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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.3 no.4 São Paulo  1998

 

ARTIGOS

 

O papel da escola na educação e prevenção em saúde mental1

 

The role of school on education and prevention on mental health

 

 

Sandra Francesca Conte de Almeida

Professora-adjunta, coordenadora do Laboratório de Psicogênese do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília. Doutora em Ciências da Educação e diplomada em Psicologia Escolar pela Université René Descartes, Sorbonne, Paris, França. Psicanalista

 

 


RESUMO

A autora discute o conceito de prevenção e sua relação com o de controle social e, em um segundo momento, apresenta algumas reflexões sobre as possibilidades e limites de atuação da instituição escolar em direção à educação e a prevenção em saúde mental dos alunos.
Tomando por referencial a teoria psicanalítica, o artigo aponta para a impossibilidade radical de eliminação dos conflitos intra-psíquicos e da profilaxia das neuroses, pois não há como garantir uma boa educação que, por sua vez, garanta boa saúde mental ao sujeito. Por outro lado, reconhece-se que o ajustamento da vida pulsional à realidade social é obra da educação e que educadores e escola poderiam orientar a sua ação educativa na direção do reconhecimento da criança como um sujeito desejante.

Escola; saúde mental; desejo.


ABSTRACT

The author discusses in this article the concept of prevention and its relation to social control. Afterwards, she explains some reflections about the possibilities and limits of educational institutions in dealing with education and prevention on the student's mental health.
Using psychoanalytic theory as its reference, the article points to the absolute impossibility of eliminating inner conflicts as well as of creating a prophylaxis of neurosis.

School; mental health; desire.


 

 

Meu interesse, ao abordar este tema, é sobretudo o de discutir o conceito de prevenção e sua relação com o de controle social e, num segundo momento, refletir sobre as possibilidades e limites de atuação da instituição escolar em direção à educação e à prevenção em saúde mental.

Segundo um antigo e conhecido ditado popular, é melhor prevenir do que remediar. A sabedoria popular é, por vezes, boa conselheira. Mas, em ciência, sobretudo em ciências humanas e sociais, nem sempre o senso comum é a melhor orientação a seguir no processo de desvendamento de realidades e de fenômenos sociais ocultos ou escamoteados por discursos ideologicamente determinados.

A atenção, o interesse e a importância atribuídos, nos últimos anos, à questão da prevenção, orientam, atualmente, a elaboração de novas políticas de saúde e de educação e estimulam novas atitudes dos profissionais na gestão das questões e problemas colocados nos campos da educação e da saúde, bem como mudanças de atitudes no trato com os sujeitos-alvo da ação social. A minha convicção é, no entanto, de que quanto mais bem sucedidas são as estratégias sociais ligadas à prevenção social, aí incluídas a prevenção nas áreas de saúde e de educação, assim como a prevenção à marginalização social, à miséria, ao fracasso escolar, dentre outras, mais refinados e sutis são os mecanismos de controle social que se encontram na base e na origem dessas estratégias de intervenção.

As ações preventivas, curativas ou de tratamento constituem uma ação social. Por ação social entendo toda ação planejada e executada com a finalidade de assegurar o controle e a inserção ou reinserção das pessoas à vida familiar, escolar, social e econômica do país. A ação social é exercida através das instituições sociais, sejam elas de caráter repressivo (polícia, Justiça, exército...) ou de caráter ideológico (família, Igreja, escola, meios de comunicação...). A ação social se concretiza, na prática do cotidiano, pela ação mediadora dos agentes sociais, isto é, pelos profissionais que se dedicam ao planejamento, execução e avaliação de atividades, as mais diferenciadas, no campo social, e que funcionam, sobretudo, à base de sistemas ideológicos. Pode-se citar, dentre estes profissionais, o assistente social, o psicólogo, o psiquiatra, o professor.

Os Estados modernos, via instituições sociais, orientam as ações sociais, cada vez mais, na direção de ações preventivas, como pode ser observado ao nível dos discursos sobre a prevenção em saúde (mental e somática) e a prevenção à marginalidade e exclusão sociais.

O conceito de prevenção, no entanto, provoca inúmeras questões e envolve contradições, sobre as quais convém refletir. O que significa, em primeiro lugar, prevenir? O que se quer prevenir, por exemplo, na escola? Quais são as pessoas suscetíveis de uma ação preventiva? Quais são os objetivos de uma ação preventiva?

