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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. v.18 n.16 São Paulo jun. 2010

 

ARTIGOS

 

Conflitos no trânsito: intervenções ou moderações psicopedagógicas podem ajudar no relacionamento dos agentes de operação e fiscalização de trânsito com os motoristas?

 

Traffic conflicts: can interventions or psyschopedagogical moderations help in the relationship between operational agents and surveillance agents in dealing with drivers?

 

 

Maria da Penha Pereira Nobre1

Instituto de Mobilidade e Educação Plano - IMEP

 

 


RESUMO

Este trabalho apresenta uma forma diferenciada de observar o comportamento dos agentes de operação e fiscalização de trânsito e sua participação nos conflitos com motoristas, com o foco interdisciplinar e sob o ponto de vista da ética profissional e da relação ensino/aprendizagem, procurando identificar as questões relevantes que afetam suas atitudes. Foram realizadas pesquisas com três grupos de agentes possibilitando classificá-los em três tipos básicos: Agentes que estão com a autoestima muito baixa, sentem-se um “nada”, um inseto, algo ruim, bode expiatório, que atrai coisas erradas e ruins e que a população não gosta; Agentes que são profissionais nas suas atuações, indiferentes aos acontecimentos que ocorrem no órgão onde trabalham ou a seus problemas pessoais; e Agentes que se sentem super-heróis, detentores do poder de resolver todos os problemas que aparecem. Os dois grupos que possuíam mais experiência profissional (mais de 6 anos), tiveram resultados semelhantes, diferentemente do grupo que estava sendo formado e não tinha experiência como agentes. As pesquisas demonstraram que, através de intervenções ou moderações psicopedagógicas, é possível provocar reflexões e mudanças de comportamento dos agentes, possibilitando a redução de seus envolvimentos nos conflitos no trânsito.

Palavras chave: Conflitos no trânsito, Psicopedagogia institucional, Intervenções psicopedagógicas, Agentes de operação e fiscalização de trânsito municipais


ABSTRACT

This work presents a distinguished way to observe the behavior of transit and traffic operational and control agents, and their participation in conflicts with drivers, under an interdisciplinary focus and professional ethics, considering in addition the relationship teaching/learning, looking for the relevant questions that influence their attitudes. Research was done with three groups of agents classified according to three basic types: Agents with a very low self steam, that consider themselves as a “nothing”, a simple bug, something bad, a scapegoat, someone that attracts bad and wrong things and that are disliked by the population; Agents that are professional in their actions, not sensible to the occurrences at the transit authority headquarter which they work for, or to their personal problems and Agents that feel they are super heroes, having the power to solve all the problems that might happen. The two groups with greater professional experience (more than 6 years) had similar results, different from the group that was being prepared and that did not have yet experience as agents. The research provided evidence that by using psychopedagogical interventions and moderations, it is possible to provoke them to reflect about their behavior and change their attitudes, leading in this way to the possibility of reducing their involvement in conflicts with the drivers in traffic and transit occurrences.

Keywords: Traffic conflicts, Institutional psychopedagogy, Psychopedagogical interventions, Transit and traffic operational and control municipal agents.


 

 

Introdução

Os conflitos no trânsito, que ocorrem nas vias públicas entre os profissionais que trabalham como agentes de operação e fiscalização de trânsito e os motoristas, são gerados por posturas inadequadas pelas duas partes e têm aumentado muito nos últimos tempos, passando a ser uma preocupação dos gestores públicos.

Embora o agente faça parte de um grupo, muitas vezes tem que agir solitariamente na via, tomando decisões difíceis, nem sempre acertadas, mas necessárias no momento em que ocorrem. As orientações recebidas no treinamento agitam-se em sua cabeça, buscando a melhor solução para a situação inesperada, muitas vezes emergencial, e que nem sempre foi discutida ou prevista. O que lhe causa desconforto e medo.

Trabalha na maioria do tempo em pé, sob sol e chuva, em situações muitas vezes precárias de trabalho, com muito ruído, sem condições sanitárias adequadas, sem local de descanso ou refeição. Usa, obrigatoriamente, uniforme e calçado que nem sempre são adequados às suas funções, provocando, por vezes, problemas de dor e machucado nos pés, calor, mal-estar, entre outros. Para a realização de suas atividades precisa de boas condições físicas e psicológicas, pois trabalha sobre pressão, com rotinas de trabalho rígidas e exposição a situações de risco.

