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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
versão impressa ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. v.28 n.1 São Paulo jun. 2008
TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS
Brinquedotecas hospitalares, sua análise em função de critérios de qualidade
Hospital toy libraries, an analysis focused on quality criteria
Karin Gerlach DietzI, 1; Vera Barros de OliveiraII, 2
I Universidade Metodista de São Paulo
II Cad. nº 35, “Elsa Barra”
Universidade Metodista de São Paulo
RESUMO
Este estudo realiza o levantamento e análise por controle de qualidade das brinquedotecas hospitalares, públicas e particulares, identificadas nas unidades de saúde de um município da Grande São Paulo, com base na Carta de Qualidade das Brinquedotecas Francesas, adotada pela Associação Brasileira de Brinquedotecas. Esta verificação responde a uma exigência legal, em nível nacional, que obriga os hospitais que atendem crianças em regime de internação, a instalarem-nas. Os resultados constatam a existência de 19 Unidades de Saúde com internação pediátrica, sendo sete públicas e 12 particulares, das quais apenas duas possuem brinquedotecas, uma em unidade pública e outra, em particular. Os dados obtidos em ambas por meio do questionário auto-avaliativo respondido pelos responsáveis, seguido de entrevista semidirigida com eles, indicam aspectos positivos nos itens relativos aos serviços oferecidos por elas e à acolhida da clientela, inclusive das famílias, porém aspectos insatisfatórios em relação ao planejamento e funcionamento, à definição clara de seus fins e meios, à formação profissional da equipe e à obtenção de parcerias para seu suporte financeiro. A pesquisa aponta a grande necessidade de implantação dessas unidades, bem planejadas e operacionalizadas.
Palavras-chave: Brinquedoteca hospitalar; Internação pediátrica, Crianças hospitalizadas.
ABSTRACT
This paper tracks and makes a quality analysis of the hospital toy libraries, both private and public, found in the health-care units. The analysis is conducted based on the French Toy Libraries Quality Chart, which is the document used by the Brazilian Toy Library Association. The verification in this study attends to legal demands on a national level, which oblige the hospitals with paediatric admittance units to host a toy library. This study verifies that out of 19 Health-Care Units with paediatric admittance, 7 public and 12 private, only two house toy libraries; one public and one private. Data obtained in both toy libraries by means of an auto-evaluative questionnaire filled by the people in charge, followed by semi-directed interview, indicates positive aspects regarding the services offered by the toy library and the clients’ response, including the families, but it also indicates unsatisfactory aspects pertaining to: the organization prior to the toy library’s setting up, the clear definition of the toy library’s objectives and means, the professional qualification of the staff and also to the formation of partnerships for financial and material support. This research points out the great need for the setting up of wellplanned and operational toy libraries.
Keywords: Hospital toy library, Pediatric admittance; Hospitalizated child.
1. Introdução
A crescente preocupação com o ambiente hospitalar humanizado vem gerando programas sobre sua qualidade, como o desenvolvido pelo Controle de Qualidade Médico Hospitalar, mantido pela Associação Paulista de Medicina (APM) e pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, os quais oferecem um Modelo de Gestão para a Qualidade Hospitalar e desenvolvem, com base nele, metodologia que monitora continuamente os hospitais cadastrados por meio de indicadores. Nessas prescrições, é fundamentada a importância do lúdico no desenvolvimento saudável e integrado da criança, expandindo-se no campo da saúde e particularmente no ambiente hospitalar.
A exigência da existência de brinquedoteca em hospital que possua atendimento de crianças em regime de internação é atualmente obrigatória em todo o território nacional, estando amparada pela Lei Federal 11.104 de 21/03/2005 (Brasil, 2005). O reconhecimento da relevância da brinquedoteca hospitalar pela Associação Paulista de Medicina (APM) tem propiciado trabalhos em conjunto com a Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABBri) no sentido de divulgar e investigar a importância do lúdico para a qualidade de vida da criança internada e para a humanização do hospital pediátrico.
Este estudo filia-se a uma pesquisa mais abrangente, que investiga a existência e a qualidade das brinquedotecas hospitalares, em nível nacional, em diversos Estados da Federação, com apoio de ambas as associações, APM e ABBri, e coordenado pela segunda autora desta apresentação. A opção por enfocar, neste estudo, uma cidade de médio porte da Grande São Paulo devese ao fato de a Universidade onde os autores atuam localizar-se nesse município, o que facilita, sobremaneira, a investigação presencial, assim como ao desejo de ampliar o conhecimento sobre o contexto da realidade mais próxima aos pesquisadores.