Vou tomar como ilustração, para definir os vários níveis de prevenção, a ação social de prevenção à delinqüência infanto-juvenil, isto é, a prevenção do desvio social, por este constituir-se, por excelência, no paradigma de uma doença a ser extirpada, ou melhor dizendo, doença a ser, a todo custo, evitada, logo, prevenida.

Etimologicamente, prevenir significa "vir antes, tomar a dianteira". No caso de nossa ilustração, o da prevenção à delinqüência social, ou à inadaptação social, podem-se distinguir três tipos de ações preventivas, segundo a análise proposta por Lascoumes (1977):

a) primária - "prevenção preventiva", centrada nas atividades de lazer de crianças e pré-adolescentes, e na ajuda generalizada às famílias: habitação, higiene, etc.;

b) secundária - "prevenção curativa", visando a impedir os processos de desagregação das relações das pessoas com o ambiente social;

c) terciária - "prevenção da recidiva", visando a impedir uma ancoragem na delinqüência ou na marginalização.

Com base nessa classificação, nosso interesse recai sobre a prevenção secundária ou "curativa", pois a prevenção primária envolve ações e estratégias político-sociais e econômicas, a cargo do Estado, no sentido de prover o cidadão em suas necessidades básicas: emprego, assistência à saúde, habitação, educação, lazer, etc. Já a prevenção terciária confunde-se com as ações de tratamento ou de reeducação. Vê-se, assim, que o conceito de prevenção, não importa o nível em que esta se situe, refere-se, sempre, a uma antecipação de, a um impedimento de, a um adiantar-se a alguma coisa. Envolve, portanto, uma referência a algo que se supõe como negativo, prejudicial, inadequado ou, no mínimo, diferente. Mas, inadequado em relação a quê? Certamente em relação a uma norma, a uma prescrição, a um modelo dado. E tais padrões são determinados por quem? Determinados por todo um sistema social e ideológico dominante, que rege as relações de produção do Estado e as relações sociais das pessoas, entre si, e que invoca, para si, o direito de normatizar a vida dos cidadãos, classificando-os em indivíduos de primeira classe (os ajustados socialmente) e os de segunda classe (os desviantes da norma, os desajustados ou, ainda, utilizando uma expressão cunhada por Costa (1986), os que não correspondem ao tipo psicológico ordinário).

Prevenir, em última instância, significa o exercício de uma forma refinada e muito bem elaborada de controle social, de impedimento de desperdícios de força humana de trabalho, de tentativa de inserção da pessoa ou de classes de pessoas nos mais variados segmentos das relações sociais e de produção, com a finalidade de se evitar qualquer espécie de desvio ou de conflito, sobretudo conflitos no âmbito social. Assim sendo, há de se prevenir, em termos de saúde mental, para se evitar a loucura ou o desequilíbrio, há de se prevenir, na escola, para se evitar reprovações e insucessos escolares, há de se prevenir no trabalho, para se evitar desperdícios de material e de mão-de-obra...

Obviamente, não se trata de fazer a apologia da doença ou dos procedimentos de sua cura e/ou tratamento. Pretendo, apenas, deixar claro que não se previne ingenuamente. Os benefícios sociais (e do Estado), resultantes das ações preventivas, são, provavelmente, relevantes, mas não estou certa de que o sejam, igualmente e na mesma proporção, para os sujeitos-alvo da prevenção, os quais, certamente, pagam um preço, em termos pessoais, subjetivos, pela adaptação conseguida. Pois é certo que, na nossa sociedade, não é qualquer pessoa ou classe social que se presta a uma ação de caráter preventivo. A prevenção destina-se a populações previamente determinadas, segundo o perigo que supostamente representam ou os riscos que correm. Não há ações preventivas, em saúde ou em educação, sem que estes riscos tenham sido antecipadamente estimados. Prevenir supõe, também, como curar, o investimento de recursos humanos, materiais e financeiros. Portanto, é contrário à lógica da prevenção se ocupar de pessoas ou populações que, em princípio, não apresentam indicadores ou riscos de doença, de inadaptação social ou escolar, por exemplo.

Em se tratando de saúde mental e, especificamente, do papel da instituição escolar, prefiro adotar o termo promoção à saúde mental, ao invés de prevenção, em função das implicações ideológico-práticas e das contradições que a análise do termo permite inferir.

Vou me referir aos estudos de Gonzalez Rey (1992), sobre personalidade e saúde, para situar o que neste contexto se entende por saúde e saúde mental.

