Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Construção psicopedagógica
versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474
Constr. psicopedag. vol.32 no.33 São Paulo 2022
https://doi.org/10.37388/CP2022/v32n33a02
ARTIGO DE REVISÃO
Base nacional comum curricular (BNCC) e as competências sócioafetivas: uma revisão bibliográfica
Common national curriculum base (BNCC) and socio-affective skills: a bibliographic review
Denise D'Auria-TardeliI, 1; Eliane Queiroz Cunha PralonII, 2; Patrícia Margarida CoelhoIII, 3
IUniversidade Metodista, São Paulo, Brasil
IICentro Universitário Adventista de São Paulo, Brasil
IIIUniversidade Santo Amaro e Universidade Metodista, São Paulo, Brasil
RESUMO
A Base Nacional Comum Curricular - BNCC, documento governamental aprovado em 22 de dezembro de 2017, o CNE apresenta a Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017 que institui, orienta e destaca a afetividade nas relações e a convivência como aspectos importantes para a aprendizagem. Na presente pesquisa, fazemos uma reflexão das competências socioafetivas, a partir de sua proposta na BNCC. Para isso, partimos de três objetivos, bem claros e definidos: (i) contextualizar a implantação da BNCC; (ii) compreender como a BNCC explicita as competências socioemocionais; e (iii) avaliar como as competências socioafetivas no ambiente escolar possibilitam a aprendizagem. O corpus do nosso trabalho será a Base Nacional Comum Curricular no âmbito das competências socioemocionais. A metodologia utilizada é bibliográfica (GIL, 2002). O que justifica a nossa pesquisa são os dados apresentados pelo Pisa 2018 com o relato de que um ambiente pouco receptivo afeta consideravelmente o desempenho cognitivo dos estudantes. Nosso arcabouço se fundamenta em autores que pensam as questões afetivas dentro do processo da aprendizagem, como Moreno e Sastre (2003), e Goleman (1995). O problema de pesquisa que direciona este trabalho é: quais as competências socioafetivas indicadas na BNCC? A hipótese que sustenta este trabalho é de que quando as competências socioemocionais são desenvolvidas em sala de aula os alunos têm um melhor desenvolvimento cognitivo e afetivo. A metodologia utilizada é bibliográfica (GIL, 2002). Os resultados alcançados evidenciam que o desenvolvimento cognitivo está inteiramente ligado às questões socioafetivas e que quando trabalhadas de forma conjunta no ambiente escolar apresentam excelentes resultados tanto para o docente quanto para o discente.
Palavras-chave: BNCC; Competência Socioafetiva; Aprendizagem.
ABSTRACT
The National Curricular Common Base - BNCC, government document approved on December 22, 2017, the CNE presents Resolution CNE/CP nº 2, of December 22, 2017, which establishes, guides and highlights affection in relationships and coexistence as parts important for learning. In the present research, we reflect on socio-affective competences, based on their proposal in the BNCC. For this, we started from three objectives, very clear and defined: (i) contextualizing the implementation of the BNCC; (ii) understand how the BNCC explains socio-emotional competences; and (iii) to assess how socio-affective competences in the school environment enable learning. The corpus of our work will be the National Curricular Common Base within the scope of socio-emotional skills. The methodology used is bibliographic (GIL, 2002). What justifies our research is the data presented by Pisa 2018 with the report that an unreceptive environment considerably affects the cognitive performance of students. Our framework is based on authors who think about affective issues within the learning process, such as Moreno and Sastre (2003), and Goleman (1995). The research problem that guides this work is: what are the socio-affective competences indicated in the BNCC? The hypothesis that supports this work is that when socio-emotional skills are developed in the classroom, students have a better cognitive and affective development.The methodology used is bibliographic (GIL, 2002). The results achieved show that cognitive development is entirely linked to socio-affective issues and that when worked together in the school environment they present excellent results for both the teacher and the student.
Keywords: BNCC; Social Affective Competence; Learning.
Introdução
A presente pesquisa se pauta no documento oficial da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018), a fim de compreender a relevância das competências socioemocionais e as relações afetivas no ensino e na aprendizagem.
