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Construção psicopedagógica
versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474
Constr. psicopedag. vol.27 no.28 São Paulo 2019
PONTO DE VISTA
Saúde mental na escola psicopedagogia ou psicologia: digladiar ou harmonizar?
Mental health at school psychopedagogy or psychology: digladiate or harmonize?
Marcos Venicio EsperI, 1; Alzira Jorri TomeiII, 2
IUniversidade de São Paulo e Universidade do Estado de Minas Gerais
IIUninove São Paulo
É comum pais, professores e até mesmo alguns profissionais da saúde confundirem as funções e papéis desempenhados por profissionais da psicopedagogia ou da psicologia.
Saúde Mental na infância abarca também conceitos de deficiências, transtornos, síndromes e processos de aprendizagem. Busca-se, nesse texto, interdisciplinarizar e multiprofissionalizar os olhares para essa densa e complexa temática. Criança agitada, triste e angustiada, insociável, come demais ou come de menos, apresenta problemas de aprendizagem na escola, talentosa em excesso, tímida e violenta: há várias razões para a família ou responsáveis confiar e buscar auxílio de um profissional da saúde ou da educação. Na fase de inocência e da autoconstrução, quais são os comportamentos patológicos e os que não são? O que é da área da saúde ou educação? Onde o sofrimento psíquico começa na criança? Quando e quem consultar e buscar apoio? É necessário, desde cedo, rotular e medicalizar comportamentos atípicos? Essas questões dizem respeito à sociedade como um todo, porque refletem nossa relação com a norma, as regras e as diferenças.
Alguns pais, diante de questões de saúde mental das mais variadas com seus filhos, nem sempre procuram uma terapêutica para seus eles, mas buscam "respostas profissionais" que amenizem suas angústias diante dos eventos.
Essa é uma realidade no âmbito educacional, pois nem sempre os professores encaminham ou orientam os pais ou responsáveis de maneira ponderada. Segundo NASCIMENTO (2012), queixas escolares e comportamentais têm aumentado significativamente o número de diagnósticos psiquiátricos na infância. Esse aumento está ligado ao surgimento de inúmeras estratégias e discursos que apoiam ferramentas medicalizantes na educação, resultando assim na patologização da infância - prática terapêutica que medicaliza excessivamente a infância, propiciando que diversos comportamentos e dificuldades, principalmente quando relacionados à escola, sejam abordados como doenças, síndromes ou transtornos (Corrêa, 2010).
Em relação à medicalização, os discursos estão postos no imaginário público e influenciam os pontos de vista e convicções de famílias e professores. Há uma vasta divulgação, em especial através da Internet, conceitos e dados sobre as características dos diagnósticos "psis", bem como testes e caracterizações para facilitar a identificação de supostos transtornos. Assim, possibilitam o uso comum de elementos dos discursos científicos e o estabelecimento de práticas de autocontrole e vigilância para que qualquer pessoa possa reconhecer os outros ou a si como portadores de uma doença mental (Corrêa, 2010).
Na área da saúde, SUCIGAN (2012) afirma que o acolhimento como um procedimento a ser executado, por mais que este possibilite a abertura de um canal de escuta do Serviço com o usuário, os profissionais escalados para esta função acabam tendo que acolher muitos problemas de muitas pessoas, entretanto frequentemente sentem-se incapazes de resolvê-los. A autora salienta que se faz necessário estabelecer o conceito e as diferenças entre o acolher e o encaminhar. Dessa maneira, o acolher propõe uma inversão na lógica da organização e no funcionamento do serviço de saúde, garantindo a acessibilidade universal, deslocando o eixo central do médico para a equipe interdisciplinar e multiprofissional.
Nesse sentido é condição "sine qua non" que os profissionais da educação e saúde tenham um alinhamento para orientar, prevenir e tratar as questões voltadas para a saúde mental da infância.
Não é nosso objetivo discutir, especificamente, a questão dos transtornos mentais, síndromes, problemas de aprendizagem, etc; mas colocar em evidência que tais questões são, sobretudo, multifatorias e não do aluno, da criança, do ator social.
O que queremos trazer à baila são reflexões de saúde mental na infância, o que possibilita o aparecimento de algumas práticas e conhecimentos especializados nas questões, dentre as quais se destacam a Psicologia e, em particular, a Psicologia Escolar, que é um exemplo de profissão que tem se dedicado a elas, bem como a Psicopedagogia como mais uma área do conhecimento voltada para problemáticas nos processos de ensino-aprendizagem.
