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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
versão impressa ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. v.28 n.2 São Paulo dez. 2008
TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS
Avaliação psicológica: contribuições brasileiras1
Psychological evaluation: Brazilian contributions
Marcelo Gulini Chiodi2; Solange Muglia Wechsler3
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
RESUMO
A área da avaliação psicológica é ampla e básica, abrangendo todos os campos da Psicologia. Durante a década de 90 do século passado, o impulso para a busca da melhoria da qualidade dos instrumentos e serviços oferecidos nesta área contou com a efetiva participação do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) fundado na época. A produção científica, que visa resgatar diferentes técnicas e instrumentos importantes no processo de investigação e intervenção psicológica, teve um avanço significativo com a instalação de novos laboratórios dedicados à pesquisa em avaliação psicológica, instalados em diversas universidades brasileiras. Apesar da grande complexidade que envolve a mensuração de traços e de outras características psicológicas, muitos instrumentos e técnicas têm sido elaborados e normatizados, possibilitando realizar esta tarefa, efetivamente, em diferentes contextos. Desta forma, este estudo tem por objetivo apresentar uma apreciação do histórico e estado atual da avaliação psicológica no Brasil, assim como das características dos testes, recurso importante nessa tarefa.
Palavras-chaves: Testes; Avaliação psicológica; Validade; Precisão.
ABSTRACT
The Psychological Assessment area is broad and basic, encompassing all fields of Psychology. During the decade of the 90s of the past century, the impulse toward the search for a betterment in the quality of the instruments and services offered in this area had the active participation of the Brazilian Institute of Psychological Assessment (IBAP), founded at that time.The scientific production, that aims at the rescue of different techniques and important instruments in the investigation process and psychological intervention, had a significant advance with the new laboratories installed in different Brazilian universities, dedicated to the research in psychological evaluation. In spite of the great complexity that involves the measuring of features and other psychological characteristics, many instruments and techniques have been elaborated and standardized, allowing the realization of this task effectively, in different contexts. Therefore, this study has the objective of presenting an appreciation of the history and of the present situation of the psychological evaluation in Brazil, as well as the characteristics of the tests, an important resource in this matter.
Keywords: Tests; Psychological evaluation; Reliability; Precision.
1. Introdução
Nas últimas décadas, a Psicologia vem, no Brasil, apresentando um avanço significativo e conquistando um melhor espaço científico em decorrência de um apreciável número de estudos desenvolvidos nas suas diferentes áreas. Em relação à Avaliação Psicológica, percebe-se um grande progresso, apesar das flutuações na produção de pesquisas que visam resgatar diferentes técnicas e instrumentos importantes para o processo de avaliação e controle da intervenção psicológica. A respeito da expressiva complexidade que envolve a mensuração de traços e de outros comportamentos, muitos instrumentos têm sido elaborados e normatizados, possibilitando realizar essa tarefa, efetivamente, em diferentes contextos de aplicação (Reis, 2003).
A situação em que hoje se encontra a área da avaliação psicológica no Brasil é cercada por discussões em torno do uso de testes psicológicos, recentemente encabeçadas pelo Conselho Federal de Psicologia (2004). O foco centraliza-se na discussão em torno de instrumentos válidos, confiáveis e atualizados. A preocupação centraliza-se principalmente na questão da validade e na elaboração de instrumentos nacionais, a fim de reverter o quadro que perdurou por alguns anos, do uso de instrumento psicológico sem pesquisas científicas que comprovassem suas qualidades psicométricas para a cultura brasileira. Entretanto, pode-se observar que atualmente a área da avaliação psicológica passa por uma reconsideração do valor dos instrumentos aplicáveis e uma retomada de pesquisas sobre validade e precisão, marcada pela criação de grupos de pesquisas em vários cursos de pós-graduação, o que veio ampliar substantivamente a produção científica na área.