Para o processo de ensino e aprendizagem ocorrer de forma eficaz, faz-se necessária a convivência e o relacionamento com o outro, pois é no dia a dia de uma sala de aula que somos percebidos, inspirados ou desestimulados. Especificamente, quando abordamos o desinteresse, seja em qualquer área ou nível de educação, podemos pensar que é possível conviver e não nos relacionarmos, e quando isso ocorre, todo o processo passa a ter um caráter de consistência mecânica.
Nesse sentido, o professor, além de conviver, precisa se relacionar, e isso é promovido dentro do espaço escolar. Gusdorf (1970) retrata a escola como um lugar de memórias, sendo elas cognitivas e/ou afetivas. "Na escola, é a pessoa viva que aprende, e é ela mais tarde quem se lembra segundo fidelidades diversas, mas coexistentes, que perpetuam simultaneamente a criança e o adolescente, o jovem de outrora no adulto de hoje" (GUSDORF, 1970, p. 59).
No âmbito escolar, é impossível separar os aspectos sociais e afetivos que envolvem a aprendizagem, visto que a forma como professores e alunos interagem está diretamente ligada ao sucesso escolar. Todos temos emoções e formamos vínculos com os conhecimentos e com as pessoas. Assim, compreender como as competências socioafetivas são evidências na BNCC para uma nova proposta pedagógica das escolas é considerar os seres que ali estão em sua integralidade.
Dessa forma, neste trabalho, partimos do seguinte problema de pesquisa: as competências socioafetivas propostas na BNCC são, de fato, do conhecimento dos docentes? A presente pesquisa tem como hipótese que se as competências socioafetivas são bem trabalhadas em sala de aula podem auxiliar os discentes no desenvolvimento cognitivo e afetivo.
Temos três objetivos, a saber: (i) compreender a implantação da BNCC; (ii) verificar como a BNCC apresenta as competências sociemocionais; e (iii) examinar como as competências socioafetivas permitem a aprendizagem na escola.
O corpus desta pesquisa é a Base Nacional Comum Curricular, BNCC, no âmbito das competências socioemocionais. A metodologia utilizada é bibliográfica conforme explica Gil (2002). A justificativa dessa pesquisa se fundamenta nos dados apresentados pelo Pisa 2018 afirmando de que um ambiente desagradavel afeta no desempenho cognitivo dos alunos.
O arcabouço teorico que sustenta esta pesquisa são os estudos sobre afetividade no processo da aprendizagem de Moreno e Sastre (2003), e Goleman (1995). Apresentado nosso corpus, hipotese, problema de pesquisa, objetivos e justificativa daremos continuidade com nosso estudo explicando a seguir a metodologia utilizada na pesquisa.
Metodologia da Pesquisa
Para esta pesquisa adotamos metodologia de pesquisa bibliográfica. Gil (2002, p. 44), explica que a pesquisa bibliográfica "[...] é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos". Assim sendo, para este estudo realizamos um levantamento de obras publicadas nas revistas científicas no Brasil, entre janeiro de 2018 até dezembro de 2020, nas bases de dados da plataforma Google Scholar (Google Acadêmico), que trataram do tema da BNCC e das Competências Socioemocionais.
Partimos de três palavras chaves: BNCC, Competências Socioemocionais, Aprendizagem. A partir da leitura dos resumos, como critérios de inclusão, a: i) veículos de publicação: optamos por periódicos indexados; ii) ano de publicação: janeiro de 2018 a dezembro de 2020; iii) idioma de publicação: somente selecionamos os artigos em língua portuguesa; iv) modalidade de produção científica: foram incluídos artigos da educação. Os critérios de exclusão foram: i) títulos que não apresentavam relação com as palavra-chave; e iii) resumo sem aderência ao tema da BNCC e Socioemocionais.
A partir das buscas realizadas, foram encontradas 87 publicações. Após a leitura criteriosa dos artigos selecionados foram selecionados 26 artigos para servir de base e reflexão para o desenvolvimento do artigo.
Implatação da Base Nacional Comum Curricular
Um breve percurso temporal sobre a implantação da BNCC descreve que ela não foi aprovada em um único documento para todas as etapas da educação básica. O primeiro documento foi o do ensino infantil e do fundamental, no ano de 2017, sendo garantida a sua implementação por meio da Resolução CNE/ CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017. A BNCC do ensino médio foi aprovada em 2018, portanto, um ano após as demais, e sua implementação nessa etapa de ensino veio pela Resolução CNE/CP nº 4, de 17 de dezembro de 2018.
