria língua. O idioma é pura ideologia. Ele não apenas nos instrui dos nomes das coisas, mas, mais importante, do que as coisas podem ser nomeadas. Ele divide o mundo em sujeitos e objetos. Indica que eventos devem ser vistos como processos e como coisas. Ele nos instrui do tempo, do espaço e do número, e forma nossas idéias de como estamos em relação à natureza e aos outros. Na gramática inglesa, por exemplo, há sempre sujeitos que agem, verbos que são sua ação e objetos nos quais ocorre a ação. É uma gramática bastante agressiva, que torna difícil para aqueles de nós que precisam fazem uso dela, pensar o mundo como algo benigno. Somos obrigados a conhecer o mundo como composto de coisas que se pressionam e muitas vezes se atacam umas às outras”. (pág. 129)

Dois comentários são aqui esclarecedores: em primeiro lugar nossa intenção primeira não é a de identificar ou conceituar ideologia e, em segundo, no nosso entender, Postman pensa a linguagem de forma restrita (ao idioma) e estamos nos relacionando aqui com o sentido mais amplo que se pode dar a esta categoria.

De qualquer maneira, o texto é suficientemente contundente para nos levar a uma reflexão de fundamental importância: quando falamos ou escrevemos, estamos fazendo muito mais que simplesmente colocar palavras numa seqüência qualquer. A ordem dos símbolos segue regras (que ordenam a própria estrutura da mensagem) e, mais que isso, ao consideramos que cada palavra possui um significado, o que estaremos fazendo é ordenar a significação colocando o próprio ato do pensar (ordenando numa estrutura simbólica o sensório) no interior de uma estrutura socialmente construída e individualmente manipulada. O mesmo, sem restrições, pode ser dito em relação a qualquer uma das demais linguagens das quais dispomos.

Assim, se é possível compreendermos que a aprendizagem da fala é, ao mesmo tempo, a aprendizagem da ordenação do pensamento, a escrita é sua reordenação. A diferença entre quem só sabe falar daquele que aprendeu a escrever é que o segundo consegue pensar em duas estruturas simbólicas que se fundem, mas não são as mesmas.

Considerando, mais uma vez, que a fala e sua escrita são, somente, dois exemplos de estruturas simbólicas (linguagens) e, portanto, que o mesmo raciocínio se pode aplicar à relação entre o simples andar e correr e o desenvolvimento da capacidade de dançar ou praticar uma modalidade esportiva, o gestualizar e a capacidade de desenhar, pintar ou construir uma escultura e assim por diante, pode-se afirmar que o domínio de diferentes linguagens é o ferramental de que dispomos para expressar as diferentes conotações que nossa relação sensória nos oferece e, mais que isso, na medida em que o domínio de linguagens é parte integrante de cada um de nós, ele redefine o próprio leque de significações conotativas oferecidas pelo sensório. Em outras palavras: se nascemos com sentidos que nos permitem sermos uma dimensão específica do mundo, a apropriação das linguagens redefine, por ressignificação, a condição da natureza e de seu processo de tomada de consciência de si mesma (voltando a Reclus).

 

Linguagens e alfabetização

Os posicionamentos anteriormente referenciados expressam, de fato, um longo percurso com o objetivo de desdobrar-se em um único ponto: o ensinar-aprender escolar se define pela prática contínua e singular da alfabetização. Não importa a disciplina e, nem mesmo, o nível ou modalidade de ensino, o que, como professores, procuramos desenvolver dia após dia é a alfabetização dos educandos.

Vale lembrar nesse momento o autor que pode nos permitir a continuidade dessa discussão: trata-se de Paulo Freire (Freire, 1994) e seu texto “A importância do Ato de Ler”. Paulo Freire, genialmente, supera as dificuldades inerentes ao reducionismo contido na idéia de alfabetização restrita ao processo de letramento. Assim, por exemplo, ele chega a afirmar que é o domínio do significado do simbólico que permite a um agricultor “ler” o fato de um fruto estar ou não maduro, e assim por diante. Tal exemplo é rico o suficiente para redimensionar todo o significado de leitura e, com ele, nos dispor, igualmente, a re-trabalhar o significado de escrita.

Tomemos, por princípio, a relação entre o sensório e a linguagem, realçando dois de seus sentidos estruturais: a audição e a visão e as dividamos em duas categorias ordenativas: a relacionada à temporalidade (no caso, a fala e a música) e, a segunda, à espacialidade (no caso, todas as que possuem conotação tópica, isto é, a escrita, a pintura, o gesto). O realce se deve ao fato de que, na escola, poucas são as experiências educativas que levam em consideração os demais sentidos6.

Realce-se, nesse momento, o conjunto de dificuldades inerentes ao processo que, por princípio, está no fato de a escrita da língua materna exigir uma conversão da dimensão temporal (a sonoridade) para a espacial (o grafismo). A maior dificuldade é, justamente, o reconhecimento fonético do símbolo gráfico, na medida em que o jogo de letras necessário à construção das palavras não se parece nem com o som nem com o fenomênico propriamente dito. Realcemos, ainda, as dificuldades apresentadas por educandos com deficiência auditiva para quem há uma dissociação entre a estrutura simbólica da gestualidade (de caráter fundamentalmente espacial) e o grafismo da língua materna, cuja estrutura sintática tem origem na ordenação da oralidade.

Vale realçar, ainda, o papel do desenho, identificados como estruturas de caráter espacial representando ordenações que possuem conotações tópicas. Tal constatação veio concomitante a outra: a prática escolar tende a eliminar (ou minimizar) o desenho do processo de alfabetização dando maior importância à realização da alienação estrutural entre tempo e espaço inerente à escrita da língua materna.

Um terceiro aspecto é a apropriação das estruturas simbólicas da matemática. Tendo como ponto de partida que o aspecto quantitativo é apropriado numa relação direta com os fenômenos, o primeiro movimento necessário ao domínio da sintaxe matemática está diretamente relacionada à “coisificação do número”, isto é, cada quantidade deve estar diretamente relacionada a um jogo fenomênico específico, até que o educando se aproprie do número como se ele, realmente, fosse uma coisa em si e para si. Considere-se que só a partir dessa apropriação é que o educando se torna hábil para a execução de operações aritméticas e, posteriormente, algébricas, em que a idéia de quantidade está subsumida à razão ordenativa da equação.

Assim, com esses e muitos outros exemplos, a idéia de alfabetização vai se tornando cada vez mais “palpável” e dela é possível extrair muito mais que o simples domínio de construções frasais (independentemente da linguagem de referência), mas atingimos o princípio de que o ensinar a ler e escrever é, ao mesmo tempo, redefinir as estruturas disponíveis para a elaboração do pensar e, por decorrência, da noção do significado de saber.

 

O saber e a ordenação do pensamento

Na introdução ao seu livro “Lógica formal/Lógica dialética”, Henry Lefebvre (1979) nos coloca uma pergunta instigante “Como poderia não existir correspondência (e correspondência garantida, articulação) entre a grade dos lugares (topias) e a grade da linguagem, ambas postas sobre uma ‘realidade' infinitamente complexa e caótica, contraditória, a natureza que o leitor-ator lê e decifra (uma na outra, uma pela outra), a fim de agir e conhecer?”. (pág. 33)

Está colocado o desafio. Vejamos, do mesmo autor, no mesmo texto, um dos aspectos da questão:

“(...) o desejo tece sua trama e seu drama. Não dispõe de uma grade determinada, colocada sobre ‘o mundo'. Deve dispensá-la e servir-se das diferentes grades para dizer-se e realizar-se. Estaremos diante do aspecto dinâmico de uma ‘realidade' cujas ‘topias' seriam o lado estático? Concepção simplista e redutora. Aquilo que o desejo trama interfere e se entrelaça com as grades dos lugares e das palavras: o desejo de um com o desejo de outro, o desejo de ser desejado ou de se desejar o desejo do desejo – as tramas do desejo com os lugares e os não-lugares, com o dito e o não-dito, com o impossível de dizer. O espaço está semeado de signos do permitido e do proibido. O desejo se vê assinalado e consignado. Recai no carecimento. Torna-se o u-tópico. E é assim que perde o prumo e sub-tende, que envolve as topias, que as destrói ao supervaloriza-las. Que se torna essencial ao fazer-se acidental e eterno ao se revelar efêmero.” (págs. 33/34)

E, com isso, retomamos a pergunta: quando e como sei que sei? E outra: como e quando sei que ensinei?

