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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. v.28 n.2 São Paulo dez. 2008

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS

 

Propriocepção: um conceito de vanguarda na área diagnóstica e terapêutica

 

Proprioception: a vanguardist concept in the diagnostic and therapeutic areas

 

 

Elsa Lima Gonçalves AntunhaI,1; Paulo SampaioII,2

ICad. nº 29 “Souza Pinto”
Universidade de São Paulo
IICentro de Referência em Distúrbios da Aprendizagem (CRDA) – Faculdade de Medicina do ABC

 

 


RESUMO

O artigo trata do 1º Simpósio 2008 do CRDA – “O Sistema Proprioceptivo e suas Implicações no Equilíbrio e no Aprendizado”. Apresenta contribuições de neurocientistas nacionais e estrangeiros sobre distúrbios proprioceptivos. Discutem-se importantes contribuições: Profs. Drs. Jobair Ubiratan Aurélio da Silva, Paulo Sampaio e Narcisa Pavan, Brasil; Orlando Alves da Silva, Portugal; e Jean Pierre Roll e Regine Roll, França.

Palavras-chaves: Propriocepção, Equilíbrio, Dor, Dislexia, Neurodontologia, Neuroftalmologia.


ABSTRACT

It describes the CRDA – 1st Symposium – 2008 – “Proprioceptive System and its implications to balance and learning”. The contributions of national and international neuroscientists are discussed: Profs. Drs. Jobair Ubiratan Aurelio da Silva, Paulo Sampio and Narcisa Pavan – Brasil and Orlando Alves da Silva – Portugal and Jean Pierre Roll and Regine Roll – France to proprioceptive disturbances.

Keywords: Proprioception, Balance, Pain, Dyslexia, Neurodontology, Neurooftalmology.


 

 

Foi com grande repercussão que se realizou, no dia 21 de agosto último, o 1º Simpósio, 2008 do CRDA (Centro de Referência em Distúrbios de Aprendizagem), denominado O Sistema Proprioceptivo e suas Implicações no Equilíbrio e na Aprendizagem.

Realizado na sede do CRDA contou com significativos profissionais nacionais e estrangeiros na área de neurociências. Este Centro, que já conta com alguns anos de vida, bem merece o qualificativo de “referência”, uma vez que vem sendo, desde sua criação, caracterizado pela profundidade dos temas de que trata, quer em seus cursos livres e de pós-graduação lato sensu, quer quanto às questões referentes aos aspectos teóricos, diagnósticos e terapêuticos dos distúrbios neuropsicológicos de aprendizagem.

Hoje, através do Simpósio 2008, vê-se que o Centro em nada se afastou da diretriz traçada desde o começo e pelo contrário, expandiu-a até a última fronteira da dislexiologia quando traz em cena o sistema proprioceptivo como tema central, dando-lhe uma abordagem com amplitude e corajosa.

Esta abrangência deve-se, não apenas à visão ampla de seus idealizadores, especialmente o incansável Prof. Dr. Jobair Ubiratan Aurélio da Silva, neurologista de renome, como também à sabedoria com que organiza a sua equipe, verdadeiramente multiprofissional, composta de neuropediatra, neuroftalmologista, geneticista, psiquiatra, psicólogo, psicopedagogo, fonoaudiólogo e psicomotricista.

Por contar com equipe médica, o CRDA apresenta o diferencial de oferecer o “Laudo Médico das Habilidades Escolares” que integra o aparato legal para a inclusão de alunos no meio escolar e nas instâncias competentes. Sendo credenciado pelo MEC, de acordo com a portaria 607/2007, encontra-se o CRDA legalizado e capacitado para a condução de cursos livres nas áreas de distúrbios neuropsicológicos de aprendizagem, TDA/H, Autismo, Asperger, Técnicas Médicas Avançadas para o tratamento da Dislexia; e também cursos de extensão como o de alfabetização em braille, além dos vários programas de pós-graduação lato sensu como o LIBRAS (Linguagem Brasileira de Sinais) para o favorecimento da inclusão de pessoas com deficiência visual ou auditiva, respectivamente.

A grade curricular desses cursos permite uma visão multiprofissional de ordem genética, psiquiátrica, psicológica e otorrinolaringológica, além de metodologia científica e didática.