Foram três momentos importantes de elaboração e construção da BNCC, como referência de uma proposta de um currículo nacional que padronizasse a educação escolar no Brasil.
O primeiro momento ocorreu na cidade de São Paulo, em outubro de 2013, num evento organizado pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (CONSED) e que participaram, dentre outros sujeitos de expressão no cenário político e empresarial, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Movimento Todos pela Educação (MTP). Essa reunião extraordinária foi a última desse ano e contou com a presença de figuras importantes, como a professora da USP, Paula Lousano. A grande discussão foi a reforma curricular para o ensino médio, com a ideia de que o Brasil precisava avançar nos indicadores de qualidade da educação, sendo o tema principal do evento norteando a fala dos expositores. Além disso, ainda houve uma apresentação fazendo o comparativo entre os sistemas públicos de ensino referentes aos rendimentos nas avalições externas do ensino médio.
O segundo momento ocorreu em maio de 2014, no 6º Fórum Nacional Extraordinário da UNDIME, realizado em Florianópolis/SC. Na ocasião, estavam na pauta temas relevantes a serem discutidos, em que se destacam a aprovação do PNE e a formação de professores e carreira e Base Curricular Comum Nacional. Em relação à aprovação do PNE, foram ressaltados dois elementos, em que o primeiro diz respeito à complementação da União aos Estados e Municípios para que se garantissem o Custo Aluno Qualidade (CAQ), e o segundo voltava para a supressão de um dispositivo que contava os investimentos na relação público-privado como 10% do Produto Interno Bruto (PIB), valor que se deveria ser investido até o final da vigência do PNE (2014-2024).
No encontro, a UNDIME discutiu a formação de professores e carreiras com relevante destaque para a valorização do professor a partir de sua instrução. O tema da formação de professores foi destaque no evento, discutindo-se com ênfase a valorização financeira desses profissionais. Por fim, a pauta sobre a BNCC saiu em forma de carta, com manifestação a respeito do tema pelos presentes:
Diante das dificuldades enfrentadas pelos municípios com formação inicial dos professores; com avaliações externas que definem os conteúdos trabalhados pelos professores com os alunos; com capacidade técnica insuficiente para o desenvolvimento de currículos próprios, faz-se necessário discutir a construção de uma Base Curricular Comum Nacional que permita a inserção de especificidades culturais, locais e regionais. Essa construção da Base deverá ser feita de maneira articulada entre professores, escolas e redes de ensino, por meio das políticas pedagógicas municipais e dos projetos políticos pedagógicos. Neste caso, a autonomia sobre a metodologia permanecerá sendo dos professores e das escolas. Esta Base Curricular Comum Nacional deverá provocar a reorientação dos processos de construção das matrizes das avaliações externas (UNDIME, 2014, n. p.).
O terceiro momento centra-se no "3º Seminário Internacional do Centro Lemann para o Empreendedorismo e Inovação na Educação Brasileira" ocorrido em agosto de 2014. Na ocasião, o palestrante professor David Plank, figura frequente nos encontros anteriores, trouxe como elemento central na sua apresentação a implementação do "Common Core" (Currículo Comum) na Califórnia, EUA, o que ganhou atenção da plenária para a sua proposta. As contribuições orais e escritas dessas audiências seguiram para as sucessivas reuniões organizadas pelo CNE, que posteriormente a esses encontros aprovam a BNCC do ensino infantil e fundamental, em dezembro de 2017.
Conforme Saviani (2013, p. 438), quando o ensino é direcionado para o desenvolvimento das competências, acentua-se a necessidade de o sujeito adaptar-se, e "[...] nas escolas, procura-se passar do ensino centrado nas disciplinas de conhecimento, para o ensino por competências referidas a situações determinadas".
De acordo com a última versão do documento, a BNCC encontra-se organizada "[...] em direitos de aprendizagem, expressos em dez competências gerais, que guiam o desenvolvimento escolar das crianças e dos jovens desde a creche até a etapa terminal da Educação Básica" (BRASIL, 2018, p. 5), cabendo à escola assegurar aos estudantes o desenvolvimento dessas dez competências que, segundo a Base, consolidam-se no âmbito pedagógico (BRASIL, 2018).