A escola nos trouxe uma experiência que, nos dias de hoje, sofre críticas mordazes: para alguns educadores, o educando demonstra que sabe na medida em que repete a estrutura discursiva que lhe foi repetidamente transmitida. Trata-se de uma meia verdade e, por decorrência, uma meia mentira. A repetição de gestos, palavras, frases inteiras, que vão do como pegar um lápis até a tabuada, as indefectíveis listas de estados e capitais, os verbos irregulares e afluentes de todos os lados de um rio importante, os nomes e as datas consideradas históricas, além da tabela periódica, das fórmulas para se resolver problemas de movimento retilíneo uniformemente variado e assim por diante, numa lista que vai se ampliando desde o primeiro ano do ensino fundamental até o último do ensino médio tornou-se, em muitas medidas, critério de avaliação de conhecimento.

Mas, até mesmo os professores com dificuldades didático-pedagógicas intuem que a simples repetição, mesmo que importante, é insuficiente. De alguma maneira, há de se atingir algum tipo de transferência na operacionalização dos conceitos. Por outro lado, as mais simplórias das práticas mnemônicas têm se mostrado capaz de ampliar o domínio vocabular e viabilizar a intuição sintática e, portanto, o raciocínio lógico.

A questão, portanto, deixa de ser o abandono das chamadas “velhas práticas escolares”, para tornar-se um embate que, partindo da experiência vivida os educadores, evidenciem as contradições de sua prática cotidiana e nela (e não apesar dela) construa-se o processo de superação, de tal forma que não se torne um amontoado de conceitos vazios de significação.

E é assim que iniciamos nossas discussões sobre o papel do saber disciplinar e sua relação com os denominados “saberes prévios”.

 

Senso comum e ciência – o preconceito iluminista

Iniciemos assim:

“O pressuposto de que existem padrões de conhecimento e de ação universalmente válidos e restritivos é um caso especial de uma crença cuja influência ultrapassa o domínio do debate intelectual. Esta crença (...) pode ser formulada através da afirmação da existência de um modo de vida certo e que o mundo deve ter sido feito para aceitá-lo. Foi a crença que moveu as conquistas árabes; acompanhou os cruzados nas suas sangrentas batalhas; guiou os descobridores de novos continentes; lubrificou a guilhotina e alimenta agora os infindáveis debates dos defensores anarquistas e/ou marxistas da Ciência, da Liberdade e da Dignidade. Logicamente que cada movimento enchia a sua crença com o seu próprio conteúdo quando surgiam as dificuldades e deturpou-o quando estavam em jogo vantagens pessoais ou de grupo. Mas a idéia de que existe um tal conteúdo, que é universalmente válido e justifica a intervenção, sempre desempenhou e continua a desempenhar um papel importante (...). Podemos inferir que a idéia não passa de um resquício dos tempos em que assuntos importantes eram decididos por um único centro, um rei ou deus ciumento, apoiando e dando autoridade a um única visão do mundo. E podemos ainda inferir que Razão e Racionalidade são poderes afins e que se encontram rodeados da mesma aura que os deuses, os reis, os tiranos e as suas leis implacáveis. O conteúdo evaporou-se; a aura permanece e permite a sobrevivência do poder.”(Fayerabend, 1991; 21/21)

Não há como passar impune a afirmações desse tipo – e o estranhamento se tornará maior se o leitor estiver preocupado em dar um sentido à prática escolar. Tal como um exército formado pela prática de gerações sucessivas, professores bemintencionados de sua tarefa civilizatória tornaram-se a ponta de lança tanto do controle territorial católico como reformista no século XVI, invadiram as sociedades tribais com suas verdades irrefutáveis até, pelo menos, o século XIX7, garantindo a expansão do capitalismo mercantil e fabril e, hoje em dia, reproduzem o saber criado pelo iluminismo com a mesma ferocidade, oscilando entre as determinações de um saber universal e a garantia de realização do poder de Estados Nacionais8.

Deixemos de lado a ação civilizatória da escola e dediquemo-nos a um só aspecto do processo: a pretensão iluminista de encarnar o saber universal.

Edwin A. Burtt inicia o primeiro capítulo de seu livro (1991) de forma suficientemente interessante para nos obrigar a realçá-la:

“Afinal, como é curiosa a maneira pela qual nós, modernos, pensamos a respeito de nosso mundo! E como é nova, também. A cosmologia subjacente a nossos processos mentais tem apenas três séculos de idade – uma simples criança na história do pensamento – e, no entanto, nos apegamos a ela com o mesmo zelo intranqüilo com que um jovem pai afaga seu bebê recém nascido. Tal como ele, somos bastante ignorantes a respeito de sua natureza precisa; contudo, tal como ele, acreditamos candidamente que ela nos pertence e permitimos que ela exerça um controle sutil, abrangente e sem restrições sobre nosso pensamento.”(pág. 09)

E inicia suas conclusões nos seguintes termos:

“Observamos que o âmago da nova metafísica científica encontra-se na atribuição de realidade fundamental e eficácia causal ao mundo da matemática, identificado com o reino dos corpos materiais que se move no espaço e no tempo. Três pontos essenciais devem ser evidenciados na transformação que resultou na vitória dessa visão metafísica; há uma mudança na concepção prevalecente (1) da realidade, (2) da causalidade, e (3) da mente humana. Quanto à primeira, o mundo real em que vive o homem não é mais visto como o mundo de subsistências dotadas de tantas qualidades fundamentais quantos possam ser experimentadas em si, mas sim como o mundo dos átomos (hoje denominados elétrons), equipado com características matemáticas apenas e movendo-se de acordo com leis inteiramente enunciáveis sob a forma matemática. Quanto à segunda, as explicações em termos de formas e de causas finais de eventos, tanto neste mundo quanto no domínio menos independente da mente, foram finalmente postas de lado, em favor de explicações em termos de seus elementos mais simples, sendo estes relacionados temporariamente como causas eficientes e consistindo de movimento dos corpos e tratados mecanicamente sempre que isso fosse possível. Com relação a esse aspecto da mudança, Deus deixou de ser tido como a Suprema Causa Final e, em partes onde se acreditava ainda nele, tornou-se a Primeira Causa Eficiente do mundo. O homem também perdeu a alta posição que havia sido sua, como parte da hierarquia teleológica anterior, para a natureza, e sua mente passou a ser descrita como uma combinação de sensações (agora denominadas reações), em vez de nos termos das faculdades escolásticas. Quanto à terceira, à luz dessas duas modificações, a tentativa dos filósofos da ciência de redescrever a relação da mente humana com a natureza expressou-se na forma popular do dualismo cartesiano, com sua doutrina das qualidades primárias e secundárias, sua localização da mente em um canto do cérebro, e sua explicação de gênese mecânica da sensação e da idéia.” (pág. 239)

Creio que já temos citações suficientes para desenvolvermos mais claramente o tema desse item. Enquanto Fayrebend realça o uso do conhecimento como ferramenta de dominação, na mesma medida em que uma determinada leitura de mundo se torna, para seu possuidor, a única possível, Burtt nos mostra que o centro de referência desse conhecimento que tomamos como nosso, sem no entanto, dominarmos claramente sua fundamentação, está umbilicalmente vinculado a uma metafísica: fazer ciência é ler o mundo pela ordenação matemática.