Sendo uma função relativamente nova existem dificuldades naturais nos ajustes de comportamento no exercício das atividades, com reflexos no relacionamento com os usuários das vias, que são os clientes cidadãos (pedestres, motoristas, passageiros, ciclistas, entre outros). Os conflitos que surgem devem ser discutidos e analisados para que os agentes possam saber como agir e não se sentirem desorientados em situações agressivas ou de estresse na função.

A questão ética no trabalho do agente não pode ser deixada de lado, já que sua função pública tem relacionamento direto com os usuários da via e é baseada em um conjunto de princípios e normas definidas no Código de Trânsito Brasileiro - CTB (BRASIL,1997) e pelos órgãos de trânsito.

Ética trata de princípios e não de mandamentos. Supõe que o homem deva ser justo. Porém, como ser justo? Ou como agir de forma a garantir o bem de todos? Não há resposta predefinida. É preciso, portanto, ter claro que não existem normas acabadas, regras definitivamente consagradas. A ética é um eterno pensar, refletir, construir. Secretaria de Educação Fundamental.

O comportamento dos motoristas, por outro lado, que deveria ser baseado na responsabilidade de conduzir com precaução um veículo que pode pôr em risco sua vida e das outras pessoas, muitas vezes está baseado em atitudes agressivas, nas disputas de espaços e poder, além do “levar vantagem em tudo” que é agravado pelo pouco conhecimento do CTB e das regras e normas de convivência no trânsito.

Historicamente, no Brasil, não foi dado o devido valor à formação do condutor, que aprende a dirigir na prática e pouco se interessa pelo conteúdo e pela motivação das determinações legais, que procuram organizar a utilização do espaço viário com base em conceitos de cidadania.

A convivência dos condutores e agentes de trânsito nas vias é difícil e delicada, pois ao mesmo tempo em que ele é considerado como um anjo quando se precisa dele, ao ser atuado o motorista o considera como um “diabo”. É necessário um acompanhamento permanente, assim como ações que corrijam comportamentos e posturas dos agentes com o objetivo de reduzir a gravidade das situações que são vividas diariamente por eles.

 

Identificação de problemas

a. Comportamentais

Corassa (2003, p. 61 a 74) analisa a questão dos conflitos no trânsito destacando que sua complexidade é proporcional à complexidade da natureza humana e que se o carro é considerado pelas pessoas como extensão de suas casas, lugar de proteção, privacidade e convivência, o trânsito é também espaço de conflitos.

Machado (2003) ressalta que no Brasil não temos a cultura da cidadania desenvolvida e no trânsito isto pode ser observado, pois foi desenvolvido um conceito de “impunidade”, no qual os direitos e deveres são desiguais, e o “levar vantagem” gera o “você sabe com quem está falando?”, leva ao “agrado”, ao jeitinho e à cultura da malandragem. É necessário resgatar a idéia de o espaço urbano ser um local democrático, de exercício de cidadania, de respeito e civilidade, de convivência e solidariedade, objetivando valorizar o direito de ser, de conviver e de participar de outro tipo de trânsito.

Bianchi (2007) coloca que os conflitos de trânsito podem ser interpretados como uma busca de poder, de sobrepujar o outro, como a figura simbólica do pai. Mostrar-se o mais forte, ou o mais corajoso, ou o mais veloz, pode ser traduzido como uma busca de superação do pai internalizado. A realidade parece indicar a necessidade de que a sociedade encontre meios de mudar as atitudes agressivas no trânsito.

 

b. Com relação aos agentes

Ao agente, depois de treinado e credenciado pela Autoridade de Trânsito, que é o dirigente do órgão de trânsito, cabe fazer cumprir a Lei (DENATRAN, 2005 e PLANO CONSULTORIA E TECNOLOGIA, 2007, 2009), devendo olhar e agir em nome dela, e cada ação sua tem reflexos tanto no comportamento das pessoas, motoristas, ciclistas e pedestres, como na imagem que a população tem do órgão de trânsito (BRASIL, 2005 e PLANO CONSULTORIA E TECNOLOGIA, 2007, 2009). Suas atividades operacionais e de fiscalização não são opcionais, mas obrigatórias em sua função de agente.