No que se refere ao conceito de competências, a BNCC enfatiza que:
[...] competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2018, p. 8).
Diante disso, é lícito afirmar que a BNCC indica conhecimentos, competências, aprendizagens e habilidades essenciais que influenciam a reformulação de currículos nas escolas de educação básica, fomentando alterações na formação de professores, na avaliação e na elaboração de conteúdos.
O presente estudo não tem por objetivo fazer uma análise crítica e política durante a construção do referido documento, mas é importante salientar que ele sofreu fortes críticas na perspectiva de que o sujeito é o único responsável pelo seu sucesso ou fracasso, desconsiderando-se, assim, as implicações de questões sociais, políticas, históricas e ideológicas que costumam condicionar a formação de classes, reverberando na concentração de poder e de riquezas nas mãos de poucos e, sobretudo, reproduzindo a vida precária de muitos.
As competências socioemocionais explícitas na BNCC
Nesse contexto, a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2018), documento de caráter normativo em conformidade com outros marcos legais, como: Constituição Federal de 1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394 de 1996 e o Plano Nacional de Educação, afirma que a educação deve visar a formação e o desenvolvimento humano global (BRASIL, 1988, 2018).
O trabalho regido pelas competências socioafetivas faz-se necessário para a aprendizagem integral do sujeito, numa sociedade marcada por constantes mudanças que clamam por capacidades dadas à espécie humana para lidar com as próprias emoções, assim como o estabelecimento de contatos humanos significativos. Como afirma Goleman (1995, p. 18), "uma visão da natureza humana que ignore o poder das emoções é lamentavelmente míope".
Na BNCC, as competências socioemocionais estão presentes em todas as dez competências gerais. Portanto, no Brasil, até 2020, todas as escolas deverão contemplar as competências em seus currículos. Diante dessa demanda, precisamos conhecer mais sobre a educação socioemocional (Social Emotional Learning - SEL).
Solidariedade, amizade, responsabilidade, colaboração, empatia, organização, ética, cidadania, honestidade. Esses valores (ou características) - tão desejáveis nos relacionamentos humanos e cada vez mais requisitados e necessários nos dias de hoje - deverão ser ensinados, praticados ou pelo menos estimulados também nas escolas. É o que dizem as novas diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Segundo o Casel Guide (2015), "A educação socioemocional e para nossos a socioafetiva, refere-se ao processo de entendimento e manejo das emoções, com empatia e pela tomada de decisão responsável" (p. 87 ). Mas, para que isso ocorra, é fundamental a promoção dessa educação nas mais diferentes situações, dentro e fora da escola, pelo desenvolvimento das cinco competências apresentadas a seguir:
O grande desafio que se configura, atualmente, é investir nas competências cognitivas/acadêmicas e também nas socioafetivas. Quanto a essa questão, o CASEL GUIDE (2015) aponta que investir em ambas beneficia o aluno, não apenas no desenvolvimento dessas competências, mas também no desempenho escolar de modo geral e na manutenção de uma sociedade pró-social. Portanto, para que sejam trabalhadas no contexto escolar do aluno do século XXI, devem ser o foco de qualquer proposta curricular que venha a ser parametrizada a partir da BNCC.
Em alguns estudos internacionais, os pesquisadores classificam competências como habilidades. A pesquisa sobre habilidades socioemocionais deu início com a comparação entre indivíduos de perfil familiar com baixa renda, residentes em Michigan, na América do Norte, divididos em dois grupos, um deles, composto por crianças de 3 a 5 anos, participantes do programa "Perry Preschool Project", que tinha como propósito o desenvolvimento socioemocional das crianças com as mesmas características. Os resultados apresentaram diferenças relevantes na vida adulta, nas chamadas habilidades não cognitivas, apresentando menores taxas de abandono escolar, baixo índice de desemprego, baixo percentual em envolvimentos com o crime e menor número de gravidezes na adolescência.
