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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
versão impressa ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.39 no.96 São Paulo jan./jun. 2019
TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO
Estudos em psicologia sobre morte, luto, religião e espiritualidade: uma revisão da literatura brasileira
Studies in psychology on death, mourning, religion and spirituality: a review brazilian literature
Estudios en psicología sobre muerte, luto, religión y espiritualidad: una revisión de la literatura brasileña
Sergio Lucas Camara1; Marlise A. Bassani2
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
RESUMO
O objetivo deste estudo é apresentar uma análise sobre a publicação de artigos em psicologia que abordam religião e espiritualidade em relação à morte e ao luto, a partir de uma revisão da literatura realizada na plataforma da BVS-Psi. Foram selecionados artigos publicados no Brasil, no período de 2011 a 2016, em periódicos cuja avaliação Qualis/CAPES correspondesse aos níveis A1, A2, B1 e B2, com a participação de, pelo menos, um psicólogo entre os autores. Nos últimos anos, observa-se um crescente número de pesquisas sobre o tema da morte e do luto em psicologia no Brasil e, também, um interesse maior pelo tema da religião e da espiritualidade. Entretanto, muitos pesquisadores que se interessam por estudar morte/luto não se interessam pela religião/espiritualidade, da mesma forma que os estudos em psicologia da religião não se debruçam diretamente sobre o tema da morte e do luto. De um apanhado inicial de 422 artigos, restaram apenas seis para análise, cujos resultados, entre outros aspectos, apontam a necessidade de mais estudos que tratem da interface entre psicologia e religião/espiritualidade. Dentro das muitas possibilidades, há necessidade de conciliar estudos sobre morte/luto com espiritualidade/religião, principalmente na realidade brasileira, onde a espiritualidade/religião são características fortes da população. O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Brasil - Código de Financiamento 001.
Palavras-chave: Morte, luto, religião, espiritualidade.
ABSTRACT
The present study aims to present an analysis of articles on psychology regarding religion and spirituality relating to death and mourning, based on a literature review carried out on the BVS-Psi platform. Articles published in Brazil within the period from 2011 to 2016 were selected, from Qualis/CAPES A1, A2, B1 and B2 publications, which had at least one psychologist as one of the authors. In recent years, there has been an increasing number of psychology researches concerning death and mourning in Brazil, as well as a greater interest in topics like religion and spirituality. However, many researchers who are interested in studying death / mourning are not interested in religion / spirituality, in the same way that studies in religion psychology do not focus directly on death and mourning. From an initial collection of 422 articles, only six remained for analysis, whose results, among other aspects, point to the need of more studies regarding the interface between psychology and religion / spirituality. Within the many possibilities, there is a need to reconcile studies on death / mourning with spirituality / religion, especially in the Brazilian reality, where spirituality / religion are strong characteristics of the population. The present study was financed in part by the Nacional Council for Scientific and Technological Development (CNPq) - Brazil - Financing Code 001
Keywords: Death, mourning, religion, spirituality.
RESUMEN
El objetivo del presente estudio es un análisis sobre las publicaciones de artículos que tratan de religión y espiritualidad con relación a la muerte y al duelo, partiendo de una revisión de la literatura en la plataforma BVS-Psi, seleccionamos artículos publicados en Brasil de 2011 a 2016, en periódicos evaluados por la Qualis/CAPES que corresponden a los niveles A1,A2,B1 e B2 con la participación de por lo menos un psicólogo entre los autores. En los últimos años se ha observado en Brasil, un número mayor de investigaciones que tratan sobre la muerte y el duelo en psicología, también existe un mayor interés en investigar sobre la religión y espiritualidad. Mientras muchos investigadores, que se interesan en por estudiar muerte/duelo no se interesan por estudiar religión/espiritualidad de la misma manera, que los estudios en psicología de la religión no profundizan directamente el tema de la muerte y el duelo. De una relación inicial de 422 trabajos catalogados, seleccionamos seis que atendían nuestro objetivo, concluimos que entre otros aspectos existe la necesidad de generar más estudios que vinculen la psicología religión/espiritualidad. Dentro de las muchas posibilidades, está la necesidad de conciliar estudios sobre muerte/duelo con espiritualidad/religión, principalmente en la realidad brasileña, donde la espiritualidad / religión son características fuertes de la población. El presente trabajo fue realizado con apoyo de la Consejo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico (CNPq) - Brasil - Código de Financiamiento 001.