A saúde é um processo e não um produto a ser alcançado, segundo prescrições e normas previamente determinados. Trata-se de um processo complexo, um processo qualitativo, que supõe o funcionamento integral do organismo, nos seus aspectos somático e psíquico, cuja integração forma uma unidade e onde o prejuízo sobre um aspecto atua, necessariamente, sobre o outro. A saúde, portanto, deve ser conceitualizada levando-se em conta o nível individual, pois "a saúde humana (...) manifesta a vitalidade alcançada por uma população ou um indivíduo para o desenvolvimento de suas capacidades biológicas, psicológicas e sociais" (Aldereguía Henríquez, apud Gonzalez Rey, 1992, p.10).

Segundo Gonzalez Rey (1992), o conceito de saúde deve considerar os seguintes aspectos:

a) a saúde não pode ser identificada como um estado de normalidade, pois a nível individual é um processo único e irrepetido, com manifestações próprias. A saúde não é uma medida, é uma integração funcional que, a nível individual, pode ser alcançada através de múltiplas alternativas;

b) a saúde não é um estado estático do organismo. É um processo que se desenvolve constantemente, do qual participa, de forma ativa e consciente, o indivíduo, na qualidade de sujeito do processo;

c) na saúde se combinam, estreitamente, fatores genéticos, congênitos, somatofuncionais, sociais e psicológicos. A saúde é uma expressão plurideterminada e seu curso não se decide pela participação ativa do homem; este é apenas um dos elementos que intervém no desenvolvimento do processo, pois muitos dos fatores de saúde são alheios ao esforço volitivo do homem;

d) a expressão sintomatológica da enfermidade é resultante da estabilidade das funções e mecanismos que expressam o estado de saúde.

Nestes aspectos incluo a observação de que o sujeito participa do seu processo de saúde, não somente de forma ativa e consciente, mas também de forma inconsciente, pois, como já foi dito, as funções somáticas e psíquicas2 formam uma unidade indissolúvel e se afetam mutuamente.

A saúde é, ao mesmo tempo, um processo humano individual, que tem a ver com a subjetividade do sujeito, em particular, mas que não deixa de ser afetado pelas condições sociais, culturais e históricas da sociedade. Assim é que as noções de saúde e de doença, no âmbito de sua sintomatologia, de suas manifestações e exigências, têm mudado qualitativamente conforme o desenvolvimento dos valores culturais da sociedade.

Seguindo esta linha de raciocínio, trata-se de uma tarefa árdua conceituar saúde mental. Isto porque entramos em campos que se imbricam, de tal forma, que qualquer esforço de teorização malsucedido pode engendrar, nas práticas sociais, equívocos de diferentes ordens e conseqüências. A saúde mental envolve os campos intra-individual, inter-relacional ou intersubjetivo e, ainda, o cultural, enquanto expressão de conhecimentos, valores e ideais postos pela civilização humana. Evito, deliberadamente, discutir a questão da saúde mental a partir de conceitos que se referem às normas, as mais diversas, ou aos conceitos que envolvem as noções de normal e patológico. Em O mal-estar na civilização, texto de 1930, Freud aborda o tema do antagonismo irremediável entre as exigências pulsionais e as restrições impostas pela civilização. Da leitura deste texto pode-se concluir, com Freud, que a capacidade do homem, de amar e de trabalhar, quando realizada sem que uma exclua a outra, é um bom indicador de saúde mental. Este critério parece-me bastante satisfatório, pois articula, de forma excepcionalmente clara, desejo e atividade civilizacional.

Encontramos ainda, na literatura, alguns indicadores de saúde mental ou de uma personalidade sadia que, além de incluírem a capacidade de amar e a capacidade para realizar um trabalho produtivo, incluem, também, outros indicadores, tais como a criatividade ou o potencial criador, a capacidade do eu para integrar experiências negativas, a abertura para novas idéias e para novas pessoas, a preocupação com o próprio eu, com outras pessoas e com o mundo natural, a aceitação da responsabilidade das próprias ações, a busca de transcender os efeitos determinantes e limitantes, na conduta, das incapacidades pessoais e das pressões sociais para o conformismo e a evitação do estresse desmedido (Gonzalez Rey, 1992).

Passo, agora, a discutir o papel da escola na prevenção à saúde mental ou, como prefiro me referir, as suas possibilidades e limites de atuação na promoção do bem-estar e da saúde dos sujeitos em situação de aprendizagem escolar.

A relação que comumente as pessoas estabelecem entre educação e saúde mental, no sentido de que esta depende da primeira, é amplamente discutida em um trabalho escrito por Costa (1986). O autor analisa os esforços educativos dirigidos à prevenção das neuroses e condutas caracterológicas e conclui que "a educação psicológica não produz saúde mental mas reproduz, tão-somente, a ordem social" (p.64).