Assim, se é possível identificar que a europeização do planeta (Crosby: 1993), enquanto movimento inexorável dos últimos 500 anos da história humana, possui múltiplos aspectos, dentre eles vale realçar a concepção de ciência (no sentido do “estar ciente”, de conhecimento) que, gestada no renascimento (tornando-se fundamento técnico e ideológico da expansão mercantil) e consolidada no iluminismo (tornando-se fundamento técnico e ideológico do capitalismo fabril), torna-se paradigma, também, do “saber escolar” da sociedade urbano industrial.

Nesse contexto, seja nas fábricas, ruas ou (de forma mais paulatina) no campo, estamos tratando de um saber que não admite qualquer outro que possa colocar seus fundamentos produtivistas em questão. O questionamento científico só é admitido no interior de seus próprios fundamentos e o saber iletrado, não matematizado, não produtivista, é identificado como primitivo, superado, medíocre ou coisa que o valha. O saber iluminista é o saber culto e tudo o que não se parecer com ele será renegado. Este será o fundamento básico do ensino escolar. Para garantir que uma norma culta seja, efetivamente, a norma culta, o papel da escola é o de substituir o saber das comunidades pelas estruturas lingüísticas que ordenam e dão sentido às regras sociais hegemônicas. Não se trata, como identificou Fayrabend, do saber de um rei ou de um Deus irado, mas de um modo de vida que se realiza, a cada dia, pela expansão horizontal (de cunho territorial) e vertical (pela ampliação da capacidade produtiva) que caracteriza o movimento que ficou conhecido como acumulação geral do capital.

Assim, tal como o modo de vida que sistematiza, o saber escolar vive duas escalas distintas de realização: a de sentido planetário, garantindo a disseminação de estruturas lingüísticas comuns, para garantir uma estrutura produtiva única e, ao mesmo tempo, defendendo saberes de caráter nacional, para garantir o processo de gestão política que tem se realizado na forma de Estados Nacionais.

Algumas dessas ações tiveram suprema eficácia: dentre elas vale lembrar a disseminação da linguagem matemática e, nela e com ela, as concepções de física (natureza), química (estrutura) e biologia (vida), todas elas estreitamente imbricadas à racionalidade fabril. Outras foram menos felizes (tal como o ensino de inglês e francês em países não anglofônicos ou francofônicos).

Dessa maneira, a escola, trazendo consigo uma concepção de ciência, de disciplina, de trabalho e de produtividade (incluindo aí as relações de poder), exclui quem não domina as estruturas morfológicas e sintáticas das linguagens que ensina, tratando o educando como um plenipotenciário de um saber inculto, já que se há de “cultuar” a “cultura culta” de quem tem o domínio do processo produtivo e, via de regra, é igualmente hegemônico na gestão do político.

 

O significado de/do saber prévio

Já nos referimos ao fato de que o ato de aprender é, estruturalmente, contraditório, isto é, funda-se numa dupla negatividade. Em outras palavras: o apropriar-se de um novo conhecimento nos obriga a reordenar aqueles que já dispomos e, portanto, a negá-los. Por outro lado, o novo conhecimento, ao se tornar nosso, será ordenado como uma síntese entre o que já dispúnhamos e a novidade que está sendo apropriada e, portanto, para que nos pertença, o novo saber tem de ser igualmente negado. É por isso que uma mesma ação educativa se desdobra em tantas variáveis, quantos forem os agentes dela participantes9.

É justamente nesse momento que teremos de superar a noção de que o processo de ensino-aprendizagem deve se realizar dialogicamente10 para identificarmos que ele se processa, de forma inelutável, dialeticamente ou, em outras palavras, o que está em jogo não é, necessariamente, a vontade explícita e consciente dos sujeitos envolvidos no processo, mas o fato de qualquer relação social carregar o caráter duplamente negativo de estar fundada, estruturalmente, na presença da alteridade. Afirmar, portanto, que a relação escolar só pode ser compreendida pela dialética a ela imanente não é uma escolha que objetiva, necessariamente, uma escola de melhor qualidade, mas, sim, uma constatação que pode nos permitir tal escolha.

Do ponto de vista da construção do conhecimento, e no âmbito da relação escolar, a contradição entre saberes é, mais que um dado, o seu próprio objetivo e é nesse sentido que a noção de saber prévio toma toda a sua amplitude.

Trata-se de identificar que, numa sala de aula, todos os sujeitos envolvidos no processo possuem saberes e que é com eles que entrarão em contradição com o que ainda não conhecem. Tal fato se explicita no estranhamento tanto dos educandos em relação às atitudes do educador quanto, igualmente, do próprio educador em se relacionar com os educandos.

Os diagnósticos cotidianamente construídos na sala de aula podem nos dar a dimensão do processo. Ao passo que, para os educandos, parte dos discursos disponibilizados pode ser caracterizado como incompreensível (ou difícil, ou extremamente teórico, ou abstrato), para o educador, fica a imagem de que seus interlocutores ignoram (são ignorantes dos) os fundamentos de sua estrutura discursiva (são analfabetos) e, portanto, incapazes do aprendizado (são intelectualmente limitados).

O que, talvez, cause mais estranhamento é o fato de que alguns têm dificuldade em escrever, outros em fazer contas, outros não compreendem geografia, ou história, ou ciências, mas raros são os que não conseguem dialogar com qualquer um dos discursos a ele disponibilizado (nem mesmo com aqueles que, com certo desdém, é identificado com a consigna de “trabalhos manuais” ou “educação física”) ou, ainda, aqueles que conseguem dialogar com todos os discursos ali disponibilizados.

O confronto mais evidente desse processo está no nível de sistematização oferecido pelo educador em contraposição ao disponibilizado pelo educando ou, em outras palavras, na possibilidade do saber do aluno dialogar ou não com o saber oferecido pelo professor. Vigotiski identificou a realização efetiva dessa contradição como Zona de Desenvolvimento Proximal.

Aqui, alguns pontos devem ficar registrados para que possamos continuar:

• Os saberes disponibilizados pelos sujeitos estão sendo denominados de “Saber Prévio” e, na relação escolar, a contradição se realiza pelo confronto entre os saberes do educador e do educando;

• Ambos disponibilizam tanto dos saberes sistematizados e reconhecidos pelo nome de “conteúdos disciplinares”, quanto dos que são apropriados na relação cotidiana (que vai da escala familiar e comunal até as relações de trabalho e a mídia);

• O reconhecimento do processo como contradição impede que identifiquemos a possibilidade da “não aprendizagem”. Educador e educando aprendem o que são capazes de sintetizar da relação ensino-aprendizagem e, portanto, podem ou não se relacionar diretamente com as estruturas simbólicas e os fundamentos lógicos ditados pelos conteúdos. O educando, por exemplo, pode, perfeitamente, ter como resultado sintético a pura e simples rejeição das estruturas simbólicas oferecidas, pela impossibilidade de, com elas, dialogar.