Palabras clave: Muerte, duelo, religión, espiritualidad
Introdução
A crescente produção de artigos em psicologia nos últimos anos tem proporcionado a necessidade de frequentes trabalhos de revisão. A revisão apresenta várias vantagens, entre as quais, destaca-se a possibilidade de perceber como alguns temas vem sendo abordados nos estudos. Além disso, o trabalho de revisão mostra a frequência de investigações sobre determinados assuntos e ainda possibilita a identificação de lacunas ainda existentes em torno desses assuntos. A proposta desse tipo de trabalho deve considerar que não existe uma única forma de se fazer pesquisa de revisão, o que amplia ainda mais o universo da investigação e obriga cada trabalho a uma descrição mais clara sobre o objetivo e, principalmente, sobre o método. No caso do presente trabalho, o interesse foi por pesquisas sobre morte/luto, que abordam a relação entre psicologia e espiritualidade/religião. É verdade que o tema da morte tem sido alvo de interesse de muitas áreas de pesquisa, entre as quais se inclui a psicologia e, nem por isso, deixa de causar estranheza em algumas pessoas. O tema da morte sempre esteve próximo do nosso cotidiano, ainda que de forma indesejada. Essa proximidade mostra-se em movimento crescente, principalmente nos tempos atuais, com a explosão de notícias em torno da morte, quer seja pelas guerras em países distantes, pela violência tão próxima de nós na realidade brasileira e até mesmo nos noticiários sobre o falecimento de pessoas famosas, com quem construímos, sem que não as conheçamos pessoalmente, uma relação afetiva. Certamente, a forma como hoje vemos a morte é diferente de como ela era vista décadas atrás, o esqueleto vestido de preto com a foice na mão foi morto para dar lugar a tantas outras imagens ameaçadoras à vida humana, como a comida rápida e gordurosa, o consumo de álcool e drogas, o comportamento sexual promíscuo e mesmo a falta de exercícios físicos, que se tornam uma temerosa ameaça à vida humana (Bauman, 1998). Com suas várias máscaras o tema da morte é objeto de interessantes e diversificadas formas de estudo, em diversas áreas da construção do conhecimento. Caminhando ao lado desses estudos, e muitas vezes fazendo um entrelaçamento, encontramos também artigos que tratam do luto, que pode ser classificado basicamente como normal ou complicado. As atitudes humanas diante da morte se alteram de acordo com o contexto social, histórico e cultural. Na realidade atual, a morte como consequência do adoecimento grave está confinada à uma cama hospitalar, quando em outras épocas ela acontecia no ambiente familiar (Ariès, 2003). Em todo caso, sabemos que o olhar para o paciente terminal pode despertar iniciativas que proporcionam mais alívio e conforto àqueles que estão morrendo, pois eles nos comunicam muitas coisas nessa fase final da vida (Kübler-Ross, 2008) e é importante que possamos dar voz às pessoas nessa situação e não somente a ela, mas também aos seus familiares (Franco, 2016). Logo, não é apenas o doente terminal que precisa de atenção, os familiares carecem de compreensão e apoio, no momento de despedida e também depois que a morte acontece, pois, eles entrarão num processo permeado de vários sentimentos que se mesclam e se substituem, formando o que chamamos de luto (Parkes, 1998). Sobre a atenção aos enlutados, estudos mostram que existem diferentes maneiras de pensar a experiência (Franco, 2010)a questão das perdas em instituições de saúde, o atendimento ao enlutado, a morte no contexto escolar, as consequências psicológicas do abrigamento precoce, as possibilidades de intervenção com crianças deprimidas pela perda e a preservação dos vínculos na separação conjugal."," ISBN":"978-85-323-0708-8","language":"Português"," editor":[{"family":"Franco","given":"Maria Helena Pereira"}],"author":[{"family":"Franco","given":" Maria Helena Pereira"}],"issued":{"date-parts":[[" 2010",1,1]]}}}],"schema":"https://github.com/ citation-style-language/schema/raw/master/csl-citation. json"} , assim como não existe uma única forma de prestar cuidado a alguém que apresenta dificuldade no processo de elaboração do luto. O luto é uma experiência complexa, as lembranças do falecido fazem emergir sentimentos importantes que não devem ser desprezados ou rejeitados, pois é no contato com esses sentimentos que encontramos a possibilidade de elaboração da perda de forma mais saudável, apesar das dores que a pessoa deverá enfrentar. Nos primórdios da psicanálise encontramos a ideia de que a pessoa enlutada tinha necessidade de redirecionar para outros objetos o interesse que alimentava pela pessoa perdida (Freud, 2012). Com o avanço das pesquisas na área, hoje podemos falar de diferentes formas de vivência do luto e é importante que profissionais da área da saúde em geral, principalmente psicólogos, possam aprofundar o conhecimento sobre o assunto para prestarem um serviço melhor àqueles que necessitam de apoio. Nos últimos anos, muitos profissionais, ao acompanharem pessoas enlutadas, já não se apoiam na ideia freudiana de desinvestimento no objeto perdido; ao contrário, dão suporte para que a pessoa possa entrar em contato com a perda, ao mesmo tempo em que também se direciona para outras coisas da vida, num movimento de oscilação conhecido como Modelo do Processo Dual (Stroebe & Schut, 1999). A compreensão do luto na perspectiva do Modelo do Processo Dual vem sendo adotada na prática clínica de muitos psicólogos no Brasil. Trata-se de um processo dinâmico e um enfrentamento adaptativo, que considera o estresse da perda e também da restauração. Mas o trabalho do psicólogo, no entanto, não começa apenas após a morte. Desde o momento em que uma enfermidade grave se intensifica e a ameaça à vida torna-se mais evidente, o grito de socorro pode ecoar em nossos atendimentos.