A conclusão foi que, mesmo sem ter afetado o desempenho medido em testes de QI, o projeto Perry havia sido bem-sucedido ao ensinar seus alunos desde os primeiros anos de escola a trabalhar melhor em grupo, ter maior controle de suas emoções e mais persistência e organização para executar tarefas (PONTES, 2013, apud ABED, 2014, p. 110).
As escolas têm mais alcance do que simplesmente desenvolver competências socioafetivas para os estudantes. Programas que atingem toda a comunidade escolar, professores, gestores e familiares trazem amplo benefício. Estudos apontam que programas de apoio aos pais auxiliam na redução dos índices de criminalidade, violência, gravidez precoce, subemprego, entre outros.
Em uma sociedade como a nossa, em que os alunos passam, desde a mais tenra idade, várias horas de suas vidas na escola tempo que está sendo ampliado, em algumas escolas, chamadas de escolas de tempo integral. É muito importante pensar no ambiente escolar e como os alunos serão recebidos, sem esquecer da saúde mental e física dos estudantes. Uma escola suficientemente boa, com professores suficientemente bons é uma possibilidade das muitas alternativas para combater dificuldades advindas de condições familiares e sociais marcadas por carências dentre elas carência alimentar, carências materiais e afetivas.
Nesse contexto, um professor mediador usa diferentes estratégias, instrumentos e diferentes linguagens para ganhar a simpatia dos seus alunos, mas para que isso aconteça o professor precisa ter pleno conhecimento das competências socioafetivas e saber aplicá-las de forma concreta. Assim, "[...] mais do que múltiplas inteligências, o ser humano seria dotado de diferentes estilos de ser no mundo, diferentes formas de aproximação, elaboração e apreensão da realidade" (ABED, 2014, p. 75).
As competências socioafetivas no contexto escolar promovendo aprendizagem eficaz
Em primeiro lugar, é necessário mudar a visão do educador, de "transmissor de aulas", para um educador "mediador" em suas aulas, sendo o último um provedor de inúmeras possibilidades significativas para a aprendizagem, permitindo que os educandos participem dessa construção do saber, como coautores do conhecimento.
Meier e Garcia (2007) oferecem ao professor algumas diretrizes bastante instrumentais para refletir sobre as características que fazem de um ensinante um mediador de qualidade.
Intencionalidade e reciprocidade: objetivos claros do professor, metas transformadas em ações concretas para alcançar o processo de aprendizagem. "A clareza 'do que' e 'a quem' pretende atingir que orientam o 'como' de suas ações" (GARCIA et al., 2012, p. 22).
Significado: trazer clareza ao conceito e sua associação com outras áreas de conhecimento e da vivência humana.
Conteúdos "vazios" de significado são facilmente esquecidos. Para que a verdadeira aprendizagem se dê, é preciso que o aluno construa o seu próprio conhecimento, revestindo-o de sentidos pessoais, o que por sua vez mobiliza a afetividade tanto do professor como dos alunos (ABED, 2014, p. 60).
Transcendência: transpor o comum e articular outros saberes ao contexto atual da aprendizagem, aplicando-os à vida.
Mediar a transcendência é atuar, de maneira consciente e intencional, de forma a promover a metacognição do aluno, ou seja, o "pensar sobre o próprio pensamento", que faz com que ele reflita sobre como relacionar aquilo que está sendo estudado no momento com outros saberes, com outras situações, com outras esferas da vivência humana (ABED, 2014 p. 61).
Competência: Sentimento de capacidade, valorizando autoestima, motivação e esforço frente aos desafios da vida. Preparo de aulas consistentes de conteúdo, linguagem, atividades e avaliações nas seguintes perspectivas, segundo a idade, interesses e capacidades.
[...] é importante que o professor ofereça feedbacks não só em relação às habilidades cognitivas envolvidas (por exemplo, interpretar corretamente a tarefa, colher os dados e acionar os conhecimentos disponíveis necessários à sua execução), mas também às habilidades socioemocionais, como a capacidade de controlar a ansiedade, prestar atenção e concentrar-se na execução (ABED, 2014, p. 62).
Regulação e controle do comportamento: auxilia o educando no que diz respeito à intensidade de suas ações, em detrimento das situações experienciadas e a prática de pensamentos autorreflexivos.