Tal fato pôde ser verificado a partir dos estudos realizados por Noronha & Alchieri (2002) que procuraram analisar as áreas de interesses relacionadas com os testes psicológicos em nosso país. Segundo esses autores, os primeiros instrumentos dessa natureza surgiram nas décadas de 1910 a 1930 e voltavam sua atenção para o exame da inteligência, especialmente da criança, assim como para a seleção e avaliação de aptidões para o trabalho. De 1941 a 1951, os interesses anteriores continuaram sendo complementados pelo da Psicologia do Desenvolvimento e pela preocupação em relação aos cuidados quanto ao uso e à aplicação dos testes psicológicos. Posteriormente a 1951, o centro do interesse voltou-se para a avaliação da personalidade, orientação profissional, desenvolvimento infantil como também na adaptação de instrumentos à cultura brasileira. Nas décadas seguintes, o foco passou também para as estratégias de intervenção grupal, desenvolvimento e construção de testes e técnicas, sem, no entanto, haver equivalência com o número de pesquisas realizadas no período anterior (1941 1951). Eram os anos de ouro da Psicometria e da Avaliação Psicológica no Brasil (Noronha & Alchieri, 2002, p.10).
Na década de 60, os cursos de Psicologia da PUC-SP, USP e do Sedes Sapientiae começaram a utilizar os testes como ferramenta do processo seletivo. O da PUC-SP trazia uma novidade com relação aos demais, a utilização da avaliação psicológica como critério de ingresso nesse processo. Muitos alunos consideraram uma medida rigorosa, mas bem vista na medida em que se poderiam selecionar as pessoas com reais condições para tornarem-se psicólogos. Para tanto, estar ou não apto para exercer determinada atividade a partir de critérios psicológicos e, no caso, a partir dos testes, teve uma extraordinária expansão nesse período, mas entrou em declínio principalmente nos anos de 70 a 90. Questionou-se, na época, o desconforto, talvez mesmo a frustração de quem buscava uma colocação no mercado de trabalho, submetendo-o a uma bateria de provas, inclusive as psicológicas, e não ser contratado no final das avaliações (Custódio, 2007).
Outros cursos de Psicologia criados a partir da época a que nos referimos utilizaram o mesmo recurso da PUC-SP para selecionar seus alunos: a PUCCampinas e também a PUC-RS. Porém, esta prática foi bastante criticada por muitos candidatos ao curso de Psicologia e devido à resistência generalizada de alunos e professores, em pouco tempo, as instituições que ainda a utilizavam deixaram de fazê-lo (Custódio, 2007). Mas deixou uma experiência positiva do uso de testes na seleção de candidatos aos cursos de Psicologia.
Entretanto, o que se sabe é que o interesse na utilização de testes psicológicos na década de 70 parece não ter sido acompanhado por um maior investimento em pesquisas e produção de material psicológico como nos vinte anos seguintes. Assim houve um período de estagnação relacionada com a construção, adaptação ou mesmo padronização de instrumentos psicológicos, para as mais variadas faixas etárias (Wechsler, 2001b). Essa situação ocasionou o uso de instrumentos traduzidos de fora, acabando por gerar uma prática que foi mantida, durante anos, pelos psicólogos brasileiros no uso de testes estrangeiros, na avaliação psicológica quando estes sequer haviam sido validados e normatizados de acordo com as características socioculturais de amostras brasileiras (Azevedo, Almeida, Pasquali & Veiga, 1996).
A crítica difundida quanto à inadequação de instrumentos originários de outras culturas para a população brasileira causou efeito negativo entre os psicólogos da época, gerando uma imagem desvalorizada e depreciativa do uso de qualquer tipo de instrumento psicológico que utilizasse medidas quantitativas. A avaliação qualitativa passou a ser considerada como decisivo fator nesses empreendimentos (Wechsler & Guzzo, 1999).
A reação ao descrédito dos instrumentos psicológicos começou a ser percebida claramente na década de 80, quando começaram a ser reativadas propostas da criação de Laboratórios de pesquisas para medidas e instrumentos psicológicos, sediados em universidades públicas e particulares (Wechsler, 2001a).
O primeiro Laboratório a ser proposto na década de 80, com a finalidade de construir e/ou adaptar testes psicológicos, foi o da Universidade de Brasília (LABPAM), seguido pelo da Universidade de São Paulo (LITEPP). Outros foram posteriormente implantados na década de 90 nas seguintes instituições de ensino: PUC-Campinas (LAMP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (LAM), Universidade de São Francisco (LABAPE), UNISINOS (LIAP), PUC-Minas Gerais (LEPAP). Do mesmo modo, grupos de estudo e pesquisa começaram a ser organizados na área de avaliação psicológica em várias cidades brasileiras, como por exemplo no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, João Pessoa e Natal. Desta maneira, pode-se constatar que existe na atualidade um movimento de retorno em prol da construção e normatização de instrumentos psicológicos para a nossa realidade.