Conforme apontam as pesquisas, psicólogos recebem pedidos de atendimento quando pacientes, familiares e membros das equipes de saúde são mobilizados por sentimentos e sensações perturbadoras (Sebastiani & Biaggi, 2016). Psicólogos que trabalham em Unidades de Terapia Intensiva conhecem bem o impacto emocional da situação, sendo possível a ocorrência do óbito do paciente durante a visita dos familiares ou imediatamente após a visita. Sebastiani e Biaggi (2016) ressaltam a Psicoterapia Breve de Emergência, como um método para intervenção psicológica nessas situações, considerando que a ameaça à vida incorre no perigo iminente de desestabilização emocional e a atuação do psicólogo tem a intenção de obter um grau de alívio o mais rápido possível. Um dos objetivos dessa intervenção é utilizar técnicas psicológicas que ampliem a conscientização do paciente diante do ambiente estressor, levando em conta os recursos internos dos quais ele dispõe. Essa situação ilustra bem uma das razões pelas quais a psicologia vem apresentando um movimento crescente de interesse pela temática da morte, cujas perspectivas refletem-se em expandir as possibilidades de atuação tanto dos psicólogos quanto de outros profissionais da área da saúde. A clareza com que desvelamos cada vez mais a complexidade da situação expõe a necessidade de atentarmos para outros atores do cenário atual que também lidam com a morte e o luto e que esses reconheçam o valor desses estudos e relacionem tais avanços às suas práticas específicas, como é o caso das lideranças religiosas, em geral, e especificamente dos padres católicos que contam com orientações rituais objetivas para atuação diante da morte. O fato é que o adoecimento grave, a morte e o luto são experiências humanas que em si mesmas demandam muita atenção e cuidado para com aquelas pessoas que estão emocionalmente envolvidas no evento, quer se trate da própria pessoa doente dou dos que a ela estão ligados por laços afetivos. É nesse contexto que, entre os tipos de ajuda a serem ofertados, podemos citar o suporte religioso às pessoas enlutadas (Parkes, 1998). A religião, em muitos casos, sempre foi uma forma tradicional à qual as pessoas recorriam, antes mesmo dos avanços da psicologia. Entretanto, mesmo podendo contribuir, não devemos ignorar a desconfiança de muitos pesquisadores, uma vez que nem todos os efeitos da religião são positivos. Devemos considerar a possibilidade de que certas crenças espirituais e religiosas possam piorar os problemas apresentados pelo paciente no caso de tratamento médico ((Koenig, 2005). Essa preocupação deve ser extensiva também à prática clínica da psicologia. Quando incluímos a religião/espiritualidade no atendimento em situação de morte, o cuidado deve ser ampliado, pois trata-se de uma situação que por si mesma exige um preparo de todos os que se dispõem aos cuidados com pacientes gravemente enfermos, terminais e também enlutados. Respeitadas as limitações de cada pessoa, encontramos muitos religiosos que podem oferecer apoio nessa situação, sem pressionar a pessoa a sair da experiência de dor. Podemos, portanto, considerar essas duas formas de suporte a pessoas que apresentam grande dificuldade de lidar com a morte de um ente querido: o psicológico e o religioso. Assim sendo, entre os diversos cuidados prestados em situação de morte, a escuta clínica psicológica pode e deve estar atenta às crenças espirituais apresentadas pelo paciente. Em muitos casos é possível que o serviço psicológico seja compartilhado com o apoio religioso e espiritual (Kovács, 2007).
A consideração sobre essas duas modalidades de suporte desperta o interesse por estudar as possibilidades de relação entre psicologia e religião, quando o assunto é morte e luto. Contemplando a interface entre essas duas áreas do conhecimento, realizamos este estudo com o objetivo de apresentar um olhar crítico sobre as publicações de artigos em psicologia que abordam religião e espiritualidade em relação à morte ao luto, principalmente na perspectiva do cristianismo católico. Afinal, como os estudos em psicologia consideram a religião e a espiritualidade da pessoa que vivencia uma situação de morte e luto? Existem estudos que apresentam essa relação referindo-se especificamente ao catolicismo? Certamente, nem todas as pessoas demonstram necessidade de adentrar na esfera da religião/espiritualidade quando enfrentam momentos difíceis, mas num país cuja população se diz maciçamente religiosa, o quadro é diferente. Embora os dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas indiquem um declínio do catolicismo nas últimas décadas, devemos considerar uma porção bastante razoável da população brasileira identificada com o cristianismo católico, uma vez que entre os mais de 80% que se declaram cristãos na população brasileira, mais de 60% se dizem católicos, conforme o último recenciamento demográfico, realizado em 2010.
Método
Para iniciar o processo de busca pelos artigos desejados, seguimos os passos a partir da definição dos descritores a serem utilizados e também de alguns critérios de seleção a serem aplicados aos artigos encontrados com esses descritores (Bassani, 2015). A pesquisa se deu na plataforma on-line da Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia (BVS-Psi), integrada à Scientific Eletronic Library Online (SciELO). Essa plataforma tem uma considerável abrangência de publicações e atingiu altos níveis nos anos de 2015 e 2016, principalmente no que se refere à publicação de artigos científicos.
1. Coleta de dados e resultados
Inicialmente, foram lançadas as palavras "psicologia", "religião", "espiritualidade", "luto" e "morte", com diversos agrupamentos entre essas palavras. O objetivo era localizar artigos publicados no Brasil, escritos originalmente em português, que tivessem pelo menos um psicólogo entre os autores, em periódicos com avaliação Qualis/CAPES num dos seguintes níveis: A1, A2, B1 e B2. O critério temporal das publicações correspondeu ao período de 2011 a 2016. Esses descritores, inicialmente adotados, demonstraram-se insuficientes para alcançar os objetivos, uma vez que a referência à religião/espiritualidade ficava muito abrangente e corria-se o risco de não localizar artigos que utilizassem expressões mais específicas do cristianismo católico. Foram incluídos novos descritores e a feita a reformulação dos agrupamentos. As novas expressões acrescidas foram: "ritual", "padres", "catolicismo", "presbíteros", "sacerdotes" e "Igreja Católica". A busca realizada com os novos descritores resultou num achado de 422 artigos. Essa descoberta em princípio parece muito razoável, porém, apesar da insistência na utilização de palavras que pudessem ampliar a busca de artigos no Brasil que fizessem referência à denominação católica do cristianismo, na área da psicologia, não foram localizadas pesquisas que tratassem especificamente de uma denominação religiosa entre as selecionas. Entretanto, com outros objetivos, foram identificados na plataforma artigos que abordam a relação entre psicologia, religião e espiritualidade em diversas expressões religiosas articuladas a diferentes experiências, mas não à situação de morte.