Quando age com consciência, objetividade, profissionalismo, segurança, educação, respeito, ética, legitimidade, passa a ser um agente de transformação de comportamentos, sendo fundamental na gestão do trânsito das cidades. (NOBRE, 2009)

Lancman, Sznelwar e Jardim (2006) observaram, em uma pesquisa junto aos agentes de trânsito que cuidam do estacionamento rotativo tipo Zona Azul em São Paulo, insatisfações relativas à sua saúde, às suas limitações físicas e à exposição às intempéries, entre outros aspectos.

Em geral os sentimentos individuais não são verbalizados pelos agentes e transformam-se em insatisfações com reflexos em seu comportamento. Com base nas informações de Blanchet e Trognon (1996), podemos considerar que para os agentes de trânsito pesa muito o sentimento do abandono e de culpa quando se acham responsáveis pelo mau funcionamento do grupo ou por terem tomado alguma decisão solitária, que pode ter causado algum prejuízo ao usuário da via ou aos colegas de trabalho.

Nesse sentido, Morin (2001) coloca que o inesperado nos surpreende e nos assusta, pois nós nos acostumamos com o existente e temos dificuldade de acolher o "novo" que, constantemente, aparece e nos desafia, obrigando-nos a uma revisão das idéias, das teorias e das experiências para saber como agir.

Quando o grupo de agentes está bem estruturado e os procedimentos são claros, o próprio trabalho do grupo de agentes contribui para a construção e fortalecimento do conhecimento através da reflexão sobre as experiências novas de cada um e do grupo como um todo. (NOBRE, 2009)

Na medida em que cada agente de trânsito troca com o grupo suas experiências individuais, trazendo suas dúvidas, angústias e incertezas sob uma orientação adequada com foco interdisciplinar de um mediador com experiência técnica, com o acompanhamento de um psicopedagogo e a participação de outros profissionais de outras áreas (RH, Jurídica, etc.), o grupo poderá sair fortalecido dos erros, gerando muito mais acertos, maior segurança em suas atitudes e um fortalecimento de sua autoestima.

Nesse sentido, Fagali (2008) faz considerações aplicáveis aos agentes, pois a troca interdisciplinar nos conduz para diálogos com os “mitos” sobre os poderes e verdades e a utilização de nossa capacidade de “escuta do diferente” possibilita que nos coloquemos no lugar do outro. Destaca a ampliação do nosso olhar sobre o conhecimento, considerando-o como uma “rede” complexa de fatores, sabendo-se que nas partes está refletido o todo (visão sistêmica-holográfica). Coloca, também, além da interdisciplinaridade, como uma visão em busca da transdisciplinaridade, indo além do “entre” e aprofundando em direção ao “trans-”, sem deixar de focar a nossa atenção nas fronteiras entre as diferenças, que pode contribuir para uma ampliação desse olhar.

É interessante, também, “olhar” os agentes conforme suas características individuais, procurando identificar os diversos papéis dos participantes do grupo conforme Pichon-Rivière (2008):

Ouvir os porta-vozes dando atenção para suas observações, identificar o líder de resistência e o que está provocando a reação dele, escutar ativamente o líder de mudança, com o objetivo de identificar o que pode ser absorvido pela organização, perceber o sabotador e não deixar de “ouvir” aqueles que permanecem no silêncio, observando suas reações, provocando sua participação. (NOBRE, 2009)

A tipologia de Jung (1971), que também pode ser aplicada, e Plonka (2009), destaca que os tipos Sensação, por terem uma característica maior para o “aqui-agora”, tendem a perceber o futuro em termos de "curto prazo", apresentando mais dificuldades para lidar com "metas a longo prazo”, coisas que soam para eles como "exercícios inúteis de imaginação".