Percebe-se, atualmente, que a mobilização dos cientistas e pesquisadores já se faz sentir, não somente na criação de Laboratórios e grupos de pesquisa, como também na criação do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP), fundado em 1997 com o objetivo principal de contribuir para a melhoria da qualidade instrumental e do exercício profissional no País. A Revista Brasileira de Avaliação Psicológica, lançada pelo IBAP, demonstra o significativo aumento da produção de pesquisas sobre instrumentos psicológicos no Brasil.
Portanto, vale ressaltar que independentemente da situação em que a área de Avaliação Psicológica encontra-se, continua sendo da responsabilidade exclusiva do psicólogo essa tarefa, bem como da escolha dos instrumentos, métodos, técnicas e instrumentos no exercício profissional, atentando para que esta escolha envolva instrumentos com qualidade técnica e científica reconhecida. Tal procedimento garantirá a ética e o rigor necessário para a reconstrução da credibilidade dos instrumentos psicológicos, respeitando-se os critérios psicométricos de sua construção (Nakano, 2006).
2. Conceituação de avaliação psicológica
Antes de aprofundar-se no tema em pauta, é de suma importância destacar que seu enfoque não se restringe unicamente ao uso de testes, mas eles são instrumentos essenciais nessa tarefa. A avaliação, seja ela psicológica ou não, pode ser realizada em diversos contextos e de diferentes maneiras. Neste estudo, ela será focalizada e tendo como parâmetro a verificação dos testes como instrumentos válidos de medida.
Considera-se que a avaliação psicológica é um processo no qual se verificam a medida e o grau como critérios presentes no comportamento a considerar, assim como suas metas e objetivos que se propõe atingir (Casulo, 1999). Wechsler (1999), por sua vez, define a avaliação psicológica como um processo de coleta e interpretação de dados, realizado por meio de instrumentos psicológicos, tendo por finalidade o maior conhecimento do indivíduo, a fim de que sejam tomadas determinadas decisões (p.108).
Para Witter & David (1996), a avaliação, de maneira geral, é de extrema relevância para determinações, ou seja, para orientar uma ação em forma segura e adequada do psicólogo no seu trabalho.
Simões, Almeida & Gonçalves (1999); Cruz (2002); Noronha & Alchieri (2002); Pasquali (1999) compartilham de tais posições, enfatizando o risco de restringir-se a avaliação psicológica ao uso apenas de testes, o que pode dar lugar a um tecnicismo na aplicação e na lógica estatística em que essa posição apóia-se. Tal afirmação destaca a importância do instrumental técnico produzido com o auxílio de procedimentos estatísticos que ocupam uma função relevante no processo, mas evidencia que estes são apenas parte do processo. Primi (2003) acrescenta que a avaliação psicológica, além de julgar um dado comportamento, permite que as teorias possam ser testadas, eventualmente aprimoradas, contribuindo para o maior desenvolvimento da Psicologia e para a integração entre ciência e profissão.
Ainda estão presentes os questionamentos acerca da necessidade, ou não, da avaliação psicológica em determinadas áreas de atuação profissional. De qualquer forma, é inconcebível o fato de que as intervenções ocorram sem que tenham precedido de avaliações, já que estas são fundamentais para uma atuação profissional adequada, como afirmam muitos autores. Aftanas (1994), por exemplo, em seus estudos, conclui que a avaliação psicológica deve ser considerada como uma atuação primária no trabalho do psicólogo.
Contudo, permanece, em parte, o descrédito no uso dos testes na avaliação psicológica (Wechsler, 1999). Um levantamento realizado por Prieto, Muñiz, Almeida & Bartram (1999) encontrou uma lista de dez deficiências no uso dos testes e concluíram: (1) reproduzir material sujeito a direitos autorais, (2) utilizar testes inadequados em sua prática, (3) estar desatualizado na sua área de atuação, (4) desconsiderar os erros das medidas nas suas interpretações, (5) utilizar folhas de respostas inadequadas, (6) ignorar a necessidade de explicações sobre pontuação nos testes aos solicitantes da avaliação, (7) permitir a aplicação de testes por pessoal não qualificado, (8) desprezar condições que afetam a validade dos testes em cada cultura, (9) ignorar a necessidade de arquivar o material psicológico coletado e (10) interpretar além dos limites dos testes utilizados. Tais falhas éticas trazem inúmeras implicações e comprometem a área de Avaliação Psicológica.