Na medida em que consideramos que não há experiência humana sem aprendizagem, o saber prévio disponível para cada momento da relação escolar é diferenciado, podendo, no limite, ser o pleno domínio das estruturas lógicas do conteúdo ministrado, mas, igualmente, a rejeição pressuposta de qualquer diálogo com tais estruturas. Da mesma maneira que a convivência com os conteúdos vai transformando as leituras que o educador possui sobre eles, a convivência com este ou aquele educando pode predispor o educador contra ou a favor de seu “interlocutor cativo”.

Foi com tais reflexões que duas outras se desdobram: a noção de saber local, como identidade cultural de uma comunidade ou conjunto de relações nas quais (e, obviamente, das quais) o educando faz parte e cujo reconhecimento e sistematização é condição estrutural para se realizar, conscientemente, as contradições entre saberes prévios (do educador e do educando) e, por fim, a rejeição de qualquer tentativa em se quantificar o saber prévio. Dá-se por pressuposto que os sujeitos do processo educativo disponibilizam, a cada instante, sínteses diferenciadas de suas próprias experiências. Não se trata de identificá-las quantitativamente, mas de se ter consciência que a cada nova síntese teremos um redimensionamento da dinâmica e do significado das contradições que se realizam. Ou, em outras palavras, e assumindo o risco que uma simplificação como esta pode carregar: uma mesma experiência, repetida indefinidamente, terá como uma de suas variáveis o fato de que os sujeitos que dela participam o fazem de forma diferente o que significa que “uma mesma experiência” é uma afirmação que somente se torna possível se assumirmos que a linguagem é generalizante, mas a experiência não, e, por isso mesmo, o processo de aprendizagem é, sempre, de ressignificação e, portanto, de reconceitualização.

A relação entre o saber prévio, o saber local, as disciplinas e o desenvolvimento de habilidades.

De tudo o que já foi exposto até aqui um ponto merece ser mais bem discutido: o saber local. Vamos identificar o significado dessa expressão e sistematizar as dúvidas que ela pode nos trazer.

O ponto de partida é percebermos que nosso aluno, independentemente de sua idade, nível de ensino, local de moradia ou quaisquer outras variáveis, carrega consigo um conjunto de saberes que não foram adquiridos na escola. Sabemos que, na medida em que o educando vai se apropriando de novas habilidades, elas acabam por fazer parte de sua vida cotidiana, mas tal interferência não pode ser entendida como uma simples relação de causa e efeito. Quando o aluno se apropria de uma nova habilidade, a forma pela qual ela passará a fazer parte de sua vida dependerá, sempre, da maneira como ele acaba por fundir o conhecimento novo com aqueles que já possuía (tenham sido ou não adquiridos em uma relação escolar).

Dessa maneira é possível afirmar que, propondo o mesmo exercício e oferecendo os mesmos conteúdos para todos os nossos alunos, cada um se apropriará desse novo conhecimento de forma diferenciada. É no plano da individualidade que se realizará, de fato, o processo de ensino-aprendizagem.

Assim, toda uma classe pode aprender a identificar o sujeito de uma oração, desenvolver com precisão uma operação algébrica ou mesmo ler com certa desenvoltura as informações contidas em um mapa (este é o sentido coletivo do processo), mas o significado de cada saber e como ele fará parte da vida do aluno dependerá de fatores subjetivos e objetivos da individualidade de cada um. Não importa quantas vezes repetimos a mesma informação e nem mesmo se todos os alunos poderão ou não repeti-la em todos os seus detalhes. A construção da individualidade é, sempre, um ato coletivo, um ato socialmente realizado, mas, terá diferenças de interpretação e de significado para cada um de nós.

Mudando a escala de observação podemos afirmar que cada ato coletivo, mesmo que repetido por diversos grupos, terá uma realização diferenciada entre eles. Ainda nessa linha de raciocínio, sabemos que cada povo, cada nação, possui uma identidade e que ela poderá ser corretamente observada na medida em que percebemos que uma mesma ação tem, para cada nacionalidade, um sentido e uma maneira de fazer diferenciada.

Podemos concluir que um olhar mais geral sobre o mundo nos ajuda a identificar diferenças, mas, na medida em que formos dando atenção a situações mais específicas é que teremos a possibilidade de diferenciar comportamentos até mesmo no nível da individualidade.

É com essa compreensão que podemos identificar o significado de saber local no processo de ensino-aprendizagem. A experiência de vida de cada comunidade acaba por definir suas identidades e é com tais experiências que cada um de nossos alunos entrará na escola e se relacionará com os conteúdos que, série após série, vão sendo estudados em sala de aula, sendo os de saberes prévios, construídos e reproduzidos no interior das comunidades de origem, que criarão diferentes níveis de dificuldade na manipulação de determinados conteúdos.

O saber local é, portanto, o fundamento cultural que identifica a forma pela qual o educando (na sua individualidade) se relaciona com os conteúdos que lhes são ministrados.

A escola jamais conseguiu eliminar o saber local

1) A escola jamais conseguiu eliminar o saber local11, pois é com ele que o aluno constrói os fundamentos de sua própria identidade como pessoa e é com base nele que nos reconhecemos no interior de nossa comunidade;

2) No sentido contrário, o que propomos é considerar o saber local como elemento explícito e básico da atividade curricular. A escola não pode considerar o “senso comum” como inferior ao chamado “saber científico” e cabe a ela, como instituição especializada na relação ensino-aprendizagem, proceder a um esforço constante que possua dois aspectos intercomplementares:

a) Organizar-se para identificar, em decorrência das necessidades impostas pelos conteúdos e suas habilidades, as maneiras pelas quais a comunidade escolar entende e se relaciona com o mundo;

b) Identificar que tipo de conhecimento produzido pela comunidade pode ser usado no diálogo entre o “saber científico” e o “saber local”.

 

O saber científico e a escolarização

Para que possamos aprofundar o que acabou de ser mencionado, três tarefas acabam por se impor: a primeira se relaciona a evidenciarmos o significado das disciplinas no interior de suas estruturas lógicas; a segunda a de vincularmos tais estruturas com o processo pedagógico e, por fim, desvendar os vínculos possíveis que o encadeamento dos conteúdos, na estrutura disciplinar, tornam-se expressões sincrônicas e/ou anacrônicas da estrutura curricular.

Para tanto será preciso reconhecer alguns aspectos da chamada “História da Ciência” do mundo ocidental, ou, em outras palavras, traçar um certo tipo de cronologia analítica do “estar ciente” que caracteriza o discurso hegemônico em nossa cultura.

Para que possamos ter mais claro o significado desse problema, devemos atentar para o fato de que nossa escola possui profundas raízes na história da construção de nossa cultura.

Os primeiros anos do ensino fundamental, ao colocar em evidência o ensino da Língua Materna, Aritmética, História e Geografia, estão reproduzindo, milhares de anos depois, os fundamentos criados pela sociedade grega em sua época clássica. Foram eles que consideraram que as bases para o conhecimento exigiriam o domínio da língua falada e escrita – afirmando que tal domínio implica o conhecimento das regras gramaticais, da linguagem matemática e, num primeiro movimento de reconhecimento dos fenômenos apresentados pelo mundo, seria importante conhecermos a História e a Geografia dos povos.

Mais adiante, ainda no transcorrer do ensino fundamental, mas, prioritariamente, no que chamamos de ensino médio, uma nova tradição de conhecimento se impõe: justamente aquela criada a partir do Renascimento e sistematizada no período do Iluminismo. É dessa tradição que vem a importância de ministrarmos os ensinamentos da Álgebra e, a partir dela, da Física, Química e Biologia.