Os Intuitivos, por estarem normalmente voltados para possibilidades futuras, tendem a viver no amanhã, projetando metas e algumas utopias sem pensarem muitas vezes no "como chegar lá". Os tipos Sentimento, por basearem suas decisões nos valores pessoais, estão mais voltados para o passado, objetivando a preservação dos valores, tendendo a projetar o futuro como uma continuação do passado. Segundo Plonka (2009) os tipos Pensamento se mostraram mais capazes de vivenciar o tempo como uma continuação entre o passado, o presente e o futuro, capazes de projetar tendências futuras e os Perceptivos ou os tipos Sensação estão mais voltados para o aqui-agora e para o “curto prazo", tendo dificuldades para lidar com "metas a longo prazo e "futuros prováveis".

As equipes de trabalho são compostas por indivíduos com diferentes tipologias e os conflitos que daí decorrem, são normais e administráveis, enriquecendo o grupo. Poderiam ser feitos questionamentos como: será que posso ter pessoas introvertidas como agentes de trânsito ou é melhor que sejam extrovertidas? Uma pessoa intuitiva pode realizar tarefas rotineiras sem se sentir frustrada?

É necessário que sejam avaliadas as características de cada um e suas funções, considerando as atividades que devem desempenhar para poder adequar os perfis às atividades. Para elaborar o planejamento das operações, os tipos Pensamento são mais adequados; para a proposta de soluções inovadoras, os Intuitivos; para resolver os problemas rotineiros, os Perceptivos e para os contatos com a população, os tipos Sentimento podem ter melhor desempenho.

É necessário muito cuidado na observação da tipologia de cada agente a fim de colocá-los nas funções compatíveis com suas características.

 

c. Com relação à instituição, organização ou empresa

Fagali (2008) afirma que para lidarmos com dificuldades institucionais, devemos olhar para as forças coletivas nas quais os indivíduos, que ali trabalham, estão imersos, os valores, os mitos e os padrões comportamentais coletivos que podem ampliar o desenvolvimento ou podem dificultar a aprendizagem de cada um e dos grupos que estão inseridos no inconsciente coletivo da instituição.

Nos momentos de crise, as imagens psíquicas são associadas a valores e emoções, que podem mobilizar como um arquétipo coletivo misturados com os conteúdos e forças individuais, mobilizando o comportamento dos indivíduos.

As instituições podem ter, tomando-se em conta alguns dos arquétipos de Jung (1984), características mais fortes de paternagem e de maternagem. Aquelas com fortes traços de paternagem têm como embasamento as regras, os limites de funções, as normas, “castigos” funcionando com base na lógica, no planejamento e na busca de resultados. As que têm traços fortes de maternagem funcionam mais com base na emoção e afetividade, com o “acolhimento” dos funcionários, a compreensão de tudo que acontece e pouca punição aos erros.

Quando falamos de agentes de trânsito, estamos falando de servidores públicos que trabalham em órgãos de trânsito municipais, sujeitos às regras da prefeitura e da legislação de trânsito. Mesmo que tenhamos que considerar o temperamento e características dos dirigentes que exercem cargos de confiança do Prefeito e permanecem, em geral, pelo período da gestão, isto é, 4 ou 8 anos se este for reeleito e o dirigente for mantido no cargo, o perfil da organização tende a ser voltado ao tipo Pensamento, com características conflitantes de paternagem e maternagem exagerados (pai excessivamente bom ou mãe excessivamente boa).

Nesse aspecto, o psicopedagogo poderá possibilitar ao grupo um transitar entre os dois arquétipos sem muito trauma, facilitando sua adequação à nova situação. (NOBRE, 2009)

Costa (2009) destaca que:

“A organização que consegue fazer seus funcionários ou boa parte deles entenderem a dinâmica da empresa e a importância da aprendizagem em seu contexto geral, terá menos problemas de relacionamento interno e menos problemas com seus clientes externos”.

Os problemas internos e externos podem não terminar, mas vão diminuir, pois os funcionários terão maior foco em suas atividades e no relacionamento com os outros, procurando entender e se comprometer com a organização.

Não se pode esquecer a importância da boa comunicação interna, que deverá se refletir externamente depois. Mensagens claras, diretas, sem dupla interpretação, escritas em português correto e com informações precisas, são importantes para evitar distorções que podem provocar erros.