Subseqüente a essa discussão, encontra-se a necessidade de instrumentos com evidências de validade, confiabilidade e atualização. A preocupação amparase principalmente na questão da normatização e na elaboração de instrumentos nacionais de avaliação psicológica, a fim de reverter o quadro que perdurou por alguns anos no Brasil, quanto ao uso de instrumento psicológico sem pesquisas científicas que comprovem suas qualidades psicométricas, ajustáveis ao nosso meio (Andriola, 1995).
3 - Parâmetros Científicos dos Instrumentos Psicológicos
Como já visto anteriormente, avaliação em Psicologia refere-se à coleta e interpretação de informações psicológicas, resultantes de procedimentos confiáveis que permitam ao psicólogo julgar um certo comportamento ou um conjunto deles. Aplica-se ao estudo de casos individuais, de grupos ou de organizações.
O elenco de instrumentos psicológicos é bastante variado, incluindo testes, questionários, entrevistas, observações situacionais, técnicas de dinâmicas de grupo e outros. Os mais conhecidos são os testes psicológicos que, segundo Anastasi & Urbina (2000), vêm a ser uma medida objetiva e padronizada de uma dada amostra de comportamento. Para o seu uso há necessidade de:
a) Que todos os sujeitos realizem igual tarefa; deve haver uniformidade no processo de aplicação, ou seja, instruções e material de avaliação. Assim as respostas devem ser julgadas pelos mesmos critérios e o resultado é interpretado de acordo com determinadas normas; o desempenho em cada teste é avaliado com base em dados empíricos. Geralmente, o escore do teste de um indivíduo é interpretado através da comparação com os escores obtidos por outros no mesmo instrumento.
b) uma certa amostra de comportamento implica em economia no tempo de avaliação. Em geral, constitui-se em uma medida da capacidade, função ou traço que se pretende avaliar.
Como forma de garantir que os instrumentos sejam confiáveis e eficientes, precisa-se atender a algumas regras, tanto no processo de criação e desenvolvimento de novos testes quanto no processo de adaptação dos instrumentos disponíveis. Essas regras denominadas parâmetros psicométricos, visam atender a critérios que garantam a credibilidade por parte da comunidade científica.
Em um estudo realizado por Noronha e Vendramini (2003), pode-se verificar situações bem diferentes na prática. Ao consultarem 43 testes de avaliação da personalidade e de inteligência com o propósito de verificar-se a presença de normatização brasileira, validade e precisão nos respectivos manuais, comprovaram que os testes de inteligência, como se prevê, possuem mais estudos nesse sentido, do que os de personalidade. Portanto, incluindo nesses últimos as técnicas projetivas, consideradas não psicométricas, deduz-se que não sejam elas cobradas em relação a essas características. Contrariamente a esta posição, as autoras concluíram que devem ser realizados esforços no sentido de garantir-se que instrumentos confiáveis sejam construídos e normatizados, podendo ser utilizados, independentemente do fato de avaliarem inteligência, personalidade ou qualquer outro construto. Espera-se ainda que padrões nacionais de construção sejam estabelecidos futuramente, de forma que as necessidades do país e a diversidade cultural aqui existente possam ser contempladas (Noronha & Vendramini, 2003, p. 181).
Nakano (2006) salienta que o construtor de um teste precisa apresentar evidências e argumentos que ajudem os profissionais que irão fazer uso desse instrumento a compreender os seus resultados, os processos necessários para um emprego bem sucedido, a relação com que é medido e fatores associados a bons e maus efeitos. Estas informações ajudá-los-ão a reconhecer quais são as interpretações provenientes dos resultados e podem ser fornecidos por meio de efetivos estudos de validade, precisão e normatização.
Segundo Anastasi & Urbina (2000), o desenvolvimento de um teste válido requer múltiplos procedimentos, que devem ser empregados seqüencialmente em diferentes estágios da sua construção. Neste sentido, os critérios mais representativos para julgar a adequação dos testes referem-se à precisão, validade e normatização dos instrumentos.
