RESENHAS

 

Elsa Lima Gonçalves Antunha¹

Cadeira 29 - Souza Pinto
Universidade de São Paulo

 

 

MEIRA. R.A. (2007) Folhas Soltas: Bioética e Meditações. São Paulo: Scortecci Editora.

Extremamente atual e oportuna a obra Folhas Soltas: Bioética e Meditações do Prof. Dr. Renato Afonso Meira.

É possuidor de um riquíssimo currículo do qual se destaca o título de Professor Titular do Departamento de Medicina Legal, Ética Médica e Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. De sua carreira é digno citar-se a obtenção (só concedida a três brasileiros) da condição de Milbank Faculty Fellow, através do que realizou seu Pos Doctoral Fellowship em 1968-69 na University of Kentucky Medical School, nos Estados Unidos da América. Também lhe foram outorgados muitos títulos e prêmios, como exemplo Prêmio Oscar Freire e Professor Emérito pela Congregação da Faculdade de Medicina da USP. Seus títulos se desdobram em outras realizações de altíssimo nível acadêmico e administrativo.

A par de todos os cargos que exerceu, nos últimos dezoito anos, voltou seu interesse para a Bioética, tendo sido um dos introdutores desse pensamento em São Paulo, ao fazer parte do Grupo Internacional de Bioética, reunido em La Plata, em 1989, e da Comissão Organizadora da Federação Latino-Americana de Instituições de Bioética (FELAIB), sendo seu primeiro Vice-Presidente. Foi fundador e Presidente, por sete anos, da Associação Brasileira de Ética Médica (ABRADEM) e sócio-fundador da Sociedade Brasileira de Bioética de São Paulo.

Encanta, em seu livro, a forma profundamente ética, como não poderia deixar de ser, com que trata de temas que envolvem delicadeza e aprofundamento de apresentação: abortamento, crianças e adolescentes vitimizados, o adeus à vida, transplantes e outros.

Sem deixar de lado nenhum aspecto, por mais grave que o seja, e sem fazer nenhuma concessão: explora-o detalhadamente, mas jamais afirmando o que deva ou não ser aceito. Sua visão culturalista o leva, como diz o título da obra aqui resenhada, a meditações sobre a saúde, a vida e a morte com o intuito de que os leitores comuns e a comunidade científica busquem a compreensão da sociedade em que vivem e pautem sua conduta, levando em conta os valores e as emoções daqueles envolvidos em situações complicadas, quando, pelo inesperado do momento, torna-se difícil encontrar uma solução.

Assim, bioética, para o autor, não é assunto exclusivo de especialistas, autoridades e mesmo de filósofos, mas do homem comum, que deve colocar no seu dia-a-dia a condição humana, a sua e a do outro, com empatia e compaixão; por isso, rechaça o autor a tendência em transformar a bioética em uma disciplina escolar, com regras estanques e orientações pré-estabelecidas, roubando ao indivíduo comum a capacidade de meditar e decidir.

Sem pertencer a este ou àquele plano de atividade profissional, a bioética é, a seu ver, matéria transdisciplinar com a finalidade do alcance do ideal social.

A própria estrutura desta obra é uma demonstração do espírito do autor, pois cede lugar, em seus vários capítulos, à posição de outros autores com quem fez parceria na presente publicação e que também o fez em toda sua longa vida profissional. Entre os autores citam-se Raul Marino Junior, Luis Magano, Gilka Jorge Figaro Gattaz e a enfermeira Carolina Padrão Amorim. Um destaque especial é dado a José Alberto Mainetti da Universidad Nacional de la Plata, que foi quem introduziu o Autor neste campo. O sumário do livro inicia-se pela descrição do desenvolvimento da bioética na América Latina seguido de aspectos gerais sobre a sua razão, seu entendimento e suas vertentes.

Passa depois a temas do cotidiano, com capítulos especiais, entre eles: O direito de negar em que levanta a questão da autonomia, por um lado, do médico, de indicar ao cliente o que considera o melhor para ele; por outro lado, a autoridade deste, de rejeitar esta orientação. Diz o Prof. Meira: A autonomia é tanto da pessoa quanto do médico. Se o cliente diz não, nada mais resta ao médico. Eticamente só cabe a ele oferecer a alta, a pedido, seja no hospital, seja no consultório, no ambulatório e apenas registrar o fato, com testemunha, no prontuário do paciente.

No mesmo sentido, seguem-se outros temas de igual dramaticidade, polêmicos aspectos como o amor materno, o limite da ciência e o adeus à vida, quer pelo suicídio, quer pela renúncia à sugestão de tratamento que, pela sua natureza atentem contra suas noções de autogovernança, liberdade, direito à privacidade, à escolha individual e à possibilidade de seguir seus desejos.

Seguem-se capítulos sobre outros aspectos igualmente polêmicos e atuais da vida humana: Cesárea - decisão do obstetra ou da gestante; abortamento: é preciso repensar; a criança de rua; o envelhecer. Na página 275, o Autor estende-se na questão da bioética entre a razão e a fé, esclarecendo que o primeiro conceito é determinado pelos conhecimentos científicos e a fé, pelas crendices populares: a fé e a razão são como as duas asas com as quais o espírito humano se eleva até a contemplação da verdade e cita, então, C. Pavan ao falar sobre Intervir na natureza ou nos valores da humanidade: "São duas concepções independentes, a meu ver não divergentes, mas, sim, paralelas, que não precisam, necessariamente ter atritos".

Dois outros aspectos têm relevo nesta publicação: 1) a farta documentação sobre aspectos jurídicos, declarações, jurisdições; 2) a farta bibliografia que se refere à lista dos livros e artigos de revistas ou outras publicações que criaram meu pensamento diz o Autor, acrescido da citação de referências ao final do capítulo.

É um livro de leitura fácil pelo interesse que promove, pela identificação do leitor com temas que lhe dizem respeito e pelo constante convite à meditação sobre a grandeza da vida humana e também pelas suas vicissitudes. Deve ser lido pelo médico e pelo paciente, pelo pai e pelo filho, pelo governante e pelo cidadão comum e pelo psicólogo e seu cliente.

 

 

Recebido em: 15/01/2009
Aceito em: 27/02/2009

 

 

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