Um aspecto a ser realçado é o fato de que a Física, bem como a Biologia e a Química, são identificadas no interior de nossas estruturas curriculares com o nome genérico de “ciências”12, sendo que tal identidade tem origem evidente nos princípios desenvolvidos no Iluminismo a que nos referenciamos anteriormente.

Outro aspecto a se realçar, ainda no interior desse processo, é o fato de a influência do Iluminismo em nossas escolas ter sido tão profunda que acabou por redefinir o significado de disciplinas como Geografia e História. Para que possamos ter maior clareza sobre esse processo, basta verificarmos que, diferentemente do ensino das línguas maternas e da matemática, que expressam na própria história de suas construções e na ordenação de seus conteúdos, as disciplinas que tratam dos fenômenos do mundo rompem com esse processo e são ministradas deixando de lado suas próprias raízes13.

 

As disciplinas enquanto linguagens

Quando damos aulas de Língua Portuguesa, Artes, Educação Física e Matemática, estamos trabalhando, diretamente, com o desenvolvimento das estruturas das linguagens. O objetivo desse grupo de disciplinas é identificar quais são os códigos que as compõem e como devemos proceder para, manipulando-os corretamente, construirmos mensagens que tenham significado não só para nós mesmos, mas para todos aqueles que com elas tenham contato, seja lendo nossos textos, ouvindo nossas músicas, observando nossos desenhos ou acompanhando nossas atividades esportivas.

Há, no entanto, um segundo conjunto de disciplinas – Geografia, História, Física, Química e Biologia – que, especificamente, procuram trabalhar a maneira como sistematizamos os fenômenos propriamente ditos. Diferentemente das disciplinas que procuram ordenar, por exemplo, substantivos e adjetivos, cores frias e quentes, cálculos aritméticos ou algébricos, as disciplinas do segundo grupo procuram nos orientar sobre como poderemos identificar se estamos, por exemplo, na cidade ou no campo (Geografia), analisar o presente ou o passado (História), compreender quais os movimentos das micro partículas e dos astros (Física), como se comportam os átomos e as moléculas (Química) e quais as diferenças entre uma célula vegetal e uma célula animal (Biologia).

Se observarmos os diferentes papéis entre as disciplinas do primeiro e do segundo grupo, concluiremos que, para sistematizarmos os fenômenos, teremos de ter o domínio dos códigos lingüísticos, sem deixar de lado o fato de que é por meio dos conteúdos das disciplinas do segundo grupo que as linguagens passam a ter significados. A conclusão, portanto, é que o conjunto de disciplinas oferecidas em uma escola é absolutamente intercomplementar, pois:

• Para que as disciplinas do primeiro grupo – Português, Matemática, Artes, Educação Física – possam ser desenvolvidas e compreendidas, é necessário que explicitem seus próprios significados e isso só é possível na medida em que as regras (a gramática, a notação musical, os gestos, a estrutura do cálculo etc) sejam explicitamente colocadas a serviço da construção e compreensão de mensagens, isto é, do texto literário, da música, da operação matemática etc;

• Já as disciplinas dos segundo grupo – Geografia, História, Química, Física e Biologia – à medida que procuram trabalhar os fenômenos do mundo, só podem fazê-lo usando das linguagens disponíveis e, portanto, de suas regras. Entretanto, por estarem a serviço da compreensão dos fenômenos, de acordo com as preocupações que cada disciplina possui, passam a ser organizadas com regras próprias e vocabulários determinados. Constroem, portanto, linguagens específicas para si.

Em resumo, o ensino das disciplinas vinculadas à reflexão das regras gerais das linguagens constrói seus significados na medida em que é capaz de refletir sobre mensagens (isto é, o texto é que dá sentido à gramática, por exemplo). Por outro lado, o ensino daquelas que se vinculam à reflexão dos fenômenos constrói os seus significados na medida em que desvenda as regras que definem seus próprios discursos (transformar a observação do comportamento dos objetos em “lei da impenetrabilidade” é que dará sentido a esta parte do ensino da física, por exemplo).

Por decorrência, todas as disciplinas só podem ter sentido no interior das relações escolares na proporção que procurarem evidenciar os motivos que levaram às sociedades, durante séculos, a se preocuparem em construí-las. Construir um saber é um duplo movimento que exige a observação do mundo e a construção de linguagens que nos permitam organizar mentalmente o que estamos observando. Cada vez que propusermos um conteúdo novo, estaremos, na verdade, reordenando e ampliando as estruturas simbólicas já dominadas por nossos alunos. Não importa de que disciplina se fala. Importa saber que ensiná-las e aprendê-las é, sempre, um processo contínuo de alfabetização.

 

Tempo, Espaço e Conhecimento.

Tempo e Espaço são categorias de uso comum em todos os campos do conhecimento e carregam consigo uma ampla tradição no que tange à sua construção conceitual. Discutir tal percurso, portanto, inviabilizaria o próprio artigo. Há, por outro lado, um dado de extrema importância: tais categorias possuem diferentes significados e se não explicitarmos os conceitos usados corremos o risco de construir um discurso vazio de sentido. O caminho escolhido, portanto, nada mais será que uma simples tentativa de evidenciar conceitos, com o objetivo de parametrizar o leitor.

 

O lugar e seus significados

Teremos de tomar, aqui, outra parte do texto de Lefebvre:

“No começo, era o Topos. E o Topos indicava o mundo, pois era lugar; não estava em Deus, não era Deus, pois Deus não tem lugar e jamais o teve. E o Topos era o Logos, mas o Logos não era Deus, pois era o que tem lugar. O Topos, na verdade, era poucas coisas: a marca, a re-marca. Para marcar, houve traços, dos animais e de seus percursos; depois, sinais: um seixo, uma árvore, um galho quebrado, um cairn. As primeiras inscrições, os primeiros escritos. Por pouco que fosse, o Topos já era ‘o homem'. Assim como o sílex seguro pela mão, como a vara erguida com boa ou má intenção. Ou a primeira palavra: o Topos era o Verbo; e algo mais: a ação, ‘Am Anfang war die Tat14'. E algo menos: o lugar, dito e marcado, fixado. Assim, o Verbo não se fez carne , mas lugar e não-lugar. Partir do lugar, mental e social, lugar da identidade e da diferença, lugar marcado (logo destacado) e nomeado (lugar dito), logo ligado e religado – por que não? A direção e a orientação, o trajeto e o percurso, vão de um lugar para outro.” (pág. 34)

Tirar todas as conseqüências possíveis desse texto é uma tarefa inviável. Vamos nos ater a alguns aspectos que, na nossa avaliação, relacionam-se diretamente com os objetivos deste artigo. Como vemos, o autor resgata uma de nossas mais importantes tradições (o Gênesis e o Evangelho segundo João) para, imediatamente, colocá-la pelo “avesso”. Deixando de lado quaisquer perspectivas de identificar a humanidade do lado de fora de sua própria vivência, coloca-o no interior da contradição estrutural (fundada no princípio da necessidade da sobrevivência) entre movimento e forma: o lugar (ou topos).

Três aspectos se desdobram de sua reflexão: o primeiro diz respeito ao reconhecimento, isto é, ao fato de o viver cotidiano se fundir, originariamente, com as formas que nos cercam e, nelas, reconhecermos as condições de nosso deslocamento no mundo e, portanto, tratar-se de uma condição estrutural de sobrevivência; o segundo se dirige para a construção das estruturas simbólicas (orais ou gráficas) resultantes de tal reconhecimento e, por fim, na fusão entre o “estar” e o viver: o gênesis nada mais é que a unidade entre o homem que se humaniza no reconhecimento dos lugares e o fato de, por pertencimento, confundir-se no interior desse mesmo processo.