Pasquali (2001) também compartilha da mesma argumentação quando enfatiza que os instrumentos mais confiáveis são aqueles que apresentam alto grau de validade e precisão, cujas características são apresentadas a seguir:
4 - Validade
Nas ciências sociais, a prova de evidência de validade dos instrumentos é condição fundamental e crucial, isto é, uma condição sine qua non, particularmente importante pelo fato de trabalhar-se com o conceito de traço latente, no qual se busca demonstrar sua correspondência e sua representação. (American Psychological Association - APA, 1999).
Segundo Pasquali (2003), a demonstração da validade de um teste consiste em estabelecer cientificamente que as operações empíricas (comportamentos auferidos através de tarefas, tipicamente chamados de itens) são isomórficas às características psicológicas (ou traços latentes) representadas fisicamente nesses itens.
Assim, os estudiosos recorrem a uma série de técnicas para obter a demonstração da validade de seus instrumentos. Tradicionalmente, essas técnicas podem ser reduzidas a três grandes classes: validade de conteúdo, de critério e de construto (APA, American Educational Research Association & National Council on Measurements Used in Education, 1954).
Para Pasquali (2003), a validade de conteúdo foi muito usada durante os anos de 1900 a 1950, época em que primava o interesse pela medida dos tipos de temperamentos, traços, aptidões e habilidades. Os testes eram considerados válidos na medida em que seu conteúdo correspondesse ao dos traços definidos pela teoria psicológica que os fundamentavam. Esse tipo de validade buscava verificar se o teste constituía-se por uma amostra representativa de um universo finito de comportamentos. Sua validade era praticamente garantida pela técnica de construção do teste, que devia comportar os seguintes passos: definição do domínio cognitivo, definição do universo do conteúdo, definição da sua representatividade e análise teórica e empírica dos itens.
O segundo tipo de validade, o de critério, está relacionado aos escores de testes que têm a possibilidade de serem úteis e poderem ser classificados em dois subtipos básicos: (a) o que envolve a determinação do status atual de uma pessoa e (b) que determina a predição de um desempenho ou comportamento futuro. Em certo sentido, esta separação é artificial porque se precisarmos saber algo a respeito do status atual de uma pessoa ou de seu desempenho futuro, a única informação que os escores do teste podem transmitir deriva do desempenho do examinando no momento da testagem. Mesmo assim, os procedimentos de validação relacionados a esse critério freqüentemente são categorizados como concorrentes ou preditivos, dependendo das medidas empregadas bem como de seus objetivos primários (Urbina, 2007).
O terceiro tipo de validade é o do construto, principalmente utilizado na década de 70 até final da década de 90. Este tipo visa investigar a legitimidade da representação comportamental do traço latente que se está buscando medir, verificando se o construto em questão está representado adequadamente no teste. A correlação com outro teste que meça o mesmo comportamento é muito utilizado como demonstração da validade de construto. Isto se dá pelo fato de que, se o teste que está servindo como medida de comparação mede um determinado comportamento e o novo teste correlaciona-se altamente com aquele (correlações de pelo menos 0,75), então o novo instrumento mede o comportamento semelhante ao medido pelo já existente. No que se refere aos testes de inteligência, a abordagem psicométrica desse tipo de validade é comumente sustentada pela análise fatorial. Esta, por sua vez, baseia-se nas diferenças individuais reveladas por um grande número de testes criados para avaliar as capacidades cognitivas. O propósito da análise fatorial é identificar subgrupos de testes que avaliam idêntica capacidade cognitiva. A lógica desse procedimento é que, se dois testes requerem uma mesma capacidade cognitiva, então pessoas que tiverem essa capacidade, tenderão a apresentar os mesmos escores nos dois testes (Primi, 2003).
Nesse contexto, torna-se essencial explicar que os procedimentos para determinar a validade de um instrumento têm por finalidade verificar as relações entre o desempenho no teste e outros fatos observáveis relativos às características do comportamento em causa (verificando a relação com outras variáveis) (Anastasi & Urbina, 2000).