Tanto os alunos muito impulsivos, que começam uma atividade muito rapidamente, sem compreendê-la, quanto os alunos que paralisam, que ficam sem ação diante da tarefa, precisam tomar consciência do seu modo de agir para poder planejar com mais eficiência, de acordo com as características da situação e da tarefa, os tempos para "parar", "refletir" e "agir" (ABED, 2014, p. 63).
Compartilhar: essa característica tem uma alta abrangência: dividir o que se sabe e saber falar de forma segura e clara suas intensões; compartilhar é a arte de aceitar o compartilhado do outro, seja para necessidades pessoais, grupais ou até para situações conflituosas.
Promover situações de debates e trocas de ideias, em sala de aula, promove nos alunos o desenvolvimento dessas e muitas outras habilidades de convívio social, além de permitir ao professor ter acesso à forma de ser dos seus alunos. A maneira como cada um se coloca no grupo expressa seus conhecimentos, ideias, valores, opiniões, impressões, sentimentos, posicionamentos, dúvidas, inquietações e tantos outros componentes do seu mundo interno (ABED, 2014, p. 64).
Individuação e diferenciação psicológica: essa característica acaba sendo uma completude do compartilhar, e é de suma importância que o educando tenha conciência da sua individualidade e a do outro. "A riqueza da diversidade humana está justamente nesse duplo aspecto de sua condição: simultaneamente social, constituído nas e pelas relações, e único" (ABED, 2014, p. 64). É nesse aspecto que percebemos o quanto é saudável aos indivíduos valorar as diferenças, evitando comparações e estimulando o desenvolvimento da sua personalidade sem descuidar da adequação com as regras de convivência social.
Planejamento e busca por objetivos: "Quando não se sabe para onde vai, qualquer caminho serve". O ato de planejar ajudará o educando a identificar metas e traçar estratégias para concretizá-las, lembrando que para todo projeto é preciso de um olhar a curto, médio e longo prazo, favorecendo o seu alcance.
O planejamento envolve diversas habilidades cognitivas, como a análise das condições e recursos disponíveis, a antecipação por meio de imagens mentais e o levantamento de hipóteses, e também socioemocionais, como motivação, perseverança, autocontrole para postergar a satisfação de um desejo imediato em prol de um objetivo maior e resiliência para suportar os percalços do caminho e aprender com eles (ABED, 2014, p. 66).
Procura pelo novo e pela complexidade: a vida sempre trará desafios aos indivíduos, mas se nessa perspectiva promovermos desafios aos educandos e possibilidades de pequenos enfrentamentos desconhecidos poderemos ter ganhos no futuro com uma sociedade mais determinada a concretizar seus planos.
Incentivar os alunos a enfrentar o novo (desconhecido) e o complexo (desafiante) estimula a curiosidade intelectual e o prazer pelo aprender em si mesmo. Implica em desenvolver a humildade e a aceitação dos próprios limites que, ao invés de paralisar, deveriam instigar a busca constante de ampliação dos recursos internos e enriquecimento pessoal (ABED, 2014, p. 67).
Consciência de modificabilidade: o educador faz todas as intervenções com as mais diversas metodologias possíveis, pois desistir nunca será papel do mediador. Acreditar na transformação implica em estar disposto para recomeçar com novas possibilidades. "Não descansar da busca por caminhos, recursos e estratégias que possam atingir cada um de seus alunos e colaborar com o seu desenvolvimento" (ABED, 2014, p. 67).
Escolha pela alternativa positiva: quando nos antecipamos a eventuais dificuldades, programamos estratégias para superá-las, descartando o desânimo e a desistência. "Quando alguém opta por um caminho pessimista, não se esforça, não trabalha não inicia o caminho da conquista dos objetivos: a inércia paralisa" (GARCIA et al., 2013, p. 34).
Sentimento de pertença: promover ações que fortaleçam a consciência de seus grupos de pertencimento, lugar fundamental para pertencer, por ser essencial e único. "[...] ajudar o aluno a construir a sua personalidade por meio da escolha e do reconhecimento dos grupos com os quais pode se identificar" (ABED, 2014, p. 69).
Construção do vínculo: construir vínculos entre educador e educando é de grande relevância no processo da construção socioafetiva.