Por ser recente, não se tem ainda dados para saber se a disposição legal que regulariza a criação de brinquedotecas hospitalares vem sendo respeitada, o que gera a necessidade de comprovação empírica, mediante um mapeamento de sua presença, em nossa realidade. Além disso, devido à complexidade de seu planejamento, implantação e operacionalização, seu nível de qualidade precisa ser investigado.
Esta pesquisa desenvolve-se com o apoio da APM e da ABBri, assim como conecta de forma significativa o meio acadêmico ao hospitalar. A Universidade, neste sentido, passa a cumprir seu relevante papel social de fornecer subsídios para melhor qualidade de vida na realidade à qual se insere.
Tendo em vista essas considerações, este estudo teve por objetivo realizar um levantamento das brinquedotecas hospitalares existentes em unidades de saúde que propiciem internação pediátrica no município referido, analisando sua qualidade, com base nos índices propostos pela Carta de Qualidade das Brinquedotecas Francesas (Garon, 1998 e Lucot, 2005).
2. A saúde da criança e a brinquedoteca hospitalar
O ato de brincar na sociedade atual está sendo cada vez mais valorizado e reconhecido (Santos, 2001). Da mesma forma, Vieira & Carneiro (2006) constatam um aumento crescente de estudos sobre o brincar, quer como meio de expressão, quer como condição de desenvolvimento saudável da criança, ressaltando sua automotivação. A literatura referente às pesquisas sobre o brincar em hospitais vem ganhando espaço (Silva, 2006).
Caracterizando-se pelo predomínio do prazer sobre o sofrimento, do relaxamento sobre a tensão e da espontaneidade sobre a submissão à coerção, o brincar torna-se extremamente relevante em momentos críticos, nos quais age como fonte e suporte de adaptação ao contexto vivido (Oliveira, 1998). A forma de expressar o sofrimento é muito pessoal e está vinculada à estruturação mental do sujeito, construída em seu contexto sóciocultural, mantendo uma face muito particular, relativa à sua maneira de compreender e sentir o que está se passando consigo (Oliveira, 2006). Nesse sentido, a forma como uma criança compreende e expressa seu sofrimento difere da de um adulto. Ainda incapaz de transpor toda a sua experiência sobre o que está sentindo para o campo verbal, ela encontra, nas atividades lúdicas e plásticas, um canal que dá vazão a seu mundo interno, simbolicamente.
A adaptação mais equilibrada e menos sofrida, por sua vez, propicia uma reorganização física, corporal. Em sua busca constante do equilíbrio saudável, de homeostase, a criança encontra um poderoso aliado nos processos lúdicos, prevenindo e combatendo o estresse da hospitalização, assim como resgatando mecanismos saudáveis de auto-organização, em seus aspectos complementares físicos e psicológicos (Oliveira, 2005).
O estar doente, associado à hospitalização, pode vir a configurar-se como uma experiência desgastante para a criança. O grau de estresse associa-se não só à gravidade do caso e do período de internação, mas também às características do próprio ambiente hospitalar e à maneira como os pais e a família em geral vivem essa situação, como comenta Lipp (2000).
O ambiente na vida da criança hospitalizada é analisado por Pérez-Ramos (2006), que aponta a importância da necessidade de se dar suporte seguro e acolhedor pelo brinquedo também à presença da família.
Como considera Lindquist (1993 e 1998), quando relata sua experiência pioneira com o brincar, já clássica entre nós, no Departamento de Pediatria do Hospital Universitário de Umeo, na Suécia: Muitas crianças hospitalizadas não conseguem verbalizar seus desejos e necessidades. Na maioria das vezes, quando internadas no hospital, passam por um processo de sofrimento físico, o qual se amplia por um mal-estar psicológico, o que torna as crianças mais sensíveis e susceptíveis a sensações negativas. É importante, portanto,reconhecer sua capacidade de se exprimirem através de atividades lúdicas. Nesse mesmo sentido, Lenzi (1998) relata uma experiência em nosso meio sobre a Brinquedoteca na Divisão Pediátrica do Hospital Universitário de Santa Catarina, concluindo por ver no lúdico uma vivência estrutural, que ajuda a criança a superar o sofrimento da internação.
O retorno da criança ao seu universo simbólico pelo lúdico no contexto de internação hospitalar, tema desenvolvido pelo Serviço de Psicologia de uma cidade de médio porte de Portugal (Ramos, Aguiar & Vieira, 2002), é visto como relevante na promoção da adaptação da criança ao meio hospitalar, funcionando como um instrumento de comunicação que facilita o ajustamento emocional a um contexto não familiar.