A educação para a saúde mental supõe, necessariamente, a intenção de que seja propiciada às crianças uma boa educação, isto é, que lhes sejam transmitidos conhecimentos psicológicos capazes de produzir uma boa saúde mental Ora, tanto o conceito de boa educação quanto o de saúde mental são apropriados individualmente e são, também, indiscutivelmente, atravessados pela cultura e pelas normas sociais. Entende-se, portanto, que as concepções de uma boa educação e de uma boa saúde mental serão as mais variadas, dependendo dos sistemas de representação, dos valores e dos ideais dos agentes educativos que estão encarregados de transmiti-las e das representações do grupo social no qual estão inseridos.

Em trabalho anterior (Almeida, 1994), apontei que Freud, em 1900, em A interpretação dos sonhos, chama a atenção para o caráter repressivo da educação, sendo que esta função repressiva não se reduz a uma característica secundária, mas constitui a essência e a razão de ser da prática educativa. Isto porque cabe à educação a imposição de limites e de renúncia às pulsões sexuais. O ajustamento da vida pulsional à realidade social é, para Freud, obra da educação. O mal-estar na cultura, resultado das renúncias e do recalque das pulsões, é o preço que se paga para se viver em sociedade.

Com a psicanálise, reconhecemos a impossibilidade radical de eliminação dos conflitos intrapsíquicos e de profilaxia das neuroses, pois não há como garantir uma boa educação que, por sua vez, garanta boa saúde mental ao sujeito.

A própria natureza e objetivos das funções educativas, o caráter multideterminado do conceito de saúde mental e as implicações ideológico-sociais da ação preventiva permitem concluir que não é possível à escola se assegurar da tarefa de prevenir a doença mental. O que se pode, então, dela esperar, em termos de uma educação para a promoção do bem-estar e da saúde mental de seus alunos?

Na minha opinião, não é pelo fato de a escola e seus educadores se confrontarem com o papel normativo e socializante da educação que o ato educativo, do ponto de vista da subjetividade do sujeito, perde a sua relevância. Sabe-se que as crianças não podem passar sem os adultos e que a condição humana de pertença a uma cultura, de apropriação e de identificação aos significantes do Outro, é necessária e inevitável, sob pena de que as experiências psíquicas vividas pelo sujeito não sejam jamais significadas e socialmente se tornem incomunicáveis.

Acredito que existem experiências educativas mais ou menos patogênicas, mais ou menos promotoras de um certo estado de bem-estar que o sujeito humano almeja alcançar. As finalidades da educação, tanto quanto a sensibilidade subjetiva do mestre que as coloca em ato, no cotidiano de sua prática, têm efeitos os mais diversos, dependendo não somente da objetividade do objeto de conhecimento a ser transmitido mas, sobretudo, das relações intersubjetivas e afetivas que se estabelecem entre aquele que ensina e aquele que aprende. "Essas influências afetivas recíprocas não se desenrolam unicamente num plano consciente; elas atuam em profundidade, de um modo inconsciente e sem que os indivíduos o saibam. (...) Entre o que a criança representa no inconsciente do adulto e o que este pode experimentar conscientemente, há muitas vezes uma considerável diferença" (Mauco, s.d., p.24).

Por outro lado, as exigências sociais, que se impõem através da ação educativa, seja ela obra dos pais ou dos professores, são fundamentais na constituição do Supereu e, conseqüentemente, na constituição da instância do Ideal de Eu. Uma vez constituída esta instância, formada pela identificação ao Supereu dos pais (ou de seus substitutos), a tarefa essencial da educação terá sido cumprida?

Acredito que sim. No entanto, o próprio Freud, em um momento de elaboração de sua teoria, expressou o desejo de que os educadores se familiarizassem com as descobertas da psicanálise e de que se abstivessem da tentativa de suprimir as pulsões pela força, pois a severidade dessas tentativas seriam danosas e inoportunas e levariam à produção de neuroses (Freud, 1913). Freud expressava, portanto, o desejo de encontrar um optimum de educação que causasse um mínimo de dano à criança, no sentido dos educadores evitarem atitudes educativas sistematicamente repressivas e prejudiciais à saúde mental. Ao invés de reforçar a tirania do Supereu, de projetar sobre a criança seu Ideal de Eu, levando para a relação educativa os avatares e vicissitudes de sua própria história pessoal fantasmática, o educador poderia orientar a sua ação e o seu desejo de ensinar procurando, continuamente, o optimum de educação que possibilite a sublimação das pulsões agressivas e perversas em direção a objetivos socialmente aceitos (Almeida, 1994). É certo que a sublimação é um processo psíquico inconsciente. Mas a repressão das pulsões, enquanto resultante de exigências e vontade deliberada do educador, pode ser minimizada ou "prevenida". Para Aragão (1994), "a educação não deveria dar à criança a impressão de que todos os impulsos são perigosos" (p.38). Os educadores que se empenharem na realização dessa tarefa irão se confrontar com uma difícil missão, pois esta requer muito mais recursos pessoais do que materiais ou metodológicos.