A apresentação deste breve panorama de ensino do CRDA justifica-se em face da profundidade com que no 1º Simpósio – 2008, especialistas, nacionais e estrangeiros, trouxeram suas mais recentes contribuições, apresentando moderníssimos paradigmas para o cotejo com os vários aspectos dos distúrbios específicos de aprendizagem.

O tema central do Simpósio: a propriocepção, conceito até hoje, muitas vezes distante das reais considerações de ordem etiológica pelos profissionais que trabalham no campo da dislexia, constituiu-se em um norteador, não só dos aspectos conceituais e diagnósticos, mas, principalmente, terapêuticos.

A propriocepção, termo empregado por Sherrington, por volta de 1900 refere-se à capacidade de reconhecer a posição das articulações no espaço. não, o cérebro recebe informação quanto à angulação das articulações e, daí, à posição das partes do corpo no espaço, o que leva também o indivíduo a construir a imagem do seu próprio corpo – o esquema corporal. (Gravações do Congresso)

Mais modernamente P. Schilder, com sua obra: Imagem e Aparência do Corpo Humano (1977), F. Goodenough, I. Bergès e I. Lezine, Machover e muitos outros pesquisadores destacaram o valor do desenho da figura humana ou de algumas manipulações corporais, como indicativos de indícios de dificuldades de ordem intelectual, neuropsicomotora ou mesmo emocional, no diagnóstico de crianças e mesmo, de adultos.

Mas, apesar da importância tradicionalmente atribuída à noção do próprio corpo, à imagem e ao esquema corporal na gênese dos distúrbios, sobretudo os mais severos, de dislexia, discalculia, disgrafia, disortografia, a ênfase não tem recaído, como é o caso específico da atual experiência apresentada no Simpósio, no tratamento proprioceptivo.

O Sistema Proprioceptivo é de natureza neurológica que recebe informações provenientes de múltiplos sensores do nosso corpo como a pele da sola dos pés, músculos e articulações, mucosas, língua, sistema visual e sistema auditivo do equilíbrio (labirinto). Este sistema integra e compatibiliza todas essas informações e expede as ordens necessárias para as fibras musculares de todo o corpo para que estas realizem uma determinada ação.

É um sistema complexo que influencia a maioria das funções do organismo. Sempre que o Sistema Proprioceptivo entra em disfunção, os sintomas são múltiplos e podem manifestar-se de diferentes maneiras, dependendo do organismo. Podemos simplificar, didaticamente, este conjunto de sintomas referindo os mais freqüentes e integrando-os em grupos:

• Dor
A dor pode surgir na forma de dor de cabeça (cefaléia), enxaqueca, dor na planta dos pés ou dor muscular. A dor muscular pode acontecer nos braços, nas pernas, na porção superior da barriga, no peito. Outras pessoas informam dor no pescoço e/ou nas costas e/ou nas pernas (semelhante à dor ciática).

• Desequilíbrio
Este sintoma pode aparecer na forma de vertigem, tonturas, enjôo (principalmente quando se lê nos veículos em movimento), sensação de náusea, quedas inexplicáveis, choques contra os objetos sem causa que justifique.

• Baixa do rendimento escolar
A criança progride na escola abaixo da sua capacidade de inteligência e do esforço que desenvolve. Pode-se observar sintomas de dislexia, discalculia, disgrafia, dislalia, disortografia, déficit de atenção, hiperatividade e, em outros casos, cansaço físico inexplicável, mesmo pela manhã, antes de qualquer esforço.

• Perturbações vasculares
A perturbação mais freqüente é a palidez da pele, que se normaliza de imediato após tratamento proprioceptivo (poucos minutos após o início do tratamento), mãos frias e transpiradas mesmo em ambientes quentes e a chamada Síndrome de Raynaud. Alguns pacientes apresentam intervalo encurtado entre a pressão arterial máxima e mínima.

• Erros de localização espacial
A pessoa tem dificuldade em perceber a posição exata de cada segmento do seu corpo em relação aos outros segmentos e também a relação entre corpo e espaço. Ela morde a bochecha ou a língua sem querer, tropeça sem razão aparente, derruba objetos inadvertidamente, despeja líquidos fora do recipiente onde pretende colocá-los (leite fora da xícara, água fora do copo). Em alguns casos o paciente fica perdido em locais conhecidos ou sente-se mal em grandes espaços. Dirige veículos melhor em estradas pequenas do que em auto-estrada. Dizem também que não gosta de atravessar campos sem referência central (praça sem monumento, campo de futebol).