Segundo Morin (2001), existem vários obstáculos exteriores à compreensão intelectual:

- o "ruído" que interfere na transmissão da informação, criando o mal-entendido e ou não-entendido;

- a polissemia de uma noção que, enunciada em um sentido, é entendida de outra forma;

- a ignorância dos ritos e costumes do outro, especialmente os ritos de cortesia;

- a incompreensão dos valores de outra cultura;

- a incompreensão da ética própria de uma cultura;

- a impossibilidade de compreender as idéias e os argumentos de outra visão de mundo;

- a impossibilidade de compreensão de uma estrutura mental em relação a outra.

O processo de comunicação em um órgão de trânsito, em especial no caso dos agentes, pode produzir efeitos positivos ou negativos dependendo de como acontece. Daí a necessidade de realizar intervenções psicopedagógicas que possam contribuir para a confiança do grupo.

Dentro desse contexto, para que seja possível o entendimento da afirmação anterior, é preciso destacar que:

A Psicopedagogia Institucional, numa concepção mais pós-moderna e ecossistêmica se constitui como uma área de reflexão e atuação segundo este enfoque psicopedagógico, voltada para a compreensão das diferentes dimensões de aprendizagem, da natureza de suas dinâmicas e das suas repercussões no desenvolvimento do homem, com o foco nos diferentes contextos socioculturais, organizacionais, e nas diferentes culturas e dinâmicas interativas, nas múltiplas modalidades sobre o aprender, o ensinar, o comunicar, e o lidar com interações interpessoais e coletivas.

Este enfoque institucional refere-se, portanto, à compreensão desses processos associados à aprendizagem de uma cultura e às dinâmicas interativas presentes na Instituição que, segundo uma visão sociológica, consiste em complexos integrados por idéias, padrões de comportamentos, relações inter-humanas, constituindo-se, às vezes, com equipamentos e materiais, organizados em torno de interesses socialmente reconhecidos, sustentados por leis e normas. Nessa Instituição, manifestam-se culturas que podem se caracterizar como plurais e diferenciadas, ou padronizadas e únicas. (FAGALI, 2006)

Fagali (2006) coloca, também, que a intenção da Psicopedagogia Institucional, do ponto de vista terapêutico, é trabalhar “as questões de saúde e de doenças que se manifestam na aprendizagem das organizações, considerando as desarticulações, desvios ou reduções das dinâmicas que envolvem as relações humanas e grupais e criando condições saudáveis de troca e de trabalho humano, em que se enfatiza a dialógica entre o individual e o coletivo”. A importância das intervenções terapêuticas é muito grande, pois lida com os aspectos cognitivos relacionados aos afetivos no ambiente do trabalho. As questões de aprendizagem estão, dessa forma, inter-relacionadas à dinâmica afetiva e às construções cognitivas de cada membro do grupo, tanto no nível concreto, no abstrato, como no imaginário, e nas múltiplas funções dos aprendizes, trabalhadores, mobilizadas nas diferentes Instituições. (FAGALI, 2006)

 

Pesquisas realizadas

Foram realizadas três pesquisas com grupos de agentes de trânsito que participaram de cursos de formação de agentes ou de atualização, com o objetivo de realizar uma amostra do trabalho psicopedagógico e identificar algumas das hipóteses levantadas sobre a relação entre os conflitos com a população e os conflitos internos ao grupo e ao órgão em que trabalham:

Número de agentes participantes:

• Grupo 1: 63 agentes que exercem a atividade há cerca de 6 anos em média na fiscalização de trânsito;

• Grupo 2: 22 agentes que estão iniciando as atividades de operação e fiscalização de trânsito;

• Grupo 3: 6 agentes com experiência de 8 anos em média na fiscalização de trânsito.

Intervenções:

a) Dinâmicas de aquecimento do grupo;

b) Elaboração de um desenho: “o que é ser agente”;

c) Apresentação e explicação dos desenhos aos outros participantes;

d) Fixação dos desenhos na parede formando um grande painel em que todos puderam ver e comentar.