Descontando a predominância do combate à doença em si, os dados desses estudos ampliam consideravelmente a óptica da recuperação e privilegiam um espaço que favorece à criança expressar de forma simbólica seu sofrimento, ao mesmo tempo em que representa e vivencia o que tem de mais saudável em si, seu apego à vida, sua alegria em brincar, em desenhar, em produzir algo, de forma prazerosa e espontânea.
O conceito de hospital pediátrico, a partir dessa óptica, sofre uma reformulação, na qual a criança não é mais vista de forma passiva, mas sim, como principal agente de seu processo de recuperação (Kerbauy, 2001; Soares, 2003; Cunha & Viegas, 2004). Igualmente, a brinquedoteca hospitalar passa a ser vista como um caminho privilegiado para a humanização hospitalar pediátrica (Viegas, 2007).
Estudos relativos ao planejamento e operacionalização de brinquedotecas hospitalares entre nós evidenciam pontos a serem melhorados. Assim, em estudo realizado em oito hospitais no Estado do Paraná (Teixeira de Paula, Gil & Marcon, 2002), constataram-se poucas brinquedotecas com caráter sistematizado em relação ao acervo lúdico, à forma de operacionalização e à ocupação dos espaços físicos, apesar de desenvolverem projetos artísticos, recreativos, culturais, educacionais e científicos envolvendo o brinquedo. Magalhães e Pontes (2002), por seu lado, apontam que o mau planejamento das atividades da brinquedoteca pode levá-la a um funcionamento improvisado, pois a ausência de um plano de trabalho, calcado em objetivos bem definidos e desenvolvido de acordo com os meios utilizados para tal, pode interferir no próprio papel designado para a brinquedoteca.
Cunha & Viegas (2004) salientam a importância do papel terapêutico da brinquedoteca hospitalar, a qual busca cumprir a função de preservar a saúde emocional do interno, estimulando seu desenvolvimento, facilitando o relacionamento com familiares e amigos, como também preparando-o para a volta ao lar. Para vários pesquisadores (Andrade, 1992; Negrine, 1997; e Teixeira de Paula, Gil & Marcon, 2002), é o fator humano que torna a brinquedoteca uma realidade e garante à criança a realização de seu potencial lúdico, sendo que diversos tipos de profissionais podem trabalhar em variadas funções neste espaço, dentre eles, o brinquedista, que vem a ser a pessoa que atende as crianças, analisa e arruma os jogos e brinquedos como também supervisiona as brincadeiras.
A preocupação com o número e a qualidade das brinquedotecas hospitalares entre nós reflete a conscientização internacional a respeito da importância de a criança encontrar condições de brincar no hospital, em ambiente propício para tal, conforme vem registrando a International Toy LibrariesAssociation (ITLA), atualmente com sede em Pretória, na África do Sul. A ITLA promove a qualificação e expansão das brinquedotecas, inclusive das hospitalares, no mundo todo.
A ABBri filia-se à ITLA, o que lhe permite manter-se atualizada quanto às inovações conseguidas nos diversos países, buscando adaptá-las à realidade brasileira, assim como lhe possibilita divulgar estudos realizados no Brasil. Visando estabelecer critérios de análise da qualidade das brinquedotecas, a Association des Ludothèques Françaises redigiu a Charte de Qualité des Ludothèques Françaises (Garon,1998), a qual foi reconhecida pela ITLA e passou a ser referência para os brasileiros, recomendada também pela ABBri.
Essa Carta desenvolve-se por meio de onze índices, que podem ser agrupados em quatro grandes categorias. Primeiramente, os relacionados às diretrizes mestras de uma brinquedoteca e sua ética, seus fins e meios, seu planejamento; em segundo lugar, os que explicitam itens a respeito da sua operacionalização, de sua comunicação intra e extra-hospitalar; em terceiro lugar, os voltados para a formação e atuação da equipe atuante, analisando seus papéis e funções; e em quarto, itens voltados para a análise da qualidade do ambiente e acervo lúdico, sua classificação, manutenção, higienização, disponibilidade, circulação etc.. Traduzida para o Português, essa Carta foi divulgada por periódico da ABBri (Lucot,2005).
As brinquedotecas brasileiras carecem ainda de pesquisas. Na busca de esclarecer este quadro, o presente estudo teve por objetivo realizar o levantamento das brinquedotecas hospitalares existentes em hospitais e pronto-socorros públicos e particulares, onde ocorrem internações de crianças, em uma cidade de porte médio da grande São Paulo, assim como analisou sua qualidade.