A partir desse achado foram aplicados, passo-a -passo, os critérios para seleção dos artigos. Primeiramente, foram selecionados os artigos pelo critério temporal e restaram 149 artigos publicados entre 2011 e 2016. O critério temporal revelou que mais de um terço dos artigos foram publicados nos últimos seis anos, o que é extremamente relevante, se considerarmos entre os 422 artigos localizados, há publicações da década de 1980. Portanto o interesse pelo tema da religião/espiritualidade teve um considerável crescimento nesses últimos anos. Com a leitura dos resumos, foram selecionados os artigos que apresentavam alguma relação entre as temáticas da morte/luto com a religião/espiritualidade e aplicado o critério de classificação do periódico no qual o artigo foi publicado.
Nessa etapa, chamou a atenção a ausência de artigos que fizessem referência exclusiva ao cristianismo católico, porém os trabalhos continuaram. O resultado da aplicação desses critérios foi um conjunto de apenas seis artigos para serem analisados, conforme apresentamos de forma resumida na figura a seguir:
2. Análise dos dados
Para os procedimentos de análise foram definidas três categorias: características de identificação, características metodológicas e características de conteúdo.
1a. Categoria de Análise: Características de identificação
A primeira categoria de análise, referente à identificação, foi dividida em cinco subcategorias: autor, local da pesquisa, instituição dos pesquisadores, periódico e fluxo das publicações.
a) Identificação dos autores – essa categoria permitiu identificar a parceria realizada na elaboração das pesquisas, considerando a importância do trabalho multidisciplinar. Além disso, apontou que outros profissionais se interessam pelo tema da morte e religião. Dos seis artigos selecionados, quatro foram produzidos apenas por psicólogos, os outros dois contaram com a parceria de um estudante de psicologia num e de dois médicos no outro, sendo um dos profissionais médicos, identificado como psiquiatra. O estudante que participou da elaboração de um artigo está na iniciação científica, mas também está na área da psicologia. Logo, apenas um dos artigos teve a participação de outros profissionais, médicos. Esse dado leva-nos a refletir sobre a importância do trabalho multidisciplinar entre profissionais da área da saúde, especificamente a psicologia e religiosos, uma vez que o tema da religião está entre os interesses da pesquisa.
b) Local de realização da pesquisa – com essa categoria podemos perceber em que regiões o tema aparece com mais evidência. Das cinco regiões geográficas brasileiras, duas não foram encontradas como local de produção das pesquisas: a região Norte e Centro-Oeste. Dois artigos foram produzidos no Nordeste, um na região Sul e três na região Sudeste, destacando São Paulo, como único local a produzir mais de um artigo. A ausência de artigos na região Norte e Centro-Oeste pode ter várias razões, mas seriam necessárias outras pesquisas que levantassem a situação de realização de trabalhos nessas regiões para podermos perceber com mais clareza se nessas regiões a produção científica é menor que nas demais do país.
c) Instituição à qual pertencem os autores – Uma vez que alguns artigos foram escritos por mais de um autor, foram identificados 14 autores para os seis artigos selecionados. Esses autores pertencem a oito instituições de ensino, sendo cinco vinculados a instituições públicas e três pertencentes a instituições particulares, duas das quais são confessionais católicas. Esses dados levam-nos a pensar no incentivo necessário às instituições particulares para pesquisa e publicação, embora os números não sejam suficientes para afirmarmos a carência de pesquisa nessas instituições. Chama atenção o fato de que os trabalhos realizados por pesquisadores vinculados a instituições confessionais não fazem referência àquela religião específica. Podemos pensar na liberdade dada aos pesquisadores como um fator positivo aplicado pelas instituições. Por outro lado, esse dado corrobora para a falta de pesquisas que tratem de questões religiosas ligadas a uma religião.
d) Periódicos das publicações – com essa categoria de análise podemos obter informações sobre os níveis nos quais se encontram artigos que debatem os temas em questão. Certamente quanto mais elevado for a classificação do periódico, mais exigências são impostas para a publicação, dentre a lista composta de oito níveis de qualificação. De acordo com o resultado desta pesquisa, podemos dizer que entre os autores que se interessam pelo tema da morte/ luto e fazem alguma referência à religião/espiritualidade produzem trabalhos de alto nível, uma vez que dos seis localizados, dois se encontram no extrato mais elevado, A1, três no extrato A2. Essas informações dão otimismo quanto ao nível de publicações sobre o assunto.
e) Fluxo das publicações – nessa categoria podemos perceber a frequência a publicações e isso também nos remete a uma visão do quanto o assunto pode ou não estar na pauta dos interesses de pesquisadores em determinados períodos. De acordo com os resultados, as publicações se deram durante quatro anos consecutivos. Não foram localizadas publicações para o primeiro e último anos do período aqui determinado, 2011 a 2016. Sobre o número de pesquisas num período, é preciso considerar a influência de fatores externos que podem incentivar ou levar a perda de interesse por determinados assuntos. Uma pesquisa sobre psicologia e religião no Brasil (Paiva et al., 2009) mostra que o decréscimo de publicações num período específico estava associado à situação política do país. Assim, devemos ter claro que alguns assuntos podem atrair o interesse de pesquisadores numa época e não no momento seguinte, podendo voltar à pauta em outros momentos. No caso desta pesquisa, levando em consideração a contemplação do aspecto religioso e espiritual, é importante lembrar que o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, sexta região, promoveu durante o ano de 2015 uma sequência de seminários sobre psicologia e religião, com participação de pesquisadores de todo o país. Essa iniciativa resultou num apanhado de mais de 90 artigos escritos em apenas um ano e que foram publicados em três volumes pelo CRP-SP, ao final de 2016. É possível que entre o material coletado pelo CRP, alguns artigos tivessem sido submetidos à publicação nos periódicos indexados na plataforma da BVS-Psi. No entanto, uma vez que muitos autores se concentraram nos seminários do CRP-SP, certamente esses artigos não foram encaminhados para publicação em periódicos e, portanto, não contemplam os critérios de seleção deste trabalho.