Alguns pacientes, quando diagnosticados e tratados das disfunções proprioceptivas, trazem a queixa de terem realizado verdadeiras peregrinações por clínicas e consultórios médicos especializados, sem resultado. Isso acontece porque, apesar da Propriocepção ser conhecida há muitos anos pelos profissionais e pesquisadores da saúde, os estudos e os métodos de diagnóstico e de tratamento ganharam impulso apenas recentemente através de exames neurofisiológicos e eletrofisiológicos. É uma área da saúde relativamente jovem. O Sistema Proprioceptivo é ensinado nas faculdades em diferentes cursos médicos (anatomia, fisiologia, neurologia etc.) não sendo atribuído a nenhuma especialidade específica.

Fisiatras, ortopedistas, oftalmologistas, dentistas, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, professores de Ensino Especial podem e devem colaborar num ambiente de multidisciplinaridade para o reconhecimento e o tratamento da Disfunção Proprioceptiva, trazendo todos os seus conhecimentos e resultados de avaliações e observações para o enriquecimento da compreensão do caso, mas é absolutamente necessário que recebam treino adequado para atuar nesta área tão importante.

Em agosto de 2008, o CRDA trouxe para um Simpósio, no Brasil, os pesquisadores Orlando Alves da Silva (Portugal), Jean Pierre Roll e Regine Roll (França) para apresentarem os resultados de suas pesquisas.

Na abertura do Simpósio, o oftalmologista Dr. Paulo Sampaio, antigo colaborador nas pesquisas do Dr. Orlando Alves da Silva e seu ex-orientando em sua tese de doutorado, saudou os congressistas. Passou então a conduzir os trabalhos e os debates. Em seguida, o Prof. Dr. Jobair Ubiratan Aurélio da Silva – Chefe de Neurologia do CRDA proferiu a palestra Estrutura e Função do Sistema Proprioceptivo.

Posteriormente, o Prof. Orlando Alves da Silva, oftalmologista e chefe do Serviço Hospitalar do Hospital Universitário de Santa Maria – Lisboa, Presidente da Associação Portuguesa de Posturologia Clínica e Dislexia, Presidente do Grupo Português de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo encarregou-se de duas palestras: Síndrome do Déficit Postural e suas Implicações e Tratamento do Sistema Proprioceptivo nos quais mostrou a importância da prescrição de lentes prismáticas nos pacientes com dislexia e disfunção proprioceptiva.

Em sua mensagem relata que o Sistema Proprioceptivo funciona como um sexto sentido por informar ao cérebro quanto ao estado do corpo humano. Através dele conseguimos saber se nosso braço está estendido ou encolhido, mesmo quando não estamos olhando para ele. Ele integra e compatibiliza as informações recebidas pelos demais órgãos dos sentidos. (Gravações do Congresso)

Prof. Alves da Silva mostrou que pequenas contraturas da musculatura extrínseca ocular interferem na postura do paciente e no reconhecimento de partes do próprio corpo e sua relação espacial. Esta deficiência interfere nos movimentos do corpo como um todo e sua relação com o espaço ao redor. Movimentos de leitura, escrita, cálculos matemáticos podem ser prejudicados. Inconscientes do problema o paciente e seus familiares não entendem porque um indivíduo com inteligência média ou acima da média não consegue executar procedimentos considerados banais. Isso interfere na memória, na auto-estima e no relacionamento com os demais. As lentes prismáticas promovem o relaxamento do músculo afetado, refletindo diretamente sobre os outros músculos dos membros inferiores, superiores, tronco, musculatura do pescoço e da articulação têmporo-mandibular. (Gravações do Congresso)

Quanto a este aspecto, a Profa. Dra. Narcisa Pavan, odontóloga, especialista em DTM (Distúrbios Têmporo-Mandibulares) pela Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto e responsável pelo Setor de DTM do CRDA trouxe também o resultado de suas pesquisas dentro do tema: Distúrbios Têmporo- Mandibulares e Propriocepção.