No entanto, Pasquali (2003) afirma que, embora a validade constitua-se um ponto importante para a medida psicológica, ela apresenta sérias dificuldades que se situam em três momentos do processo de elaboração do instrumento: a teoria, a coleta empírica e a análise estatística. Segundo este especialista, a maior das dificuldades reside no momento da teorização. Isto porque, segundo ele, ainda existe uma confusão teórica no campo dos construtos, teorias muitas vezes até contraditórias, dificultando ao pesquisador a elaboração de hipóteses claras e precisas para testar-se.
Segundo a American Psychological Association (1999), a validade é o grau ao qual toda evidência acumulada sustenta a interpretação pretendida dos escores de testes para um determinado propósito. Existem várias fontes de evidências para avaliar as interpretações dos escores de um teste em particular. Essas fontes podem indicar aspectos diferentes de validade.
A comparação dos escores do teste com as variáveis externas deste proporciona uma outra fonte importante para a evidência de validade. As variáveis externas podem incluir medidas de algum critério que o teste deve prever assim como relações a outros instrumentos que hipotetizaram medir os mesmos ou diferentes construtos. As relações entre os escores e outras medidas que objetivam avaliar construtos semelhantes proporcionam evidência convergente, como relações entre escores e medidas esperadas de diferentes construtos determinam evidência discriminante. Por exemplo, dentro de algumas estruturas teóricas, as contagens de um teste de múltipla escolha de compreensão da leitura podem relacionar-se com outro instrumento que avalie também a mesma habilidade. Trata-se de evidência convergente. Inversamente, se os escores de um teste relacionam-se menos com as medidas de outras habilidades, tais como raciocínio lógico, verifica-se a evidência discriminante.
5 - Precisão
O parâmetro da precisão dos testes tem recebido uma série de nomes diferentes, que na verdade, dizem respeito ao mesmo critério psicométrico. Os nomes geralmente empregados são precisão, fidedignidade e confiabilidade (Nakano, 2006).
Segundo Pasquali (1997), a precisão de um teste diz respeito à característica que ele deve possuir, de medir com o máximo de objetividade. Isso significa que um mesmo teste, medindo os mesmos sujeitos em ocasiões diferentes, ou testes equivalentes medindo os mesmos sujeitos em idêntica ocasião, produzem resultados iguais. Como nenhuma medida, seja psicológica ou física, é isenta de qualquer erro, a análise da precisão de um teste psicológico quer mostrar precisamente quanto ele aproxima-se do ideal de medir sem erro, determinando um coeficiente que, quanto mais precisa for a medida, menor será o erro cometido na utilização do teste.
Para Anastasi & Urbina (2000), precisão consiste na consistência dos escores obtidos pelas mesmas pessoas quando elas são reexaminadas com o mesmo teste em diferentes ocasiões, ou com diferentes conjuntos de itens equivalentes (p. 84). Esse conceito de precisão enfatiza o cálculo do erro de mensuração de um único escore, com o qual se pode predizer o intervalo total de flutuação que provavelmente ocorrerá no escore de um indivíduo devido a fatores casuais irrelevantes ou desconhecidos. Fachel & Camey (2000) afirmam que a precisão está relacionada com o problema de estabilidade no tempo e ao de consistência interna do instrumento. Elas também consideram que uma escala ou teste preciso requer repetidas mensurações em condições constantes e que forneçam o mesmo resultado, supondo nenhuma mudança nas características básicas, isto é, na atitude sendo medida. (p. 160)
Van Kolck (1981) já acrescentava que um teste é preciso quando mais resultados forem constantes e estáveis. Existem algumas formas de verificarse a precisão, tais como teste-reteste, formas paralelas e consistência interna. O teste-reteste consiste no cálculo do coeficiente de precisão através de correlação entre os escores de um mesmo sujeito, num mesmo teste, só que em duas ocasiões diferentes. Anastasi & Urbina (2000) afirmam que o intervalo de tempo em que a precisão foi mensurada deve ser sempre relatado, pois pode interferir no aumento ou na diminuição do coeficiente de precisão.
A precisão por formas paralelas ou alternativas é obtida através dos escores do mesmo sujeito em duas formas paralelas de um mesmo teste. Vale ressaltar que, nestas formas, os testes devem conter o mesmo número de itens, sendo expressos da mesma maneira e abrangendo o mesmo conteúdo. A verificação da precisão por meio da consistência interna pode ser estabelecida por algumas técnicas. Entre as mais utilizadas estão: duas metades, Kuder Richardson e Alfa de Cronbach. Todas elas exigem uma única aplicação do teste (Anastasi & Urbina, 2000).