2a. Categoria de análise - Características metodológicas
Nessa categoria analisamos quais pesquisas foram realizadas adotando os métodos quantitativos, qualitativos e mistos e também a identificação dos instrumentos para a coleta de dados. Apenas um dos artigos selecionados utilizou o método quantitativo, com aplicação de dois instrumentos, o Inventário COPE e a Entrevista Coping Motivacional (Cravinho & Cunha, 2015). Como esperado, no caso da utilização de instrumentos em pesquisas relacionadas à situação de morte, o material utilizado diz respeito ao "enfrentamento". É possível que muitas pesquisas quantitativas relacionada à religião e espiritualidade também recorram a instrumentos que refiram ao enfrentamento, ou seja, tudo indica haver uma convergência para o enfrentamento entre pesquisas que envolvem a situação de morte, quando fazem referência à religião/espiritualidade, da mesma forma que pesquisas sobre religião/espiritualidade quando relacionadas à situação de morte, fazem referência ao enfrentamento, o que, para alguns pesquisadores, viabiliza a utilização de instrumentos adequados ao método quantitativo, como os citados acima. Três das pesquisas localizadas utilizaram o método qualitativo, sendo que em duas pesquisas (Freitas & Michel, 2014; Veras & Moreira, 2012) foram utilizadas entrevistas fenomenológicas e uma pesquisa (Melo, Zeni, Costa, & Fava, 2013) tratou de estudo de caso. Esse dado leva-nos a refletir quais abordagens psicológicas são mais utilizadas em pesquisas que tratem tanto o tema da morte/luto, como o tema da religião/ espiritualidade.
Considerando muitos artigos que foram descartados por não preencherem todos os critérios de seleção, podemos afirmar que a fenomenologia é uma das bases epistemológicas à qual recorrem muitos pesquisadores interessados em assuntos relativos à morte e religião. Chama a atenção a predominância de pesquisas qualitativas, como uma forma de abordar uma rica compreensão sobre a situação de morte e também sobre assuntos ligados à religião. Duas das pesquisas selecionadas (Magalhães, Gonçalves, Sawaguchi, Taba, & Faria, 2012; Rocha, 2014) não se definem necessariamente como qualitativas ou quantitativas, uma vez que são pesquisas teóricoconceituais, nas quais o interesse se debruça sobre conceitos, o que não compromete a importância das mesmas. Não foram localizadas pesquisas com método misto.
3a. Categoria de análise – Características de conteúdo
A análise de conteúdo é muito rica e pode oferecer muitas chaves de compreensão de um determinado assunto, a partir de olhares diversificados e específicos. Entre os artigos selecionados nessa amostra, o foco de um deles dirigiu-se a equipe de profissionais que lidam diretamente com a situação de morte. Nesse caso, em vez do paciente, o olhar dos pesquisadores voltou-se à equipe de enfermagem que convive diariamente com a morte fetal (Cravinho & Cunha, 2015). A situação desse artigo, que está entre os selecionados, aproxima-se de outro estudo recentemente desenvolvido no campo da bioética, que faz menção ao agir médico em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal com crianças extremamente prematuras. O pesquisador desse último trabalho faz clara defesa da dignidade das crianças e também do respeito e importância da espiritualidade dos pais que estão prestes a perder o filho recém- nascido (Vale, 2019). A pesquisa sobre o agir médico, embora recente, não se incluiria no escopo do presente trabalho pelo fato de não ter sido desenvolvida por algum profissional psicólogo. No entanto, em ambos os casos, um que relata o impacto da morte nos profissionais de enfermagem e outro que se debruça sobre a atuação do médico, encontramos com clareza pontos convergentes entre situação de morte e religiosidade/espiritualidade, que sinalizam o quanto devemos estar atentos à importância dessa relação. Nossa análise de conteúdo percorreu as produções selecionadas, cujos objetivos são acompanhados de uma rica produção de conteúdo que amplia e aprofunda a compreensão sobre morte, luto, religião e espiritualidade, o que pode ser facilmente observado nos resumos organizados na figura a seguir:
A análise de conteúdo considerou a forma como a religião/espiritualidade foi abordada na relação com a morte/luto. Duas pesquisas aprofundaram as questões teórico-conceituais. Uma, na perspectiva de entendimento do fundamentalismo religioso e outra, na perspectiva do envelhecimento e proximidade da morte com relação à cultura religiosa. São artigos que apresentam um rico conteúdo e colaboram com o processo de psicoterapia, mas não exploram exatamente a dimensão da espiritualidade e religião em situação de morte em si mesma. Três artigos utilizaram instrumentos, o que enfatiza a importância de utilização de entrevista, questionários e também testes que possibilitam uma compreensão mais clara sobre a vivência da religião e espiritualidade nas pesquisas. Nenhum estudo apresentou aspectos negativos da religião/espiritualidade com relação à morte, mas também não houve um aprofundamento dessa dimensão, ela surge mais como um item da entrevista ou questionário, ou mesmo a partir da narrativa dos participantes. Do ponto de vista dos pesquisadores, o assunto foi acolhido, porém não explorado. Chamou nossa atenção o fato de a espiritualidade/ religiosidade surgirem e não serem aprofundadas, o que pode estar relacionado ao receio e desconfiança presentes nos meios científicos, quando o trabalho esbarra com o transcendente, que é próprio da experiência espiritual e religiosa. É considerando esse possível receio que destacamos o trabalho de Vale (2019), que não se esquiva, mas aborda de forma clara a importância da dimensão espiritual dos pais e