 

Lugar e linguagem – a ordem tópica

Após esse verdadeiro “exercício de síntese” que nos vimos obrigados a desenvolver neste item, teremos de nos alongar um pouco mais. Trata-se, na verdade, de uma delicada passagem entre o conceito de lugar e o de conhecimento.

Lembremos uma constatação de extrema importância: o fato de, em pesquisas relativamente recentes, ter se constatado que a totalidade das sociedades conhecidas desenvolveu referências simbólicas sobre a ordem espacial, enquanto que, em relação as referências temporais, o fenômeno é muito mais restrito, ou, em outras palavras, referências como “perto” e “longe”, “direita” ou“ontem” e “amanhã”, apesar de comuns, não foram encontradas na totalidade das sociedades estudadas “esquerda” e seus desdobramentos, foram construídas em todas as civilizações, enquanto que expressões equivalentes aos nossos “hoje”, "ontem" e "amanhã", apesar de comuns, não foram encontradas na totalidade das sociedades estudadas15.

Lembramos, ainda, que tal constatação não elimina outra: a de que a fala é uma experiência que envolve a ordenação de relações temporais, ao passo que a construção gráfica exige o domínio de relações de ordem espacial e, como sabemos, a fala é uma habilidade comum a todas as comunidades humanas enquanto o grafismo16 não o é.

As duas constatações nos levam à compreensão dos motivos que levaram ao fato de os primeiros registros gráficos se associarem diretamente à ordem espacial – como se observa, por exemplo, nas pinturas rupestres. Mesmo que consideremos que qualquer grafismo é, sempre, uma ordenação de caráter tópico, há uma substancial diferença entre grafar o que o sensório identifica (e as relações permitem construir jogos de significação) pela diferencialidade da forma e pelo reconhecimento da distribuição territorial e grafar o que percebemos como ordenação temporal (a fala, a música) e transformá-lo em registro gráfico. No segundo caso, é necessário um esforço de abstração incomensuravelmente maior na medida em que, como se pressupõe, a compreensão da escrita exige a religação do que foi alienado, isto é, se o registro é construído com base na lógica da sonoridade o seu reconhecimento envolve retornarmos ao som para que se realize a identificação do significado da mensagem que o leitor deseja se apropriar.

Em outras palavras, a grafação da expressão “casa”, por exemplo, quando feita na forma de um desenho exige habilidades, tanto do escritor quanto do leitor, muito diferente daquelas associadas à escrita – o uso de letras aliena a forma da representação tanto da identidade espacial do representado quanto de sua imagem temporal (sonora). Isso nas línguas indo-européias.

Os grafismos originários e, sob certos aspectos, a própria escrita17 vão sendo, paulatinamente, construídos pela associação direta entre o reconhecimento do lugar, a construção do jogo simbólico que o ordena e a reprodução grafada das formas percebidas, numa ordenação frasal determinada pela própria contradição entre o sensório (o lugar) e o simbólico (o lugar ressignificado)

Assim, podemos afirmar que a humanidade se auto-alfabetiza grafando e, portanto, re-ressignificando, a dimensão espacial de nossa existência. Trata-se, em outras palavras, de registrar o lugar, isto é, de uma cartografia. Este é o nome da linguagem, esta é a pressuposição de uma sintaxe.

 

A cartografia

Nosso interesse é, simplesmente, demonstrar que o debate sobre a cartografia deve ultrapassar, de imediato, nossas referências mais comuns em relação à linguagem. Ao aventarmos a possibilidade de identificar a cartografia como a estrutura gráfica mais antiga do processo de alfabetização que construímos, não há como negar que os mapas com os quais normalmente nos defrontamos é, somente, uma das maneiras de se organizar uma mensagem que tenha como origem e objetivo a ordem tópica. Trata-se, na verdade, de realçarmos que, quando colocamos a cartografia criada no período de expansão marítima como a única possível, estamos deixando de lado o fato de que o desvendamento da topologia ultrapassa os interesses do mercantilismo e se coloca como ordenação necessária de reconhecimento de cada um de nós como co-partícipes na constituição dos lugares e da necessidade de desvendamento da espacialidade como elemento estrutural de análise das contradições inerentes ao fenomênico.

Trata-se, portanto, de retomarmos o processo de alfabetização no âmbito da relação entre a construção de estruturas simbólicas gráficas fundadas na identificação do entorno, identificando-as com o reconhecimento, num primeiro movimento, de seu significado para, no processo, se desdobrar em construção conceitual (já observamos a mediação entre significado e conceito em outra parte deste mesmo artigo).

Em outras palavras: desenhar o que me aproprio sensorialmente exige um amplo conjunto de abstrações inter-relacionadas que passam pelo reconhecimento dos objetos, pela identificação da sua ordem tópica, pelo desvendamento de seus significados, pelo ajuste escalar e, por fim, pela construção frasal (a condição do conceito). Nessa dimensão a cartografia torna-se uma linguagem escolar básica, já que, como já comentamos e vamos ainda evidenciar mais alguns aspectos adiante, o que se deseja é um diálogo profícuo entre saberes prévios.

 

Cartografia, saber prévio e alfabetização

Vamos procurar exemplificar o que acabamos de afirmar: sabemos que o aprendizado da fala se dá pela complexa associação entre as relações efetivadas pela criança e pelo adulto na medida em que o segundo, insistentemente, procura “conversar” com a primeira. Assim, entre frases de carinho, identificação de objetos, pessoas e processos, comandos como “bater palminhas”, mostrar com os dedos a própria idade ou identificar quem é o pai, a mãe ou os avós, à linguagem gestual se acrescenta, paulatinamente, a fonética. O jogo simbólico primário, de caráter fundamentalmente nomenclatural – e, portanto, identificador – vai, no processo, tomando a forma frasal, isto é, tornando-se uma mensagem completa.

Dois aspectos são, aqui, fundamentais: chamaremos o primeiro de “coisificação do simbólico” procurando identificar as dificuldades que temos em dissociarmos o símbolo do fenômeno ou, em outras palavras, de reconhecermos que o nome de uma coisa não pertence à coisa, mas, sim, nada mais é que uma estrutura mediadora da relação entre o sujeito e o objeto, isto é, o ferramental simbólico que me permite pensar sobre a coisa. O segundo, recordando reflexões já feitas, aponta para o fato de que a apropriação da fala é, ao mesmo tempo, a apropriação de uma sintaxe e, portanto, de uma ordenação do pensar. Desses movimentos teremos uma resultante aparentemente contraditória: se tendemos a confundir o nosso pensar com o próprio fenômeno sobre o qual pensamos, identificando, como se pertencessem ao fenômeno, em sua essencialidade, o conjunto de símbolos com os quais o identificamos (é preciso, sempre, lembrar que a palavra “água não molha” e assim por diante) e, reconhecendo como lógica do próprio comportamento do objeto a estrutura sintática que nos permite pensar sobre ele, as estruturas lingüísticas nos impõe uma relação com o fenomênico aparentemente ambígua, mas de grande valia na produção do conhecimento na medida em que sem ela não há ordenação possível para o pensamento. Assim, ao nos depararmos, cotidianamente, com as carências de nosso pensar (na medida em que cada conclusão que construímos nunca se realiza integralmente no próprio fenomênico), obrigamo-nos a repensar a estrutura conceitual de que dispomos e, ao mesmo tempo, a redefinir o conjunto de comportamentos que davam significação aos conceitos agora superados. Em outras palavras: a construção de novos conhecimentos é, sempre, a reconstrução das linguagens disponíveis.