6- Considerações gerais
Pelo exposto, pode-se deduzir que as técnicas utilizadas na avaliação psicológica levantaram questionamentos na comunidade científica brasileira, tanto no que se refere à qualidade dos instrumentos de maneira geral, ao manuseio por parte de psicólogos, bem como em relação aos resultados.
Atualmente, os questionamentos apresentados frente aos resultados da avaliação psicológica, em seleção de pessoal, no psicodiagnóstico, na obtenção de carteira de habilitação e em tantas outras finalidades levam a pensar e ponderar quanto aos diversos aspectos envolvidos na práxis do profissional.
As investigações atuais amparam-se predominantemente na questão da qualidade e elaboração de instrumentos nacionais que, por muitos anos, eram criticados em função do inexpressivo número de estudos científicos que os fundamentavam. Hoje em dia observa-se que a ciência psicológica tem buscado excelência dos seus instrumentais.
A avaliação tem sido considerada parte integrante da intervenção profissional, trazendo informações sobre uma situação-problema, orientando ações ou apreciando os resultados. Por isso, os instrumentos de avaliação psicológica, ferramentas de trabalho usadas na avaliação, vêm ganhando status privilegiado dentre os recursos que o profissional da Psicologia dispõe.
A eficácia deste instrumental está diretamente relacionada à quantidade de informações sobre como interpretá-lo, oriundo de pesquisa científica acumulada. Evidentemente os dados simplesmente não bastam. As pesquisas e os instrumentos estudados precisam ser de qualidade e mostrarem resultados adequados com acesso fácil aos psicólogos para compreendê-los e utilizá-los com competência e de maneira ética.
Sem dúvida, a qualidade dos instrumentos psicológicos é um campo bastante abrangente, que envolve além de revisões periódicas, a preocupação com a construção e com o cuidado relacionado às padronizações regionais. À guisa destas informações, pode-se inferir que não são poucos os esforços que devem ser despendidos na área, tendo em vista a multiplicidade de linhas de pesquisa que podem ser beneficiadas (Noronha & Alchieri, 2002).
A necessidade de conhecer melhor o instrumental disponível para utilização no Brasil é imperativo, e para que isto possa ocorrer é indispensável aprimorar a formação em Psicologia, especialmente em avaliação psicológica. Trata-se de uma tarefa multidimensional, na qual a responsabilidade não fica restrita a um segmento específico do processo formação-capacitação-profissionalização, mas perpassa aos interlocutores, quer sejam professores, acadêmicos, instituições e editores (Noronha & Alchieri, 2002).
Portanto, outros estudos a respeito da avaliação psicológica devem ser desenvolvidos, de forma que as dificuldades encontradas em sua prática sejam superadas. Embora já seja possível observar grandes avanços na área desde sua criação até os dias atuais, novos desafios precisam ser contornados. Para isso, pesquisadores devem continuar desenvolvendo seus trabalhos e, conseqüentemente, a avaliação psicológica será melhor divulgada em eventos que prezem pelo zelo da ciência e o julgamento preciso e válido do comportamento humano. É importante informar que a avaliação psicológica válida, não só depende dos instrumentos nela utilizados, mas, principalmente, da perícia e competência do psicólogo.
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Recebido em: 15/06/2008
Aceito em: 10/09/2008
1 Este artigo faz parte de um estudo maior, intitulado “Bateria de Habilidades Cognitivas: Woodcock Jonhson III e WISC III”, ao qual agradecemos o apoio financeiro do CNPq.
2 Doutorando pela PUC/Campinas. Contato: Rua Jasmim, nº 190 ap. 34, Bloco B Chácara Primavera Campinas SP - CEP 13087-460. Tel. (19) 8154-8299 / (19) 2121-7697. E-mail: gulinichiodi2003@yahoo.com.br
3 Docente da PUC/Campinas. Contato: Rua Cardeal Arcoverde, 25 - Caminho São Conrado Souza Campinas SP - CEP 13130-590. E-mail: wechsler@terra.com.br