Jucá (2000) fez uma excelente análise acerca do posicionamento assumido pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), apresentando um conjunto de argumentos contrários ao reconhecimento da profissão de psicopedagogo:
Quanto ao fato da Psicopedagogia utilizar-se de conhecimentos psicológicos e pedagógicos para constituir-se, perguntamos: mas não é exatamente assim que surge uma nova ciência/profissão? A Psicologia também não contém base teórica noutras ciências como Biologia, Sociologia, ou seu corpo teórico já "nasceu" psicológico? Quanto à acusação de a Psicopedagogia possuir "interesses escusos" no que se refere a uma reserva de mercado, perguntamos: qual parece ser a preocupação do CFP ao tentar impedir a regulamentação desse outro conhecimento? Não há, também, além de uma inegável preocupação ética do CFP com a propagação e utilização de conhecimentos psicológicos por profissionais não habilitados, uma tentativa de proteger o psicólogo escolar da concorrência do psicopedagogo e, mais ainda, o psicólogo clínico que recebe em seus consultórios o aluno com problemas na escola? (JUCÁ, 2000, p. 12)
Como tentativa de refletir acerca da questão digladiar ou harmonizar as duas áreas, entende-se que um caminho plausível é a interdisciplinaridade. Nesse sentido, interpreta-se interdisciplinaridade como ideias norteadas por eixos básicos: a interação, a humildade, a totalidade, o respeito pelo outro, também marcadas pelo sentimento de intenção consciente, clara, objetiva e não apenas pela interação de elementos da erudição.
Vive-se, atualmente, num mundo repleto de violência, de competividade, de desagregação da harmonia que existe entre as pessoas, entre as instituições, na sociedade como um todo. Parece-me que as pessoas perderam muito dos seus contextos de irmandade com muita facilidade.
A ideia aqui é a busca do harmonizar as diferenças de maneira que isso venha refletir em diferentes contextos (dos alunos, das famílias, das instituições), e com isso manter as diferenças de maneira mais harmônica, equilibrada e não ter esses rompantes pra vir a se digladiar com o diferente, no sentido de ficar "o que é meu... é meu e o que for teu... é teu".
Somemos em prol de todos e não individualizemos e façamos com que alguns tenham muito e outros tenham quase nada. Tanto a psicopedagogia quanto a psicologia podem e devem fazer diferença na vida do indivíduo. Empresto-me das palavras de Jung para finalizar esse breve texto: "Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana" (JUNG, 1991, p. 5).
Esta frase parece resgatar a humanidade dos profissionais em questão, psicólogos e psicopedagogos, sugerindo que ao mesmo tempo em que devem empenhar-se para um domínio teórico e técnico, devem, acima de tudo, ser humanos.
Este empreendimento comparativo entre as duas vertentes que, mediocremente vem distanciando cientistas do comportamento humano, alerta psicólogos e psicopedagogos no sentido de que, cada um por si, não teria resultados tão completos como quando ambas as ciências se entrelaçam.
Minimizar o ego individual de cada um desses profissionais é ação que deveria ser voluntária e consciente. Nesse ponto comum, deve ser compreendido o fato de que competição entre ambos desfavorece a nobreza da ética, do bom senso, do conhecimento e da razão.
O medo é ancestral. Só indivíduos inseguros profissionalmente permitem que a rixa seja o demonstrativo do medo que sentem das perdas de suas funções. Não há ciência maior ou menor. Ela é a herança da plenitude da certeza de que o conhecimento não é estático nem linear. Ao contrário, ele é espiralado nas voltas que a diversidade abraça ao buscar causas novas e nobres.
Referências
CORRÊA, A. R. M. (2010). Infância e patologização: crianças sob controle. Revista brasileira de psicodrama, 18(2), 97-106. [ Links ]
IVERSEN Sucigan, D. H., Pellegrino Toledo, V., & Rigon Francischetti Garcia, A. P. (2012). Acolhimento e saúde mental: desafio profissional na Estratégia Saúde da Família. Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, 13(1). [ Links ]
JUCÁ, M. R. (2000). Síndrome de Caim: Psicologia Escolar, Psicopedagogia e o" fracasso escolar" como mercado de trabalho. Estudos de Psicologia (Natal), 5(1), 253-260. [ Links ]
JUNG, Carl Gustav. Obras Completas. Volume VII. Estudos Sobre a Psicologia Analítica. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1991. [ Links ]
NASCIMENTO, R. T. A. D., & Serafim, A. D. P. (2012). Psicopedagogia e Psiquiatria: possibilidades de cooperação. [ Links ]
1 Pedagogo, Psicopedagogo e Psicanalista - marcosesper@yahooo.com.br
2 Pedagoga e Psicopedagoga.