das crianças internadas na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Esse autor, em referência à Ética da Virtude, fala que o prematuro extremo, mesmo diante do limite da vida, que parece tão próximo, continua sendo uma pessoa em todos os seus aspectos e o suporte espiritual deve ser garantido como uma resposta à sua necessidade fundamental, como um direito que não pode ser desconsiderado. Também para os pais, devido à perda de significado, sentido e esperança, pode-se falar em sofrimento e crise espiritual, vivenciados como uma sensação de abandono por parte de Deus e de tantos questionamentos profundos sobre as suas estruturas de crença que lhe dão força. A espiritualidade deve ser considerada como um dos sinais vitais, de modo que é importante que o médico seja capaz de identificar e reagir aos aspectos da espiritualidade que se apresentam na situação. Nesse sentido, o autor defende ainda o cuidado espiritual, como parte integrante dos cuidados paliativos, e afirma ser fundamental alimentar a fé que aponta para o caminho que responde a ansiedade sobre o destino do bebê, a esperança que ajuda a perseverar nesse caminho e a caridade como necessidade universal que confia aquele que está morrendo ao amor de Deus. A proposta desse autor, construída no terreno da pesquisa cristã, aproxima-se da realidade religiosa brasileira, o que a torna relevante neste estudo.
Discussão
Entre os muitos dados que chamam atenção nas pesquisas sobre situação de morte, que aproximam a psicologia da religião/espiritualidade, destacamos inicialmente neste trabalho o recente e crescente interesse dos pesquisadores psicólogos. Do total inicial de 422 artigos localizados na plataforma da BVS-Psi, 149 foram publicados no período de 2011 a 2016, ou seja, mais de 35% do material lançado na plataforma, com os descritores definidos nesta pesquisa. Esse dado aponta para um importante crescimento de pesquisas relacionadas aos temas aqui destacados. Ainda sobre esse aspecto, podemos afirmar que algumas expressões são mais utilizadas que outras. Observa-se que são publicados mais artigos relacionando "psicologia e morte" (40 artigos), do que com o binômio "psicologia e luto" (8 artigos). Chama a atenção o fato de a expressão "morte" ou mesmo o interesse pelo tema da morte seja mais frequente do que pelo luto. O mesmo também foi observado quanto ao uso das expressões "religião" e "espiritualidade": foram 39 artigos sobre "psicologia e religião" e apenas 19 com os descritores "psicologia e espiritualidade". Em todos os artigos destaca-se a referência à dificuldade contemporânea para lidar com a morte, diferente do comportamento de outras épocas, quando o evento era encarado como natural e até esperado, imerso no ambiente familiar (Ariès, 2003). O deslocamento do lugar da morte para o hospital, como acontece atualmente, parece não contribuir muito para que as pessoas aceitem com mais a situação. De certa forma, podemos pensar num processo de anos, no qual naturalmente as pessoas aprendiam a lidar com a morte e, nos casos de adoecimento prolongado e grave, a morte era familiar, acompanhada por todos os membros do núcleo. Aos poucos ela foi afastada e, principalmente, as crianças e os mais jovens são "poupados" do contato com a debilitação física extrema e a morte. constitui-se, assim, uma lacuna no aprendizado, não se aprende a lidar com a morte, ela é quase reduzida a uma notícia e aos rituais de sepultamento e cremação, nos quais também se repete a atitude protetora de não deixar que todos participem. Em meio a esse processo de aprendizado e "desaprendizado", surge a proposta de uma educação para a morte, que considera todo o contexto atual no qual ela, a morte, se insere. Um novo aprendizado sobre algo tão antigo quanto a própria existência humana, que considera diferentes aspectos da situação, como a dor da mãe que perde o filho, o sofrimento de profissionais que estão em constante contato com a morte, a dificuldade de aceitação daqueles que estão em fase terminal, bem como de seus respectivos familiares. Torna-se evidente a necessidade de apoio que as pessoas revelam e, às vezes, alguns profissionais de saúde também são incompreendidos. A ausência de prática religiosa também pode estar relacionada à dificuldade de elaboração do luto. Acreditar num ser superior que acolhe a pessoa amada, é para muitos o conforto suficiente para dar conta da situação e não apenas em relação aos que morreram, mas também como força necessária para que os enlutados possam dar continuidade à própria vida. Nesse sentido, uma das pesquisas aponta com clareza a religiosidade de profissionais de saúde, como sendo uma das grandes bases para suportar a dor. O resgate da escuta da fala do moribundo (Kübler-Ross, 2008) é uma atitude muito útil que faz bem não apenas àqueles que estão morrendo. É também necessário que profissionais de saúde, tendo clareza da irreversibilidade da situação, não ignorem aquilo que os pacientes querem manifestar, pois suas dores, angústias, tristeza e tantas outras emoções vividas nesse momento, podem ser compartilhadas, só é preciso abrir o espaço para esse compartilhamento. Nesse sentido, os profissionais de saúde, principalmente psicólogos que atuam em hospitais, podem facilitar a realização dos rituais de despedida e ajudar naquilo que for mais significativo para o moribundo e seus familiares, sempre com respeito à vontade do paciente terminal e de seus familiares. Especificamente sobre religião e espiritualidade, a indicação para que se faça o convite ao líder religioso da denominação à qual pertence a família e o paciente, pode ser uma forma de trazer algum conforto para aqueles que se encontram em situação de morte. Apesar dessa