Tomo a liberdade de citar algumas passagens da obra de Mauco (s.d.), sobre a relação professor-aluno. "(...) a qualidade das relações humanas é função do grau de maturação afetiva, e essa maturidade não se pode atingir enquanto o indivíduo estiver fixado a modos arcaicos de comportamento em que dominam captação e posse. (...) Para que esta relação leve à maturidade - e seja portanto educativa - é preciso que os próprios educadores tenham atingido o estado de adulto, ou seja, que sejam capazes de relações genitais satisfatórias. Qualquer ação educativa deve ser afirmação dessa superioridade do adulto, que se torna um modelo a imitar e com o qual são possíveis as trocas fortalecedoras da criança. (...) o educador que responde subjetivamente e, logo, captatoriamente, ou de uma maneira agressiva à criança, regressa ao seu nível. (...) Colocar-se no lugar da criança para compreendê-la não significa alienar-se nela, mas manter a distância que facilita a compreensão objetiva da criança e ajuda o educador no seu próprio domínio" (p. 193-194).

Neste sentido, consciente das dificuldades que se colocam para o educador, parece-me perfeitamente compreensível que Freud tivesse expressado o desejo de uma "educação psicanaliticamente esclarecida" (Freud, 1913), e houvesse recomendado uma formação psicanalítica e até mesmo uma análise pessoal aos educadores. Isto não o impediu, todavia, de alertar para o fato de que "o trabalho de educação é sui generis: não deve ser confundido com a influência psicanalítica e não pode ser substituído por ela" (Freud, 1925, p. 342).

Se a escola não tem como assumir a tarefa de garantir a saúde mental do aluno, pois não há nenhuma possibilidade de assegurar uma educação cujos efeitos sejam previsíveis, ela pode, no entanto, se esforçar para reconhecer, no aluno, um sujeito desejante, um sujeito a quem se atribui o direito à palavra e o direito de expressar emoções, afetos e angústias. O professor que se vê alvo das identificações e da transferência do aluno reage, a estas moções, segundo a sua sensibilidade, a sua formação e, sobretudo, em função de seu desejo inconsciente. Pode projetar no aluno suas próprias fantasias e seu Ideal de Eu e enveredar por embates e rivalidades imaginários, que alienam e subjugam o desejo da criança ao desejo inconsciente do professor. Pode, inversamente, articular as moções infantis ao nível da linguagem simbólica, permitindo à criança expressar, pela palavra, seus desejos, conflitos e tensões.

O reconhecimento da angústia, da falta e do conflito, inerentes ao sujeito humano, pode auxiliar o educador a reduzir suas esperanças educativas (megalomaníacas) e a melhor compreender e a aceitar os limites de sua própria ação (Aragão, 1994).

Para que a escola e o educador cumpram uma função continente, capaz de abrigar e de conter, no seu interior, as múltiplas, surpreendentes e conflitantes manifestações do desejo infantil, há de se reconhecer que o que a criança deseja é ser amada. E é pela palavra e pelo desejo do Outro que a criança se reconhecerá e espera ser reconhecida.

Apesar de Freud ter se referido à educação como uma tarefa impossível, não o vejo como "antipedagogo", mas, antes, como um crítico implacável da pedagogia tradicional "ortopédica". Como a psicanálise não ensina verdade alguma, a não ser a verdade do sujeito, quando esta se faz palavra, a ordem simbólica, que faz do sujeito um efeito do significante, permite-me concluir que Freud, com seus ensinamentos e com sua palavra, oferece aos educadores ocasião para reflexão sobre os fundamentos e os meios da educação, permitindo-lhes apropriar-se de sua prática, questioná-la e articular as relações entre conhecimento, saber e desejo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOTAS

1 Texto reelaborado a partir de uma palestra proferida na Universidade Católica de Brasília, na II Semana de saúde mental, em novembro de 1995.
2 Adoto, aqui, a concepção freudiana do aparelho psíquico.