 

Resultados da pesquisa

A pesquisa realizada mostrou alguns pontos importantes. Os agentes puderam ser agrupados em três tipos básicos:

- Agentes que estão com a autoestima muito baixa, sentem-se um “nada”, um inseto, algo ruim, bode expiatório, que atrai coisas erradas e ruins e que a população não gosta.

- Agentes que são profissionais nas suas atuações, indiferentes aos acontecimentos que ocorrem no órgão onde trabalham, não misturando suas ações a problemas pessoais.

- Agentes que se sentem super-heróis, detentores do poder de resolver todos os problemas que aparecem.

 

 

 

 

 

 

Os grupos 1 e 3, com experiência nas atividades de operação e fiscalização de trânsito, tiveram respostas equivalentes: A maioria tem postura profissional, preocupados em cumprir suas obrigações adequadamente, dando orientações para a população; o restante é dividido de forma quase equivalente entre os que têm baixa autoestima e os “super-heróis”.

O grupo 2, com agentes inexperientes, mostrou um perfil diferente, caracterizado pela sensação de poder (45%) e o restante dividido de forma equivalente entre a baixa autoestima e a postura profissional. Isto demonstra que quando começam a trabalhar como agentes se sentem com muito poder de fiscalizar e com o passar do tempo mudam de comportamento.

Em todas as intervenções ficou claro que o relacionamento com os clientes externos tem a ver com o nível de satisfação ou insatisfação no trabalho.

As atividades psicopedagógicas realizadas provocaram grandes reflexões:

Através dos desenhos, os agentes externaram sentimentos diversos, tais como: solidão, insatisfação, insegurança, baixa autoestima, abandono, desvalorização profissional, entre outros. Veja alguns exemplos:

- Uma folha em branco dizendo que o trabalho dele “era nada”;

- Desenho de um pernilongo: bastava um tapa para acabar com ele;

- Um pontinho muito pequeno no canto do papel: sente-se como uma poeira;

- Uma forca perto do agente: sente-se quase “enforcado”.

Em muitos desenhos foram utilizados textos complementares, o que segundo Furth (2006) requer uma atenção especial, pois isso expressa o temor de que a pessoa não está conseguindo passar sua mensagem de maneira clara. Esse foi o caso dos agentes ao desenharem “O que é ser agente”, onde reforçaram com textos os sentimentos aparentes, mas acabaram externando sentimentos profundos de insatisfações profissionais e pessoais. (NOBRE, 2009)

Visca (2008) coloca que não é fácil reconhecer em si mesmo as contradições, e que o mais comum é que através do desenho os conflitos se manifestem sem estar muito claros. Ao mesmo tempo em que abre uma via de comunicação com o psicopedagogo e os sentimentos começam a ser externalizados, os participantes passam a tomar consciência deles.

Alguns agentes tiveram indecisão na escolha do tema e Visca (2008) coloca que isso pode indicar dois tipos de problemas: os desejos da pessoa versus uma forte proibição internalizada do meio, ou contradições entre diferentes interesses ainda não discriminados. Durante os relatos foi possível observar contradições e incoerências que são reveladoras dos conflitos sujeito-realidade e do sujeito consigo mesmo. Alguns agentes tiveram coerência no seu relato, enquanto outros desenharam uma coisa e falaram outra, dizendo que o desenho não haviarepresentado o que gostariam ou que não ficou do jeito que era para ficar. (NOBRE, 2009)

Müller (1987) destaca que o herói identificado em vários desenhos personifica a figura ideal do ser humano, que defende nossa causa e por isso nos identificamos com ele, com seus medos e sofrimentos, seus combates, vitórias e derrotas, na sua luta pela sobrevivência. O herói mostra a coragem e o desinteresse pelo social, superando o medo profundo diante do estranho, do desconhecido e do novo, sendo capaz de suportar conflitos, frustrações e realizar ações que possuem uma força transformadora não apenas em relação a ele mesmo, mas também em relação à sociedade. O caminho do herói não está reservado a poucas pessoas escolhidas, mas a todos nós, que nascemos para sermos heróis. (MÜLLER, 1987)