Retomemos o jogo conceitual: é no interior dessa (no presente caso, refiro-me à língua materna) estrutura que aprendemos a escrever, isto é, que reconvertemos sons em grafismos. É, igualmente, nesse contexto que vamos ampliando nossa dificuldade de desenhar (cartograficamente), centrando toda a estrutura simbólica na mediação proporcionada na ordem fonética e seus desdobramentos sintáticos. De todo modo, as garatujas e os traços são, praticamente, abandonados e substituídos por letras – o reconhecimento social da necessidade desse abandono é fundado num princípio mais que justificador: a estrutura frasal da ordem fonética é capaz, com muita mais facilidade, de registrar os objetos, suas qualidades, a ação dos sujeitos sobre eles e assim por diante (dimensão narrativa), o que, no desenho, é historicamente muito mais difícil.

Na medida em que compreendemos que o ato de reconhecer o “onde” de cada coisa não significa, imediatamente, a identificação do porquê de tal localização e que, portanto, trata-se do reconhecimento da existência e não do desvendamento de seu significado, qualquer reflexão mais linear concluiria que o melhor caminho é a superação do desenho pela escrita, identificando na segunda a possibilidade de “manipulação” de um conjunto maior de mediações.

A reflexão que, ao que parece, ficou “perdida” em todo esse processo é o fato de, na verdade, as mediações disponíveis em cada uma das linguagens não são as mesmas (ao que parece, tal afirmação tem sido vista como uma simples defesa de ordem corporativa por parte dos professores de educação física, artes e música), e, por princípio, a carência de qualquer uma delas é um fator limitante para que o sujeito consiga transformar o conjunto de significados, inerentes a cada experiência vivida, em conceitos.

Em outras palavras: ser analfabeto em uma linguagem, independentemente de qual seja, estabelece restrições nas mediações necessárias entre o sentir e o pensar.

Visto isso podemos, novamente, nos ater à cartografia. Seria uma simplificação imaginarmos que esse tipo de linguagem substituiria as ordenações fonéticas, mas, por outro lado, seria outra simplificação imaginar que a ordem fonética dá conta da relação entre sensório e conceito, exigida pela ordem tópica.

Dessa maneira, mesmo o conjunto de atividades relacionado ao processo básico de letramento envolve o domínio de relações topológicas e a contraposição entre o desenho e a escrita é, no mínimo, um tipo de “esquizofrenia” pedagógica.

 

Cartografia como linguagem

“Para os geógrafos, a cartografia – diferentemente do mapa, representação de um todo estático – é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo em que os movimentos de transformação da paisagem”.

Paisagens psicossociais também são cartografáveis. A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo em que o desmanchamento de certos mundos – sua perda de sentido – e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes tornaram-se obsoletos.

Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para a composição das cartografias que se fazem necessárias.

O cartógrafo é antes de tudo um antropófago” (Suely Rolnik)

Legenda com a palavra mapa

"Tebas, Madian, Monte Hor, esfingéticos nomes. Iduméia, Efraim, Gilead, histórias que dispensam meu concurso. Os mapas me descansam, mais em seus desertos que em seus mares, onde não mergulho porque mesmo nos mapas [são profundos, voraginosos, indomesticáveis. Como pode o homem conceber o mapa? Aqui rios, aqui montanhas, cordilheiras, golfos, aqui florestas, tão assustadoras quanto os mares. As legendas dos mapas são tão belas que dispensam as viagens. Você está louca, dizem-me, um mapa é um mapa. Não estou, respondo. O mapa é a certeza de que existe O LUGAR, o mapa guarda sangue e tesouros. Deus nos fala no mapa com sua voz geógrafa". (Adélia Prado)

Mesmo fugindo das regras básicas de um texto acadêmico, nesse momento me vejo obrigado a iniciar a discussão pela negatividade, isto é, pela identificação do que não se deve fazer:

1. Não podemos confundir cartografia com Geografia;

2. Não podemos confundir cartografia com geometria;

3. Não podemos nos subordinar à idéia de cartografia que nos foi legada pelo Renascimento como sendo a única possível;

4. Não estamos colocando em discussão, portanto, exclusivamente, o uso que a Geografia faz da cartografia e, menos ainda, nos subordinando aos preconceitos criados pela matematização do real que dá fundamento à maior parte18 da produção dos engenheiros cartógrafos (da mesma maneira que não confundimos o uso que a Física iluminista faz da matemática com a linguagem matemática propriamente dita).

Assim, após tantas negatividades vamos construir algumas afirmativas:

1. A cartografia é a linguagem da ordem tópica;

2. O texto produzido com a linguagem cartográfica é o mapa19;

3. Trata-se, assim, de um tratamento específico do simbólico e, portanto, possui sintaxe própria;

4. Nesse sentido, podemos afirmar que a origem do grafismo é um certo tipo de cartografia, na medida em que o objetivo primário do registro foi o de transpor a ordem tópica (do corpo de quem registra em relação ao lugar do registro e, por decorrência, a possibilidade de ordenação da topologia da ação)20 para a dimensão de um certo tipo de mensagem;

Com esse jogo de negativas e afirmativas já temos condições de dialogar com os textos que foram colocados em epígrafe. Vejamos:

Num primeiro movimento é possível identificar que ambas as autoras associam, diretamente, a linguagem cartográfica com o discurso geográfico. Deixemos de lado essa confusão entre uma determinada estrutura de linguagem com o estatuto epistemológico de uma ciência. Vamos ao que, realmente, importa: a necessidade que ambas sentiram em demonstrar a perplexidade que uma mensagem construída cartograficamente impõe ao leitor.

Rolnik nos aponta que, inclusive, as imagens psicossociais são cartografáveis. Se nos lembrarmos que José Saramago (nos seus “Cadernos de Lanzarote”) nos indica que é necessário “arrancar a pele e fazer com que as palavras sangrem” veremos que ambos não se distanciam tanto em suas proposições, mesmo que estejam se referindo a sistemas lingüísticos bem diferentes. Já Prado nos aponta para o fato de, ao olharmos um mapa, ele nos dar a certeza da existência de um lugar. São esses os pontos de referência que poderão, de fato, nos permitir o entendimento da relação necessária entre a cartografia e algum tipo de educação escolar que tenha a questão ambiental como temática central. Trata-se, de fato, do significado que pode ter para cada um de nós o ato de “desenhar o meu lugar”.

Para tanto teremos de superar, além do vínculo simplório entre cartografia e Geografia, a postura linear e desenvolvimentista dos historiadores dessa linguagem. Tal literatura parece não ter dúvidas quanto ao fato de que os mapas, hoje produzidos por engenheiro cartógrafos, representam uma evolução em relação aos “de antigamente”. Assim, a escola constrói sua própria ruptura: das garatujas e dos desenhos infantis o educando deve “avançar” diretamente para grafismos que ordenam a linguagem de origem fonética e para os mapas que povoam “Atlas Geográficos” e livros didáticos de Geografia. Trata-se de considerar que a “norma culta” é a única norma possível e que, em seu nome, deve-se romper com a idéia de que o domínio das relações simbólicas deve, sempre, estar a serviço da construção das mensagens, no limite que se encontra o autor, tanto na definição do que ele deseja expressar quanto no domínio técnico que ele possua para executar tal sistematização.

Assim, a idéia corrente é ver o mundo, os continentes, os países, as cidades: todos com seus devidos títulos, legendas e escalas, mas, de fato, nenhum no qual o educando possa se reconhecer ou identificar-se como pertencente ao lugar ali representado. Reconhecendo-se que a apropriação do símbolo é concomitante com a de seu significado, estamos, sem dúvida, criando um “vazio epistemológico” ou, o que é o mesmo, negando ao educando a condição de construir os instrumentos lógicos que permitirão o domínio, não só da linguagem cartográfica, mas, o mais importante, do processo de ressignificação dos lugares pela via de sua ordenação, o que só o domínio das estruturas simbólicas pode nos permitir.