Partindo-se do pressuposto, amplamente ancorado pelos autores da abordagem interacionista, de que a aprendizagem humana é relacional, Meier e Garcia ressaltam a importância de um bom vínculo, sem o qual nenhum outro critério de mediação será eficiente (ABED, 2014, p. 70-71).
A sala de aula não é um ambiente para terapias, muito menos um local para diagnosticar ou tratar o que quer que seja, mas é o local onde se resgatam aspectos da vivência humana. Ao invés de ignorá-la, o ideal seria estar atento às sensações, emoções, sentimentos, pensamentos e ações do dia a dia do educando. Enfim, cuidar do que há de melhor nos indivíduos ao longo do processo do aprender a fazer, mas, acima de tudo, aprender a ser, são favorecidos com o desenvolvimento das competências socioafetivas.
Os investimentos educacionais precisam passar por todas as vertentes da educação, com professores para a construção do educador capazes de mediar o comprometimento responsável, atuando nas múltiplas inteligências e nos diversos estilos cognitivos e afetivos do educando, sem deixar de lado o fato de que ele faz parte do processo e precisa ter um olhar para si, e é nesse olhar que encontrará a maneira mais assertiva para facilitar o desenvolvimento global de forma intencional.
Na sua prática de sala de aula, o professor possui uma coisa que lhe é única: a sua vivência, o seu fazer pedagógico. O professor pode e deve ser um pesquisador de sua própria ação, um profissional que faz e que reflete e teoriza sobre o seu fazer. Pensar o conhecimento como multifacetado (ao invés de "verdades absolutas") liberta o professor para construir conhecimentos, integrando a sua prática aos suportes teóricos que o ajudem, como diria Edgar Morin, a "explicá-la" e a "compreendê-la". O professor, na visão pós-moderna, não é simplesmente um técnico transmissor de informações, é um educador que cultiva a criação e a transformação dos saberes - nos alunos e em si mesmo (ABED, 2014, p. 132).
Mais do que nunca, é preciso olhar para o ambiente de formação, pois é lá que estão os futuros professores, que precisam sair conscientes de que os conceitos cognitivos são de suma importância para a sua formação, e, além disso, cabe aos professores construírem uma diversidade de possibilidades da aprendizagem de seus educandos, tornando-os competentes em suas atividades. Será o comprometimento e o encantamento pelo ensinar que poderá inspirar os seus alunos para o apreender.
Posto isso, o estudo do currículo da formação dos professores nos permite compreender que existe um processo que acontece muito antes da prática docente: é o movimento no qual se marcam os sujeitos, professor e aluno, na construção das relações mediadas pelo conhecimento das competências socioafetivas.
Considerações finais
A partir do desenvolvimento desta pesquisa foi possível alcançar o primeiro objetivo, pois a partir da compreensão da implatação da BNCC, depreendemos como a competência socioemocional, quando trabalhada em sala de aula possibilita uma aprendizagem completa, cognitiva e afetiva, para o aluno.
O segundo e terceiro objetivo também foram alcançados. Entendermos que a regulação emocional e as habilidades sociais educativas são variáveis que se influenciam mutuamente. A hipótese desta pesquisa também foi confirmada, uma vez que, a habilidade do professor em conhecer suas emoções e a forma como as regula, auxiliam na orientação de seus alunos, assim como em saber utilizar suas emoções para servir como modelo. Controle de impulsos, estratégias, consciência, clareza e saber seu objetivo, ajudam o professor a entender o que os alunos despertam nele e possa ser efetivo no manejo de seus comportamentos (JUSTO; ANDREATTA, 2020, p. 106).
A metodologia bibliográfica e arcabouço teórico foram suficiente para o desenvolvimento dessa pesquisa. A pergunta que direcionou este estudo, também, foi respondida, pois foi possível depreender quais são as competências socioafetivas indicadas na BNCC, a saber: autoconsciência, autogestão, consciência social, habilidades de relacionamento e tomada de decisão responsável.
Verificamos, ainda, que segundo a BNCC, é de suma importância: "Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas" (BRASIL, 2018, p. 10).