3. Método
Considerando o objetivo proposto, esta investigação abrangeu inicialmente toda a rede de saúde do município escolhido, compreendendo hospitais e prontosocorros públicos e particulares, por meio dos dados obtidos na Secretaria da Saúde da Prefeitura Municipal do município, objeto de estudo.
Após identificação das unidades de saúde que realizam internação pediátrica, foi feito contato para verificação da existência de brinquedoteca nessas instituições. Foram visitadas as unidades com brinquedotecas identificadas, nas quais foi realizada breve caracterização ambiental e aplicada escala autoavaliativa de índices de qualidade desenvolvida com base nos indicadores da Carta de Qualidade das Ludotecas Francesas (Lucot, 2005), seguida de entrevista semi-estruturada, junto aos responsáveis.
A escala utilizada é composta por 27 itens, que são divididos nas quatro grandes categorias, já mencionadas, relativas a:
- planejamento da implantação e operacionalização da brinquedoteca;
- funcionamento atual, sua gratuidade, regularidade, divulgação, adaptação à clientela, controle da freqüência e identificação de possíveis parceiros;
- formação acadêmica e profissional da equipe e suas atribuições;
- ambiente e acervo lúdico, sua segurança, diversidade, adequação à clientela, classificação, armazenamento, higienização, acesso e circulação. Ao final, o instrumento propõe uma questão aberta: As brinquedotecas hospitalares são (...), possibilitando a expressão de opinião livre a respeito do tema.
A entrevista com os responsáveis, após aplicação da escala, facilitou-lhes a exposição de forma mais livre a respeito de suas opiniões sobre as brinquedotecas por eles dirigidas.
4. Resultados
Foi constatada, no município pesquisado, a existência ao todo de 19 unidades de atendimento à saúde infantil na rede hospitalar, contando-se prontosocorros e hospitais, sendo que, destas unidades, sete são públicas e 12, privadas. Do total, foi verificado que apenas 17 realizam internações pediátricas, das quais, sete, públicas e dez, privadas. Nessas unidades, apenas duas brinquedotecas foram encontradas: uma instalada em hospital de esfera administrativa privada e outra em Pronto Socorro de esfera administrativa pública.
Em síntese, os dados coletados por meio da escala auto-avaliativa sobre a qualidade das brinquedotecas indicaram, na categoria Planejamento, uma pontuação mais elevada na brinquedoteca hospitalar privada, com maior definição de ações a serem realizadas com base em um plano prévio de trabalho. Quanto à categoria Operacionalização, os dados revelaram carência de suporte externo em ambas, as quais não identificaram possíveis parceiros que possam dar suporte a seu dia-a-dia, sendo que apenas o hospital particular possui alguns contatos com fabricantes e comerciantes de brinquedos, para possível doação e reposição de material lúdico qualificado. Em relação à categoria Equipe, sua formação e atuação, os resultados mostraram que as duas brinquedotecas não possuem responsável (brinquedista) assalariado, assim como não contam com número suficiente de pessoas (outros profissionais e voluntários) para desenvolver o trabalho necessário. Os dados indicaram que as pessoas que atuam nas brinquedotecas estudadas não possuem formação específica para tal, inclusive para classificar, manter e manipular os jogos e brinquedos. Contudo, ambas as brinquedotecas assinalaram que proporcionam boa acolhida aos familiares, assim como participam de projetos complementares que visam humanizar o ambiente hospitalar, como o dos Contadores de História. Em relação à categoria Acervo Lúdico, as respostas evidenciaram que ambas as brinquedotecas estão carentes e têm consciência da necessidade de ampliação e diversificação dos brinquedos.
Os dados obtidos por meio desta escala foram comprovados através da caracterização das brinquedotecas, assim como nas entrevistas com as duas responsáveis por elas, as quais mencionam a falta de recursos e evidenciam a necessidade urgente de obter investimentos para melhorar as instalações.
5. Discussão
Os resultados quantitativos obtidos indicam a precária existência de brinquedotecas hospitalares no município estudado, mesmo após elas haverem sido consideradas obrigatórias, legalmente. Esses dados são semelhantes aos encontrados em pesquisas realizadas anteriormente em outra realidade (Teixeira de Paula, Gil & Marcon, 2002), o que sugere que o problema não é apenas local.
Por um lado, tal fato pode ser considerado como a provável adoção, nas unidades de saúde, de um pensamento ainda baseado no modelo médico tradicional que, segundo Ribeiro (1998), apresenta uma visão fragmentada do ser humano, na qual são priorizados aspectos físicos aos psíquicos. Visão esta que também contradiz com as modernas conquistas da Neuropsicologia (Damásio, 2000; Antunha, 2005) e com os recentes estudos sobre a importância do lúdico para o desenvolvimento da criança, particularmente em situações de internação hospitalar (Pérez-Ramos, 2006; Silva, 2006).