Jung (1984) destaca que o mito do herói aparece em nossos sonhos, sendo encontrado na mitologia da Grécia e Roma, na Idade Média, no Oriente e entre as tribos primitivas. Destaca, também, que o mito do herói representa uma chave, pois em muitas das histórias o nosso herói é frágil, mas consegue forças sobre humanas que possibilitam a realização das tarefas. Quando o indivíduo entra na fase madura da vida, o mito do herói perde sua importância, ocorrendo a morte simbólica do herói ao alcançar a maturidade. (JUNG, 1984)

Será que nossos heróis-agentes ou agentes-heróis acham que detêm “o poder e a força” como os super-heróis das histórias infantis e esperam que apareçam situações que eles possam se apresentar e agir na realidade que vivem? Será que acreditam de fato que podem resolver qualquer situação usando asas e voando em vez de, com os pés no chão, enfrentarem as situações e resolvê-las da melhor maneira possível?

Essas pessoas que disseram que se sentiam como super-heróis, ao longo de outras intervenções psicopedagógicas, apresentaram posturas mais reais e dificuldades como seres humanos, relatando medo e insegurança que, para não serem transparecidas, transformavam-se em agressividades com os usuários da via, entrando em conflito com eles. Acham que “seus feitos” não eram muitas vezes “reconhecidos” pela direção do órgão e como não recebiam elogios, sentiam certa frustração. (NOBRE, 2009)

Aqueles que se sentiam como um inseto, que “bastava um tapa” para acabar com eles ou aqueles que representaram o agente em situação de trabalho lamentável, estão com a autoestima muito baixa, sentindo-se um “nada” no órgão que não os apóia nos problemas que enfrentam ou que ainda não reconhece o esforço que fazem trabalhando sob o sol e chuva. Trabalham sem motivação ou empenho, pois, “não são valorizados” dentro do órgão que só lhe cobra resultados, sem dar condições melhores de trabalho. Seu nível de tolerância com as situações criadas na via e com os usuários é mínima, entrando em conflito facilmente com eles.

Os que acham que sua situação no órgão lhes satisfaz, realizam seu trabalho procurando cumprir as ordens de serviço. Procuram não entrar em conflito com os usuários, omitindo-se de situações conflitantes, respondendo com atitude profissional os questionamentos que recebem sobre seu trabalho, procurando não cair em provocações.

As intervenções possibilitaram realizar um diagnóstico sobre o comportamento dos agentes e suas causas, ajudando a discutir questões próprias do grupo e a consolidar sua formação, pois como diz Porto (2008), “não basta reunir pessoas sob o mesmo telhado para que se tenha um grupo de trabalho coeso, íntegro como uma unidade que trabalha em conjunto com objetivos comuns”. As instituições educacionais preparam um profissional de forma genérica, que nem sempre é o papel escolhido para a organização. No caso específico dos agentes, esse aspecto é acentuado, pois existem pouquíssimas escolas técnicas de formação de agentes no Brasil, ficando sua capacitação sob a responsabilidade do órgão onde trabalha. (NOBRE, 2009)

Por isso, o cuidado com sua formação, seu desempenho, sua satisfação no trabalho, suas especializações, sua motivação, sua autoestima, sua qualidade de condições de trabalho, sua saúde física, devem ser constantemente acompanhadas pela empresa ou órgão de trânsito.

 

Conclusão

O estudo demonstrou que as intervenções, sob a ótica da Psicopedagogia Institucional, podem contribuir para esclarecer questões implícitas individuais e do grupo que devem ser trabalhadas. Através do olhar psicopedagógico, as ansiedades, rancores, fadigas, frustrações, desmotivação, entre outras emoções, poderão ser causas ou consequências de aspectos afetivos, sociais, psicomotores ou cognitivos, que espelhados nas relações com o público, são de fato gerados por situações internas de aprendizagem, comunicação e relacionamento.

Ouvir a queixa, realizar entrevistas e uma anamnese da organização/instituição, observar os indivíduos, o grupo e a instituição com base na tipologia de Jung e sob a ótica de Pichon-Rivière, considerar a essência da organização (missão, visão e valores), a característica dos gestores e sua cultura, que influenciam os comportamentos dos agentes, além de suas expectativas explícitas e implícitas, suas dificuldades físicas e materiais, suas carências de afetividade e de reconhecimento de seu trabalho, entre outros aspectos que caracterizam a interdisciplinaridade de suas atividades, fazem parte da elaboração do diagnóstico e das intervenções psicopedagógicas institucionais que poderão provocar grandes mudanças de comportamento, de relacionamento e naturalmente de produtividade e de resultados visíveis e sensíveis pelos dirigentes e pelos clientes cidadãos.