possibilidade, os artigos selecionados não exploraram esse aspecto, o que significa uma das lacunas existentes nas pesquisas sobre o assunto. O conhecimento sobre as práticas religiosas do paciente e seus familiares é importante, inclusive para que se possa evitar algum comentário despretensioso que ofenda a crença daqueles que estão vivenciando a situação, a religião não é algo a mais na vida das pessoas, mas sim uma parte integrante de suas vidas e de suas experiências cotidianas (Bruscagin, Savio, Fontes, & Gomes, 2008). Além disso, é preciso reconhecer que a religião expressa uma determinada compreensão de sentido de vida (Ancona Lopez, 2005)"page":"95-120","edition":"Edição: 1ª","source":"Amazon","event-place":"São Paulo"," abstract":"Espiritualidade é um tema fundamental em nosso dias. Está relacionado com o equilíbrio psicológico e a maturidade humana. Está relacionado ate mesmo com nossas posições políticas. A psicologia não podia se furtar ao estudo dessa dimensão da experiência humana. Por isso, esse tema foi escolhido para o V Seminário Nacional de Psicologia e Senso Religioso, que reuniu pesquisadores de diversas universidades brasileiras. Este livro divulga as conferencias, palestras e mesas-redondas acontecidas nesse seminário. Qual a importância da espiritualidade para um movimento de emancipação em psicologia e num contexto interdisciplinar? Como vivenciam a espiritualidade pessoas de diferentes religiões? Essas são algumas das perguntas discutidas aqui.","ISBN":" 978-85-349-2399-6","language":"Português"," editor":[{"family":"Amatuzzi","given":"Mauro Martins"}],"author":[{"family":"Ancona Lopez","given":" Marilia"}],"issued":{"date-parts":[["2005",7,1]]}}}],"schema":" https://github.com/citation-style-language/ schema/raw/master/csl-citation.json"} . Isso significa que, mesmo sendo ateu, o profissional de psicologia que atende uma situação de morte não pode menosprezar aquilo que o paciente apresenta com referência às suas crenças religiosas. Ainda que algumas práticas religiosas também estejam contaminadas por falhas, que precisam ser filtradas e corrigidas, é importante reconhecer que quem fixa o olhar apenas nos erros, deixa de perceber os benefícios que a prática religiosa proporciona ao paciente e seus familiares, afinal o paciente quando entra no setting terapêutico, não deixa sua espiritualidade/ religiosidade na sala de espera (Pargament, 2011), uma vez que a experiência espiritual/religiosa faz parte do seu ser.
Considerações finais
Antes de tudo, devemos recordar que esta pesquisa apresenta um dos olhares possíveis sobre investigações que articulam religião e espiritualidade com a situação de morte e/ou luto, no campo da psicologia. Muitas outras propostas, somadas a esta podem não apenas ampliar o olhar sobre o assunto, mas também despertar aspectos que podem ser usados na intervenção em psicoterapia. A pesquisa mostrou que estudos em psicologia da religião não costumam abordar o tema da morte e do luto, sendo o interesse dos pesquisadores voltado para outros temas nesse campo da psicologia. Por outro lado, também foi percebido que os estudos sobre morte e luto, em psicologia, não abordam com frequência o tema da religião e da espiritualidade, outros são os aspectos mais explorados nos trabalhos localizados nessas pesquisas. A partir dos resultados obtidos, podemos falar de uma lacuna de pesquisas em psicologia que abordem de forma convergente os temas da morte/ luto e religião/espiritualidade. Claramente, entre os artigos selecionados, o tema da morte/luto estava em evidência, enquanto o tema da religião/espiritualidade aparece de forma secundária. Cada pessoa tem seus sistemas de valores e crenças, que muitas vezes não exercem influência na juventude ou na maturidade, mas ganham poder no período terminal da vida (Salles, 2014). Esse autor defende que os profissionais de saúde adotem atitudes de compreensão em relação à crença dos pacientes. O trabalho desse autor da bioética aproxima-se ao de outros pesquisadores da área da saúde como enfermagem e medicina, conforme já evidenciamos anteriormente. Isso nos leva a refletir sobre a possibilidade de pesquisadores da bioética, enfermagem e medicina estarem mais atentos às questões da espiritualidade e religiosidade em relação à situação de morte, que se inicia com o adoecimento grave, do que pesquisadores da psicologia.
Além de percebermos uma grande lacuna na psicologia em relação a estudos convergentes das duas áreas temáticas, espiritualidade/religião e morte/ luto, quando o filtro religioso esbarra no catolicismo brasileiro, a lacuna cresce ainda mais, apesar do elevado número de católicos no país. Esse dado chama mais atenção quando consideramos que o cristianismo católico dispõe de uma organização ritual apropriada à situação de morte, desde o momento em que a enfermidade se agrava e a possibilidade de falecimento se aproxima do moribundo, até o período, não exatamente definido, posterior à consumação da morte. Por razões que ainda podem ser investigadas essas referências estão ausentes das pesquisas, conforme observamos nas buscas realizadas neste estudo. Emerge, assim, um questionamento sobre as pesquisas em psicologia sobre morte, luto, religião e espiritualidade e o interesse pela mais tradicional expressão religiosa no Brasil, o que, certamente, poderá ser abordagem de futuras investigações. Apesar dessa ausência, destacamos importantes possibilidades de colaboração que a psicologia oferece aos padres para que possam melhorar seu desempenho, quando solicitados a atender em situação de morte, uma vez que esses líderes religiosos também podem apresentar dificuldades na compreensão e no agir quando atuam na situação de morte.