Os resultados alcançados neste estudo evidenciam, que a partir da compreensão da BNCC, é possível constatar que a ampliação cognitiva está interligada às questões socioafetivas e que o estudo sobre as competências socioemocionais são de extrema necessidade, tanto para o ambiente escolar quanto para a sociedade, o ampara que tenhamos cidadãos críticos e conscientes de seu papel, capazes de lidar com suas próprias emoções, usando-as para criar soluções e melhorias para a coletividade como um todo.
Sabemos que ainda há muito para se refletir sobre o tema "BNCC e Competências Socioemocionais", mas estamos atentos a debater, aprender e discutir sobre a temática que nos convoca do inteligível ao sensível.
Referências
ABED, Anita L. Z. O desenvolvimento das habilidades socioemocionais como caminho para a aprendizagem e o sucesso escolar de alunos da educação básica. São Paulo: UNESCO/MEC, 2014. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15891-habilidades-socioemocionais-produto-1-pdf&Itemid=30192 Acesso em: 26 set. 2022. [ Links ]
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: ensino médio. Brasília, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/historico/BNCC_EnsinoMedio_embaixa_site_110518.pdf Acesso em: 26 set. 2022. [ Links ]
BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm Acesso em: 26 set. 2022. [ Links ]
CASEL GUIDE. Effective social and emotional learning programs: middle and high school edition, 2015. Disponível em: https://www.peacemakerresources.org/uploads/5/5/9/1/55916565/casel-secondary-guide.pdf Acesso em: 26 set. 2022. [ Links ]
GARCIA, Sandra R. (org); ABED, Anita; SOARES, Tufi; DONNINI, S. Saltos de aprendizagem: o percurso de uma metodologia inovadora em educação. São Paulo: Mind Lab Brasil; INADE, 2012. Disponível em: https://educador360.com/wp-content/uploads/2017/01/1470257389artigo_saltos_aprendizagem.pdf Acesso em: 26 set. 2022. [ Links ]
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo, SP: Atlas, 2002. [ Links ]
GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, c1995. [ Links ]
GUSDORF, Georges. Professores para quê? Para uma pedagogia da pedagogia. Lisboa: Moraes Editores, 1970. [ Links ]
JUSTO, Alice R.; ANDREATTA, Ilana. Competências socioemocionais de professores: avaliação de habilidades sociais educativas e regulação emocional. Psicologia da Educação, São Paulo, n. 50, p. 104-113, 2020. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psie/n50/n50a11.pdf Acesso em: 26 set. 2022. [ Links ]
MEIER, Marcos; GARCIA, Sandra. Mediação da aprendizagem: contribuições de Feuerstein e Vygotsky. Curitiba: Edição do Autor, 2007 [ Links ]
MORENO, Montserrat; SASTRE, Genoveva et al. Falemos de sentimentos: a afetividade como um tema transversal. Tradução de Maria Cristina de Oliveira. São Paulo: Editora Moderna, 1999. [ Links ]
PRALON, Eliane Queiroz Cunha. Formação docente: O estudo das competências socioemocionais e suas contribuições no processo de ensino e aprendizagem no período de formação inicial. 2021. 113 f. Dissertação (Mestrado). Programa de Educação. Universidade Metodista de São Paulo, São Paulo, 2021. [ Links ]
SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 2013. [ Links ]
UNDIME. Carta do 6º fórum Nacional extraordinário da UNDIME. Disponível em: https://undime.org.br/noticia/carta-do-6o-forum-nacional-extraordinario-da-undime Acesso em: 26 set. 2022. [ Links ]
1 Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de S. Paulo; Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da USP; Pós-doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da USP; Lattes http://lattes.cnpq.br/1273522326198021; ORCID https://orcid.org/0000-0002-0195-9235 e-mail: denisetardeli@gmail.com
2 Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (2001). Mestrado em Educação pela Universidade Metodista (2021) Atua como professora do Centro Universitário Adventista de São Paulo e coordena o pedagógico do Colégio Adventista. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em gestão, atuando principalmente nos seguintes temas: Formação Continuada, Currículos Inovadores, Avaliação Formativa e Competências Socioemocionais. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6310536390561624. e-mail: enailepralon@gmail.com
3 Mestra em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Docente e Coordenadora do Programa de Mestrado em Ciências Humanas (UNISA/SP). Docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Metodista de São Paulo. Lattes: 1087625657694882. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1662-1173. E-mail: patriciafariascoelho@gmail.com