Segundo Morin (2001), o conhecimento, como palavra, idéia, teoria, é fruto de uma tradução/construção por meio da linguagem e do pensamento em constante transformação, comportando interpretações e, por conseguinte, está sujeito ao erro. Daí os numerosos erros de concepção e de idéias que sobrevêm a despeito de nossos controles racionais. A projeção de nossos desejos ou de nossos medos e as perturbações mentais trazidas por nossas emoções multiplicam os riscos de erro.

Fagali (2001) coloca que no movimento hologramático está presente a dança entre as forças antagônicas, que se influenciam mutuamente num movimento de excluir-se e incluir-se. É nessa troca constante que os agentes de trânsito podem entender melhor sua participação nos conflitos, a interdisciplinaridade de seu trabalho e a importância do comportamento ético no exercício de sua função no contato direto com o público.

Sartre (2005, apud DRUMOND E SOUZA, 2008) lembra que não importa o que fazem a você, mas interessa o que você faz do que fizeram a você e que o homem é o único responsável pelo seu destino. Cabe aos agentes refletirem sobre seus atos e suas consequências diretas e indiretas. Os jogos, brincadeiras, desenhos, representações, propiciam uma grande reflexão na busca desse destino e do que se pode esperar de seu trabalho.

Costa (2009) ressalta que é necessário cuidar da saúde interna da empresa ou instituição, promovendo um tipo de educação cidadã dentro dela. A educação dos funcionários é importante, tanto a acadêmica quanto a que agrega os sentimentos de valores internos da empresa e dos valores como grupo, resgatando crenças já extintas que se referem à missão e a visão da empresa.

Fagali (2001) destaca que a aprendizagem implica em alterações mútuas entre sujeitos e ambientes, gerando mudanças. A aprendizagem humana ocupa um lugar diferenciado, diante das infinitas possibilidades de transformações e da complexidade do homem ao se interagirem com os meios culturais também complexos.

A empresa que consegue fazer seus funcionários ou boa parte deles entenderem sua dinâmica, para onde ela está caminhando e a importância da aprendizagem terá menos problemas de relacionamento interno e com seus clientes externos. (COSTA, 2009)

Sem dúvida, para se obter melhores resultados no trabalho, temos que olhar o agente ser humano e o agente profissional e tudo que disso decorre, assim poderemos obter um padrão de qualidade na gestão como um todo dentro da visão holográfica sistêmica.

A Psicopedagogia, no contexto apresentado, tem um papel de condutora e articuladora no processo de aprendizagem de uma organização de trânsito. As contribuições da Psicopedagogia são relevantes, desde que leve em conta o enfoque multi e interdisciplinar, contando com as atuações complementares de outros especialistas que lidam com as questões que envolvem os conflitos e a aprendizagem entre os agentes e os motoristas. Esse novo olhar psicopedagógico, sobre a aprendizagem dos agentes de trânsito municipais, possibilita melhorar a atuação desses profissionais como agentes da Autoridade de Trânsito, obtendo melhores resultados nos seus relacionamentos com seus clientes-cidadãos e o desenvolvimento de uma imagem saudável e colaboradora do órgão de trânsito.

 

Referências

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1 Arquiteta e Urbanista com Formação em Psicopedagogia Clínica e Institucional, Aperfeiçoamento em Psicopedagogia Institucional e Especialização em Trânsito: Mobilidade e Segurança.

Agradecimento: Agradeço a orientação da Professora Vera Marcia Gonçalves da Silva Pina para o desenvolvimento de minha monografia do curso de Formação em Psicopedagogia Clínica e Institucional do Instituto Sedes Sapientiae e às professoras Eloisa Quadros Fagali, Vera Ferretti, Georgia Vassimon e Irene Maluf do curso de aperfeiçoamento em Psicopedagogia Institucional.

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