O conhecimento esclarecido das angústias do paciente terminal, de seus familiares e também de profissionais de saúde, prepara o padre para um atendimento mais humanizado, que possa ir além de uma breve realização do ritual. Ao se dirigir a um doente em estado grave, é imprescindível a atenção não apenas ao doente, pois muitas vezes seus familiares estão ávidos para falar de seus sentimentos e necessitados de alguém que os escute, de forma acolhedora. O mesmo acontece quando ocorre a solicitação para que o religioso compareça a um velório. Não se trata de dizer algumas palavras e aspergir um corpo com água benta, mas colocar-se inteiramente presente desde a chegada ao velório até o momento da partida, inclusive com disponibilidade para aqueles que expressam mais necessidade de atenção, o que deve ser percebido pela sensibilidade do religioso. Considerar o estresse próprio da situação de morte e ter mais clareza do que pode e deve ser feito, conduz o padre a uma melhor condição para lidar com as diversas manifestações comportamentais durante o atendimento, ainda que a revolta possa ser o sentimento mais forte a ser expresso pelas pessoas emocionalmente impactadas na situação. É inegável, portanto, a contribuição da psicologia ao agir das lideranças religiosas para um atendimento mais completo quando da situação de morte. Por outro lado, este trabalho aponta para as possibilidades de colaboração que a psicologia pode ter ao estender o olhar e as mãos para a esfera da espiritualidade e religião, especificamente em se tratando da situação de morte. Muitas pesquisas são realizadas com pessoas que se encontram em adoecimento grave, o que é muito importante. No entanto, a psicologia não pode deixar de estender sua atenção também aos que ficam após a morte. O olhar clínico da psicologia para os enlutados pode encontrar na vivência da espiritualidade/religiosidade do paciente, uma força que potencializa o enfrentamento da situação. Tanto na prática clínica quanto nas pesquisas, o tema da religião/espiritualidade merece a atenção da psicologia para uma melhor compreensão daquilo que está se passando com a pessoa que vivencia a situação de morte, quer seja em relação à vulnerabilidade da sua própria vida ou à experiência de perda de um ente querido. A religião pode ser uma poderosa estratégia, entre outras, de enfrentamento da perda que se relaciona de forma significativa com a resiliência e o importante papel do psicólogo na prevenção e administração de casos de luto complicado (Tavares & Eugenia, 2016). O trabalho dessas autoras aponta a religião como a principal estratégia de enfrentamento para pessoa com luto normal e a segunda, para casos de luto complicado, em sua pesquisa realizada junto à população mexicana. No Brasil, já falamos em educação para a morte, no que se refere à formação de profissionais da área da saúde e educação (Kovács, 2016). Nessa perspectiva, podemos pensar numa mão que se estende também às lideranças religiosas, que igualmente precisam de atenção específica a respeito de uma educação para a morte, ao passo que também a psicologia pode aproximar-se criteriosamente da espiritualidade/ religião e explorar as contribuições que estas podem oferecer. Ultrapassando o pensamento puramente tecnicista e mensurável, as ciências, inclusive a psicologia, precisam superar o receio, a desconfiança e o distanciamento da espiritualidade/religião no avanço do conhecimento e de possibilidades práticas que contribuem com o edificante esforço de atender às demandas mais profundas do ser humano, como é o caso dos sentimentos gerados e intensamente vivenciados pelas pessoas quando da situação de morte. A rejeição à religião, espiritualidade e religiosidade proclamada durante décadas não extinguiu a experiência religiosa da vida das pessoas. Elas, a espiritualidade, a religião e a religiosidade, apenas tomaram formas diferenciadas das que eram conhecidas e permaneceram cristalizadas durante séculos. O ateísmo, mesmo crescente nos tempos atuais, não supera a identificação das pessoas com as práticas religiosas e as experiências espirituais. No caso do Brasil, o cristianismo, e mais especificamente o catolicismo, além de estarem no imaginário e na vivência religiosa da maioria da população, pode oferecer grande contribuição às ciências, desde que devida e criteriosamente explorados.
Enfim, não restam dúvidas quanto à importância e à necessidade de mais estudos que considerem a interface entre psicologia e religião, que abordem a morte e o luto, pois estamos diante de terreno da psicologia com muitas possibilidades de investigação, tendo claro o respeito devido às fronteiras específicas de cada área. É importante ressaltar a iniciativa do CRP-SP com os seminários de 2015, cuja participação despertou interesse de pesquisadores em todo o país e o resultado foi um volume considerável de manuscritos em torno do tema da religião/ espiritualidade. Apesar disso, ainda são poucos os trabalhos que convergem o tema, aproximando-o da situação de morte.
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Recebido: 30/10/2018
Corrigido: 22/01/2019
Aprovado: 16/04/2019
1 Doutorando em Psicologia Clínica, Núcleo Configurações Contemporâneas da Clínica Psicológica – Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clinica – PUC/SP, mestre em Teologia, mestre em Psicologia, professor de Teologia. (55) 11-982740921 – sergiolucas40@hotmail.com. ORCID 0000-0002-4384-2190.
2 Professora Titular da PUC/SP, Coordenadora do Núcleo Configurações Contemporâneas da Clínica Psicológica do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica - PUC/SP. ORCID: ID 0000.0003-4886-0301