Prosseguindo em sua fala, o Prof. Alves da Silva explica: Um oftalmologista clássico sabe receitar prismas para compensar um desvio ocular (estrabismo), mas não sabe prescrever prismas para corrigir o sistema proprioceptivo. Um óptico clássico sabe montar prismas para compensar um desvio, mas não sabe montar prismas para corrigir o sistema proprioceptivo. As técnicas de diagnóstico, de prescrição e de montagem são diferentes do clássico e exigem uma aprendizagem específica. (Gravações do Congresso)

O Oftalmologista do CRDA – Prof. Dr. Paulo Sampaio lembrou que outros captores não podem ser esquecidos.

Informa que o Oftalmologista especializado deve estar atento a outras necessidades do paciente. Além dos prismas podem ser úteis no tratamento o uso de palmilhas posturais e a intervenção do dentista especializado na correção dos distúrbios têmporo-mandibulares. (Gravações do Congresso). Lembra também que o mobiliário doméstico e escolar precisam ser revistos. Até os anos 60, as carteiras escolares e de estudo, no local onde se lê e escreve, tinham inclinação de 30 graus em relação ao solo. O número de maus leitores triplicou desde que o plano foi alterado para paralelo ao solo. O assento da carteira também mudou. O local de apoio dos pés também foi negligenciado. Tudo isso fez com que o aluno, quando sentado, busque posições de relaxamento muscular e, não as encontrando, movimenta-se o tempo todo, recebendo o apelido de “agitado” e/ou “distraído”. Passa-se o tempo e as dores e o cansaço físico trazem o desinteresse pela aula ou pelo estudo.

Esta questão da postura do aluno em sua longa permanência na sala de aula era, também, em anos anteriores, alvo de grande consideração por parte dos educadores: não só a postura corporal, mas, em especial, na hora da escrita, a posição do braço, antebraço, mãos e dedos – aspectos muito cuidados nas escolas em que se ensina a “caligrafia muscular”.

Os Oftalmologistas palestrantes disseram que podemos observar que, no que se refere aos sintomas físicos, a normalização é imediata e podemos perceber isso logo no momento da consulta. Em relação aos sintomas cognitivos é necessário algum tempo de maturação para se observarem os primeiros resultados. Isso pode demorar de algumas semanas a alguns meses. Em termos gerais, podemos verificar que aos 4 meses de tratamento, mais de 90% dos casos apresentam melhora, desde que tenham seguido a terapêutica recomendada. (Gravações do Congresso)

Os professores Drs. Jean Pierre Roll e Regine Roll, professores do Département de Neuroscience e do Laboratoire de Neurobiologie Humaine, Université de Provence – Marseille, France apresentaram, respectivamente, as palestras: O que significa a propriocepção nos dias atuais e Efeitos Motores de Longo Prazo – Métodos para a Reabilitação Postural. Mostraram os resultados no desenvolvimento de métodos de pesquisa para os sensores proprioceptivos da musculatura superficial e profunda e da própria pele. Eles comprovaram, através de métodos neurofisiológicos, que estes sensores proprioceptivos periféricos são dotados de algum tipo do que se pode chamar de “inteligência”, pois são capazes de reproduzir atividades e movimentos independentemente do sistema nervoso central.

Tais pesquisas reformulam propostas para tratamento futuro de pacientes com doenças neurológicas periféricas graves e paralisados.

Durante o Simpósio, teve lugar a inauguração do “Centro Multidisciplinar do CRDA”. A Profa. Maria Del Carmen Holler, chefe do setor de Psicopedagogia encerrou os trabalhos.

Como já dissemos acima, o CRDA é motivo de orgulho para todos nós, paulistas, e fazemos votos de grande prosperidade a esta instituição, aos seus diretores e participantes.

 

 

Recebido em: 02/09/2008
Aceito em: 04/10/2008

 

 

1 Prof. Titular do Instituto de Psicologia – Dep. de Psicologia Clínica: Área de Neuropsicologia. Membro da International Academy for Research in Learning Disabilities. Contato: Rua Tácito de Almeida, 180 – CEP 01251-010 – São Paulo, SP. Tel.: (11) 3862-4405. E-mail: elsa.antunha@terra.com.br
2 Prof. Dr. Assistente de Oftalmologia – FMABC e Chefe do Setor de Oftalmologia do Centro de Referência em Distúrbios de Aprendizagem – CRDA. Rua Estela, 96, conj. 21, 3º and. CEP 04011-000 – São Paulo, SP. Tel.: 5083-4266 e 5083-5598. Site: www.crda.com.br - E-mail: crda.aprendizagem@crda.com.br

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