As duas únicas brinquedotecas identificadas, uma de natureza pública e outra, particular, mostraram, contudo, em seu pioneirismo, um grande empenho em continuar atuando o melhor possível, mesmo sem contarem com profissionais qualificados e remunerados. Ao responderem à escala proposta, forneceram dados relevantes para a identificação de pontos positivos e negativos. De um lado, a entidade pública assinalou a ausência de um projeto que norteasse e organizasse as atividades. A importância de um planejamento prévio é destacada por estudiosos (Cunha, 2001; Magalhães & Pontes, 2002), que põem em evidência o quanto sua falta compromete toda a trajetória de uma brinquedoteca e pede por uma solução urgente. Os resultados mostraram também que as brinquedotecas analisadas são carentes, especialmente em termos de operacionalização, os quais são concordantes com os trabalhos realizados por Magalhães & Pontes (2002). Tal semelhança pode induzir a alguma generalização, motivando esforços para a melhoria das brinquedotecas hospitalares em nosso meio.
Por outro lado, a contribuição de recursos humanos, financeiros e materiais facilitaria decisivamente para que as brinquedotecas estudadas possam atingir seus objetivos (Cunha & Viegas, 2004). O fato de ambas não contarem com profissionais devidamente preparados e remunerados constitui um fator de risco para o seu bom andamento, conforme atestam estudos (Andrade,1992; Negrine, 1997). Para Cunha (2001), o número reduzido de profissionais, ou mesmo a ausência de brinquedistas qualificados pode levar também a que alguns funcionários acumulem responsabilidades, prejudicando a prática do brincar e a troca de experiências. Considera que pode realizar-se um bom trabalho com voluntários desde que haja organização e supervisão de um profissional qualificado. Contudo, mesmo não tendo formação específica, o pessoal de ambas as brinquedotecas revelou-se disponível e acolhedor à clientela. Não foi possível estabelecer o número de usuários de cada entidade e nem seu perfil, o que deve ser investigado posteriormente.
Outro ponto comprometedor para a boa avaliação da qualidade das brinquedotecas identificadas diz respeito ao pouco apoio de parceiros e financiadores, o qual vem a ser primordial, inclusive para troca de informações, experiências e atualizações, como explicita a Carta de Qualidade das Brinquedotecas Francesas. O fato de os dados obtidos indicarem pouco apoio de parceiros mostra o quanto a brinquedoteca hospitalar ainda não é reconhecida como um ambiente propício à agilização da recuperação da criança, o que contribuiria inclusive em ganho financeiro para o hospital, reduzindo o tempo de internação.
6. Conclusão
Esta pesquisa constatou um número muito reduzido de brinquedotecas em unidades de saúde com internação pediátrica, no município escolhido, tanto na esfera pública, como na particular. Com este trabalho evidencia-se, portanto, a necessidade de maior implantação de brinquedotecas hospitalares nesse município, atendendo à legislação sobre o tema e aos resultados dos estudos que acompanham essa trajetória.
Os instrumentos utilizados na avaliação possibilitaram identificar itens relativos à qualidade das brinquedotecas estudadas, com base na Carta de Qualidade das Ludotecas Francesas, o que comprova inclusive a validade da conversão dos itens desta Carta em uma escala Libert e de fácil aplicação.
O presente estudo permitiu identificar pontos que necessitam de um cuidado especial para a melhoria dessas brinquedotecas. Dentre os mais significativos, destaca-se a falta de planejamento e operacionalização, pondo em risco sua execução; a ausência de profissionais com formação específica para o cargo; e a grande necessidade de adequação e diversificação do material lúdico. Por outro lado, compensando essas faltas, a pesquisa revelou uma grande disponibilidade por parte dos atuais responsáveis pelas brinquedotecas, conseguindo manter um ambiente acolhedor, inclusive junto às famílias, o que é extremamente positivo, conforme comprovam os estudos.
Esta contribuição, como já foi referido, é parte da pesquisa que vem sendo desenvolvida em municípios brasileiros de diversos Estados da Federação, sob coordenação da segunda autora desta apresentação. Seus dados ajudam a sinalizar o percurso que as brinquedotecas hospitalares vêm seguindo, assim como assinalar suas conquistas e suas maiores dificuldades enfrentadas com o objetivo de humanizar a internação pediátrica e contribuir para a agilização do tratamento da criança e o apoio a seus familiares.
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Recebido em: 13/08/2007
Aceito em: 20/03/2008
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