Preservando-se a diferença ordenativa de cada uma dessas estruturas, não seria demais retomarmos o fato de que há um salto qualitativo, do ponto de vista do conhecimento, entre o simples falar e o escrever e, tal como este exemplo, há, igualmente, outro salto entre o simples olhar (ou apropriação sensória) do paisagístico (paisagem, aqui, identifica a aparência da dimensão espacial do fenomênico) e o cartografar.

E, assim, chegamos a um ponto crucial: é preciso reconhecer o significado de espacialidade como dimensão da forma, e nele, a idéia de lugar. Para tanto, é preciso o domínio de uma estrutura de linguagem que tenha a ordem tópica como fundamento da construção e desenvolvimento de significados.

Tal proposição, no entanto, não se desdobra na necessidade de se criar uma disciplina cujo objetivo seja “ensinar cartografia”. Nesse sentido trata-se, muito mais, de uma “linguagem transversa” e, portanto, de uma ferramenta cujo uso deve ser apreendido pelo grau de significação que a compreensão da ordenação tópica do fenomênico pode permitir, que uma discussão de cunho especulativo cujo único objetivo seja o desvendamento das propriedades lógicas da linguagem.

 

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* Possui graduação em Geografia pela Universidade de São Paulo (1983), mestrado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (1991) e doutorado em pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997). Atualmente é professor doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Membro de corpo editorial da Revista Fluminense de Geografia. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Humana. Atuando principalmente nos seguintes temas: Geografia, espaço, história da ciência, epistemologia, renascimento e iluminismo.
1 Vide, só a título de exemplo, a obra de Ernst Cassirer citada na bibliografia. Divergindo desse autor procuramos identificar que o conhecimento é um fato e não um problema. Sobre tal postura vale consultar Henri Lefebvre, principalmente o texto Lógica Formal/Lógica Dialética igualmente citado.
2 Há uma grande diferença entre o significado de tal habilidade, nos homens e em outros animais superiores. Podemos tomar como exemplo dessa diferença o seguinte comentário, feito por Vigotsky (1999:07): “Um ganso amedrontado, pressentindo subitamente algum perigo, ao alertar o bando inteiro com seus gritos não está informando aos outros aquilo que viu, mas antes está contagiando-os com seu medo”
3 Tais escalas podem, perfeitamente, ser identificadas nas diferentes ordenações gramaticais, tais como a fonética em relação à ortografia e ambas em relação à identidade de cada um dos termos de uma oração (sem deixar de lado o que conhecemos por morfossintaxe).
4 Deve ficar claro, aqui, que tal interpretação tem um caráter absolutamente sintético e não tem por objetivo desvendar toda a polêmica já construída sobre o assunto.
5 Vale ressaltar que nada impede, no caso, que a mensagem seja construída e dirigida exclusivamente para o sujeito, isto é, que não haja, por parte dele (o sujeito), necessidade ou condição imediata de socialização do pensamento.
6 Um de meus leitores “privilegiados”, isto é, que tiveram a “missão” de ler este texto antes dos outros e mandar recados, comentários e coisas do tipo, nessa passagem levantou o seguinte questionamento: “Não se está confundindo experiência educativa com disciplinas?” Tentei, tal como fiz com outros comentários, inserir a solução do questionamento no interior do texto principal. Foi em vão. Vai, então, na forma de uma nota o seguinte comentário resposta: não, não se trata de uma confusão, já que o artigo, nesse momento específico, está se referindo à educação escolar. Tal como já se observou e, ainda, se observará nesse mesmo artigo, a educação escolar é, somente, um dos aspectos do processo educativo pelo qual passamos até o final de nossas vidas. Na escola o caráter disciplinar é, na verdade, o identificador, por excelência, de todo o processo.
7 Paro aqui no século XIX mais pelo fato de as sociedades tribais terem perdido importância quanto ao domínio territorial das áreas ocupadas que, propriamente, pelo fato de onde ainda existirem o significado da escola ter se tornado outro.
8 Vale realçar a obra de MORIN (2000) como um dos exemplos mais contemporâneos da necessidade de se construir um certo tipo de “saber universal”.
9 Evidentemente que não estou aqui levando em consideração o fato de que o processo de aprendizagem, na medida em que provoca mudanças comportamentais, acaba se desdobrando no interior de todas as relações sociais direta ou indiretamente vinculadas aos sujeitos aqui referenciados o que significa que seus desdobramentos são, a princípio, incontroláveis.
10 Dialogicidade: categoria desenvolvida na literatura paulofreiriana com o objetivo de superar o que o autor denominou de “educação bancária”. Em poucas palavras enquanto na última está-se identificando o educador que considera o educando uma espécie de receptáculo passivo dos conhecimentos por ele transmitidos à postura dialógica pressupõe que se assuma a diferencialidade dos discursos como condição de realização do processo.
11 Tal afirmação não elimina a constatação já observada em outros pontos desse mesmo texto da tendência geral da prática escolar identificar o saber local como um tipo de “não saber” que deve ser superado.
12 Considerando que estamos aqui reconhecendo como conhecimento científico todos os campos disciplinares que tradicionalmente compõem e identificam a sociedade ocidental e, além disso, estamos considerando que, também, os conhecimentos produzidos no interior das comunidades (e, portanto, nem sempre sistematizados nos padrões considerados “cultos”) podem ser compreendidos como ciência, o uso desse rótulo para identificar somente três disciplinas torna-se, efetivamente, anacrônico.
13 Vale observar que História e Geografia (bem como todas as disciplinas vinculadas ao fenomênico) construíram uma tradição na ordenação de seus conteúdos que despreza o processo histórico da construção de tais conhecimentos. O mesmo não se realiza em disciplinas como Língua Materna e Matemática.
14 No principio era a ação.
15 Consultar a obra “Sobre el Tiempo” de Norbert Elias (vide Bibliografía).
16 Façamos uma diferenciação que poderá nos ajudar a construir o nosso texto sem provocar confusões desnecessárias: vamos, de agora para frente, identificar a escrita pela categoria “grafismo” com a qual denominaremos quaisquer das formas de registro gráfico e deixemos para a categoria “escrita”, exclusivamente, os grafismos que têm por objetivo registrar mensagens que se aproximam das construções frasais típicas da oralidade.
17 Sobre o assunto consultar o livro de Jared Diamond “Armas. Germes e Aço” onde ele é tratado a partir da página 215.
18 Não usei aqui a expressão “totalidade” por uma simples questão de prudência. Afinal, sempre há a possibilidade de haver um ou outro engenheiro cartógrafo preocupado em subverter as regras de sua sintaxe. O mesmo se pode afirmar daqueles que trabalham com geoprocessamento.
19 Assim, podemos ter: o mapa de uma cidade, de um país, de uma rua, de uma casa, de um comportamento e dos comportamentos, do imaginário, do corpo, dos sabores ou, ainda, o mapa astral e o mapa do poder, o mental e o do tesouro. Fiquemos por aqui. Partindo do princípio de que não há fenômeno que não possua uma dimensão espacial (e, portanto, uma ordem tópica) não há meios de listar a totalidade dos exemplos possíveis.
20 É interessante notar como o compositor Toquino registra o processo no seu “Aquarela”, tanto no traçado do próprio corpo (a luva e a mão) quanto do imaginário (o céu, o pássaro, a chuva, o castelo, o futuro etc).

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